Instituto Brasileiro de Ensino Psicopedagogia Institucional e Educação Infantil Fundamentos da Educação infantil
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- Cláudio Carreiro Lacerda
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2 Administração Escolar Fundamentos de Administração Escolar 1 FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL GUIA DE ESTUDO 4 PROFESSOR (A): COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
3 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO CONCEPÇÕES DE CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Breve história da criança Legislação para as crianças INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL Educar Cuidar Objetivos da Educação Infantil Funções e atribuições do professor de Educação Infantil CONTEÚDOS E PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS Movimento Música Artes visuais Linguagem oral e escrita Natureza e sociedade Matemática REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS... 36
4 3 INTRODUÇÃO Bem vindo ao curso de especialização em Educação Infantil que tem como objetivo geral proporcionar conhecimentos teóricos e metodológicos que subsidiem a prática do educador que atua nas creches e escolas de Educação Infantil. As peculiaridades da criança nos primeiros anos de vida, antes de ingressar na escola fundamental, enquanto ainda não é aluno, mas um sujeito-criança em constituição, exige pensar em objetivos que contemplem também as dimensões de cuidado e outras formas de manifestação e inserção social próprias deste momento da vida. Na educação das crianças menores de 6 anos em creches e pré-escolas, as relações culturais, sociais e familiares têm uma dimensão ainda maior no ato pedagógico. Apesar do compromisso com um resultado escolar que a escola prioriza e que, em geral, resulta numa padronização, estão em jogo na Educação Infantil as garantias dos direitos das crianças ao bem-estar, à expressão, ao movimento, à segurança, à brincadeira, à natureza, e também ao conhecimento produzido e a produzir. Se tomar a escola como local privilegiado para a formação significa partir do conhecimento do mais sistemático e desenvolvido para entender o menos sistemático e desenvolvido (Freitas, 1995, p.38), fazer o movimento inverso pode revelar características e peculiaridades de outros contextos educativos em processo de constituição. Esta convicção nos leva a compreender que cada uma destas instituições (escola e pré-escola) detêm especificidades próprias relacionadas a sua história, organização, finalidade, etc., que merecem abordagens específicas (ROCHA, 2000). Pois bem, acreditando que o desenvolvimento da identidade e da autonomia estão intimamente relacionados com os processos de socialização e que nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de si próprias, justificamos de extrema importância este curso de especialização voltado para os educadores de educação infantil.
5 4 O curso está dividido em quatro apostilas específicas, a saber: Apostila 1 Fundamentos da Educação Infantil: concepções de criança da educação infantil; expansão da educação infantil (breve história e legislação); instituições de educação infantil (educar, cuidar, objetivos, funções e atribuições do professor da educação infantil); conteúdos e procedimentos didáticos-metodológicos (movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade, matemática). Apostila 2 Teorias pedagógicas na Educação Infantil: Jean Piaget: epistemologia genética e o construtivismo. Vygotsky e a zona de desenvolvimento proximal. Henry Wallon. Donald Winnicott. O construtivismo na educação. Apostila 3 Práticas Psicomotoras Conceitos e definições de psicomotricidade. Distúrbios psicomotores (instabilidade, debilidade, inibição, lateralidade cruzada, imperícia). A psicomotricidade e a educação infantil (sua importância e o desenvolvimento motor da criança). Práticas educacionais e corporais na educação infantil (trabalhando o corpo, os ambientes de aprendizagem e o caráter preventivo da psicomotricidade). Apostila 4 Jogos e Brincadeiras Evolução, história e algumas teorias dos jogos e brincadeiras. A importância do brincar. Jogos e brincadeiras na educação infantil (o lúdico como processo educativo, classificação e tipos de jogos). A formação lúdica do professor. Esclarecemos dois pontos importantes. Primeiro: este trabalho não é original, trata-se de uma reunião de materiais e pensamentos de autores diversos que acreditamos, fornecem o essencial para o curso em epígrafe. Segundo: ainda que a apostila de Metodologia Científica e as Orientações de Trabalhos de Conclusão de Curso tenham explicado que, embora haja controvérsias, trabalhos científicos devem ser redigidos preferencialmente em linguagem impessoal, justificamos que nossa intenção é dialogar com o aluno, portanto abrimos mão dessa regra e optamos por uma linguagem, digamos, informal, tentando nos aproximar e nos fazermos entender mais claramente.
6 5 Questionamentos e dúvidas podem surgir ao longo desse caminho, e muito embora tenhamos como missão abrir os horizontes, levá-los a se tornarem especialistas na questão, pedimos desculpas por essas lacunas que possam surgir, no entanto, deixamos ao final da apostila uma lista de referências bibliográficas consultadas e utilizadas onde poderão pesquisar mais profundamente algum tema que tenha chamado atenção ou a desejar. Boa leitura e bons estudos a todos!
7 6 1 CONCEPÇÃO DE CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL Segundo João Gomes Pedro (2004) ser criança é uma questão que tem de ser entendida, no nosso milênio e na nossa civilização, como o grande desafio da nossa existência impondo, eticamente, uma responsabilidade de atitude a todos os cidadãos do mundo. A criança é razão de ser do mundo e, mais do que isso, representa o futuro desse mundo, portanto, tomamos as palavras de João Gomes Pedro para iniciar nossos estudos sobre a educação da criança. Pensar em futuro, qualquer que seja a dimensão considerada, tanto em termos científicos como morais, obriga a pensar na criança e, sobretudo, obriga a refletir se o que hoje investimos na criança é suficiente para garantir o melhor do seu porvir que é, por acréscimo, o do seu mundo (PEDRO, 2004). A criança é um sujeito social e histórico que está inserido em uma sociedade na qual partilha de uma determinada cultura. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais (BRASIL, 1994). No dicionário Aurélio, infância é considerada como período de crescimento no ser humano, que vai do nascimento à puberdade (FERREIRA, 2005). Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no seu artigo 1º, criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente é aquela entre 12 e 18 anos. Na análise de Kuhlmann (1998), a infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado se dá em função das transformações sociais, culturais e econômicas. A concepção de criança é uma noção historicamente construída e consequentemente vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e época. Assim é possível que, por exemplo, em uma mesma cidade existam diferentes maneiras de se considerar as crianças pequenas dependendo da classe social a qual pertencem, do grupo étnico do qual fazem parte. Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrenta um cotidiano bastante adverso que as conduz desde muito cedo a precárias
8 7 condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso e exploração por parte de adultos. Outras crianças são protegidas de todas as maneiras, recebendo de suas famílias e da sociedade em geral todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. Essa dualidade revela a contradição e conflito de uma sociedade que não resolveu ainda as grandes desigualdades sociais presentes no cotidiano (BRASIL, 1998). Olhar a criança como ser que já nasce pronto, ou que nasce vazio e carente dos elementos entendidos como necessários à vida adulta ou, ainda, a criança como sujeito conhecedor, cujo desenvolvimento se dá por sua própria iniciativa e capacidade de ação, foram, durante muito tempo, concepções amplamente aceitas na Educação Infantil até o surgimento das bases epistemológicas que fundamentam, atualmente, uma pedagogia para a infância. Os novos paradigmas englobam e transcendem a história, a antropologia, a sociologia e a própria psicologia resultando em uma perspectiva que define a criança como ser competente para interagir e produzir cultura no meio em que se encontra. Essa perspectiva é hoje um consenso entre estudiosos da Educação Infantil (BONDIOLI e MANTOVANI, 1998; CAMPOS ET AL., 1993; ROSSETTI-FERREIRA, 1993). A interação a que se referem os autores citados não é uma interação genérica, como veremos na apostila sobre as Teorias Pedagogicas. Trata-se de interação social, um processo que se dá a partir e por meio de indivíduos com modos histórica e culturalmente determinados de agir, pensar e sentir, sendo inviável dissociar as dimensões cognitivas e afetivas dessas interações e os planos psíquico e fisiológico do desenvolvimento decorrente (VYGOTSKI, 1986 e 1989). Nessa perspectiva, a interação social torna-se o espaço de constituição e desenvolvimento da consciência do ser humano desde que nasce (VYGOTSKI, 1991).
9 8 2 EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL 2.1 Breve história da criança Vamos partir do pressuposto de que criança e infância foram social e historicamente construídas. Pois bem, tomando por base o século XVI, encontramos a partir daí, a evolução dos direitos das crianças e que o estatuto da criança dentro do seu núcleo familiar estava ligado ao poder sem limites dos pais sobre os filhos. Enquanto categoria social, as crianças não estavam separadas dos adultos, não havia diferenciação entre as necessidades dos adultos e das crianças. Foi só a partir do século XVI que se iniciam mudanças com relação à posição e estatuto da criança com relação aos adultos: (...) atitudes associadas à sobrevivência, proteção e educação das crianças, que gradualmente se foram fortalecendo durante os séculos XVII e XVIII, começaram a permitir e delinear um espaço social destinado às crianças, no qual já é possível salvaguardar algumas das suas necessidades e direitos (SOARES, 1997 apud FULLGRAF, 2001). No século XIX, a contribuição de diversas ciências, como a pedagogia, a psicologia, a medicina, marca uma relativa separação das crianças com relação aos adultos, enquanto uma categoria social, principalmente nos aspectos relacionados à necessidade de proteção. Estas novas tendências, no início do século XX, são marcadas por uma concepção (...) de que as crianças eram as fontes humanas essenciais, de cuja dimensão maturacional iria depender o futuro da humanidade (FULLGRAF, 2001). Neste contexto, a inglesa Eglantine Jebb foi pioneira do movimento de defesa dos direitos da criança no início do século, defendendo que as crianças são vítimas dos custos das guerras, das repressões políticas, das contingências econômicas e sociais, entre outras. A luta encaminhada por Jebb gerou uma onda de solidariedade, iniciando o movimento de defesa dos direitos das crianças. Esse movimento internacional teve como consequência a elaboração da 1ª Declaração dos Direitos da Criança: a Declaração de Genebra em No contexto do pós guerra mundial, as preocupações com os direitos das crianças tornam-se mais
10 9 relevantes, dadas as graves condições de carência e pobreza em que a Europa se encontrava. Assim, em 1946 é fundado o Fundo das Nações Unidas para a Infância, o UNICEF, que segundo Soares (1997) é o organismo que irá desempenhar um papel fundamental na defesa dos direitos das crianças. A partir da aprovação em 1948 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os países subscritos expressam a necessidade de um conjunto de direitos adicionais que atendam às necessidades específicas relacionadas às crianças. A Declaração Universal dos Direitos das Crianças foi promulgada em 1959 e adotada por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A Declaração constitui um conjunto de princípios, que expressam alguns aspectos inovadores, além da proteção das necessidades primárias, como no texto da declaração anterior. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS 1. Direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade; 2. Direito à especial proteção para seu desenvolvimento físico, mental e social; 3. Direito a nome e a uma nacionalidade; 4. Direito à alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e para a mãe; 5. Direito à educação e a cuidados especiais para criança física ou mentalmente deficiente; 6. Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade; 7. Direito à educação gratuita a ao lazer infantil; 8. Direito a ser socorrido em primeiro lugar, em caso de catástrofes; 9. Direito a ser protegido quanto ao abandono e à exploração no trabalho; 10. Direito a crescer dentro do espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos. No início dos anos 1970, dez anos após a declaração universal, torna-se mais intensa a discussão em torno da necessidade de formular uma Convenção das Nações Unidas para que os direitos das crianças tivessem eco na lei internacional e ultrapassassem as fronteiras de uma declaração. Assim, os Estados comprometer-
11 10 se-iam com obrigações específicas. Acontece, então, em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança composta de 54 artigos que incorporam (...) uma diversidade de direitos, desde direitos civis, econômicos, sociais e culturais, incluindo os direitos mais básicos como o direito à vida, à saúde, à alimentação, e a educação (...)(SOARES, 1997, p. 81). A Convenção teve por objetivo reunir em um único documento as diferentes medidas internacionais de proteção à criança, representando um forte instrumento inovador, internacionalmente reconhecido, dos direitos das crianças, sendo assim um marco fundamental no percurso da construção e definição de um estatuto digno para todas as crianças (FULLGRAF, 2001). 2.2 Legislação para as crianças No decorrer da evolução descrita acima, legislações foram implementadas. No caso do Brasil, a Lei 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente, traduzindo o resultado da crescente valorização que a infância tem assumido e, consequentemente, a necessidade de efetivação de um conjunto de direitos, colocando toda criança brasileira no mesmo patamar de direitos. Entretanto, apesar da luta social por direitos e da declaração desses direitos, as desigualdades contra as crianças vêm aumentando: (...) as desigualdades e a discriminação contra as crianças não apenas não acabaram nestes anos em que a Convenção foi aclamada por muitos países como um novo signo de civilização e de progresso, como estão atualmente em crescimento (SARMENTO E PINTO, 1997). A Constituição Federal de 1988 também trouxe novas definições legais para a educação infantil: creches e pré-escolas passam a desempenhar funções básicas de educar e cuidar de forma complementar à ação da família. Segundo Craidy (2000, p. 65), a Constituição traz também uma nova doutrina com relação às crianças e aponta diretrizes para seu atendimento. Ela marca o surgimento, na legislação brasileira, de um novo paradigma sobre a infância, em que a criança passa a ser sujeito de direito e não apenas objeto de tutela como era na legislação anterior. É afirmação da cidadania da criança (...) entre os direitos da criança estão o de receber atendimento em creches e pré-escolas caracterizadas na
12 11 carta constitucional como instituições educacionais enquanto são parte do dever do Estado para com a educação. A Constituição, ao considerar a educação como um direito universal, proclama em seu artigo 205 que a educação é um direito de todos, e, especificamente, no artigo 208, que a educação é um direito das crianças de zero a seis anos. Portanto, com relação à assistência e educação das crianças pequenas, estes artigos tratam a questão sob o signo do direito. Ainda do ponto de vista da Constituição, podemos destacar que ela rompeu com a concepção de que a educação infantil é uma falta que deve ser compensada por ações de amparo e de assistência, de que é um vácuo que precisa ser preenchido, trazendo no seu bojo o dever do Estado em oferecer educação infantil, e o direito da criança a este atendimento (...). A Constituição incorporou a si algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía à educação infantil. Caso isto não estivesse amadurecido entre lideranças e educadores preocupados com a educação infantil, no âmbito dos estados membros da federação, provavelmente não seria traduzido na Constituição de 88. Ela não incorporou esta necessidade sob o signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o Amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever do Estado. Foi o que fez a Constituição de 88: inaugurou um Direito, impôs ao Estado um Dever, traduzindo algo que a sociedade havia posto (CURY, 1998, p. 11). Nesse sentido, a nova Constituição representa para a educação infantil a conquista de uma legitimidade legal e para as crianças, a conquista de direitos específicos que não sejam aqueles relacionados ao direito da família. Os direitos das crianças reconhecidos no papel garantem um avanço jurídico, no entanto os resultados desse avanço necessitam ser traduzidos em ações concretas no campo das políticas sociais para a infância brasileira (FULLGRAF, 2001). Voltemos ao ECA, criado pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, passando a sociedade a dividir com o Estado, pelo menos do ponto de vista da legislação, a responsabilidade pela construção de um mundo melhor para a infância. O ECA enquanto norma jurídica colocou crianças e adolescentes como prioridade absoluta na ação do Estado e da Comunidade, marcando a expressão dos novos direitos.
13 12 Acredita-se que, mais do que regulamentar as conquistas em favor das crianças e dos adolescentes na Constituição Federal, esta Lei veio promover um importante conjunto de avanços que extrapola o campo jurídico, desdobrando-se e envolvendo outras áreas da realidade política e social no Brasil. A história da Política Nacional para a Educação Infantil acompanha de certa forma a trajetória histórica das instituições de educação infantil no país, onde as políticas de expansão do atendimento às crianças pequenas têm sofrido a influência de diversos segmentos e diferentes concepções educativas. Para se compreender a história das políticas nacionais de educação infantil, é necessário compreender, mesmo que num breve histórico, a forma como creches e pré-escolas surgiram e se consolidaram no Brasil. Assim, traçando um breve histórico sobre a educação infantil, destaca-se que (...) o que hoje chamamos de educação infantil já foi (chamado e organizado como) asilo, roda dos expostos, jardim de infância, creche, pré-escola, dentro de uma história que remonta ao século XVIII, nos tempo do Brasil Colônia. Naquele tempo, o abandono era fenômeno corrente. Justifica-se, assim, a criação de asilos para as crianças órfãs e abandonadas, mantidos pela caridade pública e pela filantropia, pois o poder público não se ocupava de questões desta natureza (OSTETTO, 2000, p. 21 apud FULLGRAF, 2001, p. 49). A história das instituições de educação infantil no Brasil revela uma duplicidade nas propostas de atendimento às crianças pequenas. Foi possível caracterizar nas últimas décadas duas formas de atendimento com funções diferentes: para as creches, era atribuída a função de beneficência, de cuidado, e aos jardins de infância ou pré-escola, era atribuída uma função educativa. Esta duplicidade foi implementada durante todo o século XX, permanecendo até hoje. Também se fez presente na vinculação administrativa das instituições: as creches vinculadas às Secretarias de Bem-Estar Social, da Família e Assistência e as préescolas vinculadas às Secretarias de Educação. Na verdade, todas as instituições têm um caráter educativo: as creches tinham uma proposta de educação assistencial voltada para a educação de crianças pobres ao passo que as pré-escolas tinham uma proposta escolarizante voltada para as crianças menos pobres. Kuhlmann (1998) demonstra que as instituições com foco voltado para a assistência trazem no seu bojo a ideia de educação assistencialista,
14 13 educação para submissão, destacando ainda que o que caracteriza a assistência não é o caráter não educativo e nem o trabalho de cuidado das crianças. A principal característica das instituições assistencialistas é a forma ideológica de encaminhá-la: a educação como um favor e não como um direito. Na verdade, toda proposta assistencial traz consigo uma proposta de educação, uma educação de baixa qualidade, de cunho moralista, com o objetivo de formar hábitos e atitudes. Eis que ao longo dessa trajetória, o reconhecimento das instituições de educação infantil como parte do sistema educacional aponta para a possibilidade de superação desses espaços de segregação social, onde políticas compensatórias isolavam as crianças pobres em instituições educacionais vinculadas aos órgãos de assistência social.
15 14 3 INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL Estudos de Füllgraf (2001) nos mostram tanto a nível nacional quanto internacional que as instituições de educação infantil devem caminhar na direção de satisfazer de maneira integrada, as funções de educar e cuidar e com padrões de qualidade. A instituição de educação infantil deve tornar acessível a todas as crianças que a frequentam, indiscriminadamente, elementos da cultura que enriquecem o seu desenvolvimento e inserção social. Cumpre um papel socializador, propiciando o desenvolvimento da identidade das crianças, por meio de aprendizagens diversificadas, realizadas em situações de interação. Na instituição de educação infantil, pode-se oferecer às crianças condições para as aprendizagens que ocorrem nas brincadeiras e aquelas advindas de situações pedagógicas intencionais ou aprendizagens orientadas pelos adultos. É importante ressaltar, porém, que essas aprendizagens, de natureza diversa, ocorrem de maneira integrada no processo de desenvolvimento infantil (BRASIL, 1998). 3.1 Educar Educar significa propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998).
16 Cuidar Cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração de vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas. A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos (BRASIL, 1998). O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a qualidade da alimentação e dos cuidados com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos variados (BRASIL, 1998). As atitudes e procedimentos de cuidado são influenciadas por crenças e valores em torno da saúde, da educação e do desenvolvimento infantil. Embora as necessidades humanas básicas sejam comuns, como alimentar-se, proteger-se etc., as formas de identificá-las, valorizá-las e atendê-las são construídas socialmente. As necessidades básicas, podem ser modificadas e acrescidas de outras de acordo com o contexto sociocultural. Pode-se dizer que além daquelas que preservam a vida orgânica, as necessidades afetivas são também base para o desenvolvimento infantil (BRASIL, 1998). O cuidado precisa considerar, principalmente, as necessidades das crianças, que quando observadas, ouvidas e respeitadas, podem dar pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo. Os procedimentos de cuidado também precisam seguir os princípios de promoção à saúde. Para se atingir os objetivos dos cuidados com a preservação da vida e com o desenvolvimento das capacidades humanas, é necessário que as atitudes e procedimentos estejam baseados em conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento biológico, emocional e intelectual das crianças, levando em consideração as diferentes realidades socioculturais.
17 16 Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro, com sua singularidade, ser solidário com suas necessidades, confiando em suas capacidades. Disso depende a construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado (BRASIL, 1998). Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é preciso que o professor possa ajudar a criança a identificar suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma adequada. Assim, cuidar da criança é, sobretudo, dar atenção a ela como pessoa que está num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais independente e mais autônoma. 3.3 Objetivos da Educação Infantil Segundo o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), a prática da educação infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam as seguintes capacidades: Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de cuidado com a própria saúde e bem-estar; Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social; Estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração;
18 17 Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformado do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação; Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva; Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade (BRASIL, 1998). No quadro abaixo temos especificados os objetivos para as diversas faixas etárias que compõem a educação infantil:
19 18 FAIXA ETÁRIA 0 a 3 anos A instituição deve criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e confiança às crianças, garantindo oportunidades para que sejam capazes de: OBJETIVOS experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva autonomia; familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua unidade e as sensações que ele produz; interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples relacionadas à saúde e higiene; brincar; relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses. 4 a 6 anos Os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de: ter uma imagem positiva de si, ampliando sua autoconfiança, identificando cada vez mais suas limitações e possibilidades, e agindo de acordo com elas; identificar e enfrentar situações de conflitos, utilizando seus recursos pessoais, respeitando as outras crianças e adultos e exigindo reciprocidade; valorizar ações de cooperação e solidariedade, desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração e compartilhando suas vivências; brincar; adotar hábitos de autocuidado, valorizando as atitudes relacionadas com a higiene, alimentação, conforto, segurança, proteção do corpo e cuidados com a aparência; identificar e compreender a sua pertinência aos diversos grupos dos quais participam, respeitando suas regras básicas de convívio social e a diversidade que os compõe.
20 Funções e atribuições do professor da Educação Infantil Desde o início das instituições para a educação de crianças de 0 a 6 anos, existe uma preocupação com a diferenciação dos papéis, atribuições e atuação dos adultos no processo educativo das crianças pequenas ou maiores, porém o que acabou por ocorrer é que, no estabelecimento dessas atribuições, terminava-se, grosso modo, por adaptar o modelo escolar destinado às crianças de 4 a 6 anos aos menores, o modelo de cuidado materno aperfeiçoado pelos ditames médicos higienistas (BONETTI, 2004). Dentre as várias funções atribuídas ao professor da educação básica e, por extensão, aos professores da educação infantil, Bonetti selecionou alguns que configuram o campo da educação para as crianças pequena na atualidade e que merecem ser expostos e refletidos. Garantir para a criança o direito de aprender e de se desenvolver deveria ser a principal função do professor e atuando coletivamente, pois o trabalho em equipe ajuda sobremaneira no desenvolvimento de competências. Na perspectiva de garantir a aprendizagem, o professor de educação infantil deve organizar situações de aprendizagem adequadas à criança de quatro a seis anos a partir da compreensão de que vivem um processo de ampliação de experiências com relação à construção das linguagens e dos objetos de conhecimento, considerando o desenvolvimento, em seus aspectos afetivo, físico, psicossocial, cognitivo e linguístico (MEC/SEMTEC, 2000, p. 73). Trabalhar com a diversidade é um requisito importante, pois requer conhecer e considerar a diversidade das crianças, pois ao professor cabe acionar conhecimentos múltiplos capazes de responder de forma apropriada às diferentes questões que surgem nesse cotidiano; utilizando-se de [...] conhecimentos aprendidos dentro e fora da escola em diferentes situações da vida; conhecimentos conceituais e procedimentais, capacidades cognitivas, sensibilidade e intuição (MEC/SEF, p. 103). O exercício de uma docência que leva em conta a diversidade cultural das crianças pequenas também fez parte dos movimentos na luta por uma educação infantil que respeite a criança, [...] seus processos de constituição como seres humanos
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