Fala do Conselheiro Sérgio Haddad na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) - 10 de novembro de 2004.
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- Yasmin Tomé Fartaria
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1 Fala do Conselheiro Sérgio Haddad na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) - 10 de novembro de Excelentíssimo Senhor Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, Ministro Jaques Wagner, Ministro Antônio Palocci, Presidente do Banco Central Henrique Meirelles, demais ministros e ministras, colegas conselheiros e conselheiras, demais participantes. Fui convidado para intervir nesta seção ordinária do nosso Conselho. Entre os temas discutidos, escolhi aquele que me pareceu com maior acúmulo de debates e com mais presença conflitiva: o spread, o lucro dos bancos e o rentismo. Inicialmente gostaria de dizer que falo de um lugar social que tem como perspectiva pensar a partir dos interesses da maioria. Não sou especialista no tema, sou um cidadão que procuro me informar, atuo no âmbito da sociedade civil, ajudo a construir força social para mudança. Participei do movimento que levou este governo ao poder. Mantenho a esperança de ver um Brasil desenvolvido de forma sustentável, com mais justiça social e respeitando seus bens naturais. O spread bancário do Brasil é um dos maiores do mundo, muito maior que nos demais países comparáveis ao nosso. Analisando a sua decomposição, constata-se que é bastante alta a margem líquida dos bancos na sua atividade de intermediação financeira; isso produz elevados lucros. Pergunto: é justo os bancos terem margens de lucro tão altas em um pais como o nosso? Há estudos que apontam os fatores macroeconômicos como aqueles com peso na determinação do spread bancário, e talvez o mais importante sejam os juros fixados pelo Banco Central, o que é uma decisão de política econômica.
2 A taxa de juros é alta. O Copom no mês passado, e pela segunda vez consecutiva, aumentou os juros, interrompendo um movimento constante de queda. Todos os analistas econômicos dizem que juros altos não permitem o crescimento econômico. Portanto, preocupa esta atitude. Assisti o nosso Presidente, não só na campanha eleitoral, mas aqui, na nossa reunião do CDES, dizer mais de uma vez que ter um trabalho é a coisa mais importante para qualquer cidadão ou cidadã. Então, pergunto: num país que precisa tanto crescer para poder dar emprego para milhões de pessoas, por que manter juros tão altos? A elevação dos juros reduz o ritmo de crescimento de preços porque inibe os investimentos e sufoca a demanda de mercado. Isto significa contrair a atividade produtiva e aumentar o desemprego. Como entender que uma política econômica pode ser eficaz se ela é construída a partir de danos sociais? Justifica-se que os juros têm que ser altos por causa da inflação. Mas, será que neste mundo globalizado há espaço para disparadas de preços se mantivermos saldos comerciais que nos possibilitem importar e manter a concorrência? Há o problema da elevação do preço internacional do petróleo, mas muitos dizem que juros são uma arma pouco eficaz para combater inflação de custos. Ademais, temos a Petrobrás, e temos fontes alternativas e renováveis, como álcool e biodiesel. Para que o recente e ainda pequeno crescimento verificado nos últimos meses possa prosseguir sem inflação é indispensável que o investimento cresça adiante da demanda e amplie a capacidade de produção. Pergunto: se para sustentar um crescimento econômico é necessário ampliar o investimento, porque então aumentar os juros, limitando o crescimento?
3 E, como saber que os juros altos porventura necessários são de 16%, 17%? Por que temos que pagar 10% de juros reais ao ano para os rentistas, quando outros países pagam muito menos e têm inflação muito mais baixa, inclusive os que dependem mais da importação do petróleo do que o Brasil? Não estamos devolvendo aos mais ricos os ganhos escandalosos que tinham com a inflação, impedindo a distribuição de renda? Não há outro meio menos danoso à população. Quero me referir à proposta de um grande acordo nacional que poderia ter como foro este Conselho. Em vez de usar o remédio amargo do Banco Central, usaríamos o remédio social e político do entendimento nacional. O Brasil tem medo de crescer? Sempre foi assim? Não. De 30 até 80 o Brasil cresceu tanto que chegou a ser a oitava economia industrial do mundo. Mas de 80 para cá caímos para a 15ª posição. O Brasil naquela época não só cresceu como produziu empregos, incorporou mão de obra, produziu mobilidade social. É verdade que fez tudo isso com concentração de renda. Agora estamos tendo a mesma transferência de renda, mas sem crescimento e com desemprego muito mais elevado. O fato é que desde 1992, com a liberalização da conta de capitais, e o aumento exponencial dos juros, aumentou também o endividamento do Tesouro, a arbitragem entre taxas de juros externas e internas, o rentismo e a asfixia da produção e do trabalho, assim como a exclusão social. O rentismo absorve hoje grande parte do estoque de riqueza nacional. Além de rebaixar a nossa posição no ranking dos países industrializados, aumenta o desemprego. Então, pergunto: qual a vantagem de manter esta política? Não é melhor mudar? Por que manter uma política onde o país anda para trás em relação a outros países?
4 Acontece que nem todos perdem. Há 15 mil famílias neste país de 170 milhões de pessoas que não perdem: aqueles que podem viver de captações externas e de aplicações nos altos juros pagos pelos títulos públicos federais de alta liquidez. E quem são eles? São os bancos, as empresas que têm caixa e não investem na produção, os grandes investidores financeiros em geral. Bom, então, se alguém ganha, quem perde? Perdem os mais pobres, pois não têm dinheiro para comprar a vista e são obrigados a pagar uma prestação com juros astronômicos, embutidos em financiamentos enganosamente anunciados como sem juros ; perdem as empresas nacionais, que querem crescer e não têm dinheiro, ficando à mercê dos exorbitantes empréstimos bancários; e perde o Estado brasileiro, que arca com as despesas desses juros. No primeiro ano do governo Lula, houve aumento do desemprego e queda de renda. O setor bancário, por outro lado, manteve os maiores lucros. Então, pergunto: por que manter uma política que concentra renda em um país que já é um dos mais injustos do mundo? Por que o Estado brasileiro hoje e obrigado a arcar com as despesas desses juros, aumentando a carga tributária, elevando o superávit primário, cortando investimentos, cortando despesas que poderiam ser aplicadas na área social? Essa conta significa um superávit fiscal de 4,5% do PIB. Sei que faz parte do acordo do FMI. De fato, li nos jornais deste final de semana que recebemos elogios de um diretor do FMI, porque economizamos 12 bilhões acima do que havia sido acordado para o período de janeiro a setembro. Quanto não poderia ser feito com esses 12 bilhões? Investir em educação e aumentar o salário mínimo, por exemplo.
5 Então pergunto: Se tanto precisamos de recursos para financiar investimentos e gastos sociais, por que manter uma política cujo superávit exigido é quase o mesmo volume do que é orçado para todos os ministérios da área social? Por que fazemos mais do que o sangramento que já nos pedem? Muito provavelmente há respostas para todas as minhas perguntas. Como disse, não sou um especialista. Daí as minhas perguntas. Sei que há a herança maldita, as justificativas de que não havia saída nos primeiros momentos. Mas uma coisa é difícil para qualquer cidadão ou cidadã entender: por que é necessário fazer o mal (o tal remédio amargo) para uma maioria que tem pouco, ainda que no curto prazo, garantindo o bem de uns poucos que têm muito?
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