Supremo Tribunal Federal

Transcrição

1 RECURSO EXTRAORDINÁRIO MINAS GERAIS RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA RECTE.(S) :ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECDO.(A/S) :PEDROLINA DA ROCHA PEREIRA ADV.(A/S) :DOUGLAS VERÍSSIMO GONÇALVES DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO- PROBATÓRIO: SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado da Turma Recursal dos Juizados Especiais da Comarca de Curvelo/MG: De início, cumpre recordar que o STF, no julgamento das Suspensões de Tutela Antecipada (STA) 175, 211 e 278, das Suspensões de Segurança 3724, 2944, 2361, 3345 e 3355 e da Suspensão de Liminar (SL) 47, após amplo debate, estabeleceu alguns critérios para o fornecimento de medicamentos, sendo eles, em síntese: (i) quando o medicamento pleiteado está incluído em uma política pública de fornecimento de medicamentos, e houver recusa do Poder Público em fornecê-los, o Poder Judiciário pode obrigar o fornecimento, eis que não estaria criando política pública, mas somente determinando sua efetivação; (ii) quando o medicamento pleiteado não está incluído em nenhuma política pública, há de se

2 perquirir se a não inclusão se deu por (ii.i) omissão administrativa; (ii.ii) decisão administrativa em não fornecer os medicamentos; ou (ii.iii) vedação legal ao fornecimento. Por fim, em caso de decisão administrativa em não fornecer (ii.ii), é preciso saber se tal decisão se deu (ii.ii.i) pela inexistência de tratamento/protocolo clínico cientificamente comprovado para a doença do requerente; (ii.ii.ii) pela inexistência de tratamento/protocolo clínico aprovado pela autoridade de saúde (SUS) para a doença do requerente: ou (ii.ii.iii) pela existência de métodos/tratamentos alternativos eficazes para a doença do requerente. De todas estas situações, concluiu o STF que a única em que há a impossibilidade do Judiciário compelir o Poder Público a fornecer medicamentos é aquela descrita em (ii.ii.i), ou seja. quando não há tratamento/protocolo clínico cientificamente comprovado para a doença do requerente. Nos demais casos, deve o Poder Público fornecer os tratamentos/medicamentos conforme o caso concreto, eis que não pode a obrigação constitucional ser considerada mera declaração de intenções. Até mesmo em casos de vedação legal (v.g., fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA), há situações excepcionais em que se entendeu pela possibilidade de se ordenar judicialmente o fornecimento, não podendo o cidadão ter sua saúde prejudicada pela burocracia administrativa. Este último tema. inclusive, já ganhou foro de repercussão geral, através do RE Ainda, ao contrário do que sustenta o agravante, a agravada trouxe aos autos os documentos de fls , que atestam a necessidade do uso do medicamento pleiteado, por se tratar de paciente portadora de transtorno afetivo bipolar e transtorno de personalidade emocionalmente instável que já a impossibilitam para o trabalho, o que também evidencia o perigo de dano irreparável, de modo que a decisão vergastada também se mostra adequada na análise destes fundamentos. De todo modo. tenho que a irresignação deve prosperar no tocante ao pedido subsidiário, no sentido de que a obrigação do agravante recaia sobre medicamentos genéricos. Isto porque, nos termos do art. 3º, incisos XX e XXI, da Lei 2

3 6.360/76. com redações dadas pela Lei n /99 e Medida Provisória /01. estes medicamentos são definidos da seguinte forma: ( ). Como se vê. o medicamento genérico é aquele similar a um produto de referência, sendo o medicamento similar, por sua vez, aquele que possui todas as características essenciais (princípios ativos, concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica) do medicamento registrado na ANVISA, diferenciando deste por aspectos secundários (tamanho, forma, prazo de validade, rotulagem, excipientes e veículos). Embora tais conceitos não se misturam, o fato é que o medicamento genérico possui o mesmo princípio ativo do medicamento comercial, apresentando, pois, a mesma eficácia no tratamento da doença para a qual é indicado. Neste sentido, a própria ANVISA, na seção de perguntas frequentes de seu site, afirma: ( ). Portanto, havendo equivalência na ação do medicamento comercial ou do genérico, deve-se dar preferência a este último, sempre que a aquisição do mesmo se mostrar mais conveniente sob a ótica do princípio da economicidade, evitando-se, deste modo. o dispêndio desnecessário de recursos públicos. Neste sentido, já há decisões do TJMG: ( ). Em face de todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso interposto, para o fim de reformar parcialmente a decisão atacada, a fim de acrescer que a obrigação de dar concedida poderá ser cumprida através da dispensação de medicamentos genéricos, com o mesmo princípio ativo daqueles comerciais cuja entrega fora determinada (ESCITALOPRAM 1Omg. TOPIROMATO 25mg e QUETIAPINA 25mg), tudo na forma da Lei 9.787/99. Mantenho íntegras as demais disposições da decisão não alteradas por esta decisão (fls ). 2. O Recorrente alega ter a Turma Recursal contrariado os arts. 2º e 196 da Constituição da República, argumentando que, Se o medicamento requerido, como no caso em tela, não está previamente registrado para tratamento da doença que acomete a parte autora, qual seja, transtorno de personalidade e afetivo bipolar, não há 3

4 como imputar ao Estado de Minas Gerais a obrigação de adquiri-lo e fornecê-lo. Portanto, não cabe ao Poder Público fornecer tratamentos não aprovados, a uma pessoa em detrimento do serviço prestado à coletividade, sob pena de ferir o Princípio da Soberania do Interesse Público sobre o Particular e a própria Constituição (fls ). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente. A apreciação do pleito recursal conduziria ao necessário reexame do conjunto fático-probatório, procedimento inviável em recurso extraordinário, nos termos da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SUBSTITUIÇÃO POR FÁRMACOS FORNECIDOS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SUS. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. REEXAME DE PROVAS: SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (ARE n AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe ). AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. TRATAMENTO NÃO PREVISTO PELO SUS. FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado 4

5 de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. Para dissentir da conclusão do Tribunal de origem quanto à comprovação da necessidade de tratamento não previsto pelo SUS faz-se necessário o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, providência inviável neste momento processual (Súmula 279/STF). Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento (RE n AgR/RS, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe ). AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. INTERNAÇÃO HOSPITALAR. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 279/STF. Agravo regimental a que se nega provimento (AI n AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe ). Nada há a prover quanto às alegações do Recorrente. 4. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (caput do art. 557 do Código de Processo Civil e 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 11 de dezembro de Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora 5