REFLEXÕES SOBRE DISCURSOS E CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS
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- Vergílio Martins
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1 REFLEXÕES SOBRE DISCURSOS E CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS Fernanda de Araújo Frambach Universidade Federal do Rio de Janeiro Fundação Municipal de Educação de Niterói Resumo A formação continuada de professores tem figurado no cenário educacional brasileiro como um eixo estratégico das políticas públicas, sendo indicada como um dos principais meios para a melhoria da qualidade do ensino e, por conta disso, encontram-se inúmeras propostas com o rótulo de educação continuada, especialmente no que tange à formação de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Neste aspecto, verificamos também a responsabilidade e o papel assumido pelas universidades na coordenação e implementação de alguns programas de formação docente. Entre estes, podemos citar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que tem como um dos seus eixos de ação a formação continuada de professores alfabetizadores. O presente trabalho objetiva apresentar reflexões sobre as concepções de formação continuada subjacentes a este programa, analisando os discursos veiculados nos documentos e materiais formativos. Além disso, propõe investigar como essas concepções são compreendidas e/ou ressignificadas na prática pelos sujeitos envolvidos. A opção metodológica para esta investigação é a análise do discurso ancorada na teoria bakhtiniana, a partir de análise documental e de materiais de formação, articuladas a entrevistas com Orientadores de estudos e professores alfabetizadores que participaram desta proposta de formação no município de Niterói, RJ. As análises dos materiais conduzem a uma reflexão de que a formação neste programa é apresentada como uma capacitação, ou instrumentalização para a prática docente. No entanto, os discursos docentes revelam que tal concepção é ressignificada, incidindo sobre a prática docente, o que conduz à argumentação da necessidade de constituição de espaços dialógicos de formação, que possibilitem uma leitura crítica do material destinado a mesma, além da troca de experiências educativas e a construção e valorização dos saberes e fazeres docentes e discentes. Palavras-chave: Formação continuada de professores. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Análise do discurso. Introdução Nos recentes discursos políticos, podemos observar com uma intensidade importante, a educação sendo apontada como a salvação da sociedade, o que incide sobre a preocupação ou procura da qualidade educacional. Neste paradigma, a formação dos professores vem ganhando centralidade nas políticas públicas, compreendida como uma das principais responsáveis por essa qualidade. Na realidade brasileira, cujos pressupostos governamentais têm aproximado-se cada vez mais de propostas neoliberais, a formação dos docentes que atuam nos primeiros anos de escolaridade é considerada um eixo estratégico, uma vez que a alfabetização das crianças, especialmente das classes populares seria um dos maiores problemas nacionais. Em função dessa preocupação, o Ministério da Educação do Brasil 9971
2 (MEC), por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB), tem formulado diversas políticas públicas com foco no primeiro segmento do Ensino Fundamental, sendo a mais recente o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Esta política pública se apresenta como um Pacto por enfatizar que se trata de um compromisso formal assumido pelos governos federal, o Distrito Federal, os estados e municípios, para assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental. As ações do PNAIC estão estruturadas em quatro eixos: Formação Continuada de Professores Alfabetizadores; Materiais Didáticos e Pedagógicos; Avaliações e Gestão; Controle e Mobilidade Social. O eixo da formação continuada tem como público alvo professores do ciclo de alfabetização, que são instados a participar de encontros presenciais. Para esse processo formativo do PNAIC em todo o país, foram elaborados, por professores universitários e pesquisadores, cadernos de formação a fim de apresentar os princípios do programa e estruturar a formação. Este material apresenta textos teóricos, sugestões de atividades e reflexões sobre o que pode ser feito nos encontros com os professores e consequentemente, sugerem ações e fazeres no contexto escolar. A partir dessas reflexões, argumento que o contexto de implementação do PNAIC é um momento propício para a reflexão, pois o programa intenta motivar os professores na busca de saberes e do saber-fazer próprios e específicos de seus campos de atuação, desenvolvendo atividades referentes à reflexão da prática pedagógica. No entanto, por se tratar de uma ampla política educacional a nível nacional, cujos impactos são mais bem observados com o passar do tempo, minha proposta foi analisar algumas colaborações que podem ser percebidas mais rapidamente no contexto da prática. Sendo assim, elegi como lócus um município que aderiu ao programa. A pesquisa de mestrado teve como objetivo: identificar e analisar as possíveis contribuições da formação continuada do PNAIC no contexto escolar no município de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Pelas mesmas razões, elenquei como alguns objetivos específicos: De um ponto de vista teórico, articular a teoria bakhtiniana de linguagem a uma proposta de formação continuada. Analisar os materiais de referência para a formação do PNAIC no que se refere aos conceitos de formação continuada Analisar os discursos de orientadores de estudos e professores alfabetizadores participantes das formações do PNAIC no município de Niterói, quanto às contribuições 9972
3 desta formação, tendo em vista as concepções teóricas e propostas de formação veiculadas pelo programa. Tendo em vista os objetivos propostos, o trabalho de pesquisa articula-se a uma discussão que busca integrar categorias dos campos de estudos do letramento profissional e da formação continuada de professores, tomando como ponto de partida a prática docente, investigadas numa perspectiva dialógica. Em termos teórico-metodológicos, é uma pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico e se ancora nas características de pesquisa propostas por Bakhtin (2011), para quem o objeto de estudos das Ciências Humanas é o homem, ser expressivo e falante e o estudo dos fenômenos humanos se realiza a partir de interrogações e trocas, portanto, pelo diálogo. Tendo essas reflexões como base, assumi como procedimentos de pesquisa a análise discursiva, investigando os documentos e materiais de formação que estruturam o programa e a entrevista com Orientadores de Estudos que atuam como formadores- e professores alfabetizadores participantes. Esta opção metodológica é considerada potencial para permitir compreender as apropriações que estes sujeitos fazem entre teoria e prática desta proposta de formação continuada e se e como esta interfere em sua práxis no cotidiano escolar. A análise de documentos e textos é entendida como uma estratégia complementar, conforme afirma Flick (2009), pois não são apenas uma simples representação dos fatos ou da realidade, mas sua produção visa um objetivo e um determinado tipo de uso e está destinado a alguém, sendo por isso, um meio de comunicação. A respeito do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, investiguei algumas concepções presentes no Manual do Pacto, que apresenta as principais questões e propostas desta política; no Caderno Formação de Professores, que apresenta os princípios e estratégias formativas sugeridas para os encontros de formação continuada; e nos Cadernos de Linguagem (material de referência para a formação na área de Linguagem). Esses documentos foram estudados e analisados para propiciar um entendimento dos pressupostos e concepções teóricas a respeito da formação de professores, bem como das propostas de implementação das ações previstas nesta política educacional. Depreendo da análise dos documentos e materiais de formação que estes estão direcionados a interlocutores presumidos, ou seja, aos sujeitos envolvidos na formação, principalmente ao professor alfabetizador. A partir da imagem construída desses interlocutores, os autores articulam seus discursos intencionalmente. E projeta-se uma 9973
4 tentativa de que os textos sirvam de referência para o trabalho docente a fim de atingir o objetivo geral do programa: a alfabetização das crianças até os oito anos de idade. Nos cadernos é exposta uma concepção de formação continuada que seria uma complementação da formação inicial ou ainda, a capacitação para que os professores reconheçam os objetivos de trabalho prioritários neste ciclo e aprendam como desenvolver estratégias de trabalho profícuas para garantirem a aprendizagem discente. O professor, leitor presumido, é posto como receptor e beneficiário das discussões e sugestões propostas. Geralmente, este é apresentado numa posição abstrata, identificada por Bakhtin (2014) como posição objetiva, ou seja, colocado como objeto do discurso, aquele sobre o que se fala, mas ao mesmo tempo, sendo responsabilizado pela aprendizagem dos alunos. Tal fato evidencia a maneira como os sujeitos, especialmente nós, professores, somos enxergados e apresentados nos materiais de formação, o que pode transparecer uma concepção de formação continuada subjacente ao programa. Entretanto, estes conceitos e propostas são ressignificados no contexto da prática tanto pelos Orientadores de estudos quanto pelos professores. Podemos citar, por exemplo, as reflexões empreendidas nos encontros que ampliaram as concepções subjacentes ao programa e a oportunização de espaços para a socialização e troca de experiências entre os participantes, o que incidiu sobre as identidades docentes, refletindo e refratando em suas práticas pedagógicas. No que se refere aos processos de leitura dos materiais formativos, estes são distintos e podem não condizer com as intenções pressupostas inicialmente. No caso dos orientadores de estudos, a leitura está vinculada à necessidade de extrair concepções e trechos considerados primordiais para a elaboração de suportes visuais para as discussões e dinamização dos encontros presenciais. Para os professores, esta leitura está correlacionada à solicitação e/ou indicação dos orientadores ou voltadas para uma intenção de uso, ou seja, os professores selecionam o que vão ler de acordo com suas necessidades reais no cotidiano escolar. Por isso, o papel das Instituições de Ensino Superior responsáveis pela formação dos professores e dos Orientadores de Estudos e formadores, é fundamental. No que se refere ao Estado do Rio de Janeiro, a proposta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que foi responsável pela formação no município investigado, é que estes cadernos sejam lidos e utilizados de maneira crítica, ampliando-se as discussões neles veiculadas, ou mesmo criticando-se algumas proposições conflitantes a partir de outros 9974
5 estudos e leituras. Aliada a essa postura, está o investimento em ouvir as vozes dos professores (formadores, orientadores e alfabetizadores) por postular que garantir espaços para a troca de experiências e a socialização das escritas docentes, considerando a compreensão autônoma desses profissionais, pode contribuir para a continuidade dos debates sobre a formação continuada. Esta aposta difere-se, portanto, de propostas com intenção de treinamentos ou aplicação de materiais e atividades, que impossibilitam aprofundamentos e reflexões sobre o processo educativo. Assim, mesmo tendo como paradigma uma formação fundamentada em concepções teóricas próprias, os envolvidos no processo de formação do PNAIC no município investigado foram reconhecendo as incoerências e contradições dessa política e, a partir de seus saberes e fazeres cotidianos, de suas experiências e de suas necessidades imediatas, foram resignificando propostas e discursos. Esta evidência pressupõe a necessidade de encarar o professor como um profissional responsável e crítico que olhe para cada proposta e se disponha a aproveitar de cada uma o que podem oferecer, conforme preconiza Andrade (2010). Este paradigma está ancorado no reconhecimento de que os professores não devem figurar como meros executores passivos de ideias concebidas em outra parte, mas que precisam discutir sobre as diferentes possibilidades e métodos, realizando a leitura crítica dos materiais de formação a eles destinados, ampliando seus conhecimentos tanto a partir de um aprofundamento nos estudos, pesquisas e concepções teóricas, quanto a partir da socialização de práticas docentes que podem ser analisadas, criticadas e avaliadas em grupo com a constituição de um espaço dialógico de formação. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. T. de. As (im)possíveis alfabetizações de alunos de classes populares pela visão de docentes na escola pública. Projeto de Pesquisa CAPES/OBEDUC, BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, Marxismo e filosofia da linguagem. 9 ed. São Paulo: Hucitec, BRASIL. Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa. Brasília, DF Disponível em < Acesso em: 19 jun FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. Porto Alegre: Artimed,
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