AS CONCEPÇÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA/GRAMÁTICA NORMATIVA NO POEMA: AULA DE PORTUGUÊS DE DRUMMOND: UM OLHAR
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- André César Aranha
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1 AS CONCEPÇÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA/GRAMÁTICA NORMATIVA NO POEMA: AULA DE PORTUGUÊS DE DRUMMOND: UM OLHAR Aline Cândido Trigo (G-CLCA-UENP/CJ) Rebeca Ferrazzini Paulin (G-CLCA-UENP/CJ) Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (Orientadora-CLCA-UENP/CJ) Introdução Quando ouvimos falar em Língua Portuguesa, logo fazemos relação com língua materna, a qual herdamos de nossos colonizadores portugueses e que foi se transformando ao longo dos tempos na mistura com diversos outros povos, resultando em um idioma que embora falado, oficialmente, por outros sete países, pode ser considerado único por suas especificidades. Ou seja, se pensa na língua como código utilizado por um povo para interagir socialmente e que possui muitas variantes linguísticas, devido a infinidades de situações as quais configura e das quais emana. Mas para a maioria dos falantes essa definição não é tão simples, pois o conceito visado é de que o português é muito difícil por ser um conjunto de regras inflexíveis e difíceis de entender e que devem ser impreterivelmente seguidas. É dessa mesma forma que, ainda hoje e muitas vezes, os alunos do ensino fundamental e médio, e os cidadãos em um senso comum, conceituam a Língua Portuguesa. Para estes, o estudo da língua é apenas o estudo de regras que eles têm que decorar para conseguirem boas notas nas provas escolares, no vestibular, e ainda na sociedade de um modo geral. Essa concepção é motivo de várias discussões e estudos que buscam uma abordagem para o ensino e aprendizagem da língua portuguesa, isto é, para o modo como se ensina o português, o modo tradicional pautado no ensino das normas e classificações, que é definido por Travaglia (2002, p.38) como diretamente ligado... à gramática normativa e só privilegia, em sala de aula, o trabalho com a variedade escrita culta, tendo como um de seus objetivos básicos a correção formal da linguagem. Na mesma linha de pensamento, estão os estudos de Possenti (1996) para quem, 383
2 O professor precisa decidir qual a proporção do tempo destinado ao ensino da língua deve ser dedicado a cada uma das estratégias (leitura, redação, gramática etc.), além do fato de que a decisão pode variar conforme o nível de ensino e o tipo de classe, ou, até mesmo, o tipo de escola. Outra razão é que esta discussão revela diferentes orientações didáticas, diferentes concepções do papel da língua numa sociedade cheia de contrastes como é a nossa, e diferentes objetivos atribuídos à escola de primeiro e segundo graus (preparar para a vida ou para o vestibular, dois objetivos que só coincidem para um número extremamente limitado de alunos) (p. 62). No mesmo sentido, estão os documentos oficiais norteadores das práticas pedagógicas, por exemplo. As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), a orientação é para novos posicionamentos em relação às práticas de ensino; seja pela discussão crítica dessas práticas, seja pelo envolvimento direto dos professores na construção de alternativas (p. 47). Nessas discussões devem estar inseridos os graduandos de letras, ou seja, os professores da língua portuguesa em processo de formação inicial, uma vez que, conforme expõe Bagno (2008, p. 145), precisamos, portanto, redirecionar todos os nossos esforços, voltá-los para a descoberta de novas maneiras que nos permitam fazer de nossos alunos de Letras não bons motoristas da língua, bons usuários de seus programas. Pois não deve haver mudança apenas no discurso, mas também nas ações, cabendo, também, aos futuros professores essa responsabilidade. Assim, como professores em formação, nos motivamos a analisar, sob a luz das teorias que conceituam as diferentes gramáticas e os diversos modos de ensino da língua portuguesa, como um dos grandes nomes da literatura nacional abordou em um de seus poemas, há décadas passadas, o problema do ensino da língua materna. Especificamente nos centramos em analisar o poema Aula de Português de Carlos Drummond de Andrade. O ensino da língua portuguesa sob o olhar de Drummond Aula de Português (Carlos Drummond de Andrade) A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender A linguagem na superfície estrelada de estrelas, 384
3 sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas, atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me. Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério. O poema Aula de Português de Carlos Drummond de Andrade dá uma visão bem clara sobre alguns dos diferentes tipos de gramática: a internalizada, a normativa e a prescritiva, conceituadas a partir de Possenti (1996) e de Travaglia (2002). Na primeira estrofe: A linguagem/ Na ponta da língua,/ Tão fácil de falar/ E de entender, nota-se que o autor, quando menciona a facilidade que existe em se entender a língua falada, faz referência à gramática internalizada, que vem a ser o conjunto de regras que o falante domina, de acordo com o conceito de Possenti (1996, p. 69), a qual refere-se a hipóteses sobre os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras de maneira tal que essas frases e sequências são compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua. A gramática internalizada pode ser compreendida assim, como uma gramática que o falante utiliza mesmo sem ter consciência, automaticamente. De acordo com Travaglia (2002, p. 33) o falante não tem consciência dela, apesar de ela estar em sua mente e permitir que ele a utilize automaticamente, quando dela necessita para qualquer fim, em situações específicas de interação comunicativa. Desse modo, compreende-se que todo o falante tem conhecimentos gramaticais e faz uso deles quando necessário. Por exemplo, nenhum falante utiliza-se da construção menino o passou vestibular no. É a gramática internalizada que permite que o falante reconheça que essa é uma construção sintática não aceita na língua portuguesa, uma vez que não gera coerência semântica. Também porque não participa de nenhum variação social. Há sempre internalizada uma organização sintático-semântica nos falantes de uma língua. É, assim, essa gramática, a qual podemos denominar aqui de natural, que Drummond vê como fácil de falar e entender, a que está na ponta da língua das pessoas. 385
4 Na segunda estrofe: A linguagem/ Na superfície estrelada de letras,/ Sabe lá o que ela quer dizer, o autor retrata de forma poética a opinião de uma grande parte dos falantes do Português, de que a língua é difícil de entender quando escrita dentro das suas formalidades. Remetendo ao conceito mais tradicional do ensino da gramática, a qual é ensinada nas escolas, manifestada nos dicionários, sendo ela a gramática normativa, que estuda somente os fatos da língua padrão, baseando-se, em geral, nos fatos da língua escrita e dá pouca importância à variedade oral da norma culta, que é vista, conscientemente ou não, como idêntica à escrita (TRAVAGLIA, 2002, p. 30). Estrelada, então, pode ser entendida como distante, distante das pessoas e de seu do dia-a-dia. Difícil de entender no sentido do senso comum que criou o paradigma que a língua portuguesa é muito difícil porque tem muitas regras e toda regra tem exceção. E na continuação do poema: Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,/ E vai desmatando o amazonas de minha ignorância. / Figuras de gramática, esquipáticas / Atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me, compreende-se que o autor continua a descrever a dificuldade da língua materna, apontando como o único capaz de sanar as dúvidas ou dificuldades o próprio professor de Português, ou seja, um especialista da língua, no poema representado por Carlos Góis, o qual além de ter sido membro da Academia Brasileira de Letras, foi autor de vários manuais didáticos publicados, como, por exemplo: Dicionário de Galicismos, Dicionário de Raízes e Cognatos (premiado pela Academia Brasileira de Letras), Gramática Expositiva Primária, Sintaxe da Regência, entre outros. Mas não é somente pelo fato de Carlos Góis ser importante no mundo das letras que Drummond o considera o único conhecedor do português, mas sim também, porque, devido ao ensino rigoroso nas escolas de uma gramática que nem sempre é usada no cotidiano dos alunos, estes passam a ter insegurança com relação a sua própria língua mãe. É a imagem, também paradigmática, de quem conhece a língua portuguesa é só mesmo o professor, por ser este um especialista nesse assunto. Sobre a visão da língua portuguesa como sinônimo da gramática normativa, Bagno (1999) faz referência em seu livro Preconceito Lingüístico: o que é e como se faz a uma fala de Celso Pedro Luft em Língua e Liberdade (p. 21): Um ensino gramaticalista abafa justamente os talentos naturais, e incute insegurança na linguagem, gera aversão ao estudo do idioma, medo à expressão livre e autêntica de si mesmo (p. 79). Que é o que ocorre, as pessoas têm medo de utilizar a língua, de utilizar errado a língua, pois preocupam-se em construir os enunciados pautados nos preceitos da gramática normativa. Na verdade, as pessoas, nessa visão, esquecem-se que utilizam a língua portuguesa, elas 386
5 interagem utilizando-se da língua portuguesa. Portanto, são usuários, e bons usuários da língua. O que ocorre, por vezes, é que em algumas situações comunicativas, em algumas interações sociais não conseguem adequar a língua à formalidade ou ao registro requerido em um determinado lugar ou momento. Em abordagem a essa dificuldade prossegue nos versos: Já esqueci a língua em que comia, / Em que pedia para ir lá fora, / Em que levava e dava pontapé, / A língua, breve língua entrecortada / Do namoro com a prima, em que o autor menciona situações do cotidiano em que costumava fazer uso de diferentes variantes, as quais ele tem que abandonar para absorver a variante imposta pela escola, a norma padrão da língua, sendo essa uma forma de ensino prescritivo. Em um ensino prescritivo, o aluno é levado a substituir seus próprios padrões de atividade linguística considerados errados/ inaceitáveis por outros considerados corretos e aceitáveis... É ao mesmo tempo proscritivo, pois a cada faça isto corresponde um não faça aquilo (TRAVAGLIA, 2002, p. 38). Esse tipo de ensino, evidentemente, leve em consideração apenas a gramática normativa, a norma padrão da língua. O poema de Drummond pode ser entendido, portanto, como um alerta para o fato de ser preciso repensar o ensino da língua portuguesa como ensino da gramática normativa da língua portuguesa, uma vez que o ensino tradicionalista que vê esses dois elementos como sinônimos pode acabar prejudicando a continuação do estudo do aluno. Um estudante sem muita auto-estima, por exemplo, pode desistir de continuar estudando porque o professor afirma que ele não pode falar da maneira que fala porque está tudo errado. Ou seja, muitas vezes, as variantes trazidas pelos alunos são vistas como erradas, considerando apenas a norma padrão como a única certa. Para finalizar, o autor expõe que existem dois tipos de português: O português são dois; o outro, mistério, esse outro, então, pode ser compreendido como o português sinônimo da gramática normativa, que devido a sua complexidade, inúmeras regras consideradas maçantes pelos brasileiros em geral, se torna misterioso. Mistério até mesmo para aqueles que são escolarizados. Usar a língua, tanto na modalidade oral como na escrita, é encontrar o ponto de equilíbrio entre os dois eixos: o da adequação e o da aceitabilidade (BAGNO, 2008, p. 154), por isso, não pregamos que a gramática normativa seja abolida, mas que sirva como base para o uso da língua no cotidiano das pessoas para que elas possam participar ativamente das diferentes situações comunicativas. 387
6 Referências bibliográficas BAGNO. Marcos. O Preconceito Linguistico : o que é e como se faz. São Paulo-SP: Edições Loyola, PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Curitiba: SEED, POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas-SP: Mercado das Letras, TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação : uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 3 ed São Paulo.Cortez, acessado em 20 de abril de Para citar este artigo: TRIGO, Aline Cândido; PAULIN, Rebeca Ferrazzini. As concepções de língua portuguesa/gramática normativa no poema: aula de português de Drummond: um olhar. In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, ISSN p
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