LINGUAGEM SOCIAL DA INFÂNCIA: MODOS DE DIZER E REPRESENTAR O MUNDO DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
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- Rayssa Campelo de Sequeira
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1 LINGUAGEM SOCIAL DA INFÂNCIA: MODOS DE DIZER E REPRESENTAR O MUNDO DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Adriana Santos da Mata Universidade Federal Fluminense, addamata@hotmail.com Neste trabalho, apresentamos reflexões iniciais da investigação de doutorado em andamento, na Linha de Pesquisa Linguagem, cultura e processos formativos, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF (Niterói-RJ). A tese a ser defendida é que crianças pequenas têm linguagem social própria, modos próprios de pensar, interpretar e falar sobre o mundo social do qual participam como sujeitos, situados no espaço e tempo histórico e participantes ativos dos processos de produção e reprodução da sociedade a que pertencem. A experiência docente na Educação Infantil, as trocas entre professoras nos momentos de estudo e planejamento, leituras de produções acadêmicas, bem como a observação e a interação com crianças pequenas, indicam que elas produzem sentido, criam realidades e colocam-se diante dos outros e do mundo. As crianças expressam e representam este mundo por meio de muitas linguagens, seja nas brincadeiras, na pintura, na música, na dança, nos gestos, nos desenhos, na narrativa de histórias, entre outras tantas. Qual é o mérito de pesquisar especificidades de uma linguagem social infantil? Como a pesquisa pode contribuir para impulsionar os processos de aprendizagem das crianças no que se refere, principalmente, à aquisição da linguagem escrita e da leitura na alfabetização? Acreditamos que, para fazer as crianças avançarem nos seus processos de aprendizagem, é preciso que os professores entendam os modos próprios das crianças lerem o mundo, as linguagens sociais próprias por meio das quais as crianças falam, representam, estabelecem relações e criam sentidos para o mundo. Conhecendo os saberes das crianças - suas histórias, experiências, desejos -, os professores poderão ficar mais preparados e flexíveis para selecionar materiais, adequar as linguagens e planejar aulas mais dinâmicas, interessantes, nas quais as crianças participem ativamente e aprendam de maneira significativa. Nas palavras de Borba (2005, p. 47): O mapeamento das práticas infantis e das concepções que estão na sua base é uma tarefa fundamental para a compreensão da infância, podendo contribuir para uma melhor comunicação
2 com as crianças e para a construção de práticas sociais e de políticas dirigidas à infância, mais próximas de seus mundos sociais e culturais. Seguindo esta perspectiva, os objetivos gerais da pesquisa são: investigar e mapear como pode se constituir uma linguagem social de crianças da/na Educação Infantil, e compreender os modos pelos quais as crianças dizem e representam o mundo por meio de histórias narradas e desenhos produzidos na escola. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO Para fundamentar a tese de que as crianças pequenas têm linguagem social própria, recorro, inicialmente, aos princípios da Sociologia da Infância e à teoria da linguagem de Bakhtin. A Sociologia da Infância postula que as crianças possuem uma cultura própria que as identifica e as organiza nas suas formas de pensar, sentir e fazer. Defende que elas partilham um conjunto de conhecimentos, estabelecem significados por meio das relações sociais, atuam na condução de suas vidas. Como atores sociais, as crianças participam das trocas e das interações, sendo ao mesmo tempo produtos e produtoras da sociedade. Elas devem ser compreendidas, então, como protagonistas nos seus processos de socialização, criando e recriando uma cultura transmitida através das gerações com suas variações e especificidades contextuais. (BORBA, 2005) Os estudos da infância buscam o reconhecimento das crianças como sujeitos e cidadãos de direitos e responsabilidades, que pensam e agem por si mesmas, que contribuem para a reprodução e produção cultural e social, enfim, que agem de maneira própria e com intencionalidade sobre o mundo, interagindo com seus pares, com os adultos e com a sociedade mais ampla. As crianças devem ser entendidas a partir dos significados e sentidos que atribuem às situações que vivem, aos conhecimentos e valores produzidos coletivamente nas suas interações sociais. É preciso ter em vista, no entanto, como adverte Borba (2005), que as crianças não fazem parte de um mundo social à parte, mas estão sujeitas as mesmas forças políticas, econômicas e sociais que criam a estrutura das vidas dos adultos, sendo afetadas pelas mudanças macroestruturais que também são relevantes para explicar as características e variações da infância. Nas palavras da autora: As crianças se encontram em um mundo adulto estruturado por relações materiais, sociais, emocionais e cognitivas que organizam suas vidas cotidianas e suas relações com o mundo. É nesse contexto que elas vão constituindo suas identidades como crianças e como membros de um
3 grupo social, porém, não devem ser vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam a cultura adulta que lhes é imposta, mas como sujeitos que, interagindo com esse mundo, criam formas próprias de compreensão e de ação. Esse contexto não apenas constrange suas ações, mas também lhes traz novas possibilidades. (BORBA, 2005, p.51) Um elemento chave que revela as culturas infantis é a linguagem das crianças, o que elas falam e como falam para interpretar as referências da realidade, ressignificar objetos e conceitos, reelaborar vivências, ler e atuar sobre o mundo. As falas das crianças revelam seus modos de ser, pensar e agir. Por meio da linguagem, as crianças dão forma ao conteúdo das experiências infantis, operando simbolicamente sobre a realidade, constituindo-se, constituindo-a e constituindo as culturas da infância. (BORBA, 2005, p. 268) Mas não é de qualquer maneira nem com qualquer linguagem que nos constituímos e damos sentidos ao mundo. Tomando como base a teoria de Bakhtin (2010, p ), temos que as linguagens são diferentes no vocabulário, no conteúdo, na orientação intencional, na interpretação e na apreciação concreta. Linguagens que variam com a época histórica, a cada geração, em cada camada social, em cada idade. Tais linguagens não são excludentes, mas estão entrelaçadas de diversas maneiras. Estas linguagens são, de acordo com o autor, socialmente típicas, pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua interpretação verbal, perspectivas específicas objetais, semânticas e axiológicas. Partindo deste pressuposto, acreditamos que as crianças pequenas têm modos específicos de produzir linguagem - oral e escrita -, com vocabulário, organização e intenção próprios. As crianças pequenas têm linguagem social típica. Como nos demais grupos sociais, os modos de dizer das crianças - a entonação, os gestos, a escolha das palavras - são determinados pela situação social imediata o momento - e pelo meio social mais amplo que estruturam a enunciação. De acordo com Bakhtin (2009), é nas enunciações concretas estabelecidas pelas relações sociais que as palavras se realizam - na oralidade ou na escrita - e são, portanto, sempre dirigidas a alguém com intencionalidade e orientadas em função deste interlocutor, do auditório social para quem falamos. As falas ou enunciações das crianças não são soltas, isoladas, não surgiram do nada, e sim são contextualizadas na situação social, estão ligadas a enunciados anteriores e contêm a semente do que será dito em seguida. Assim vão se adicionando, continuamente, novos elos na cadeia de
4 comunicação verbal, em enunciados recebidos da voz do outro e repletos da voz do outro. E as crianças vão aprendendo que as palavras são povoadas de vozes e pensamentos dos outros. Como as crianças pequenas elaboram e respondem aos enunciados? Que palavras usam? De que maneira estruturam os saberes? Como a linguagem social das crianças é escolarizada? Que marcas coletivas e singulares podemos identificar nos processos de aprendizagem e produção da linguagem oral e escrita de crianças da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental? Partindo dos princípios teórico-metodológicos da teoria da linguagem de Bakhtin (2009), buscando indícios, pistas, características que possam levar à compreensão da linguagem social das crianças pequenas, começamos a fazer uma primeira imersão no material de pesquisa e elaboramos um primeiro mapeamento. O material de estudo é composto por 27 livros de histórias, com o total de 456 desenhos e histórias, produzidos nas turmas de 10 professoras, dos anos de 2005 a 2013, na Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa, localizada em Niterói (RJ). Desse total, temos 231 histórias de meninos e 224 de meninas, com idades entre três e seis anos. No mapeamento, procuramos identificar o que chamou a atenção, inicialmente, ao ler e reler as histórias/narrativas orais: temas, personagens, lugares, ações. Separamos em diferentes tabelas os temas, personagens, lugares e ações nas histórias de meninos e nas histórias de meninas. Na sequência do estudo, ao interpretar e compreender o material, dialogando com os autores da fundamentação teóricometodológica, decidiremos se a diferença de gênero masculino e feminino é relevante ou não na linguagem social das crianças. A primeira aproximação suscitou muitas questões no que se refere: I) ao desenho como registro escrito: Que elementos/símbolos as crianças usam para representar o mundo? O que estes elementos comunicam? Podem ser identificados padrões nos desenhos que os caracterizem como uma primeira escrita das crianças? Que marcas do universo adulto e da cultura mais ampla podemos encontrar nos desenhos? II) às histórias narradas: Que temas são mais recorrentes nas histórias?
5 O que as crianças falam? Como falam? A que contextos remetem? Que situações retratam? Que marcas do universo adulto e da cultura mais ampla podem ser encontradas nas histórias? Que conhecimentos as crianças já têm sobre a língua escrita? É possível identificar um padrão nas narrativas que caracterize os modos de falar das crianças como uma linguagem social? III) à interlocução com as outras crianças e a professora: Como a professora faz a mediação da atividade? Como as crianças se comportam no momento de leitura da história? Que inferências, relações com experiências vividas e comentários são feitos? Que relações estabelecem com a cultura mais ampla? IV) à importância da atividade nos processos de aprendizagem da escrita e da leitura: De que maneira a atividade pode contribuir para impulsionar a aprendizagem da escrita e da leitura das crianças? Como fazer a passagem da leitura do mundo à leitura da palavra na alfabetização? RESULTADOS E CONCLUSÕES PRELIMINARES Neste primeiro exercício de compreensão de como as crianças da Educação Infantil leem, comunicam, representam e dão sentidos ao mundo, percebemos que as crianças elegem muitos temas para narrar em situações que parecem remeter a vivências no cotidiano da família, as brincadeiras, as experiências na escola, etc. até assuntos ainda difíceis de serem tratados como a morte. As histórias ocorrem em diferentes cenários; os personagens são membros da família, elementos da natureza e são também inspirados em filmes e histórias infantis. Eles praticam diversas ações, tais como brincar, almoçar, tomar banho, dormir, estudar, brigar, engravidar, matar. As crianças pequenas se mostram grandes observadoras e leitoras do mundo. Demonstram compreender: papéis sociais; relações de poder; perigos; comportamento dos adultos; fenômenos da natureza; finitude dos seres vivos/a morte. Elas também aprendem e pensam sobre a língua em uso, vão incorporando as normas, experimentando as regras, compreendendo que há maneiras determinadas de falar. No início da construção dos sentidos da linguagem, as crianças são muito literais, relacionam as palavras às suas
6 vivências imediatas, porque ainda têm pouco entendimento do contexto e dos significados diferentes que as palavras podem assumir, de acordo com a situação de enunciação. Ao criar história e desenho para compor o livro de histórias, as crianças apresentam comportamentos de leitores ao acompanhar a leitura com os dedinhos identificando o início da escrita/leitura e a direção do texto; demonstram ser críticas e muito atentas aos detalhes dos desenhos e textos dos colegas; realizam um complexo exercício de elaborar de perguntas completas no momento em que vão esclarecer alguma dúvida com o autor a respeito da história ou do desenho; aumentam o repertório vocabular e usam as novas palavras aprendidas ao falarem ou elaborarem texto individual ou coletivo; estabelecem novas relações com as experiências vividas a partir da história, trocando informações, contando acontecimentos, fazendo os mais diversos comentários. E aqui destacamos a importância da escola. À escola cabe a função de criar oportunidades para que as crianças utilizem a língua como forma de comunicação, de interlocução, de interação, não de maneira artificial e repetitiva, mas dentro de um contexto no qual a linguagem seja necessária e significativa. É preciso parar e pensar sobre o que as escolas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental têm feito com as palavras, enunciações, leituras de mundo das crianças. Prestar atenção ao que elas falam, sobre o que falam, de que maneiras se expressam, os conhecimentos linguísticos que apresentam. Questionar sobre os momentos em que as crianças são autorizadas ou não a falar e se suas falas são valorizadas como saberes culturais legítimos ou são usadas como pretexto para ensinar pontos gramaticais e a chamada norma culta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail M. Questões de literatura e de estética (A teoria do romance). 6. ed. Tradução de Aurora F. Bernardini, José P. Jr., Augusto G. Jr., Helena S. Nazário e Homero F. de Andrade. São Paulo: Hucitec, BAKHTIN, Mikhail (V.N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem: Problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. São Paulo: Hucitec, ed. BORBA, Angela Meyer. Culturas da infância nos espacos-tempos do brincar: um estudo com crianças de 4-6 anos em instituição pública de educação infantil. Tese (Doutorado). Niterói: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2005.
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