MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

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1 Nº 2291/ PGGB MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº RS RECTE. PROC. RECDO. ADV. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS : PROCURADOR-GERAL FEDERAL : TEREZINHA DA SILVA PEREIRA : ADEMIR LEMOS FIGUEIREDO E OUTRO(A/S) RELATOR : MINISTRO CELSO DE MELLO Recurso extraordinário com agravo. Trânsito do recurso negado com apoio em precedente julgado na sistemática de repercussão geral. Agravo dirigido ao STF. Inadmissibilidade. Precedente (AI QO). Não cabimento do princípio da fungibilidade recursal. Aposentadoria por idade. Cômputo do período de gozo do auxílio-doença para implemento do tempo de carência. Alegada ofensa ao princípio da isonomia. Inovação recursal. Impossibilidade. Incidência das Súmulas 282 e 356. Contrariedade aos arts. 201 e 195, 5º, da CF não caracterizada. A recorrida ajuizou ação contra o INSS, no Juizado Especial, pretendendo a aposentadoria por idade. Alegou que, em sede administrativa, a autarquia indeferiu o seu pedido, por não aceitar como tempo de contribuição o período que usufruiu de benefício de auxílio-doença. A Turma Recursal confirmou a sentença de procedência do pedido, afirmando preenchidos os requisitos etário e de contribuição. Respaldando-se em decisão do Supremo Tribunal Federal na sistemática da

2 repercussão geral (Tema 88 - RE ), entendeu que o período em que a autora esteve em gozo do benefício por incapacidade, embora sem o recolhimento das contribuições, deve ser computado para efeitos de carência, pois foi intercalado por períodos contributivos. O recurso extraordinário aponta ofensa aos arts. 5º, 195, 5º, 201, caput e 1º, da CF. Critica a contagem do período de auxílio-doença como carência, ante os princípios do caráter contribuitivo e do prévio custeio da Previdência Social. O Presidente da Turma Recursal, apoiando-se no RE , da sistemática da repercussão geral, negou seguimento ao recurso. Na decisão se lê: (...) Destarte, falta interesse recursal ao recorrente, uma vez que o entendimento firmado pelo STF a respeito da matéria admite a possibilidade de considerar para fins de carência o período que o segurado recebeu benefício por incapacidade quando intercalado com períodos de contribuição, situação que, consoante análise do acórdão recorrido, se amolda ao caso concreto (...) O agravo defende que houve erro de interpretação na aplicação do paradigma de repercussão geral, sustentando que o acórdão recorrido lhe seria contrário, eis que o caso dos autos não trataria de tempo de contribuição ficto, mas sim de carência ficta. - II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite agravo, que lhe seja endereçado, contra decisão de Tribunal ou de Turma Recursal que nega seguimento a recurso extraordinário com apoio em precedente julgado na sistemática de repercussão geral. Esse entendimento foi assentado a partir do AI QO, do qual se extrai a seguinte fundamentação: 2

3 (...) Assim, a competência para a aplicação do entendimento firmado pelo STF é dos tribunais e das turmas recursais de origem. Não se trata de delegação para que examinem o recurso extraordinário nem de inadmissibilidade ou de julgamento de recursos extraordinários ou agravos pelos tribunais de origem. Trata-se, sim, de competência para os órgãos de origem adequarem os casos individuais ao decidido no leading case, mediante: ( ) b) registro do prejuízo dos recursos contra decisões conformes à jurisprudência da Corte em matéria cuja repercussão geral já foi assentada e que já teve o mérito julgado; (...) (AI QO, rel. o Ministro Gilmar Mendes, DJe ) (grifei) Mais adiante, o Ministro relator esclareceu: (...) A prejudicialidade, aqui, decorre diretamente da lei processual e do mecanismo de racionalização nela estabelecido. É a lei que presume a inexistência de interesse no julgamento de recurso interposto de decisão já conformada ao entendimento desta Corte ao examinar questão constitucional de repercussão geral. ( ) Evidentemente, não há interesse recursal em submeter ao STF questão constitucional que já foi decidida no mesmo sentido da jurisprudência da Corte em matéria de repercussão geral. (...) (AI QO, rel. o Ministro Gilmar Mendes, DJe ) A alegação de incorreta interpretação do precedente de repercussão geral também não viabiliza o acesso à Suprema Corte, como assentado no seguinte aresto: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. 3

4 AGRAVO PREVISTO NO ART. 544 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. CABIMENTO SOMENTE PARA OS RECURSOS INTERPOSTOS ANTES DE 19/11/2009. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Não é cabível agravo de instrumento para a correção de suposto equívoco na aplicação da repercussão geral, conforme firmado no julgamento do AI QO/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes. ( ) III Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE AgR, rel. o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe ) (grifei) Assim, o agravo contra decisão do Presidente da Turma Recursal, na espécie, deveria ter sido endereçado à apreciação da Turma Recursal de origem, e, não, diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Não há que se falar, ainda, em aplicação do princípio da fungibilidade recursal, já que o agravo foi interposto em A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. (...) II - A aplicação do princípio da fungibilidade recursal, com a devolução dos autos para julgamento pelo Tribunal de origem como agravo regimental, só é cabível nos processos interpostos antes de 19/11/2009. Precedentes. (ARE AgR, rel. o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe ) (grifei) como prosperar. Mesmo que superado o óbice, o recurso extraordinário não tem 4

5 O acórdão da Turma Recursal manteve a procedência do pedido, com apoio na interpretação do sentido e alcance de dispositivos da Lei nº 8.213/91 e da Lei nº /03. A questão concernente à violação do princípio da isonomia não foi tratada nas razões apresentadas à Turma Recursal. Muito menos foi objeto dos embargos de declaração. Assim, a ofensa ao art. 5º da CF representa inovação recursal. O extraordinário, nesse ponto, esbarra nas Súmulas 282 e 356. Quanto à alegada contrariedade aos arts. 201 e 195, 5º, da CF, deve-se ter presente que o benefício previdenciário do auxílio-doença tem por finalidade substituir ingressos do segurado. A propósito, é o que afirma a doutrina de Wladimir Novaes Martinez: (...) Oferecida como expectativa de direito durante o curso da filiação e deflagrada pela necessidade contingência protegida realizada-, a prestação previdenciária emerge quando o meio usual de atendimento das necessidades do homem (percepção de salários ou outros rendimentos) é quebrado ou deve ser socialmente abandonado. A prestação previdenciária substitui os ingressos. E de forma contínua. (...) 1 O auxílio-doença é um benefício previdenciário pago em decorrência da incapacidade temporária do segurado, e, por seu caráter substitutivo da renda, não pode ter valor inferior a um salário-mínimo 2-3. Esse entendimento decorre do comando inserto no art. 201, 2º, da CF, que dispõe: Art. 201, 2º: Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. 1 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 5. ed. São Paulo:LTr, 2011, p BRAGANÇA, Kerlly Huback. Direito Previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 28. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009, p

6 Assentada a natureza substitutiva do auxílio-doença, o período de gozo do benefício merece ser computado como tempo de contribuição, tanto para efeito de cálculo do benefício quanto para fins de cumprimento da carência. O caráter contributivo do regime geral da previdência social tampouco ampara a pretensão do recorrente. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE , assentou que o disposto no 5º do art. 29 c/c inciso II do art. 55 da Lei de Benefícios da Previdência Social figura exceção razoável à regra proibitiva de tempo ficto de contribuição. Colhe-se do voto do Ministro relator o seguinte excerto: (...) 11. Ora, a lei não poderia ser mais enfática e rimada com o princípio contributivo inscrito no art. 201 da Magna Carta. Até porque, somente diante de uma situação razoável poderia ela, a lei, instituir tempo de contribuição ficto. Mesmo assim, por meio de norma expressa, como é o caso da aposentaria por invalidez precedida de atividade entremeada com períodos de enfermidade, conforme o inciso II do art. 55 da Lei de Benefícios, ( ) 12. Nessa situação em que trabalho e afastamento se intercalam antes da aposentadoria por invalidez é razoável que sejam considerados os valores recebidos a título de auxílio-doença. Isso porque existe recolhimento de contribuições previdenciárias durante o período que serve de referencial para o cálculo dos proventos. Diferente do que acontece quando a aposentadoria por invalidez é precedida de período contínuo de afastamento da atividade. Donde se concluir que a decisão recorrida ofendeu o princípio contributivo no caput do art. 201 da nossa Lei Maior. ( ). (RE , rel. o Ministro Ayres Brito, DJe ) Embora o citado precedente trate de hipótese de aposentadoria por invalidez, a exceção legal considerada válida pelo Supremo Tribunal Federal 6

7 também faz menção ao cômputo do período de gozo do auxílio-doença como tempo de contribuição. É o que lê no art. 55, II, da Lei nº 8.213/91: Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: ( ) II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (grifei) As mesmas razões invocadas pelo Supremo Tribunal Federal devem iluminar a hipótese concernente ao cômputo do auxílio-doença como tempo de contribuição. Ressalte-se que o caso em exame se alinha com o precedente citado, por se tratar de período de gozo de auxílio-doença intercalado com recolhimentos previdenciários. Não se vislumbra, tampouco, a alegada ofensa ao art. 195 da Constituição Federal, que dispõe: Art A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: ( ) 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. Cingiu-se a Constituição Federal a dispor sobre a impossibilidade de criação, majoração ou extensão de benefício previdenciário sem que exista fonte de custeio previamente definida. Não houve proibição de que o legislador ordinário equacionasse, de forma diferente, a forma de custeio do benefício. A própria 7

8 sistemática prevista no art. 61 da Lei nº 8.213/91, ao fixar a renda mensal inicial do auxílio-doença no patamar de 91% do salário-de-benefício, permite inferir que o segurado, indiretamente, contribui para o custeio dos benefícios previdenciários. A esse respeito, Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro leciona: (...) O valor inicial do auxílio-doença, conforme nova redação da Lei nº 9032/95, passou a ser de 91% do salário-de-benefício, calculado sem utilização do fator previdenciário. Questiona-se o porquê do auxílio-doença ser pago na quantia de 91% do salário-de-benefício e não 100%. A única razão que explica o mencionado questionamento é o fato de que durante o percebimento do auxílio-doença, o segurado não efetua contribuições para o INSS, mas o tempo continua sendo contabilizado para efeitos da futura aposentadoria (...) 4. (grifei) O próprio Decreto nº 3.048/99, ao regulamentar os benefícios previdenciários, permite o cômputo do período de auxílio-doença como tempo de contribuição nestes termos: Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros: ( ) III - o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade; (grifei) Por fim, cabe salientar que a interpretação do INSS de que o tempo de contribuição para aposentadoria difere do período de carência não vem sendo acolhida pelo STF, já que a inclusão dos salários-de-benefício do auxíliodoença na relação de salários-de-contribuição da aposentadoria tem, como consequência lógica, sua contagem inclusive para a apuração da carência do 4 RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito Previdenciário Esquematizado. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p

9 benefício, nos termos do art. 27 da Lei 8.213/91 (decisão monocrática no ARE ,rel. o Ministro Teori Zavascki, DJe ). Nesse mesmo sentido: (...) Oportuno acrescentar que, se a lei já admite o cômputo dos períodos em gozo de benefícios por incapacidade intercalados para fins de tempo de serviço (art. 55, II, da Lei 8.213/91) e de seus salários de benefício como salários de contribuição (art. 29, 5º ), justamente porque se presume a impossibilidade de recolhimento de contribuições em face da incapacidade laboral, não há porque deixar de considerá-los para fins de carência. Tal como assinalado pelo Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz no precedente citado, 'a conclusão lógica é de que a lei abriga esse período como de contribuição do beneficiário à Previdência Social, pelo que o mesmo é apto para integrar o cômputo do tempo de carência na concessão da aposentadoria por idade'. Assim, às 122 contribuições já computadas pelo INSS (1- PROCADM10, fl. 35) deverão ser acrescentados outros 61 meses, referentes aos lapsos em que a parte autora esteve em benefício por incapacidade. 3. Agravo DESPROVIDO. (decisão monocrática no ARE , rel. o Ministro Luiz Fux, DJe ) (grifei) O parecer propõe o não conhecimento do agravo. Superado o óbice apontado, sugere que o recurso extraordinário seja parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Brasília, 19 de agosto de Paulo Gustavo Gonet Branco Subprocurador-Geral da República 9