O caçador de borboletas
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- Carolina Carvalho Aranha
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1 O caçador de borboletas Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os colecionadores. Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insetos mas não sabia que era possível colecioná-los, como quem coleciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos. Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas. Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insetos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa. Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela. Agora és minha disse-lhe. Toda a tua beleza me pertence. A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara: Isso não é possível era a borboleta que falava. Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda Vladimir esfregou os olhos: Meu Deus! Estou a sonhar? A borboleta riu-se: Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: Voem! E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada. Não! disse Vladimir abanando a cabeça. Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem colecionadores como eu, desaparecem para sempre. A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça): Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes colecionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela. Vladimir começava a achar que ela tinha razão. Se eu te libertar agora perguntou tu serás minha? A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores. Já sou tua disse e tu já és meu. Sabes? Eu coleciono caçadores de borboletas. Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio: Muito boa disse. Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo. José Eduardo Agualusa Era uma vez Revista Pais e Filhos, s/d
2 Sábios Como Camelos Há muitos anos viveu na Pérsia um grão-vizir - nome dado naquela época aos chefes dos governos -, que gostava imenso de ler. Sempre que tinha de viajar ele levava consigo quatrocentos camelos, carregados de livros, e treinados para caminhar em ordem alfabética. O primeiro camelo chamava- se Aba, o segundo Baal, e assim por diante, até ao último, que atendia pelo nome de Zuzá. Era uma verdadeira biblioteca sobre patas. Quando lhe apetecia ler um livro, o grão-vizir mandava parar a caravana e ia de camelo em camelo, não descansando antes de encontrar o título certo. Um dia a caravana perdeu-se no deserto. Os quatrocentos camelos caminhavam em fila, uns atrás dos outros, como um carreirinho de formigas. À frente da cáfila, que é como se chama uma fila de camelos, seguiam o grão-vizir e os seus ministros. Subitamente o céu escureceu, e um vento áspero começou a soprar de leste, cada vez mais forte. As dunas moviam-se como se estivessem vivas. O vento, carregado de areia, magoava a pele. O grão-vizir mandou que os camelos se juntassem todos, formando um círculo. Mas era demasiado tarde. O uivo do vento abafava as ordens. A areia entrava pela roupa, enfiava-se pelos cabelos, e as pessoas tinham de tapar os olhos para não ficarem cegas. Aquilo durou a tarde inteira. Veio a noite e quando o Sol nasceu o grão- -vizir olhou em redor e não foi capaz de descobrir um único dos quatrocentos camelos. Pensou, com horror, que talvez eles tivessem ficado enterrados na areia. Não conseguiu imaginar como seria a vida, dali para a frente, sem um só livro para ler. Regressou muito triste ao seu palácio. Quem lhe contaria histórias? Os camelos, porém, não tinham morrido. Presos uns aos outros por cordas, e conduzidos por um jovem pastor, haviam sido arrastados pela tempestade de areia até uma região remota do deserto. Durante muito tempo caminharam sem rumo, aos círculos, tentando encontrar uma referência qualquer, um sinal, que os voltasse a colocar no caminho certo. Por toda a parte era só areia, areia, e o ar seco e quente. À noite as estrelas quase se podiam tocar com os dedos. Ao fim de quinze dias, vendo que os camelos iam morrer de fome, o jovem pastor deu-lhes alguns livros a comer. Comeram primeiro os livros transportados por Aba, ou seja, todos os títulos começados pela letra A. No dia seguinte comeram os livros de Baal. Trezentos e noventa e oito dias depois, quando tinham terminado de comer os livros de Zuzá, viram avançar ao seu encontro um grupo de homens. Eram as tropas do grão-vizir. Conduzido à presença do grão-vizir o jovem guardador de camelos, explicou-lhe, chorando, o que tinha acontecido. Mas este não se comoveu: - Eras tu o responsável pelos livros - disse -, assim por cada livro destruído passará um dia na prisão. O guardador de camelos fez contas de cabeça, rapidamente, e percebeu que seriam muitos dias. Cada camelo carregava quatrocentos livros, então quatrocentos camelos transportavam cento e sessenta mil! Cento e sessenta mil dias são quatrocentos e quarenta e quatro anos. Muito antes disso morreria de velhice na cadeia. Dois soldados amarraram-lhe os braços atrás das costas. Já se preparavam para o levar preso, quando Aba, o camelo, se adiantou uns passos e pediu licença para falar: - Não faças isso, meu senhor - disse Aba dirigindo-se ao grão-vizir. - Esse homem salvou-nos a vida. O grão-vizir olhou para ele espantado: - Meu Deus! O camelo fala?! - Falo sim, meu senhor - confirmou Aba, divertido com o incrédulo silêncio dos homens. - Os livros deram-nos a nós, camelos, a ciência da fala. Explicou que, tendo comido os livros, os camelos haviam adquirido não apenas a capacidade de falar, mas também o conhecimento que estava em cada livro. Lentamente enumerou de A a Z os títulos que ele, Aba, sabia de cor. Cada camelo conhecia de memória quatrocentos títulos. - Liberta esse homem - disse Aba -, e sempre que assim o desejares nós viremos até ao vosso palácio para contar histórias.
3 O grão-vizir concordou. Assim, a partir daquele dia, todas as tardes, um camelo subia até ao seu quarto para lhe contar uma história. Na Pérsia, naquela época, era habitual dizer-se de alguém que mostrasse grande inteligência: - Aquele homem é sábio como um camelo. Isto foi há muito tempo. Mas há quem diga que, quando estão sozinhos, os camelos ainda conversam entre si. Pode ser. José Eduardo Agualusa, Estranhões & Bizarrocos [estórias para adormecer anjos], Publicações Dom Quixote Ficha: O peixinho que descobriu o mar Cristóbal nasceu num aquário. O mundo dele resumia-se a um pouco de água entre quatro paredes de vidro. Isso, alguma areia. Algas, pedras de diversos tamanhos, a miniatura em madeira de uma caravela naufragada. Ah! E trinta e sete outros peixinhos, quase todos irmãos de Cristóbal, ou primos, tios, parentes próximos. Havia ainda uma velha tartaruga, chamada Alice, que já vivia no aquário quando os avós de Cristóbal nasceram. Os peixes acreditavam que Alice vivia no aquário desde a criação do Universo e ela deixava que eles acreditassem naquilo. Às vezes os peixes mais velhos contavam histórias que tinham escutado aos seus avós. Diziam que, para além das paredes do aquário, longe dali, havia água, tanta água que um peixe podia passar a vida inteira a nadar, sempre em linha recta, sem nunca bater de encontro a um vidro. A essa água imensa, onde tinham nascido os primeiros peixes, chamava-se Mar. Os peixes falavam do Mar como quem fala de um sonho. Cristóbal tantas vezes escutou aquela história que um dia decidiu perguntar a Alice. A tartaruga era velhíssima, devia saber, tinha de saber. Encontrou-a a tomar sol em cima de uma pedra. Cristóbal prendeu a respiração, ergueu a cabeça acima da água, e fez-lhe a pergunta. Alice torceu a boca numa careta de troça: - Disparate: o Mar não existe! Não existe nada para além daquelas quatro paredes de vidro. O universo inteiro somos nós. Cristóbal foi-se embora pensativo. Sempre que ouvia falar no mar o aquário parecia-lhe mais pequeno. Não achava possível que os peixes, seus avós, tendo vivido sempre dentro de um aquário, tivessem conseguido inventar uma coisa tão grande como o Mar. Ele tinha de saber a verdade. Ele queria saltar as paredes de vidro e ir à procura do Mar. Os outros peixinhos não compreendiam a angústia de Cristóbal: - Não estás bem aqui? perguntavam-lhe -, não tens tido tudo o que precisas? Cristóbal olhava para eles, aflito, incapaz de explicar aquela vontade de partir que sentia crescer, todos os dias, dentro do seu coração e o empurrava contra as paredes do aquário, tentando espreitar, para além delas, um outro mundo. O que via, porém, eram os seus próprios olhos reflectidos no vidro gelado.
4 Uma manhã, muito cedo, ainda todos os peixes dormiam, Cristóbal encheu-se de coragem, tomou balanço, e saltou. Percebeu imediatamente que o mundo não terminava no aquário. Percebeu também, assustadíssimo, que o resto do mundo era um lugar tão seco quanto a pedra onde Alice costumava descansar. Percebeu isso tarde demais. Estava estendido num chão de madeira e não conseguia respirar. Foi então que viu o gato. Ele não sabia o que era um gato. Nunca tinha visto nenhum. O gato, no entanto, sabia o que era um peixe. Os peixes, na opinião do gato, eram comida. Cristóbal viu o gato e gritou: - Ajuda-me! Vou morrer!... - Pois vais disse o gato, que aliás, não era um gato, era uma gata, e por sinal lindíssima -, eu vou-te comer. Cristóbal conseguia ver o aquário e do lado de lá do vidro os outros peixes. Mas eles não o podiam ver. - Não me comas pediu -, eu quero ver o Mar. A gata olhou para ele, admirada: - O Mar? Pois tu nunca viste o Mar? Cristóbal, com dificuldade, porque fora de água não conseguia respirar, contou-lhe a sua história. Verónica era assim que se chamava a gata -, ficou com pena dele. Agarrou-o com a boca, cuidadosamente, para não o magoar, e colocou-o numa tigela com água. - Vou-te ajudar disse-lhe -, porque nunca conheci ninguém tão corajoso como tu. Nessa tarde a gatinha saiu pelos telhados à procura de Nicolau, o albatroz, um pássaro enorme, bico largo e fundo, capaz de transportar lá dentro uma enorme quantidade de peixes. Nicolau, velho amigo, recebeu-a com alegria. Verónica contou-lhe a história de Cristóbal e pediu-lhe para levar o peixinho até ao mar. O albatroz achou a ideia um pouco estranha: afinal ele tirava os peixes do mar para os comer. Mas quando Verónica o apresentou a Cristóbal depressa se convenceu. Colocou então o peixinho dentro do bico, com uma larga porção de água, para que ele não sentisse dificuldades em respirar, e levantou voo. Voavam há quase uma hora quando Nicolau abriu o bico e disse a Cristóbal para espreitar. Cristóbal ergueu a cabeça e o que viu deixou-o mudo de espanto. O Mar brilhava imenso à sua frente. Era muita água. Havia muitíssimo mais água ali do que dentro do seu aquário, muito, muito mais, muito mais do que ele se tinha alguma vez atrevido a imaginar. Nicolau abriu as grandes asas e começou a descer em direcção ao imenso azul, lá em baixo, ao salgado rumor das ondas. Gritou: - Adeus, amigo. Boa sorte! Sacudiu o bico e soltou Cristóbal! O peixinho olhou para cima, antes de mergulhar nas águas livres do Mar, e ainda o viu agitando as asas, adeus, adeus, e desaparecer entre as nuvens altas. Longe dali, Verónica, a gata, pensava em Cristóbal. A partir daquela data ela nunca mais foi capaz de comer peixe. Coitada, hoje, só come vegetais. Fichas:
5 A menina que queria ser maçã Quando perguntaram a Joaninha o que é que ela queria ser quando fosse grande (há sempre um dia em que um adulto nos faz essa pergunta), ela não hesitou: - Quando for grande quero ser maçã! Disse aquilo com tanta convicção que a mãe se assustou: - Maçã? A maior parte das crianças quer ser: a) astronauta b) médica/o c) corredor de automóveis d) futebolista e) cantor/a f) presidente. Há algumas respostas mais originais: Quero ser solteiro, confessou o filho de uma amiga minha. Conheço uma menininha que foi ainda mais ambiciosa: - Quando for grande quero ser feliz. Mas maçã? Joaninha, meu amor, maçã porquê? A pequena encolheu os ombros: são tão lindas. Passaram-se os anos e a mãe pensou que ela se tinha esquecido daquilo. Mas não. No dia em que entrou para a escola a professora fez a todos os meninos a mesma pergunta: - Ora então vamos lá a saber o que é que vocês querem ser quando forem grandes Astronauta. Piloto de Fórmula1. Cantora. Futebolista. Barbie (há muitas meninas que querem ser Barbie). Médica. Modelo. Actriz. E tu Joaninha? - Eu quero ser maçã! Risos. Os outros meninos começaram a fazer troça dela: - Maçã raineta! Maçã raineta!... - Se a Joaninha pode ser uma maçã, senhora professora, eu quero ser um avião Ela nem fazia caso. Quando crescesse havia de ser uma maçã, sim, uma maçã verde, luminosa, tão perfumada como uma manhã de primavera. Poucas vezes, porém, conseguimos cumprir os nossos sonhos. Joaninha transformou-se numa mulher bonita, estudou, e fez-se professora. Era uma boa professora. Só quem conseguisse olhar para dentro dela poderia saber que, bem lá no fundo do seu coração, Joaninha sentia ainda aquela grande vontade de se tornar maçã. O tempo passou o tempo, aliás, está sempre a passar, nóes é que nem sempre damos pela sua passagem. O tempo passou, portanto, e Joaninha envelheceu. Não casara, não tinha filhos, envelheceu sozinha. Foi numa tarde de Outono. As árvores tinham perdido todas as folhas. O sol, cansado, com aquela cor macia que tem o mel, desaparecia no horizonte. Joaninha estava a dormir, sentada numa cadeira de baloiço, na varanda da sua casa, quando apareceu um anjo e a levou. Ela não percebeu logo onde estava. Foi preciso que Deus lhe tocasse nos ombros com a ponta dos dedos: - Acorda minha filha disse-lhe Deus -, já chegaste. Joaninha abriu os olhos e viu o que já antes via com os olhos fechados: os anjos passeando num grande jardim, os peixes flutuando no ar, juntamente com os pássaros, e aquele velho de barbas brancas, ao seu lado, sorrindo como só Deus sabe sorrir. - Meu Deus perguntou-lhe porque não me deixaste ser maçã? - Ser maçã é difícil, Joaninha disse-lhe Deus. É preciso crescer muito para se ser uma boa maçã. Tu cresceste. Agora, sim, serás maçã. Alguns anos depois um menino descobriu no pomar da casa dos seus avós uma maçã de um brilho intenso. Cheirou-a: cheirava a manhãs lavadas, cheirava a primavera, era um cheiro que se colava aos dedos. O menino comeu a maçã e sentiu-se feliz. Naquela tarde disse à avó: - Sabes, acho que quando for grande quero ser maçã!
6 O País dos Contrários Quero que conheçam este gato. Chama-se Felini e, acreditem, não se parece com nenhum outro. Falovos de um gato, digamos assim, muito ambicioso. Felini era ainda adolescente, mal se viam os bigodes, quando se apaixonou. Coisa séria. Muito séria. Deixou de comer, deixou de lamber o pêlo, e passou a andar pelos telhados como um vagabundo sujo, magro, desgrenhado -, gemendo tristemente o seu amor. A mãe ficou preocupada: - Meu filho perguntou-lhe -, quem é essa gata? Gata? Felini olhou-a desesperado. Não, não era uma gata. Era uma vaca! Graciosa, a vaca, pastava os seus dias, isto é, passava os seus dias, no terreiro em frente à aldeia, com as outras vacas. A mãe de Felini riu-se, pasmada, e foi contar às amigas: o seu filho o pobrezinho! -, estava apaixonado por uma vaca. A novidade espalhou-se pela vizinhança. Os gatos grandes davam-lhe palmadas nas costas: tens mais boca que barriga, diziam. Os colegas troçavam dele. O pior, porém, não era isso. O pior, para Felini, aquilo que realmente o incomodava, era a indiferença de Graciosa. Felini sentava-se à noite em frente do estábulo onde dormia Graciosa e compunha canções para a lua, canções tristíssimas, que falavam dos olhos mansos do seu amor, e do seu pêlo macio, e do seu caminhar pelo pasto húmido ao amanhecer. Graciosa nem olhava para ele. A mãe de Felini, cada vez mais preocupada com tamanha persistência, foi procurá-lo: - Meu filho explicou-lhe -, como queres que uma vaca se interesse por ti? As vacas gostam de animais grandes, como elas, de bois. Os gatos gostam de gatas. Era esse o problema? Então decidiu Felini -, então seria um boi. A partir desse dia começou a pastar, como as vacas, e com tal apetite que cresceu, e cresceu, e cresceu, até alcançar o tamanho de um boi. Só nessa altura voltou a procurar Graciosa. A vaquinha, porém, olhou-o com susto: - Meu Deus, um gato boi! O grito dela atraiu os outros animais. Todos o olhavam com horror. Os gatos já não o aceitavam ele deixara de ser gato. As vacas fugiam ao vê-lo. Felini, tristíssimo, decidiu então partir para outro país. O mundo era imenso. Em algum lado encontraria quem o aceitasse sem estranheza. Andou durante muitos dias. Atravessou desertos. Perdeu-se no labirinto de florestas intermináveis. Escalou montanhas geladas, respirou o ar perigoso dos pântanos, viu o sol levantar-se sobre paisagens de assombro. Ao fim de muitos meses encontrou um rio cujas águas corriam pela montanha acima, e não a descer, em direção ao mar, como estamos acostumados a ver. Perguntou a um pássaro em que lugar estava. - Se cruzares o rio disse-lhe o pássaro -, entras no País dos Contrários. Ali tudo se passa ao contrário: os ponteiros dos relógios giram para a esquerda, os animais nascem velhos e morrem bebés e toda a gente fala do fim para o princípio. É um tanto complicado, mas depois habituas-te. Disse isto e despediu-se. Mal chegou ao outro lado do rio voltou- se e começou a voar de costas. Felini encolheu os ombros. Se um pássaro podia viver num país assim ele também podia. Atravessou o rio a nado. Estava a descansar na areia quando um elefante, tão pequeno quanto uma formiga, se aproximou dele: - Chamas te que é como disse -, olá! - Chamo-me Felini respondeu Felini. E tu? Nunca tinha visto um elefante tão pequeno. O elefante olhou para ele admirado: - Estrangeiro um como falas mas Contrários dos País do habitante um pareces disse. - Direito falas não porque? Felini abanou a cabeça. Que diabo de língua era aquela? Depois compreendeu e começou a rir. O elefante estava a falar ao contrário: Porque não falas direito? tinha dito. - Pareces um habitante do país dos contrários mas falas como um estrangeiro. O gato contou-lhe as suas aventuras, até cruzar o rio, esforçando-se por se fazer entender na estranha língua do país. Disse-lhe que tinha decidido conhecer o mundo porque na terra onde nascera o olhavam como se fosse um monstro. - Tu como são todos aqui tranquilizou-o o elefante não aqui.
7 Nesse mesmo dia Felini encontrou vários gatos iguais a ele. Em pouco tempo fez novas amizades e decorridas algumas semanas já se sentia tão à vontade naquele lugar como na sua própria aldeia. Podia ter sido inteiramente feliz, mas teve pouca sorte, coitado, voltou a apaixonar-se por uma vaca! Uma vaquinha tão pequena que não lhe chegava aos calcanhares. Mais livros em:
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