APELAÇÃO CÍVEL RELATÓRIO FUNDAMENTAÇÃO

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1 APELAÇÃO CÍVEL Apelação Cível n.º: (18ª CCiv TJPR) Origem: 4ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DE CURITIBA Apelantes: JAMES JOSÉ MARINS DE SOUZA E OUTRO Apelados: FLÁVIO DUARTE DE ALMEIDA E OUTROS Juiz Relator Designado: HORÁCIO RIBAS TEIXEIRA 1 APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SOCIETÁRIA CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS SOCIEDADE ANÔNIMA - TRANSFERÊNCIA DE AÇÕES FALTA DE REGISTRO NO LIVRO DE TRANSFERÊNCIA DE AÇÕES NOMINATIVAS SITUAÇÃO QUE NÃO IMPLICA NA INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO SOCIETÁRIA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - INADIMPLEMENTO DOS RÉUS NÃO CONFIGURADO PEDIDOS DE RESCISÃO CONTRATUAL E DE INDENIZAÇÃO NEGADOS RECURSO CONHECIDO E PROVIDO RELATÓRIO 1. Por brevidade, reporto-me ao relatório de fls.1027/1029. FUNDAMENTAÇÃO 2. Pressupostos de admissibilidade do recurso satisfeitos: Presentes os pressupostos recursais intrínsecos (cabimento, interesse processual, legitimidade e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade, preparo e inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer), merece ser conhecido o presente recurso O desate da lide passa pelo enfrentamento das seguintes questões: 1 Em substituição ao Exmo. Desembargador Espedito Reis do Amaral. 2 Classificação sugerida por Marinoni/Arenhart in Curso de Processo Civil, vol.2, 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pp Página 1 de 5

2 4. 1ª QUESTÃO: A inscrição do nome do acionista no livro de registro de ações nominativas (art.31, caput, da Lei das S/A), bem como o registro da transferência de ações no livro de transferência de ações nominativas (art.31, parágrafo 1º, da Lei das S/A) são atos essenciais para constituir uma pessoa como acionista de uma S/A? 5. Resposta: Não. Se por ato essencial entendermos aquele ato para o qual a lei estabelece obrigatoriamente uma forma específica de constituição, de modo que a sua inobservância implicaria na inexistência do ato no mundo jurídico, tem-se que a inscrição do nome do acionista no livro de registro de ações nominativas não é ato essencial. 6. Basta ver o que dispõe o caput do art.31 da Lei das S/A, in verbis: a propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de "Registro de Ações Nominativas" ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de proprietária fiduciária das ações. 7. A norma acima transcrita é clara o suficiente a indicar que a inscrição do nome do acionista no livro de Registro de Ações Nominativas não é condição essencial para tornar uma pessoa acionista de uma S/A. 8. Aliás, esta é a opinião abalizada de Modesto Carvalhosa, citado nas razões de apelação (fls.953/954), para quem os documentos particulares referentes à transação de compra e venda são reconhecidos como título de legitimação perante a sociedade para obrigá-la a transferir as ações no livro próprio. Valem esses papéis entre as partes para todos os fins de direito. 9. Ora, se o caput do art.31 não considera a inscrição no livro de registro ato essencial para constituir uma pessoa como acionista de S/A, a interpretação (pretendida pelos Autores) do parágrafo 1º deste mesmo artigo (de que a transferência das ações só se operaria mediante o registro no livro de transferência), quebraria a harmonia do sistema, porque estabeleceria formalidades diferentes para situações semelhantes. Se a orientação do caput é uma, não faz sentido que o parágrafo que lhe sucede siga orientação diversa. Pensar o contrário ofende as regras básicas de interpretação. 10. Daí porque é possível afirmar que a tese dos Autores, não obstante tenha amparo em respeitável corrente doutrinária, confronta com o processo sistemático de interpretação, o qual, na lição de Carlos Maximiliano, consiste em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do Página 2 de 5

3 mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. [...] O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu próprio lugar (Hermenêutica e a Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp.104/105) ª QUESTÃO: Houve inadimplemento contratual dos Réus? Em algum momento foi contestada a qualidade ou as prerrogativas dos Autores como acionistas? A Lei das S/A estabelece algum prazo para a lavratura do respectivo termo no livro de transferência? Os Réus se negaram a fazer a transferência? 12. Resposta: Não. (i) Se a condição de acionistas ocupada pelos Autores jamais foi contestada ou obstaculizada pela parte adversa; (ii) se os Réus nunca se opuseram a efetivar o registro da transferência das ações no respectivo livro; (iii) se a Lei das S/A não estabelece prazo para que os contratantes façam o registro no livro de transferência de ações nominativas, não se pode imputar aos Réus qualquer conduta que configure inadimplemento contratual, o que esvazia a pretensão de rescisão contratual cumulada com indenização. 13. Aqui há que se concordar com os Réus quando afirmam, nas razões recursais (fls.956), que as partes firmaram o negócio, entregaram o bem, pagaram o preço e ambas usufruíram de seus efeitos. Quando a empresa começou a passar por dificuldades, os Autores lembraram de uma formalidade não essencial e notificaram os Requeridos. Os Requeridos cumpriram a formalidade, mas os Autores não; e a sentença entende que os Requeridos agiram de má-fé e de modo contraditório com a conduta anterior. Com todo acatamento, não há como concordar com esta conclusão. Se algum inadimplemento houve, não pode ser imputado exclusivamente aos requeridos e nem tampouco seria capaz de gerar a resolução do negócio. Se o ato depende dos movimentos comissivos de cedente e cessionário, mas apenas o cedente age e o cessionário se omite, como imputar exclusivamente ao cedente o inadimplemento? 14. 3ª QUESTÃO: Qual foi o dano que a ausência de registro no livro de transferência de ações nominativas causou aos Autores? 15. Resposta: Nenhum. Neste ponto, emerge sobranceiramente que a ausência da formalidade apontada foi, de fato, como muito bem observado por um dos Réus (fls.973), o bilhete premiado que os Demandantes encontraram para se safar do prejuízo. Se a S/A tivesse logrado êxito, alguém imaginaria que eles invocariam a ausência do Página 3 de 5

4 registro? Tal comportamento demonstra apenas falta de boa-fé objetiva da parte dos Autores, assunto a ser tratado a seguir. 16. Princípio da boa-fé objetiva: Segundo o escólio de Judith Martins Costa, ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta, fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do alter, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Aí se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro polo da relação obrigacional (A boa-fé no direito privado, p.412). 17. No caso dos Autos, verifica-se que a regra de conduta traçada pelos Demandantes passou longe da consideração para com os interesses do alter, da recíproca cooperação, do agir pautado pela ética da igualdade e solidariedade, eis que a partir do momento em que a S/A passou a enfrentar dificuldades e os prejuízos afloraram, o que se viu foi um livre-se quem puder. 18. Considerando que o princípio da boa-fé molda a nova teoria contratual (art.113 e art. 422 CC), não se afigura aceitável que se dê guarida a um comportamento que lhe seja afrontoso apenas para resguardar uma formalidade cuja importância para o caso concreto é ínfima quando comparada com o status destacado que o princípio em questão ocupa no cenário jurídico. 19. Conclusão: Ante todo o expendido, tem-se que: (i) a ausência do registro da transferência das ações no livro de registro de transferência de ações nominativas não tem o condão de tornar inexistente a relação societária, ainda mais considerando que inocorreu oposição dos Réus para que tal registro fosse realizado; (ii) mesmo que, por hipótese, se considere este registro como ato essencial para constituir os Autores como acionistas da Primeira Ré, não restou configurado o inadimplemento dos Reclamados, o que esvazia o pleito de rescisão contratual c/c indenização. O máximo que teriam direito os Autores seria exigir a formalização da transferência no respectivo livro, ato que jamais encontrou resistência dos Requeridos e que, por isso, desconfigura o interesse de agir. O meu voto, destarte, é pelo conhecimento e provimento da apelação, julgando improcedentes os pedidos dos Autores. Página 4 de 5

5 20. Verba de sucumbência: Condena-se os Autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor atualizado da causa, o que se faz com base no art.20, 4º, do CPC, levando-se em conta o tempo decorrido (mais de 5 anos), a natureza complexa da demanda, o local da prestação do serviço e o grau de zelo dos advogados da parte vitoriosa. DISPOSITIVO 21. Acordam os integrantes da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento à apelação, julgando improcedentes os pedidos dos Autores. 22. Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Des. Luiz Cezar Nicolau, sem voto, e participaram os Exmos. Srs. Des. Marcelo Gobbo Dalla Dea e Albino Jacomel Guerios. Curitiba, 30 de outubro de DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE Horácio Ribas Teixeira Juiz Relator Página 5 de 5