MARGUTTI Pinto, Paulo Roberto. Iniciação ao silêncio: análise do Tractatus de Wittgenstein. São Paulo. Edições Loyola, 1998, 366p.
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- Isabel Barbosa Carreira
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1 1 MARGUTTI Pinto, Paulo Roberto. Iniciação ao silêncio: análise do Tractatus de Wittgenstein. São Paulo. Edições Loyola, 1998, 366p. Margutti insere-se no contexto dos pensadores brasileiros preocupados com as pesquisas nas áreas de Lógica, Filosofia da Linguagem e Filosofia da Ciência. Graduou-se em Filosofia na UFMG e recebeu o título de mestre nessa mesma Universidade apresentando a dissertação Aspectos da lógica da implicação articulada pelas frase condicionais. Doutorou-se pela Universidade de Edinburg apresentando a tese Wittgenstein and semantic presuppotitions of definite descriptions in subject-position. Atualmente, leciona lógica, na UFMG, com ênfase nos cálculos nãoclássicos. Em 1996, criou um Laboratório de Lógica cujas pesquisas resultaram na publicação do livro Introdução à Lógica Simbólica (Editora da UFMG, 2001) e na criação de um programa de exercícios de lógica simbólica, escrito na linguagem de programação Delphi 4 para plataforma Windows, disponível na sua página da internet. Desenvolveu um método de análise argumentativa de textos e com base nele escreveu o livro Iniciação ao silêncio: análise do Tractatus de Wittgenstein que passaremos a comentar. Após o Prefácio, do próprio autor, observamos que o livro se constrói a partir de uma estrutura externa clássica. Iniciamos a leitura pela Introdução, seguimos para o desenvolvimento, dividido em 3 partes bem definidas, com subtítulos, para atingir as reflexões finais e a Bibliografia. No Prefácio, o autor justifica a existência do livro -- teve origem na tese elaborada para cumprir
2 2 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas exigência de concurso para professor Titular no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais -- e o método de procedimento da sua elaboração -- análise técnica dos argumentos empregados pelo jovem Wittgenstein, as vantagens desse método -- para fornecer uma interpretação sistemática do Tractatus. Finaliza com agradecimentos aos colaboradores. A Introdução é longa, porém bem estruturada internamente, possibilitando clareza, do ponto de vista do conteúdo, no prosseguimento do tema no desenvolvimento da pesquisa. Aqui, Margutti fundamenta-se, como ponto de partida, no pensamento de Thomas Conley, para quem muitos filósofos contemporâneos desconfiam da capacidade da filosofia formal resolver problemas de decisão e ação A conseqüência dessa desconfiança é a retomada dos estudos Retórica,no estilo neociceroniano, caracterizada no século XX pelos trabalhos de McKeon, Toulmin, Perelman e Habermas. Desse elenco de pensadores retóricos, Margutti analisa o Tratado da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958), tendo em vista seus esquemas argumentativos. Margutti entende que o termo argumentação é mais adequado do que os termos retórica ou dialética, uma vez que o significado dessas duas últimas palavras está contaminado pelo uso ao passo que a palavra argumentação no sentido dado por Perelman -- estudo das técnicas discursivas que produzem ou fazem crescer a adesão dos interlocutores -- aproxima-se da Retórica e da Dialética antigas, porém a elas não se identifica. Esse estudo de técnicas discursivas proposto por Perelman envolve componente retórico, argumentos logicamente válidos
3 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 3 da dialética e um conjunto de esquemas argumentativos flexíveis e diversificados, possibilitando ir além do formal. Nessa perspectiva pragmática, segundo Margutti, a teoria da Argumentação é um Órganon das teorias pragmáticas em geral. Margutti propõe um método para leitura do Tractatus. Para que leitor compreenda o método de sua argumentação, ele esboça os passos da sua elaboração que apresentamos a partir do esquema que segue. AUTOR inspirado por determinado contexto que envolve circunstâncias históricas determinadas e outros textos, filosóficos ou não experimenta determinada vivência e expressaa por meio de um texto filosófico escrito para provocar a adesão de membros de um auditório específico. O contexto influencia e motiva o AUTOR RESPOSTA vivencia experiência filosófica e transmite ao auditório correspondente Desse ponto de vista, texto e contexto não podem ser separados. Eles implicam nas intenções do autor e do público. A análise argumentativa considera o texto em pelo menos três aspectos fundamentais:
4 4 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas vivência Texto visto da perspectiva de seu conteúdo O que ele pretende expressar problema e ponto de partida do autor Texto visto a partir a partir da perspectiva do contexto que o produziu solução dada pelo autor auditório específico Texto votado para a perspectiva do público a que se dirige. Com essa análise, Margutti conclui que o autor nada cria, apenas inventa a partir do que já existe. As discussões sobre o método argumentativo prosseguem com muita riqueza de detalhes esclarecendo seus passos que consistem em (p. 28): 1. considerar determinado texto como peça argumentativa; 2. elaborar uma conjetura interpretativa a respeito do texto e 3. analisar os procedimentos argumentativos utilizados. Essa análise mostra um duplo resultado do método: revelar os principais elementos argumentativos do texto e fundamentar de maneira consistente a interpretação geral do texto. Disso decorre a vantagem do método que, ao enfocar o texto como peça argumentativa, leva o leitor a considerar, em sua interpretação, todos os fatores que intervêm em sua composição.
5 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 5 Decore disso que a leitura da obra dá origem a uma hipótese interpretativa sobre o conteúdo. O método proposto por Margutti para a leitura do Tractatus leva-nos a concluir que as diversas formas de argumentação filosófica não são independentes das contingências histórias e culturais (p. 29) o que o diferencia do método proposto por Perelman e Olbrechts-Tyteca. Margutti ajusta a técnica do método às dificuldades do Tactatus para que a interpretação se torne possível. Nas palavras de Margutti: Trata-se de um obra cuja interpretação é muito difícil e cujas características argumentativas são tão peculiares que parecem constituir um caso claro de desvio do padrão tradicional: uma obra que trata de problemas lógicos sob forma aforística, que apresenta sua solução de uma forma aparentemente dogmática e que ao final rejeita a si mesma alegando que seus próprios aforismas são contra-sensos e que sobre o que não se pode falar, deve-se calar Para analisar o Tractatus como peça argumentativa, Margutti divide seu trabalho em três partes: 1. considera os diversos aspectos que constituem o contexto e o ponto de partida da argumentação do Tractatus (p. 32) 2. faz a exposição da sua conjectura sobre a filosofia do Tractatus (p.32) 3. analisa as principais técnicas argumentativas no Tractatus (p. 33). Conclui a introdução lembrando ao leitor que ele pretende apenas descrever os principais aspectos argu-
6 6 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas mentativos do Tractatus sem intenção de avaliá-lo criticamente, porém afirma que a filosofia do Tractatus é equivocada em muitos de seus aspectos fundamentais e aponta quatro objetivos traçados para o livro: 1. mostrar a viabilidade do método de análise argumentativa mediante sua aplicação a um texto concreto 2. testar o potencial do método para identificar casos argumentativos que não se enquadram nos padrões convencionais constituindo o que ele denomina desvios 3. revelar que os casos de desvios embora anômalos possuem sua própria especificidade e validade 4. contribuir para a melhor compreensão da dificuldade da filosofia do Tractatus, aproveitando a hermenêutica do método de análise. A primeira parte do livro discute O contexto e o ponto de partida da argumentação no Tractatus. Divide-se em quatro capítulos. No primeiro, com três subtemas, Margutti aborda a época da redação do Tractatus. Contextualiza o autor considerando os aspectos mais relevantes de sua vida, os fatos históricos da sua época e as doutrinas mais significativas usadas para a elaboração da solução proposta pela obra. Trata de A evolução intelectual de Wittgenstein em direção ao Tractatus, recapitulando fatos importantes da vida de Wittgenstein desde o nascimento (26 de abril de 1889) até a primeira Guerra Mundial. Nas Observações finais faz uma síntese do surgimento do Tractatus:
7 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 7 1. como solução para uma crise existencial 2. a crise existencial parece ter decorrido do contato com autores que influenciaram a elaboração da obra. O segundo capítulo trata do contexto éticometafísico. Está subdividido em seis subtemas que tratam das influências que Wittgenstein sofreu: de Schopenhauer ( o mundo é minha representação ); de Weininger ( o imperativo moral ); de William James ( a experiência religiosa ); de Tolstoi (o Evangelho ). Nas observações finais, há uma versão pessoal do cristianismo e a síntese dos assuntos tratados nos subtemas. Para Margutti, as leitura desses pensadores influenciou Wittgenstein na elaboração de tal síntese. O terceiro capítulo trata de O contexto ligado à análise da linguagem. Também foi subdividido em subtemas -- a teoria dos modelos de Hertz e Boltzmann, a lógica de frege, os trabalhos de Russell, a crítica mauthneriana da linguagem. Há observações finais, em que Margutti apresenta suas sugestões. No quarto capítulo da primeira parte, o tema tratado é o ponto de partida da argumentação do Tractatus. Subtema, As premissas e o problema fundamental de Wittgenstein. Temos as Observações preliminares e as Observações finais. No subtema, Margutti avalia o pensamento de autores de tendência ético-metafísica e a convergência de suas idéias ao enfatizar a existência de uma experiência de natureza eminentemente contemplati-
8 8 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas va (p.122). Entre esses pensadores que influenciaram Wittgenstein, Margutti inclui Schopenhauer, cuja experiência ético-metafísica consiste na contemplação do mundo pelo sujeito do ponto de vista do eterno. A eternidade envolvida não é substancial, mas corresponde à atemporalidade alcançada pelo sujeito quando observa a essência. Quando atinge este estado, o sujeito esquece sua própria individualidade e põe em ação um nível mais profundo de seu ser, no qual se funde, em êxtase, com o mundo. (p. 122) Essa experiência, para Margutti, consiste na beatitude obtida pela contemplação de uma realidade superior. Weininger, é outro pensador dessa mesma linha. Para ele, segundo Margutti, Todo gênio tem, em algum momento de sua vida, uma experi6encia de algo mais elevado em seu ego. Embora essa experiência possa assumir as mais variadas formas, estas, como visões intuitivas do cosmo, partilham a propriedade comum de serem provenientes apenas da excitação do ego quando ele se põe como uma alma que está solitária no universo, encarando-o e compreendendo-o. (...) (p. 123). Tolstoi, vê a experiência mística como a própria experiência do sentido da vida -- que se alcança quando se vive pelo amor no presente autêntico. Margutti vê esse fato como equivalente a estar unido a Deus, princípio e fundamento da vida. Em última instância, diz Margutti, A experiência mística é a contemplação do presente atemporal. Nessa perspectiva, o cristianismo tolstoiano é uma
9 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 9 religião sem fé e sem mistérios, capaz de proporcionar a beatitude neste mundo mesmo e não numa hipotética vida futura. A experiência mística não envolve nada de sobrenatural (p. 123) William James, continua Margutti, faz uma caracterização geral da experiência mística, apontandolhe quatro aspectos fundamentais. 1) A infalibilidade -- nesse caso, a linguagem é insuficiente para descrever a experiência mística que deve ser diretamente vivenciada e não pode ser comunicada a outrem. 2) O valor noético -- Embora o estado místico esteja mais próximo do sentimento que dá apreensão intelectual, ele constitui um tipo peculiar de conhecimento atingindo profundidades da realidade que não podem ser compreendidas pelo intelecto discursivo. 3. A transitoriedade -- A experiência mística não ocorre por um tempo muito longo. Depois que a experiência ocorreu, porém, sua qualidade é retida pela memória e ela pode ser reconhecida quando acontecer novamente. 4. A passividade -- É certo que a experiência mística pode ser preparada com o auxílio de determinadas técnicas. Todavia sua ocorrência produz o sentimento de estar possuído por um poder superior. Comenta Margutti que esses autores admitem a possibilidade de o homem passar por um transe místico que envolve um valor cognitivo correspondendo à contemplação beatífica da verdadeira realidade. Shopenhauer e Weininger aceitam que a contemplação mística é uma experiência do sujeito transcendental. Margutti prossegue sua análise voltando-se para as influências lógico-científicas, incluindo nessa linha, Frege, Russelll, Hertz e Boltzmann.
10 10 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas Da filosofia de Frege, afirma Margutti, Wittgenstein serviu-se das noções de conteúdo conceitual. sentido, e significado. Wittgenstein utiliza a noção de conteúdo conceitual para tentar chegar à essência da linguagem pela análise da proposição declarativa. Russell influenciou-o despertando interesse pelos problemas de análise da linguagem, colocando-o a caminho das novas técnicas da lógica. Margutti comenta os desacordos de idéias de Wittgenstein com as de Frege e Russell, com bastante detalhes de informações e demonstrações lógicas de raciocínio. A segunda parte prossegue com os capítulos cinco a oito e tem como tema fundamental A filosofia do Tractatus. O capítulo cinco divide-se em quatro subtemas. Há, como de hábito, as observações preliminares e as observações finais. Margutti trata de 1 A crítica da linguagem e seu objeto mostrando quatro pontos importantes observados por Wittgenstein sobre a linguagem, seguindo Frege: i. a menor unidade lingüística é a sentença, ii) as sentenças ou unidades mínimas de sentido podem ser selecionadas e agrupadas em função do conteúdo judicável, iii) uma sentença declarativa expressa dado pensamento e, sob esse aspecto, é chamada de proposição iv) a proposição assim entendida ocupa uma posição privilegiada na crítica da linguagem. Cada um dos itens é desenvolvido por Margutti com exemplos elucidativos. Segue A crítica da proposição em que faz a análise lógico-transcendental da proposição, destacando os seguintes pontos: 1. Uma proposição tem uma e somente uma análise completa (1922:3.25). Isso significa dizer, segundo Margutti, que uma análise exaustiva de uma proposição sempre nos
11 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 11 leva ao mesmo resultado -- Este princípio constitui o postulado básico da análise tractatiana da linguagem (p. 148). 2. É óbvio que devemos, na análise das proposições, chegar a proposições elementares que consistem em nomes em ligação imediata (1922). Margutti aprofunda esse princípio mostrando que a análise deve terminar em algum lugar, sob pena de tornar-se um inevitável regresso ad infinitum. Apresenta exemplos demonstrativos e ilustrativos, e, em notas de pé de página, observações importantes que remetem o leitor ao enraizamento do assunto. Segue o subbtema A proposição como modelo do fato, comentando o postulado transcendental do Tractatus que conduz à sua explicação da proposição por meio da teoria Pictórica. Margutti contextualiza o surgimento dessa idéia durante a Primeira Guerra Mundial, quando Wittgenstein servia na frente oriental. É importante notar, nesse subtema, a riqueza de detalhes apresentada por Margutti sobre o desenvolvimento dessa teoria de Wittgenstein. Os exemplos e esquemas ilustrativos são apresentados sistematicamente, com clareza e aprofundamento das idéias contidas na Teoria Pictórica. Em Sentido e significado, Margutti aponta a solução de Wittgenstein pelo pelo aforisma 3.3 Só a proposição tem sentido; só no contexto da proposição um nome tem significado (1022: 3.3). Comenta Margutti que isso permite concluir: se apenas a proposição tem sentido, o nome isolado, diferentemente do que pensa Frege, não tem sentido. Esse subtema é enriquecido com demonstrações de proposições por função de verdade usando o procedimento de tabelas-deverdade.
12 12 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas No sexto capítulo, o tema em pauta é A crítica da linguagem e seus reflexos sobre a estrutura do mundo. Seguem-se os subtemas. O postulado transcendental e a estrutura do mundo, ressalta o fato de Wittgenstein chamar estado de coisas qualquer combinação de objetos simples, existentes ou não. Em O mundo como totalidade de fatos Margutti observa um paradoxo na conclusão do Tractatus quando Wittgenstein diz que o mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. O sétimo capítulo trata de A lógica como essência do mundo, desenvolvido a partir dos subtemas A lógica como lei transcendetamente estruturante, A forma geral da proposição e Espaço lógico, linguagem e realidade. Esses subtemas são desenvolvidos a partir de demonstrações por tabelas de verdade e pelo cálculo dos predicados. Margutti conclui, em Observações finais, que a consideração da lógica como lei transcendentalmente estruturante da realidade e da linguagem nos mostra que ela atua em dois níveis fundamentais. Primeiramente a lógica estrutura a proposição atômica como modelo do fato atômico descrito. Em segundo lugar, ao fixar a proposição atômica como bipolar, ela determina a priori todas as combinações possíveis de valores de verdade dessas proposições atômicas. Desse modo, tudo o que pode ocorrer no mundo está enquadrado num espaço lógico a priori. Se isso é verdade, então não há proposições privilegiadas na lógica. A organização axiomática da lógica é enganadora. (...) (p.221) O oitavo capítulo apresenta o tema Aplicações dos resultados da crítica da linguagem desenvolvido a
13 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 13 partir dos subtemas A lógica -- a crítica da línguagem já mostrou que as proposições da lógica são tautológicas (p. 224); A Matemática -- O essencial no método matemático é trabalhar com equações. É em razão desse método que toda proposição da matemática deve evidenciar-se por si própria (p. 227); A Física -- A explicação da linguagem física está relacionada a dois aspectos básicos da filosofia do Tractatus. A análise das linguagens lógica e matemática revelou, por um lado, que só há necessidade lógica (1922:6.37, 6.375) assim como só há impossibilidade lógica (1922: 6.375). Por sua vez, a análise lógica da linguagem também revelou que nenhuma proposição elementar pode ser deduzida de outra (1922;5.134). Portanto, não se pode deduzir a existência de uma situação a partir da existência de outra (1922:5.135) ; A Metafísica -- A análise da linguagem da ética revela que não pode haver proposições que descrevam valores absolutos, pois elas não teriam qualquer conteúdo descritivo. Coisa semelhante acontece no caso da metafísica. Se houvesse proposições metafísicas, elas também não teriam conteúdo descritivo. Com efeito, a linguagem metafísica tenta descrever o que existe em sentido absoluto, a saber, a essência do mundo, isto é, as condições de possibilidade dos fatos. Nas Observações finais, Margutti afirma que Aplicada à lógica, a crítica da linguagem revela que as tautologias são vazias de sentido. Isso mostra as propriedades lógicas da linguagem e do mundo. Nessa perspectiva, embora não seja uma teoria, a lógica é transcendental (p. 252). Na terceira e última parte do livro, Margutti comenta as Técnicas argumentativas utilizadas no
14 14 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas Tractatus. Segue pelo capítulo nove com Técnicas heurísticas utilizadas na elaboração do Tractatus, com seus vários subtemas. Estratégia heurística fundamental do Tractatus: a livre variação de modelos -- após uma longa análise de modelos afirma Margutti que Wittgenstein reconhece a técnica heurística da livre variação de modelos como a fonte básica de sua originalidade. Estratégia heurística complementar do Tractatus: o antimodelo leva as últimas conseqüências a crítica da argumentação socrática que se encontrava apenas prenunciada em Schopenhauer (p. 274). Táticas heurísticas utilizadas no Tractatus -- Segundo Margutti, as principais táticas inventivas são a do paradoxo e a das definições retóricas. No Tractatus, Margutti concentra-se na primeira, por entender que ela condensa o espírito do texto. No décimo capítulo, A linha geral de argumentação do Tractatus, são desenvolvidos os subtemas A estratégia de argumetanação do Tractatus, O sistema de numeração dos aforismas tractatianos. Esses dois subtemas são bastante complexos. Segue A divisão do Tractatus em partes, analisadas por Margutti de forma bastante detalhada. O quinto subtema trata de A inversão da ordem das razões e a leitura por pistas -- a estratégia argumentativa do Tractatus é baseada no estilo paratático e envolve duas outras táticas: a inversão da ordem da exposição e o estabelecimento da necessidade de um tipo especial de leitura da obra. A ordem da exposição, no Tractatus não corresponde à ordem da descoberta. Wittgenstein começa por um dos resultados da análise da proposição. Margutti vai em busca do motivo dessa opção de Wittgenstein. Em A Introdução de Russell,
15 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 15 Margutti fala das dificuldades que Wittgenstein teve para publicar sua obra. Tudo indica que só conseguiu divulga-la graças à Introdução de Russell. Parece que Bertrand Russell apresentou Wittgenstein à comunidade filosófica e o promoveu, além de recomendar a leitura da sua obra, objetivo que não foi alcançado, em virtude dos inúmeros equívocos que contém e das dificuldades na Introdução de Russell. O décimo primeiro capítulo trata dos Principais esquemas argumentativos utilizados no Tractatus. O tema é aprofundado a partir dos seguintes subtemas. O espírito dos argumentos tractatianos -- O Tractatus utiliza argumentos de uma forma inteiramente sui generis, nele não se aplicam os procedimentos tradicionais. O que Wittgenstein faz na obra é estabelecer uma vasta rede de definições e princípios que se entrelaçam conceitualmente (p. 310). Argumento quase lógico -- Esse argumento é colocado por Perelman e Olbrechts-Tyteca. Margutti comenta que são assim chamados porque embora se apresentem como comparáveis a argumentos formais, lógicos ou matemáticos, só adquirem aparência demonstrativa mediante um esforço não-formal de precisão ou redução ao esquema formal que pressupõem (p. 313). Dentre os argumentos quase lógicos que interessam à análise do Tractatus, Margutti destaca os que recorrem a estruturas lógicas, como os esquemas da identidade e da incompatibilidade. No Tractatus, os esquemas baseados na identidade são construídos com a apresentação de definições; a partir delas são deduzidas conseqüências. Na verdade fica um pouco difícil o entendimento de argumentos quase lógicos porque se eles
16 16 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas são comparáveis a argumentos formais, lógicos ou matemáticos, já são demonstrativos. Também torna-se difícil entender como esforço não-formal possa tornar preciso (ou reduzir a) algo que já recebeu aspecto lógico-matemático. Por que esquemas de identidade e de incompatibilidade seriam quase lógicos? Margutti apresenta comentários detalhados sobre essa questão. Os esquemas argumentativos baseados na incompatibilidade são encontrados em Wittgenstein reduzidos a contra-sensos. Seguem-se os subtemas Argumentos que fundam a estrutura do real, Dissociações de conceitos, Interação dos argumentos tractatianos. Em todos eles, Margutti retoma os procedimentos argumentativos de Perelman e Olbrechts-Tyteca, comenta-os e mostra como ocorrem no Tractatus. Nas Observações finais, Margutti esclarece que o objetivo último do Tractatus é a elucidação pela crítica da linguagem. Esta última, contudo, é um procedimento suicida que conduz à autofagia. Nesse sentido, a crítica da linguagem, quando levada às últimas conseqüências, corresponde à experiência de morrer (p. 336). No décimo segundo capítulo, Margutti aborda A questão crucial da autofagia como ponto chave para efetuar a iniciação ao silêncio. Comenta que Considerada globalmente, a técnica da argumentação do Tractatus se caracteriza pelo uso de um método de análise e de uma linguagem que se autodestroem no final e do ponto de vista argumentativo o resultado dessa atitude consiste no estabelecimento de uma incompatibilidade que Perelman e Olbrechts-Tyteca qualificam como autofagia. Seguem os subtemas A crítica da linguagem é necessária, mas suicida, Os
17 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 17 resultados negativos da crítica da linguagem, O resultado positivo da crítica da linguagem, A crítica da linguagem na vida de Wittgenstein e Observações finais. O livro se encerra com uma pequena reflexão na qual Margutti retoma os dois objetivos centrais de sua obra: testar o potencial do método de análise argumentativa que ele mesmo desenvolveu ao longo de dois anos e apresentar uma interpretação sistemática da filosofia exposta no texto do Tractatus. Resenhei Iniciação ao silêncio: Análise do Tractatus de Wittgenstein a partir da importância e relevância do seu conteúdo. Durante a leitura dessa obra, troquei correspondências com o autor para esclarecer alguns pontos os quais registro aqui, a título de conclusões obtidas pela elucidação fornecida nas correspondências. 1) o livro é um produto da aplicação ao Tractatus de um método de análise argumentativa de textos filosóficos que Margutti elaborou, conforme comentei no início desse trabalho. 2. há uma tentativa de contextualização bastante ampla do Tractatus, com o objetivo de mostrar as influências ético-metafísicas -- a partir de Schopenhauer, Weininger, Tolstoi, William James, Mauthner -- e as influências lógico-científicas -- a partir de Frege, Russell, Hertz, Boltzmann -- sobre o jovem Wittgenstein. Foi essa contextualização que permitiu a Margutti indicar o problema que Wittgenstein tentou resolver, articulando a perspectiva lógica com a perspectiva mística. Nesse sentido, a interpretação feita por Margutti fornece uma visão de conjunto da filosofia do Tractatus, articulando a lógica e a ética. 3) a tese central de interpretação de Margutti é a seguinte: o Tractatus é uma obra de iniciação ao silêncio, envolvendo as experiências complementares da morte
18 18 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas através do dizer (enunciação de contra-sensos) e do renascimento através do mostrar (contemplação silenciosa do Absoluto). As proposições do Tractatus, segundo Margutti, são contra-sensos porque constituem uma tentativa frustrada do sujeito empírico de dizer aquilo que apenas se mostra ao sujeito transcendental e não pode ser dito pelo sujeito empírico. Comenta Margutti que discorrer sobre o místico não é apenas ilógico, mas também imoral. Daí a conclusão do Tractatus: sobre o que não se pode falar (por motivos lógicos decorrentes da crítica da linguagem), deve-se calar (por motivos lógicos e éticos). Isto explica também porque o Tractatus tem duas partes: a primeira, que está escrita, é a menos importante, pois não passa da tentativa de dizer o que apenas se mostra e não pode ser dito; a segunda, que não está escrita, é a mais importante, pois corresponde à contemplação silenciosa daquilo que se mostra ao sujeito transcendental (a essência da linguagem e do mundo, sob a forma de uma intuição inefável). 4) para atingir seus objetivos, segundo Margutti, Wittgenstein usa duas escadas: a escada lógica da crítica da linguagem (tentativa suicida de dizer a essência da linguagem) e a escada ética do alistar-se como voluntário no exército, colocando a vida em risco. As duas confluem na experiência de clarificação lógica e contemplação silenciosa que dá o sentido da vida. Chegando ao final desse comentário, só podemos dizer que o que foi exposto aqui sobre o livro de Margutti é apenas uma tentativa de mostrar recortes do seu conteúdo. A obra é densa. Há comentários, 91 notas de pé-de-página que enraízam cada novo tópico
19 SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e : Resenhas 19 apresentado para facilitar a compreensão da leitura, e uma Bibliografia, com 53 títulos de obras. Res fev. 04 Marilúze
A LINGUAGEM NO TRACTATUS DE WITTGENSTEIN. Bruno Senoski do Prado (PIBIC), Marciano Adilio Spica (Orientador),
A LINGUAGEM NO TRACTATUS DE WITTGENSTEIN. Bruno Senoski do Prado (PIBIC), Marciano Adilio Spica (Orientador), e-mail: marciano.spica@gmail.com Universidade Estadual do Centro-Oeste, Setor de Ciências Humanas,
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