História Oral: investigações de práticas escolares

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1 1 História Oral: investigações de práticas escolares RAIMUNDO NONATO ARAÚJO DA ROCHA 1 No primeiro semestre de 2011 ministrei a disciplina História Oral para alunos da graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Essa experiência foi extremamente enriquecedora, segundo os depoimentos dos alunos da licenciatura e do bacharelado que cursaram a disciplina. Considerando as dificuldades habituais com as fontes para produção de histórias locais, optei por escrever um texto que analisasse as possibilidades de trabalho para essa disciplina. Ressaltarei, sobretudo, os aspectos relacionados as investigações realizadas pelos alunos. Este texto organizado em duas partes: inicialmente discuto como a disciplina foi organizada e, em seguida, analiso as experiências investigativas que foram desenvolvidas. A organização da disciplina Na UFRN a disciplina História Oral é ofertada para os alunos de História como obrigatória para o curso de Bacharelado e optativa para a Licenciatura. Em razão de não existir pré-requisitos na estrutura curricular do Curso, em geral, as turmas de História Oral possuem alunos de diferentes níveis do curso. No semestre em pauta, fiquei responsável por duas turmas: uma no turno matutino e outra no noturno. Para trabalhar a disciplina resolvi dividir o curso em três unidades: na primeira delas, busquei discutir as referências teóricas e metodológicas que têm contribuído para constituir a história oral como um campo de investigação. Na segunda unidade trabalhei com teses e dissertações produzidas em diferentes universidades brasileiras que tinham a história oral como eixo da pesquisa. Na terceira unidade as turmas foram divididas em grupo e cada grupo escolheu um objeto da história local para ser investigado. No final da disciplina cada grupo apresentou um trabalho escrito e montou um vídeo de no máximo 15 minutos sobre a investigação realizada. Na primeira unidade foram discutidos três eixos: história e memória; uma história da história oral e conceitos que fornecem elementos para a constituição da história oral como campo de estudos. Para a discussão de história e memória foram trabalhadas as concepções de Bergson de conservação do passado; de Halbwachs de (re)construção do passado; de Nora 1 Professor do Departamento de História da UFRN.

2 2 sobre os lugares da memória; de Polack sobre a memória subterrânea e de Le Goff: história e memória. Para uma história da história oral foram trabalhados autores, como Alistair Thomson e Alessandro Portelli, que fizeram um panorama internacional sobre o tema e autores nacionais, como Verena Alberti, que escreveram sobre os percursos da história oral no Brasil. Para a discussão da história oral como campo de investigação foram utilizados, por um lado, os estudos que desenvolveram importantes conceitos como os de mitobiografia e de ucronia, e, por outro, os escritos que se dedicaram a entender aspectos importantes da história oral, como, por exemplo, a ética no desenvolvimento dos trabalhos. A segunda unidade foi organizada a partir de seminários. Os alunos foram subdivididos em grupos para analisarem trabalhos de história oral (problema, fontes, métodos, resultados). Na condição de professor, acompanhava a preparação dos grupos de trabalhos.os eram avaliados pelo processo de elaboração do seminário, pela apresentação em sala de aula e pelo texto escrito entregue aos outros alunos da sala. O objetivo da segunda unidade era analisar um trabalho de história oral. Pretendíamos entender como esse trabalho tinha siso construído e as opções de quem escreveu. A meta era que cada grupo estruturasse livremente sua apresentação, mas deixasse evidente alguns elementos básicos no tocante a uma leitura externa do trabalho, aos objetivos e aos aspectos metodológicos. Assim, para fazermos a análise externa, o grupo deveria responder: quem era o autor? Quando o trabalho tinha sido feito? A qual programa de pós-graduação estava vinculado? Quando o trabalho havia sido produzido? Quanto tempo durou para o trabalho ser executado? Para discutir o objeto propriamente dito, o grupo deveria responder: Qual o problema central de investigação? Existiam problemas secundários? Quais? Qual o objetivo central? Quais os objetivos secundários? Como o autor chegou ao tema? Existe uma questão contemporânea para o tema? Qual a delimitação temporal e espacial? No tocante ao aspecto metodológico, o grupo deveria responder às seguintes questões: Como foi feito o trabalho? Qual o percurso feito pelo autor? Quais as etapas de trabalho? Quais as principais fontes? Por que a opção por essas fontes? O que foi extraído de cada fonte? Como e em que circunstâncias foram feitas as entrevistas? Como e por quem foram feitas as transcrições? Os entrevistados autorizaram a publicação? Existe um documento? Quais os principais conceitos usados pelo autor? O que significam esses conceitos? Em que esses conceitos foram úteis ao trabalho? Quais as principais referências teóricas? O que contem cada parte do trabalho? Quais os elementos da introdução? Quais os

3 3 elementos de cada capítulo? A que conclusões chegou o autor? Essas conclusões são condizentes com a questão inicial? A bibliografia usada é pertinente ao trabalho apresentado? A partir desses elementos que foram estudados, os grupos deveriam fazer apreciações sobre o estudo realizado, considerando, sobretudo, que estava lidando com um trabalho de história oral. Cada grupo deveria elaborar um roteiro explicativo para ser distribuído com turma. Durante a exposição o grupo pode usar os recursos que julgar conveniente. Para a terceira unidade a também foi dividida em grupos de trabalho, que deveriam realizar uma investigação sobre a história local utilizando-se da história oral. Inicialmente, cada grupo deveria trazer uma pequena proposta de trabalho, contendo os seguintes elementos: problema de investigação; justificativa para a escolha do problema; Importância de temática, breve mapeamento sobre o tema (o que sabia sobre o tema, quem já havia estudado o assunto); autores e conceitos que poderiam ser uteis para o trabalho (explicação de como seriam usados); método que irá usar (explicar as razões de trabalhar com a história oral); Principais fontes (explicitação de quem seriam os entrevistados, as razões para escolha e o que pretendiam descobrir nas entrevistas); indicação de outras fontes que poderiam ser usadas, além da história oral. Os grupos deveriam ainda trazer uma proposta de bibliografia a ser usada. As investigações realizadas Vários trabalhos surgiram nessa unidades: A reforma universitária de 1968 na UFRN ; Uma história do radioamadorismo em Natal ; Uma história do Grupo de Dança Araruna ; A rodoviária da Ribeira: primeira espaço organizado peara receber passageiros ; As greves dos motoristas em Natal dos anos 1980 ; Liga contra o câncer: uma história de muitos mitos ; Uma história do movimento negro no Rio Grande do Norte ; A História avaliada: os avaliadores do PNLD contam suas histórias. A partir desses estudos, optou-se neste trabalho, por discutir, mais especificamente, três trabalhos: um sobre a construção da identidade negra a partir da filiação de pessoas ao movimento negro, emergente no Brasil a partir dos anos 1980; um segundo trabalho sobre a criação, pelo folclorista Câmara Cascudo, na década de 1950, do Grupo de Dança Araruna e, finalmente, um terceiro trabalho sobre a criação da Liga Norte-Rio- Grandense contra o Câncer na década de 1960.

4 4 Referências bibliográficas usadas na primeira unidade AMADO, Janaina. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em história oral. In; História. São Paulo: EDUSP, nº 14. p D ALÉSSIO, Márcia Mansor. Memória: Leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. São Paulo: Anpuh/Marco Zero. set. 1992/ago (p. 97 a 103). DOSSE, François. Uma história social da memória (Capítulo 6). In; DOSSE, François. A história. Bauru, EDUSC, (p. 261 a 298) JUCA, Gisafran Nazareno Mota. A oralidade dos velhos na polifonia urbana. Fortaleza: Imprensa Universitária da UEC, (p. 13 a 56) MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, (p. 13 a 26 e156 a 246) MONTENEGRO, Antônio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. 6 ed. São Paulo: Contexto, (p. 9 a 34) NORA, Pierre, Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun Khory.. In; PROJETO HISTÓRIA (História e Cultura): Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC. n. 10, dez (p. 29 a 40) PASSERINI, Luisa. Mitobiografia em história oral. Tradução: Maria Therezinha Janine Ribeiro. In; PROJETO HISTÓRIA (História e Cultura): Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC. n. 10, dez (p. 29 a 40) POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In; REVISTA ESTUDOIS HISTÓRICOS, Rio de Janeiro, vol.2, nº 3, PORTELLI, Alessandro. Forma e significado na história oral: a pesquisa como experimento de igualdade. In; PROJETO HISTÓRIA (Cultura e Representação): Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC. n. 14, fev (p. 7 a 24). O que faz a história oral diferente. In; PROJETO HISTÓRIA (Cultura e Representação): Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC. n. 14, fev (p. 25 a 39). Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. In; PROJETO HISTÓRIA (História e Cultura): Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC. n. 10, dez (p. 41 a 58). Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na história oral. In; PROJETO HISTÓRIA: Revista do Programa de Pós-Graduação em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: EDUC, n, 15. abr/97. (p. 13 a 33) THOMSON, Alistair. Aos cinqüenta anos: uma perspectiva internacional da história oral. In; FERREIRA, Marieta; FERNANDES, Tânia e ALBERTI, Verena. (orgs). História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Fiocruz / Casa Oswaldo Cruz / CPDOC, (p. 47 a 65). VERENA, Alberti. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC/ Fundação Getúlio Vargas, (p. 45 a 100) Referências bibliográficas usadas na segunda unidade

5 5 BERNARDO, Teresinha. Memória em branco e negro: olhares sobre São Paulo. São Paulo: Educ / Unesp, BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, DIETRICH, Ana Maria. Nazismo tropical? O partido nazista no Brasil. São Paulo: USP, (Tese de doutorado / História / USP) FONSECA, Selva. Ser professor no Brasil: História oral de vida. Campinas (SP): Papirus, GATTAZ, André Castanheira. Braços da resistência: uma história oral da imigração espanhola. São Paulo: Xamã, LERNER, Kátia. Holocausto, memória e identidade social: A experiência da Fundação Shoah. Rio de Janeiro: UFRJ, (Tese de doutorado em Antropologia Cultural) MERLO, Márcia. Memória de Ilhabela: faces ocultas, vozes no ar. São Paulo: Fapesp / Educ (Editora da PUC) TERRA, Antônia. Memória de ofícios. São Paulo: Usp. (Tese de Doutorado em História Social)