AULA 3. Antropometria Conceito e evolução
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- Valentina Santos da Fonseca
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1 Universidade Ibirapuera Arquitetura e Urbanismo CONFORTO AMBIENTAL: ERGONOMIA E ANTROPOMETRIA AULA 3 Antropometria Conceito e evolução Profª Mª Claudete Gebara J. Callegaro claudete.callegaro@ibirapuera.edu.br
2 A NATUREZA COMO REFERÊNCIA
3 Sermão da Flor: Dizem que certa vez Sidarta Gautama (Buda, entre séc. VI e IV a.c., Índia) fez um sermão sem dizer uma só palavra. A flor de lótus nasce em água lodosa (desejos carnais), mas desabrocha sobre a água em busca de luz (promessa de pureza e elevação espiritual). Ficou vários minutos parado, em silêncio. Seus discípulos chegaram a ficar preocupados de que talvez estivesse doente ou cansado. Então ele lhes mostrou uma flor de lótus retirada da água lodosa, e continuou em silêncio. Os discípulos tentavam interpretar aquilo, mas apenas um obteve um entendimento especial, alcançando uma sabedoria, mesmo sem palavras. Imagem de flor de lótus. Fonte: < cados.com.br/florde-lotus/> A flor de lótus ( padma em hindi) comparece em mitos hindus, gregos, japoneses, e tem grande significado para o Budismo.
4 As relações harmônicas que a flor traz em si talvez tenham ajudado a mestre e discípulo sintonizarem entre si e se elevarem para o entendimento de todas as coisas (sabedoria). Mas essas relações harmônicas também estão impressas de outras maneiras na natureza. Percebê-las é como que materializar a ideia de que existe certa ordem no cosmos. Pavão. < Concha. < Pinhas. <
5 Girassol. < om.br/2012/08/o-girassol.html> Dupla espiral em girassol. (DOCZI, 1990, p.4)
6 Frutas cortadas. < Relações trigonométricas em frutos. (DOCZI, p.7)
7 O desenvolvimento dos saberes humanos e das artes em geral tem muito a ver com essas observações da natureza. Cestaria. < Relações geométricas da natureza aplicadas à arte e às práticas artesanais. (DOCZI, 1990, p.14)
8 Se essas relações de fato existem ou se nós nos esforçamos para enxergá-las é uma discussão ainda atual. A situação mais evidente de que nós é que procuramos enxergar relações na natureza é o desenho das Constelações no céu. Segundo o pensamento clássico, encontrar essas relações facilita nossa vida e nos norteia em nossa busca da perfeição. Constelação de Órion: a) estrelas principais, b) imagem mitológica vista pelos antigos, c) posicionamento das principais estrelas em relação à Terra. Obtido em <
9 A Antiguidade Clássica (sec. VIII a.c. V d. C.), com os gregos seguidos pelos romanos, trouxe o que era intuição para a razão. Buscou-se entender as relações cósmicas contidas na natureza, e já observadas por povos mais antigos, traduzindo-as em relações matemáticas (proporções, geometria). Dessa maneira, foi possível propagá-las e aplicá-las de modo consciente à arte e à técnica, assim como às relações sociais e políticas. Esse trabalho intelectual se repetiu em outras épocas, p. ex. na Renascença (a partir do século XV).
10 Dentre as relações métricas mais intrigantes, chamam atenção algumas replicadas em edifícios e templos, mesmo em culturas bastante primitivas, em música, poesia, escultura e outras artes, desde a Idade da Pedra Lascada (Paleolítico, 2,5 milhões a. C.) até hoje: Proporção Áurea, Terno pitagórico (triângulo retângulo 3:4:5), Sequência de Fibonacci.
11 PROPORÇÃO ÁUREA A proporção áurea, encontrada na natureza e no corpo humano, foi representada geometricamente por Fídias, escultor grego, no século V a.c., e é representada pela letra grega Φ (phi, lê-se fi, de Fídias). Matematicamente, trata-se de um número irracional (sem repetição, sem fim): a b = 1, b a = 0, Ilustração do método geométrico de construção do retângulo áureo. Obtida em <
12 Proporção Áurea em Stonehenge - Inglaterra, 3100 a.c. (DOCZI, 1990, p. 39) Stonehenge no solstício de inverno. Fonte < akefield/ />
13 Proporção Áurea em Ziggurat sumério - Ur, atual Iraque, 2200 a.c. (DOCZI, 1990, p. 47) Ziggurat (Montanha de deus) de Ur. Fonte: <
14 Proporção Áurea no Parthenon Atenas, em torno de 450 a.c. (DOCZI, 1990, p. 108) Partenon (Templo da deusa Atenas) em Atenas. Fonte: < ot.com.br/2010/10/comentari o-acropolis.html>
15 Proporção Áurea em pagode budista no complexo de Yakushiji, Nara, Japão século VII. (DOCZI, 1990, p.116) Pagode de Yakushiji. Fonte: < ationphotodirectlink-g d i Yakushiji_Temple- Nara_Nara_Prefecture_Kinki.html >
16 Proporção Áurea em Borobudur (templo hinduísta construído no século VIII, depois transformado em estupa budista), Java, Indonésia. (DOCZI, 1990, p.115) Borobudur. Fonte: < dur#mediaviewer/file:borobudur- Nothwest-view.jpg>
17 Proporção Áurea aplicada em outras épocas e até o presente. Catedral de Notre Dame de Paris (séc. XII em diante). Mona Lisa (Gioconda) de Leonardo da Vinci (1503). Ville Stein de Le Corbusier, em Garche (prox. Paris. 1926). Imagens e análise obtidas em o-divina-todo-designer-precisa-conhecer/:
18 TERNO PITAGÓRICO (TRIÂNGULO 3:4:5) Relações trigonométricas em flores. (DOCZI, 1990, p. 6) Aplicação do terno pitagórico para determinação de esquadro em obra. Fonte: < 2013_08_01_archive.html>
19 Proporções constantes nas cabeças de Hypnos (deusa do sono) e de Higéia (deusa da saúde) século IV a.c. (DOCZI, 1990, p. 106)
20 Os antigos usavam os movimentos rítmicos dos corpos celestes (ciclos lunares e solares, movimento dos planetas) para medirem o tempo. Para medirem o espaço e atuarem sobre ele, tomavam como referência a natureza terrena e o próprio corpo humano. A Antropometria decorre desse esforço milenar de percepção de relações matemáticas entre as coisas, inclusive no corpo humano.
21 Os antigos buscavam o Bom, o Belo, o Verdadeiro, a aproximação de Deus, a perfeição, nas relações da natureza. O homem é natural e tais relações também permeiam sua materialidade. A partir dessa compreensão, o homem se tornou medida-padrão. Relações geométricas da natureza encontradas também na imagem humana Doryphoros (Portador da Lança), de Policleto V a.c. (DOCZI, 1990, p. 104)
22 O HOMEM COMO MEDIDA DE TODAS AS COISAS
23 Os egípcios (2000 a. C.) já aplicavam algumas relações matemáticas em pinturas e esculturas, baseadas em partes do corpo humano: punho (1/3 da extensão da mão), pé, cúbito (antebraço com a mão estendida), mão (4 dedos ou dígitos). Medidas egípcias antigas. (DOCZI, 1990, p. 37)
24 Os romanos também usaram esse raciocínio e o ampliaram. P. ex.: cúbito romano (2 pés), polegada (unciae) = 2,54cm ainda hoje utilizada pé = 12 unciae braça (distância entre as extremidades dos dedos das mãos de um homem com braços abertos e mãos esticadas = 6 pés = 1,83m) Medidas de comprimento usadas pelos romanos na antiguidade. Obtido em
25 Marcus Vitruvius Pollo, arquiteto e engenheiro romano do século I a.c., foi autor de um tratado teórico e técnico detalhado Dez Livros de Arquitetura -, considerado como a mais antiga e a mais influente de todas as obras sobre a arquitetura. Vitrúvio observou muitas construções de épocas anteriores, as proporções do corpo humano que os mais antigos já utilizavam como medida, as observações sobre o cosmos e a natureza, o arranjo de elementos nos ambientes construídos. Além das medidas, havia em sua obra um fundamento mais profundo, esotérico, ligado a forças cósmicas ( ventos ) nas relações que ele transformou em leis de simetria, medidas exatas, proporções, formas geométricas. Esse tratado foi seguido em todo o Império Romano, durante todo o período de domínio, com poucas alterações. Com a queda do Império e as muitas invasões bárbaras, vários ensinamentos sistematizados foram esquecidos, mantidos vivos de maneira oculta pela Igreja Católica ou na cultura dos lugares (tradição).
26 As observações sobre o corpo humano e as relações numéricas, porém, não cessaram. Em 1202, Leonardo Fibonacci ( ), matemático italiano, escreveu o Liber Abaci (Livro do Cálculo), reunindo muitos conhecimentos matemáticos e introduzindo os algarismos indo-arábicos na Europa. (É bom lembrar que o sistema antes utilizado era o romano, com uma série de limitações.) Nesse livro, Fibonacci usou como exemplo uma sequência numérica já conhecida, em que, definidos os dois primeiros números da sequência como 0 e 1, os números seguintes serão obtidos por meio da soma dos seus dois antecessores, tendendo ao número de ouro (1,618). Cennino Cennini ( ), pintor italiano influenciado por Giotto (pintor e arquiteto, Florença), descreveu que a altura do homem é igual a sua largura com os braços estendidos. Assim como ele, é provável que mais observadores chamassem atenção para outras relações, p.ex., que a altura do homem é igual a 9 cabeças (Dionísio, monge de Phourna, Ucrânia).
27 SEQUÊNCIA DE FIBONACCI Sequência de Fibonacci : definidos os dois primeiros números da sequência como 0 e 1, os números seguintes serão obtidos por meio da soma dos seus dois antecessores, tendendo ao número de ouro (1,618...): = = = = 5 0,1,1,2,3,5,8,13,21,34,55,89,144,233, = 1, Ilustração da Sequência de Fibonacci. Obtida em <
28 Proporção Áurea associada à Sequência de Fibonacci Ilustração da Espiral de Ouro. Obtida em <
29 Época de renascimento dos conhecimentos antigos, ocultos durante toda a Idade Média. Na Renascença, a partir do século XV, muitos desses ensinamentos acumulados em séculos de observações e cálculos foram reunidos e relacionados. O italiano Leonardo da Vinci ( ), cientista, matemático, engenheiro, anatomista e botânico, pintor e escultor, poeta e músico, retoma as descrições de Vitrúvio (sec. I a.c), faz novas relações com base no conhecimento da época. Da Vinci elabora um esquema famoso do corpo humano (Homem Vitruviano), chamando atenção para uma tendência das medidas à Relação Áurea (1,618 aproximadamente) e à Sequência de Fibonacci. Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci final do século XVI. (DOCZI, 1990, p. 93)
30 Ilustrações de criança e de adulto, feitas por Leonardo da Vinci para o livro Divina Proportione, do matemático Luca Pacioli, em (DOCZI, 1990, p. 95)
31 Medida universal: o METRO Com o aumento de relações comerciais internacionais desde o século XVI, a imprecisão das medidas mostrou-se um empecilho para harmonização de interesses, comuns em decorrência da variedade de referenciais e denominações de medida. O desenvolvimento das ciências exatas nos séculos seguintes e a tendência de troca de informações entre os cientistas também forçou a que se buscasse uma homogeneização das medidas; somente assim o conhecimento adquirido poderia ter valor universal. No final do século XVIII, o governo francês solicitou à Academia Francesa de Ciências que criasse um sistema de medidas baseado em uma constante não arbitrária, em algo que fosse menos variável que as medidas humanas. Em 1792, o grupo formado por físicos, astrônomos e agrimensores chegou à definição do metro, proporcional à circunferência da Terra. Essa medida foi transportada para um protótipo em platina, até hoje conservado no Escritório Internacional de Pesos e Medidas, na França. Visando se obter uma precisão maior ainda, em 1983, o referencial para definição do metro foi mudado da circunferência da Terra (descoberta como variável) para a velocidade da luz no vácuo, situação passível de se obter em laboratório.
32 Paralelamente, outros estudiosos desenvolviam esquemas em bases nem sempre matemáticas. P. ex.: Robert Fludd ( ), inglês e estudioso de várias religiões, elaborou um outro esquema que unia as características de céu e terra no ser humano, assim como os antigos Clássicos faziam. Ilustração de Robert Fludd sobre a existência das relações do universo no homem início do século XVII. (DOCZI, 1990, p. 96)
33 Com o Iluminismo (séc. XVIII, conhecido como Século das Luzes) e o domínio do pensamento racionalista, a linha de pensamento que relacionava a natureza terrena e o cosmo com o ser humano foi ridicularizada por alguns... Porém, ainda havia quem se intrigasse com as antigas observações, e as antigas relações não foram de todo abandonadas, retornando com o Movimento Moderno (entre séc. XIX e XX). Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret-Gris, ), arquiteto e pintor francês, admirador do classicismo e ícone do movimento moderno da primeira metade do século XX na Arquitetura, estudou a respeito das proporções humanas por 20 anos. Tomando como referência alturas médias de indivíduos de diferentes lugares da Terra, Le Corbusier identificou a Proporção Áurea e a Sequência de Fibonacci, utilizando essas relações no dimensionamento de várias de suas obras arquitetônicas. Em 1945, concluiu o assunto com o Modul-Or.
34 Evolução dos estudos do Modulor de Le Corbusier. Obtido em
35 A aplicação dessas proporções pode ser vista em diversos edifícios de Le Corbusier, como na Unité d Habitation de Marselha, França (projeto de 1945, implantado entre 1947 e 1953). Na Cidade Radiosa, buscava-se recuperar a dinâmica da vida urbana na escala do usuário, porém num edifício monumental. A expressão unidade de habitação se justifica pela composição do edifício por módulos habitacionais. Os módulos (UH) foram criados tendo por referência as dimensões humanas, fazendo com que o conjunto também fosse conhecido como Cité Radieuse. Unidade de habitação em Marselha, de Corbusier (1945). Imagem emprestada de
36 Essa síntese foi muito útil para a reconstrução da Europa, após a II Guerra Mundial (décadas de ). Havia uma grande necessidade de se abrigar muitas pessoas e, economicamente, quanto menor fosse o espaço mais viável seria a empreitada. Modulor de Le Corbusier, construído para altura de 1,75m (azul) e de 1,83m (vermelho). Obtido em Atualmente, porém, esse modelo não é mais aceito como universal. Hoje, dada a incrível mobilidade das populações, às misturas genéticas, à diversidade física e cultural, o ideal é que se conheça com mais detalhe o público que se pretende atender. Assim, surgem vários modelos de análise antropométrica e uma nova ciência se desenvolve: a Ergonomia.
37 PANERO E ZELNIK, 2002, p
38 IIDA, 2001, p
39 MODELOS ANTROPOMÉTRICOS PANERO E ZELNIK, 2002, p.44 IIDA, 2001, p.113
40 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR de 2004: Corpo Humano- Definição de medidas. DOCZI, Dyörgy. O Poder dos Limites - Harmonias e Proporções na Natureza, Arte e Arquitetura. São Paulo: Mercuryo, NEUFERT, Ernst. Arte de projetar em arquitetura: princípios, normas e prescrições sobre construção, instalações, distribuição e programas de necessidades, dimensões de edifícios, locais e utensílios. São Paulo: Gustavo Gili, PANERO, Julius; ZELNIK, Martin. Las dimensiones humanas e los espacios interiores: Estándares antropométricos. México, DF: Gustavo Gilli, 2002, 10ª edição. PENNICK, Nigel. Geometria Sagrada: simbolismo e intenção nas estruturas religiosas. São Paulo: Pensamento, s/ data. (Original de 1980.)
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