Novas tecnologias da informação e comunicação e sua relação com a educação: problematizações e apontamentos para a Educação Física escolar
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- Vitória Salazar Melgaço
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1 Novas tecnologias da informação e comunicação e sua relação com a educação: problematizações e apontamentos para a Educação Física escolar JOÃO GENARO FINAMOR * 60 Resumo O artigo objetiva realizar um debate sobre as novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC s) na educação escolar a partir de dois elementos: a formação de uma nova sociabilidade, pautada no conceito sociedade do conhecimento; e as alterações no mundo do trabalho. Buscando estabelecer uma relação dialética entre a inserção das NTIC s na educação e um contexto de avanço das pedagogias do aprender (DUARTE, 2001a), relacionamos esses elementos com a totalidade das relações capitalistas. Por fim, traremos apontamentos dentro da especificidade da Educação Física tentando superar o simples debate pragmático sobre a necessidade ou na das NTIC s nas aulas de Educação Física. Palavras chave: NTIC s, Sociedade do Conhecimento, Mundo do Trabalho, Educação Escolar. New information and communication technologies and their relationship with the education: problematizations and notebooks for the school Physical Education. Abstract This article aims to hold a debate on the new information and communication technologies (NICT's) in school education based on two elements: the formation of a new sociability, based on the concept knowledge society; and the changes in the world of work. In an attempt to establish a dialectical relationship between the insertion of the NTIC's in education and a context of progress in the "pedagogy of learning", we relate these elements with the whole of capitalist relations. In the end, we will introduce notebooks within the specificity of Physical Education in an attempt to overcome the simple debate pragmatic about the need or in the NTIC's in Physical Education classes. Key words: NTIC's, a Society of Knowledge, World of Work, Schooling Education. * JOÃO GENARO FINAMOR é graduando Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria.
2 Introdução O debate sobre as mídias e as novas tecnologias dentro da educação escolar vêm ganhando força nos últimos anos, tamanho é a importância com que esse tema tem sido tratado na atualidade. Notamos que, no Brasil, o processo de entrada das novas tecnologias e mídias na escola se intensifica a partir do limiar do século XXI, num movimento de reordenamento da escola brasileira. Para Gentili (1998), a partir da década de 1990, as propostas neoeconomicistas 1 começam a orientar mais fortemente os currículos escolares. A escolaridade é interpretada como um elemento fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a capacidade competitiva das economias e, conseqüentemente, o incremento progressivo da riqueza social e renda individual (BLAUG, 1975; SCHULTZ, 1973 apud GENTILI, 1998, p. 80). Situamos como ponto de partida da análise o movimento do capitalismo a partir da década de para o entendimento de como esse fator acarretou na tentativa cada vez mais forte de legitimação das NTIC s na educação escolar. A crise do capital da década de 1970, fenômeno caracterizado por uma profunda recessão, com um amálgama de baixas 1 As propostas neoeconomicistas são as que recuperam o núcleo central da teoria do capital humano dentro do contexto educacional. Dentro dessas propostas, a educação, principalmente a educação elementar, é vista como ponto crucial na formação de força de trabalho para os mercados emergentes assim como núcleo central de formação de uma subjetividade que respalde a sociabilidade neoliberal. 2 Vale lembra que durante essa década o capital entra em sua crise estrutural (MÉSZÁROS, 2009). Esse acontecimento faz com que o capital se reorganize, tentando encontrar novos lócus de exploração bem como ampliando os já existentes. Isso justifica a intensificação dos ataques à escola pública desde esse período. taxas de crescimento e altas taxas de inflação, colocou ao capital a necessidade do reordenamento do seu modo de reprodução, que estava ainda assentado sob a base taylorista/fordista. Juntamente a esse movimento, houve também a necessidade de legitimar esse reordenamento através da alteração da subjetividade humana, surgindo então conceitos como o de sociedade em rede, sociedade informática, sociedade pós-industrial, sociedade do conhecimento etc. A formação do novo trabalhador e da nova sociabilidade são apenas dois pontos reelaborados no período de crise do capitalismo. Foge do alcance desse artigo realizar uma análise mais detalhada da totalidade dos elementos nascentes desse período em consonância com as alterações do mundo do trabalho e a formação de uma nova sociabilidade, como a desregulamentação de mercados, a financeirização da economia entre outros. Dentro da educação, termos como Sociedade da Informação e Competências Educacionais começam a emergir mais fortemente. Frigotto (1995), quando trata das metamorfoses conceituais no campo educacional, traz elementos que buscam apreender o surgimento de alguns desses conceitos estabelecendo uma íntima relação com as necessidades econômicas, o que nos leva a hipótese de que as novas tecnologias adentram o espaço escolar muito mais por uma necessidade de justificar a nova sociedade, que se apóia nos pilares do neoliberalismo, mas não rompe com a lógica do capital, juntamente com a formação da força de trabalho necessária para o novo modo com que as empresas se organizam. Dialogamos com autores como Duarte (2003) para tratar de modo crítico a chamada sociedade do conhecimento e 61
3 trazer alguns pontos de reflexão sobre as implicações das mídias dentro da educação; e Antunes (1998), para fazer um recorte das mutações no mundo trabalho, que tem como principal característica a inserção da produção flexível, contrariando o modelo enrijecido que caracterizava o taylorismo/fordismo. Cabe aqui colocar que esse tema não se esgota nas formulações desses autores. Preferimos utilizar essas referências pela possibilidade de tratar os dois assuntos de modo complementar, não se apresentando enquanto elementos desarticulados da realidade. Portanto, tentaremos fazer uma problematização mais profunda dentro do campo da educação com vistas a melhor analisar de que modo e com que efeito tem acontecido a entrada das NTIC s na Educação Física escolar. Tecnologias, mídias e sua necessidade para o movimento do capital A adentrada cada vez maior das NTIC s 3 dentro do contexto escolar nos traz algumas inquietações, tanto de ordem instrumental, como o debate sobre os meios utilizados para o trabalho com as novas tecnologias e a possibilidade de as escolas adquirirem tais meios, como também no que tange à sua interferência no conhecimento. Decorre daí duas problematizações, as quais tentaremos fazer um esboço antes de considerarmos a relação das NTIC s 3 É importante frisar que as tecnologias e máquinas estiveram presentes na produção capitalista antes mesmo da revolução industrial ou da reestruturação do trabalho. O que acontece é uma intensificação desses elementos dentro do processo produtivo. Frigotto (1995) difere esse processo através dos conceitos de tecnologia rígida e tecnologia flexível, mostrando que essas últimas constituem as características das máquinas, robôs e tecnologias que começam a predominar na nova configuração do trabalho. com a Educação Física escolar. A primeira é como tem se dado o acesso às NTIC s dentro da escola e quais as implicações disso, visto que a maioria dos debates que consideram como positivo a inserção das NTIC s na escola utilizam o argumento de que vivemos na era da democratização da informação e a escola deve participar ativamente desse processo. E a segunda é qual a relação da inserção das NTIC s com o movimento mais geral da sociedade. Desde a construção das orientações legais mais gerais da educação básica, dentre elas os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ambos nos anos 90, e a recente crescente de construção de referenciais curriculares nos estados brasileiros, nota-se a importância cada vez mais forte dada à tecnologia, incluindo aí a mídia, dentro de todos os níveis de ensino. A LDB, por exemplo, tem um capítulo destinado somente à educação profissional e tecnológica, o qual orienta a educação tecnológica dentre os diferentes níveis de ensino e modalidades da educação, assim como a vincula a áreas como o trabalho, ciência e a tecnologia. Os PCN s, seguindo o mesmo rumo, também destinam algumas elaborações para justificar a presença das tecnologias relacionando-a com as mudanças da sociedade. Não basta visar à capacitação dos estudantes para futuras habilitações em termos das especializações tradicionais, mas antes trata-se de ter em vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de 62
4 profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, aprender a aprender. Isso coloca novas demandas para a escola (BRASIL, 1997, p. 28). Alguns autores justificam essas elaborações pelo fato de estarmos vivendo em uma sociedade chamada de pós-industrial, que não tem mais nas classes sociais e no trabalho eixos centrais da análise das relações sociais. Assim, a escola, caso não se adapte aos novos ditames sociais, estaria conformada à formar alunos para um período que não mais existe, restando à ela incluir, por exemplo, as NTIC s como parte constitutiva dos currículos escolares. Em contradição ao pensamento acima referido, outras análises visualizam o fato sob outra ótica, fazendo a defesa de que a inserção das NTIC s nos currículos escolares tem outra fundamentação, que só pode ser entendida a partir de uma análise mais ampla. Lima (2005, p. 55) 4, por exemplo, afirma que: A introdução das inovações tecnológicas é regida, no capitalismo, pelo movimento do capital no sentido de elevação da 4 Na mesma obra é realizado um debate sobre o conceito leninista de imperialismo, bem como sua caracterização, para, conjuntamente a isso, serem consideradas o papel das o papel das NTIC s na atual fase do capitalismo. A partir daí podemos chegar a síntese de que o conceito de imperialismo, com todas suas particularidades resultante da conjuntura atual, se mantém, assim como todas as relações capitalistas, sob outros determinantes. Portanto, quebram-se todos os argumentos que afirmam que vivemos numa sociedade que conseguiu transcender o capitalismo. taxa de mais-valia, constituindo, inclusive, efetivas mudanças na própria organização social do trabalho. Apesar de o projeto hegemônico considerar que o uso das NTIC s coloca a possibilidade da conformação da sociedade póscapitalista (Drucker), da revolução informacional e de uma sociedade pós-mercantil (Lojkine), da sociedade em rede (Castells) e da sociedade informática (Shaff), o que se verifica na realidade é o aumento do controle e da exploração do trabalho, elementos integrantes da lógica de acumulação do capital. Portanto, faz-se necessário pensar nesse movimento contraditório existente entre diferentes bases teóricas para que possamos formar uma nova síntese. Já que estamos nos referindo à incessante entrada das novas tecnologias na educação e a crescente abertura que as políticas públicas na educação têm oferecido para a inserção dessas tecnologias, faz-se necessário analisar como tem se dado o acesso dos brasileiros às NTIC s, buscando evidenciar se realmente está acontecendo a democratização do acesso às NTIC s e se o discurso que se apóia sob esse ponto possui sustentação. A representação da UNESCO no Brasil, grande interessada na dissipação das NTIC s, publicou em 2008 uma série de folhetos, em formato de documentos, intitulada Tecnologia, Informação e Inclusão: TICS na escola, sobre questões relacionadas ao acesso às novas tecnologias, informação para todos, computador na escola e juventude e internet. No seu Volume I, destinado a uma análise do acesso às novas tecnologias, são divulgados alguns dados sobre a realidade brasileira. Conforme a pesquisa: 63
5 Mais da metade dos brasileiros (54,4%) nunca usou um computador. Menos de 20% têm o equipamento em casa, e apenas 14,5% dos domicílios com computador estão ligados à rede mundial. Entretanto, 45,6% dos entrevistados afirmaram já ter usado um computador, e 33% acessaram a internet pelo menos uma vez na vida ou seja: 67% nunca navegaram na internet (UNESCO, 2008). O referido estudo nos aponta um paradoxo vivenciado não somente entre a população de um mesmo país, como o Brasil, onde somente uma parcela da sociedade tem acesso às novas tecnologias, mas também uma diferença existente entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O que fica evidente é que nos países tidos como em processo de desenvolvimento aconteceu uma grande abertura de mercados para o capital monopolista, sendo a telefonia, a internet, TV, entre outros, privatizados. Dados apontam que mais de 2,4 mil municípios dos cerca de 5,5 mil 5 existentes no país estão sendo ignorados pelas empresas de telefonia e internet. Nota-se, portanto que, mesmo com um tímido aumento no número de aparelhos eletrônicos no país os microcomputadores vêm tendo alta procura nos mercados, acarretando no crescimento anual de pessoas que tem acesso a ele, como no intervalo de 2005 a 2006, quando os índices passaram de 16,6% para 19,6% - fica cada vez mais difícil o acesso da população às mídias e novas tecnologias. 5 Dados retirados em notícia divulgada no site Terra em 23 de maio de O orçamento geral da União também traz dados sobre o investimento em educação e tecnologias. Segundo o relatório, em 2010, o investimento em ciência e tecnologia foi de apenas 0,38% do PIB Brasileiro. Como corolário da falácia da promoção do acesso às NTIC s pela população vem acontecendo um período de expansão dos mercados em busca de lócus de consumo de produtos. A globalização econômica, além de não representar na prática o desenvolvimento de todos os locais do mundo, ainda tem aumentado as desigualdades econômicas entre norte e sul. Se a partir da década de 1960 o Brasil entra num período de desenvolvimentismo, alimentando as indústrias e a produção de produtos industrializados que demandavam maior grau de produção do conhecimento, a partir da década 1990 o país vive um período de desindustrialização, passando a não mais produzir conhecimento nem tecnologia e muito menos produtos oriundos da indústria nacional. O país passa então a consumir a tecnologia estrangeira. Vale ressaltar que esse fenômeno não ocorre acidentalmente, mas sim através de tratados e acordos, no qual os países subdesenvolvidos consumirão produtos e tecnologias dos países desenvolvidos como forma para que os grandes conglomerados industriais, alocados nos países centrais do capital, possam continuar com suas elevadas margens de lucro. Ainda dentro do país, vimos que o maior investimento em NTIC s tem ocorrido no sul e sudeste, lugares que possuem maior concentração de empresas, bancos e movimentações do capital financeiro. Fica visível, portanto, que as NTIC s têm sido uma necessidade do capital, sendo que sua expansão para o acesso da população não gera nenhum interesse por parte das empresas, considerando que a contrapartida em lucros dos investimentos das NTIC s em regiões como o nordeste e o norte seriam insignificantes. 64
6 As NTIC s incorporam um conjunto de áreas: informática, microeletrônica, telecomunicações, ciências da computação, engenharia de sistemas e de software e criam a imagem de uma nova sociedade, uma sociedade pós-capitalista, um capitalismo da informação ou sociedade da informação ou sociedade informacional. Apesar destas noções da ideologia burguesa, que defendem a superação dos componentes estruturais do capitalismo, as inovações tecnológicas lideradas pelas NTIC s ocorrem no quadro da sociedade capitalista, estão submetidas às contradições desse sistema e estão a serviço dos interesses econômicos e políticos da burguesia internacional. (LIMA, 2005, p.56). Em síntese, notamos que a retórica da importância das NTIC s na escola para a democratização do seu acesso não tem sustentação. Também os dados nos demonstram a necessidade do investimento em NTIC s por parte do capital com o intuito de fornecer novos produtos, abrir novos mercados e acelerar seu ciclo de produção e valorização. Sendo assim, o papel do Brasil dentro desse contexto tem sido o de mero consumidor de tecnologias. NTIC s e a relação com a instituição escolar: do reordenamento da escola brasileira à sua adentrada nas aulas de Educação Física A escola brasileira que adentra ao século XXI convive com inúmeros problemas e um processo de reorganização, tendo em vista a nova morfologia social que se configura a partir da década de 1990 nos países subdesenvolvidos, indo desde a falta de investimentos por parte do estado, gerando o sucateamento da estrutura física, até a precária organização dos currículos escolares, baseadas em referenciais curriculares na linha do professor e alunos reflexivos, o que não corresponde às necessidades da escola, levando ao conseqüente empobrecimento do conhecimento dentro da instituição escolar. Nas aulas de Educação Física a situação também se repete. Além da falta de materiais, não há, na maioria das vezes, uma organização dos conhecimentos da cultura corporal que dê base para que os alunos possam ter acesso a todos os conhecimentos da Educação Física. Para entendermos o porquê da exacerbada falta de investimentos na Educação Física escolar e a necessidade de legitimação do discurso da necessidade das NTIC s dentro das aulas de Educação Física, recorremos a um breve recorte da sua história. Tentaremos estabelecer uma base de análise para o entendimento da relação das NTIC s com sua inserção dentro da escola e nas aulas de Educação Física e a crescente necessidade de formação de trabalhadores que se ajustem ao perfil profissional exigido pelo atual mercado de trabalho. Reportamo-nos, então, a Soares (2004), para um entendimento do papel político que a Educação Física escolar teve desde sua sistematização, bem como o respaldo social que tinha diante da população. É nesta perspectiva que podemos entender a Educação Física como a disciplina necessária a ser viabilizada em todas as instâncias, de todas as formas, em todos os espaços onde poderia ser efetivada a construção deste homem novo: no campo, na fábrica, na família, na escola. A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados, e se faz protagonista de um corpo saudável ; torna-se 65
7 receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade e, deste modo, para a integrar discurso médico, pedagógico...familiar. (SOARES, 2004, p.9) Claro está que essa citação nos remete ao um período passado na história do desenvolvimento econômico, caracterizado pela industrialização. Mas claro está também que desde aí a Educação Física já se compromete a assumir demandas das classes dominantes, como adaptar o homem ao trabalho fabril e a controlar doenças e epidemias que começaram a tornaremse freqüentes na época. As aulas, caracterizadas pela repetição de exercícios e gestos e a própria concepção de ciência presente dentro da Educação Física escolar nesse período torna clara seu papel de alinhamento à política das classes dominantes, no caso a burguesia industrial nascente. Não temos por objetivo retratar a história da Educação Física na íntegra, mas interessa entender essa ligação que acontece entre as aulas de Educação Física e as demandas da classe dominante. Esse movimento acontece ao longo de todo século XX, indo desde o período higienista, passando pelo estado novo, a ditadura militar e até mesmo a reabertura democrática a partir da década de É nesse ponto da história que nos interessa estabelecer um ponto de demarcação para o entendimento do porquê do atual e pesado debate sobre a necessidade da inserção das NTIC s nas aulas de Educação Física. Nesse período, as demandas da classe dominante brasileira se alteram, e a política hegemônica é a de alinhar o país ao projeto de mundialização do capital (CHESNAIS, 1996). Para isso, e como país de capitalismo dependente, de acordo com Traspadini e Stedile (2005) o país passa a adequar sua economia e principalmente seu sistema educacional para formação de mão-deobra para o trabalho nas empresas que aqui começam a se instalar através das privatizações e da abertura do país ao capital internacional. As disciplinas escolares passam a privilegiar as competências, o raciocínio lógico e pensamento abstrato necessário para o trabalho juntamente às novas tecnologias e a se despreocuparem com o conteúdo em si. Dentro desse contexto a Educação Física escolar não consegue contribuir, pois a sua própria estrutura de aula, juntamente com a especificidade do seu conteúdo, dificulta o trabalho com vistas ao desenvolvimento dos aspectos necessários para a formação do aluno em conformidade com a nova configuração do trabalho que surge. Concordamos com Nozaki (2003, p. 12), quando afirma que: Ao mesmo tempo em que o campo da formação humana se reconfigura atualmente para formar um trabalhador polivalente, com capacidade de abstração, raciocínio lógico, crítica, interatividade e decisão, por outro lado, a educação física, como veio sendo gestada pelos modelos hegemônicos, foi sempre vista como uma disciplina reprodutora de movimentos. Se considerarmos que historicamente nos projetos higienistas, militaristas e esportivistas, esta era ligada, sob o ponto de vista dominante, a uma formação de um corpo disciplinado a obedecer subordinadamente, adestrado a repetições de exercícios e visando a aptidão física modelo este próprio do fordismo/taylorismo, percebemos que a educação física, para esta nova perspectiva, acabou perdendo, sob um ponto de vista imediato, sua centralidade na 66
8 composição do projeto dominante, como historicamente costumou ter. Portanto, para o projeto hegemônico, a Educação Física escolar perde seu papel e, juntamente a isso, seu respaldo social, sendo que é até mesmo cogitada a não obrigação das aulas de Educação Física. Para que ela consiga retomar seu rumo e conciliar-se aos interesses do projeto de desenvolvimento nacional, calcado na formação de mão-de-obra, a entrada das NTIC s nas aulas de Educação Física tem virado o único fator de legitimação da sua importância para a escola. Em suma, a falta de maiores investimentos decorre de que a Educação Física escolar perdeu seu papel na formação de alunos aptos ao mercado de trabalho, sendo que para a retomada desse caminho, cumprem um papel fundamental as NTIC s. Esses lineamentos harmonizam-se com o peculiar interesse dos empresários pelo trabalhador de novo perfil, dotado de maiores competências técnicas e atitudinais, mais adequadas a produção flexível. A formação desse novo perfil, por sua vez gerou novas demandas para o campo educacional. Vale ressaltar que a preocupação dos empregadores brasileiros ultrapassou as fronteiras da educação profissional, voltandose especialmente nos anos 1990, para a educação básica (MORAES e TORRIGLIA, 2003, p.8). Concordamos, portanto, com as assertivas de que às NTIC s têm cabido um papel central no processo de mercantilização da educação, ainda que com muita freqüência isso nos leve a considerar que sua utilização tem acarretado a um processo de internacionalização e de democratização do acesso à educação (LIMA, 2005). A formulação e adentrada das pedagogias neoeconomicistas, como bem já mencionamos no início deste trabalho, não só ganha força pelo peso político dos sujeitos coletivos que as defendem, como FMI e a UNESCO, como tende a alterar a subjetividade e o modo de organização do trabalho docente 6. Já vimos também que o debate a cerca de que o papel dos professores hoje engloba a oportunizar os alunos ao trabalho com as NTIC s porque há uma necessidade dos mesmos se atualizarem frente às mudanças tecnológicas atuais não se sustenta, considerando que, como bem os dados nos mostram, não há um processo de democratização do acesso à tecnologia no país. Consideramos que dentro do campo da Educação Física, a inserção das NTIC s começa a ter alguma legitimidade pela situação precária das escolas e a falta de materiais para o desenvolvimento das aulas. Porém é a partir desse ponto que devemos tomar cuidado com algumas afirmações em voga, que muitas vezes viram chavões, mas que não se consolidam dentro dos debates da área por mero acaso, mas sim com um fim bem definido. Refiro-me aqui a algumas afirmações que, por exemplo, buscam deslegitimar o papel do professor de Educação Física na mediação do conhecimento, cabendo à ele somente organizar as aulas, mas não o conhecimento. Outro fator fundamental que devemos problematizar é o de considerar as NTIC s como os 6 Vimos que essas pedagogias têm sua base voltada para a formação de uma nova sociabilidade, na qual a escola é um elo central de difusão do pensamento hegemônico, assim como para a formação de força de trabalho esse segundo processo acaba muitas vezes escamoteado pela força de consenso que tais pedagogias possuem. 67
9 principais meios por onde o aluno apreende o conhecimento sistematizado. Duarte (2003) nos traz alguns pontos interessantes de analisarmos em relação à retórica que legitima a entrada das NTIC s dentro das aulas, tendendo a desconsiderar os conteúdos propriamente ditos. Tentaremos fazer aqui uma relação com as aulas de Educação Física. O primeiro ponto é que são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências (DUARTE, 2003, p. 7). Essa primeira grande falácia vem interligada com o discurso da necessidade de instigarmos a criatividade do aluno. Para essa criatividade são associados equipamentos, materiais, com que o aluno se relacione e possa formular o conhecimento, ou seja, cria-se a necessidade da inserção das NTIC s nas aulas. Além de deslegitimar o papel do professor não há o porquê da existência do professor se as aprendizagens que o aluno realiza por si mesmo têm uma qualidade superior faz com que legitimemos o senso comum dentro das aulas..esse discurso, portanto, calcado nos métodos escolanovistas, tende a considerar o ensino escolar como pesquisa, e pesquisa sem base nenhuma Portanto, podemos ver que um discurso tão em voga, como o da necessidade de instigar a criatividade do aluno, de deixar ele próprio apreender o conhecimento, sem a ajuda do professor, constitui-se numa contradição em termos. É muito comum nas aulas de Educação Física utilizar essa referência para deixar o aluno brincar, correr, pular, experimentar as mais variadas possibilidades de gestos e práticas corporais para que se auto-eduque. Além de nenhuma sustentação teórico/prática, isso só tem legitimado a necessidade da entrada de NTIC s dentro das aulas de Educação Física. O segundo ponto tratado pelo autor diz respeito à afirmação de que o método de construção do conhecimento é mais importante que o conhecimento já produzido socialmente (DUARTE, 2003, p. 9). Esse ponto, como bem salienta o autor, é intimamente relacionado ao primeiro, e, dentro do avanço do raciocínio encabeçado pelos defensores da sociedade do conhecimento, também abre brechas para a justificativa da necessidade de inserção das NTIC s nas aulas de Educação Física. Não nos deteremos em fazer uma análise mais precisa de como essa acepção está inserida nas aulas de Educação Física porque ela tem acarretado quase as mesmas conseqüências da primeira acepção. O que consideraremos aqui como terceiro ponto que visa justificar a inserção das NTIC s nas aulas de Educação Física, e a que tem mais se expressado nos discursos e documentos dos defensores da sociedade do conhecimento é o de que a Educação deve preparar os alunos para uma sociedade que está em constante e intenso processo de mudanças (DUARTE, 2003). Entendemos que é aí que chegamos à essência do fenômeno da inserção das NTIC s na educação e na Educação Física. É aí que todo o arcabouço que sustenta os vários conceitos e discursos dos defensores da sociedade do conhecimento é exposto com clareza na sua plenitude. E é aí também que percebemos a relação existente entre a 68
10 inserção das NTIC s na Educação e seu papel na formação de força de trabalho. Como já supracitado, vimos que a Educação Física perde espaço dentro da escola quando não mais se adapta aos novos padrões de formação do trabalhador. Visualizamos que o pensamento hegemônico tenta formular a seguinte asserção: Nada melhor para a resolução desse problema se considerarmos a possibilidade da inserção das NTIC s nas aulas de Educação Física. Talvez isso ainda não tenha ocorrido pela especificidade da Educação Física, que tende a dificultar outros tipos de aulas que não os que utilizam-se de bolas, quadra, redes etc. Por outro lado, percebemos que estão sendo elaboradas alternativas de aulas, que utilizam equipamentos eletrônicos para a própria vivência dos elementos da cultura corporal. Referimo-nos aqui ao caso da utilização do videogame como elemento central nas aulas de Educação Física, no qual o aluno movimenta-se de acordo com os comandos da máquina. Cabe aqui outra problemática, breve, em cima do exemplo acima. Se as escolas passarem a adotar jogos virtuais nas aulas de Educação Física, ou tenderem a fazerem investimentos maciços em recursos tecnológicos, quem fará os investimentos para tal? O estado, que perde cada vez mais seu papel no financiamento da educação? 7 Ou as empresas, introduzindo uma lógica empresarial na instituição 7 Em 2009 o investimento em educação no país era de cerca de 4,6% em relação ao PIB e em 2010 o investimento geral do orçamento da União em educação chegou aos míseros 2,89% do PIB. Vimos aí a crescente desvalorização do investimento em educação no país, o que abre fendas de inserção para que a iniciativa privada a financie e a transforme de um direito social a um serviço. escolar? São algumas problematizações, necessárias. Em suma, os processos de privatização da escola pública, as políticas de consenso e a tentativa de legitimar a entrada das NTIC s na Educação são, cada uma, partes isoladas de um mesmo movimento articulado. Considerações finais Consideramos sim que as NTIC s cumprem um importante papel nos movimentos que a educação realiza nos últimos anos. Porém ao verificar a que tem servido esse movimento, nota-se que ele tem fortes vínculos com o movimento mais geral da sociedade, necessário ao capital e, portanto, servindo a ele. Por isso, faz-se necessário situarmos algumas possibilidades no trato com as tecnologias durantes as aulas de Educação Física, possibilidade que excede a simples utilização de equipamentos ou instrumentos impregnados pelas novas tecnologias. Como elemento propedêutico, há a necessidade de entender o que é tecnologia. Para Marx: a tecnologia revela o modo de proceder do homem com a natureza, o processo imediato de produção de sua vida material e assim elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que dela decorrem (Marx apud GAMA, 1986, p. 208). Dentro das aulas de Educação Física, todos os materiais utilizados possuem tecnologia, até mesmo uma simples bola de futebol. Há uma necessidade concreta de fazer com que os alunos apropriem-se desse saber, indo desde o entendimento do conceito de tecnologia até o entendimento do processo histórico da produção dessas tecnologias. Assim, abrimos um campo 69
11 que possibilitará elevar o nível cultural dos alunos, instrumentalizando-os para que esse conhecimento seja colocado em movimento através da prática social de cada aluno. Uma pedagogia histórico-crítica, comprometida com a educação das classes subalternas, também possui possibilidades de encampar nas aulas de Educação Física debates sobre a utilização das tecnologias. Um exemplo pode ser o debate sobre o processo e construção dos materiais utilizados nos jogos, bem como sua evolução histórica, relação com os objetivos de jogos, esporte, etc. Utilizamo-nos novamente de Duarte (2001b, p. 39), para quem, É nesse contexto teórico, portanto, que defendemos uma concepção de educação escolar como mediadora, na formação do indivíduo, entre a esfera da vida cotidiana e as esferas não-cotidianas da objetivação do gênero humano, fazendo com que o aluno transcenda a esfera do entendimento do mundo em si para uma perspectivado entendimento para si, como bem ressalta Duarte (2001b). Colocamos claramente, portanto, que a tecnologia não é negada a partir de uma concepção crítica de educação, apenas não é considerada unilateralmente, através da simples utilização de equipamentos. Ela utiliza-se da tecnologia para educar as classes oprimidas, para por ao acesso dessas classes o que há de mais avançado na produção do conhecimento para que haja, por parte desses setores da sociedade, uma compreensão nítida da realidade social complexa e contraditória. Referências A NOTÍCIA. Investimento em educação representa 4,6% do PIB brasileiro. Disponível em: p?uf=2&local=18§ion=geral&newsid=a xml. Acesso em 15 de junho de AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Orçamento geral da união Disponível em: /document_view. Acesso em 05 de julho de 2011 ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 5 ed. São Paulo: Cortez, BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, BLAUG, M. Introdução à economia da educação. RJ: Editora Globo, CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, DUARTE, N. As Pedagogias do Aprender a Aprender e Algumas Ilusões da Assim Chamada Sociedade do Conhecimento. XXIV Reunião Anual da ANPED. Caxambu, Minas Gerais, outubro de Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vygotsky. 3 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2001b.. Sociedade do Conhecimento ou sociedade das ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP: Cortez, FRIGOTTO, G. Os delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional. IN: GENTILLI, Pablo. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, GAMA, R.. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel: Editora da Universidade de São Paulo, GENTILI, P. Educar para o desemprego: a desintegração da promessa integradora. IN: FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes,
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