Documento assinado digitalmente, conforme MP n /2001, Lei n /2006 e Resolução n. 09/2008, do TJPR/OE. Página 1 de 8

Transcrição

1 Certificado digitalmente por: LENICE BODSTEIN APELAÇÃO CÍVEL Nº , DE FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - VARA DE REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL NÚMERO UNIFICADO: APELANTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO : CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA 1ª CIRCUNSCRIÇÃO DE CURITIBA RELATORA : DESEMBARGADORA LENICE BODSTEIN APELAÇÃO CÍVEL EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. SÍNTESE FÁTICA. DÚVIDA SUSCITADA PELO 1º SERVIÇO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, A REQUERIMENTO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ANTE A NEGATIVA DA SERVENTIA REGISTRAL EM PROCEDER O REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE MÚTUO DE DINHEIRO COM OBRIGAÇÕES E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, HAJA VISTA QUE A FIDUCIANTE DEU IMÓVEL DE SUA PROPRIEDADE COMO GARANTIA SEM A ANUÊNCIA DE SEU MARIDO. RECURSO OUTORGA CONJUGAL. CASAMENTO CONSTITUÍDO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 PELO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. DESNECESSIDADE DA ANUÊNCIA DO CONJUGE NO CASO EM APREÇO. NEGÓCIO JURÍDICO PELO QUAL SE BUSCA O REGISTRO FIRMADO DURANTE A VIGÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL DE APLICAÇÃO DO ARTIGO Página 1 de 8

2 Apelação Cível nº fl DESTE DIPLOMA LEGAL, QUE PERMITE AO CÔNJUGE CASADO PELO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS, ALIENAR OU GRAVAR DE ÔNUS REAL OS BENS IMÓVEIS SEM A OUTORGA UXÓRIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA RECONHECER A POSSIBILIDADE DO REGISTRO DO INSTRUMENTO PARTICULAR DE MÚTUO DE DINHEIRO COM OBRIGAÇÕES E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SEM A ANUÊNCIA DO SENHOR MILTON CESAR ROSSATO, PELO 1º SERVIÇO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CURITIBA-PR. 1. O negócio jurídico que se pretende o registro foi firmado em outubro de 2012, ou seja, quando da vigência do Código Civil de 2002 que dispensa a outorga marital nos casos de casamento pelo regime de separação de bens, caso dos autos. VISTOS, examinados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº , de Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Vara de Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial, em que é Apelante CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e Apelado CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA 1ª CIRCUNSCRIÇÃO DE CURITIBA. RELATÓRIO Trata-se de Dúvida suscitada pelo 1º Serviço de Registro de Imóveis do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, a requerimento da Caixa Econômica Federal, ante a negativa da Página 2 de 8

3 Apelação Cível nº fl. 3 serventia registral em proceder ao registro de INSTRUMENTO PARTICULAR DE MÚTUO DE DINHEIRO COM OBRIGAÇÕES E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, apresentando como motivo o fato de ter a fiduciante, MARCIA MONTALTO ROSSATO, dado imóvel como garantia sem a anuência de seu marido, MILTON CÉSAR ROSSATO. A r. sentença de mov julgou procedente a dúvida suscitada, para determinar que o Oficial do 1º Serviço de Registro de Imóveis do Foro Central se abstenha de realizar o registro do instrumento em questão sem a anuência de Milton Cesar Rossato. Inconformada, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL interpôs recurso de Apelação em mov. 41.1, alegando a desnecessidade da outorga marital para o registro do contrato celebrado pela Senhora Marcia Montalto Rossato com a Apelante, haja vista que o regime de bens do casamento daquela é de separação total de bens. Aponta que o contrato foi firmado sob a égide do Código Civil de 2002 e que este dispensa a anuência do cônjuge se o regime de bens for de separação absoluta. Pugna seja determinado o registro junto à matricula do imóvel do contrato e a alienação fiduciária realizada entre as partes. O Ministério Publico apresentou parecer recursal em mov pelo conhecimento e provimento do recurso de Apelação. A douta Procuradoria Geral de Justiça pronunciou-se nas fls. 12/13-TJPR pela desnecessidade de sua intervenção no feito. É o relatório. VOTO Dos pressupostos de admissibilidade O Recurso preenche os pressupostos intrínsecos e Página 3 de 8

4 Apelação Cível nº fl. 4 extrínsecos de admissibilidade, merecendo, porquanto, conhecimento. Do Recurso O Recurso versa sobre a necessidade de anuência marital para registro junto à matricula do imóvel do contrato e de alienação fiduciária. Da outorga conjugal provimento Alega a Apelante ser desnecessária a outorga marital para o registro do contrato celebrado pela Senhora Marcia Montalto Rossato com a Recorrente, haja vista que o regime de bens do casamento daquela é de separação total de bens. Aponta que o contrato foi firmado sob a égide do Código Civil de 2002 e que este dispensa a anuência do cônjuge se o regime de bens for de separação absoluta. Pugna seja determinado o registro junto à matricula do imóvel do contrato e a alienação fiduciária realizada entre as partes. Com razão. Primeiramente, extrai-se da certidão de casamento acostada em mov que a Senhora Marcia Montalto Rossato é casada com o Senhor Milton Cesar Rossato pelo regime de separação de bens desde Veja-se: Página 4 de 8

5 Apelação Cível nº fl. 5 Neste regime de bens, o casamento não repercute na esfera patrimonial dos cônjuges, podendo cada um livremente alienar e gravar de ônus real os seus bens. Veja-se: Art Ressalvado o disposto no art , nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. O patrimônio passado, presente e futuro não se comunicam, nem durante o casamento e tampouco quando de sua dissolução. Página 5 de 8

6 Apelação Cível nº fl. 6 Conforme leciona Maria Berenice Dias, cada um conserva, com exclusividade, o domínio, a posse e a administração de seus bens, assim como a responsabilidade pelas suas dívidas anteriores e posteriores ao casamento. (...). Para as ações imobiliárias não é necessária a presença do consorte, não incidindo a exigência da lei processual (CPC 10 1º) como condição legitimante para estar em juízo. E isso porque, de forma expressa, é ressalvado o regime de separação absoluta para (CC 1.647): I alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (...) 1 Resta saber se esta regra se aplica aos casamentos realizados durante a égide do Código Civil de 1916, haja vista que neste diploma legal era previsto nos artigos 235 e 242, que o marido não pode, sem consentimento da mulher (235), e que a mulher não pode, sem autorização do marido (242), alienar direitos reais sobre imóveis, qualquer que seja o regime de bens. E o artigo do Código Civil de 2002 prevê que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido. Pois bem. As partes celebraram o casamento em 1999, ou seja, na vigência do Código Civil de Contudo, o negócio jurídico que se pretende o registro foi firmado em outubro de 2012, ou seja, quando da vigência do Código Civil de 2002 que dispensa a outorga marital nos casos de casamento pelo regime de separação de bens, caso dos autos. A outorga conjugal não estava atrelada ao regime de bens, pois dizia o Código de 1916 que ela se fazia necessária independente do regime de bens. Logo, não integrava, como não integra, o regime de 1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ed. RT P Página 6 de 8

7 Apelação Cível nº fl. 7 bens. Conclui-se que o art do Código Civil de 2002 não tem em si o condão de tornar obrigatória a outorga uxória para os casamentos realizados na vigência do Código anterior, uma vez que referido artigo, ao manter inalterados aqueles regimes, não está, por via de consequência, mantendo a obrigatoriedade da outorga uxória. É o que leciona a doutrinadora Maria Berenice Dias: Assim, a partir da vigência da nova lei, os casados, quer pelo regime da separação convencional, quer pelo inconstitucional regime de separação legal de bens, estão dispensados de obter a vênia conjugal. 2 E ainda, como bem ponderou a douta Promotoria de Justiça em mov de suma importância mencionar que o art do atual Código Civil apenas determina que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior é o por ele estabelecido. Parece-nos forçoso concluir pela utilização das normas de um Código já revogado e, ainda mais, no argumento de se preservar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Não obstante, deve-se ter claro que os negócios jurídicos realizados na vigência do Código Civil de 1916 obedecem às regras por ele estabelecidas, enquanto que aqueles celebrados sob a vigência do novo Estatuto Civil respeitarão as normas previstas neste último. Nesta linha, altera-se a r. sentença para reconhecer a possibilidade do registro do instrumento em questão sem a anuência do Senhor Milton Cesar Rossato. 2 op. cit, p Página 7 de 8

8 Apelação Cível nº fl. 8 Das custas processuais Considerando que a dúvida foi julgada improcedente, sem custas ao Cartório, ante o previsto no artigo 207 da Lei de Registros Públicos. 3 Isto posto: A decisão é para conhecer e dar provimento ao recurso de Apelação para julgar improcedente a dúvida, reconhecendo a possibilidade do registro do Instrumento Particular de Mútuo de Dinheiro com Obrigações e Alienação Fiduciária sem a anuência do Senhor Milton Cesar Rossato, pelo 1º Serviço de Registro de Imóveis de Curitiba-PR, em caso de casamento pelo regime de separação de bens cujo requerimento está sob a vigência do Código Civil de DISPOSIÇÃO: ACORDAM os Desembargadores da Décima Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso de Apelação. Participaram do julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Lenice Bodstein, Presidente com voto, e os Excelentíssimos Senhores Desembargador Fábio Haick Dalla Vecchia e Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson. Curitiba, 08 de fevereiro de LENICE BODSTEIN Desembargadora Relatora 3 Art No processo, de dúvida, somente serão devidas custas, a serem pagas pelo interessado, quando a dúvida for julgada procedente. Página 8 de 8