SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA COMISSÃO DE INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS E MICOSES SEÇÃO DE CASOS CLÍNICOS
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1 SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA COMISSÃO DE INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS E MICOSES SEÇÃO DE CASOS CLÍNICOS Autor: Jorge L. Pereira-Silva Mini-CV: Professor Associado IV, da Faculdade de Medicina da Bahia - Universidade Federal da Bahia. Coordenador Clínico do INESS Instituto de Ensino e Simulação em Saúde. jorgepereira.ba@gmail.com Identificação Homem, 55 anos, pardo, empresário (empresa de informática), natural e procedente de Salvador-BA. Sumário Clínico Paciente não-fumante com passado mórbido inexpressivo. Vinha queixando-se de tosse seca, odinofagia, febre intermitente sem calafrios, dispnéia de caráter progressivo, astenia, anorexia e perda ponderal (12Kg/70Kg/2meses) havia várias semanas. Houvera recorrido a diversos especialistas, porém mostrando-se sempre refratário às propostas de investigação diagnóstica. Com o agravamento dos sintomas respiratórios, foi conduzido por familiares à emergência, de onde foi transferido para a UTI em 12/04/2014. Exame físico Achava-se em mau estado geral e nutricional, com fácies de enfermidade prolongada. PA 120x60mmHg. FC 115bpm. FR 35cpm. T-37,3 C. Bem orientado no tempo e no espaço. Mucosas descoradas (II/IV). Anictérico. Pele: lesões eritêmato-descamativas no couro cabeludo e sobrancelhas compatíveis com dermatite seborreica. Orofaringe hiperemiada contendo lesões brancas na cavidade oral. Sem linfonodomegalias palpáveis. AR: acentuadamente dispneico e com a fala entrecortada. Estertores crepitantes esparsos em ambos os pulmões. ACV: Ictus invisível, palpável no 5 EICE na LMC. Ritmo regular de 2 tempos, sem sopros. B2A>B2P. Jugulares planas. Abdome escavado. RHA presentes. Sem visceromegalias ou massas palpáveis. Extremidades: ausência de baqueteamento digital. Edema perimaleolar (I/IV). Exames complementares
2 Radiografia e TC do tórax: opacidades pulmonares com o padrão em vidro-fosco, comprometendo difusamente ambos os pulmões (Figs.1, 2 e 3) Ecocardiograma normal Gasometria arterial (FIO2 0,21): ph 7,48; PaO2: 51mmHg; PaCO2 30mmHg; HCO3 19mEq/L PaO2/FIO2: 243 P(A-a)O2: 61,2 Lactato arterial: 1,3 mmol/l Hemoglobina: 8,2g/dL Hematócrito: 25% Leucograma: ( ) Plaquetas: /mm 3 Glicemia: 165mg/dL Ureia: 42mg/dL Creatinina: 0,5mg/dL Na: 135mMol/L K: 4,3 mmol/l TGO: 32U/L TGP: 40U/L Proteinas torais e frações: 5,1g/dL (albumina 2,3 / globulina: 2,8) Tempo de protrombina: RNI 0,9 LDH 530UI/L Sumário de urina: normal
3 Fig. 1 TCAR: Padrão de atenuação em vidro-fosco, simetricamente distribuído em ambos os pulmões (imagens na topografia dos campos pulmonares superiores
4 Fig. 2 TCAR: Padrão de atenuação em vidro-fosco, simetricamente distribuído em ambos os pulmões (imagens na topografia dos campos pulmonares medios) Fig. 3 TCAR: Padrão de atenuação em vidro-fosco, simetricamente distribuído em ambos os pulmões (imagens na topografia dos campos pulmonares inferiores) Evolução Achava-se em mau estado geral e em insuficiência respiratória, embora sem distúrbio hemodinâmico ou comprometimento de outros órgãos. Com a suspeita clínica de pneumonia por Pneumocystis jirovecii e Candidose oral e possivelmente esofágica, foram solicitadas: sorologia anti-hiv e contagem de células CD4. Introduzida oxigenoterapia por máscara não-reinalante, corticóide, trimetoprima/sulfametoxazol e fluconazol, ampliando-se a cobertura com linezolida e piperacilina/tazobactam. A despeito do regime terapêutico, agravou-se a insuficiência respiratória, tendo sido realizada intubação orotraqueal em 27/04/2014 e posto em ventilação mecânica. Os pulmões mostravam-se pouco complacentes com grande prejuízo das trocas gasosas: PaO2/FIO2: 120 (FIO2 80%) com PEEP 10cmH2O. Procurou-se estabelecer estratégia protetora de ventilação
5 mecânica, porém com grande instabilidade clínica. Nesse momento foram conhecidos os resultados das hemoculturas (negativas), da contagem das células CD4 (10cels/mm 3 ) e da sorologia para HIV (positiva). Perante a falta de resposta à terapêutica instituída, realizou-se biópsia cirúrgica no pulmão direito que confirmou o diagnóstico de pneumonia por Pneumocystis jirovecii, sem nenhum outro elemento de especificidade (Figs. 4, 5, 6, 7 e 8). Fig. 4 HE (pequeno aumento): Espaços alveolares com repleção parcial ou total por um produto espumoso
6 Fig. 5 HE (grande aumento): Espaços alveolares com repleção parcial ou total por um produto espumoso Fig. 6 Crocott: A coloração pela prata destaca os elementos parasitários no interior de espaços alveolares
7 Fig. 7 Crocott: A coloração pela prata destaca os elementos parasitários, compatíveis com Pneumocystis jirovecii, no interior de espaços alveolares Fig. 8 Crocott: Em maior aumento, destaque para os elementos parasitários, compatíveis com Pneumocystis jirovecii, no interior de espaços alveolares
8 Malgrados todos os esforços, evoluiu para um quadro crítico de SARA/ARDS (Síndrome de Angústia Respiratória Aguda) grave, com PaO2/FIO2 45mmHg (FIO2 100%), PEEP 15cmH2O, que acarretou grande dificuldade para manter um nível de trocas gasosas que atendesse às demandas metabólicas. Os pulmões estavam plenamente consolidados, com baixa complacência. Considerando-se a gravidade e a refratariedade da insuficiência respiratória, as limitações impostas à ventilação mecânica e, diante do caráter potencialmente reversível do distúrbio pulmonar, em um paciente sem disfunção em outros órgãos, instalou-se um sistema ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) em 04/05/2014. Cumprindo-se o protocolo para a ECMO, foram reduzidos os parâmetros de ventilação mecânica. Diante da impossibilidade de desmame ventilatório no curto prazo, foi realizada traqueostomia em 07/05/2014. A despeito da estratégia ventilatória de suporte mínimo, ocorreu pneumotórax à direita como fruto de barotrauma, que foi prontamente drenado com sistema em selo d água sob aspiração contínua. Passou a evoluir com instabilidade hemodinamica e disfunção renal, requerendo o emprego de amina vasoativa e mantidas as mesmas estratégias de ventilação mecânica e de oxigenação por membrana extracorpórea. A despeito de todo o suporte que lhe foi fornecido não houve resposta à terapêutica empregada, culminando em choque séptico que o levou ao obito ocorrido em 01/06/2014. Discussão Nos indivíduos infectados pelo HIV, as manifestações clínicas mais comuns da Pneumocistose (PCP) são: tosse não produtiva, febre, dispneia progressiva de evolução subaguda, que costuma marchar para um quadro de insuficiência respiratória grave em poucas semanas. Hipoxemia, a anormalidade laboratorial mais marcante, pode ser caracterizada como leve (PaO2 em ar ambiente 70mmHg) ou [P(A-a)O2 <35mmHg)], moderada [P(A-a)O2 35 a 45mmHg)] ou grave [P(A-a)O2 >45mmHg)]. A dessaturação aos exercícios físicos costuma estar presente, mas é habitualmente inespecífica. A LDH costuma estar elevada (>500mg/dL), mas é um achado inespecífico. Na fase inicial a radiografia do tórax pode estar normal, mesmo diante da dessaturação aos esforços físicos. Com o passar do tempo surgem opacidades extensas, simétricas e difusas. A
9 TCAR é o método de imagem de referência para o diagnóstico de PCP. Os principais achados são opacidades de atenuação em vidro-fosco, difusas e simétricas, e eventualmente cistos e pequenos nódulos. A presença de pneumotórax em paciente HIV positivo aponta para a possibilidade de PCP. Aproximadamente 13% a 18% dos indivíduos com PCP documentada têm outras etiologias associadas que agravam a disfunção pulmonar, sobretudo tuberculose, sarcoma de Kaposi ou pneumonia bacteriana. A comprovação diagnóstica é firmada pela identificação do fungo em amostras de secreção ou de tecido respiratório, por métodos broncoscópicos: LBA (90%-99% de sensibilidade), BTB (95%-100%) e biópsia cirúrgica (95%-100%). Diante do rendimento desses procedimentos e por se tratar de uma população supostamente candidata a ventilação mecânica com pressão positiva, o procedimento diagnóstico de eleição é a fibrobroncoscopia com lavado broncoalveolar, a ser realizada antes ou depois da intubação e do suporte ventilatório. A biópsia cirúrgica fica reservada para os casos suspeitos de etiologia mista e para os casos de fracasso terapêutico, com insuficiência respiratória grave e prograssiva. A PCR (Polymerase chain reaction) é um método promissor para o diagnóstico de PCP, sobretudo quando realizada no LBA. Entretanto, sua capacidade para distinguir infecção de colonização ainda não está definida. O 1,3ß-D-glucan, presente na parede celular de alguns fungos, pode estar elevado em casos de PCP, porém também se mostra elevado em infecções por outros fungos (falso-positivo). O tratamento da PCP deve ser iniciado imediatamente com base nos achados clínicos, de imagem e funcionais - antes mesmo da confirmação diagnóstica, uma vez que o fungo permanece em amostras clínicas durante dias ou semanas do início do tratamento efetivo. Pacientes com o diagnóstico de PCP documentado ou suspeito, de moderada a grave, definida pela PaO2 em ar ambiente <70mmHg ou P(A-a)O2 35mmHg devem receber corticóide precocemente associado ao esquema padrão de TMP/SMZ. Na ausência do corticóide, pode ocorrer deterioração precoce, porém potencialmente reversível, dentro dos primeiros 3 a 5 dias de tratamento, provavelmente decorrente da resposta inflamatória à lise dos microorganismos induzida pelo antimicrobiano. Mutações relacionadas a padrões de resistência in vitro do Pneumocystis jirovecii ao TMP/SMZ têm sido descritas, mas o significado clínico não está ainda bem definido. Esquemas terapêuticos alternativos têm sido propostos, nos casos de intolerância ou de fracasso terapêutico, envolvendo sobretudo o uso parenteral de pentamidina ou oral de primaquina combinada com
10 clindamicina intravenosa. Nos casos de insucesso terapêutico deve-se realizar a coleta de amostras por método invasivo para a pesquisa de infecções concomitantes ou de outras etiologias. Fracasso terapêutico tem sido definido pela falta de melhora, ou agravamento da insuficiência respiratória, documentada pelo monitoramento dos gases arteriais, depois de 4 a 8 dias de iniciado o tratamento específico. Fracasso terapêutico tem sido registrado em aproximadamente 10% dos casos de PCP moderada a grave. Para pacientes com SARA/ARDS, as estratégias de ventilação mecânica têm valor prognóstico. Recomenda-se usar a menor FiO2 possível para garantir SpO2>92% em todos as categorias de gravidade. Na SARA moderada ou grave, sob ventilação assistida ou controlada, o volume corrente deve ser ajustado entre 3-6 ml/kg (considerando-se peso predito). Deve-se procurar manter Pplatô 30 cm H2O. A diferencial de pressão Platô - PEEP (Pressão de Distensão) deve ser menor ou igual a 15 cmh2o para todas as categorias de gravidade. Em casos de SARA moderada e grave, quando a PEEP usada for elevada (geralmente acima de 15cmH2O), pode-se tolerar Pplatô de no máximo 40 cm H2O, desde que necessariamente a Pressão de Distensão seja mantida 15 cmh2o. ECMO (extracorporeal membrane oxygenation) ou oxigenação extracorpórea por membrana é um recurso terapêutico utilizado em casos de hipoxemia grave refratária às estratégias ventilatórias habitualmente utilizadas e às manobras de resgate para a síndrome de angústia respiratória aguda, que vem sendo revitalizada nos últimos anos, sobretudo em centros especializados, para pacientes adultos e pediátricos, com insuficiência respiratória ou cardíaca potencialmente reversível. Os critérios absolutos para sua indicação são: Intubação traqueal e ventilação mecânica; Doença pulmonar de início agudo; SARA com PEEP >10cmH2O Possibilidade de reversão da lesão pulmonar Pacientes com doença pulmonar irreversível em espera para transplante têm indicação. Além de pelo menos 1 dos critérios complementares: Relação PaO2/FIO2 80 com FiO2 >0,8, por pelo menos 3 horas, apesar do uso de manobras de resgate (recrutamento
11 alveolar, óxido nítrico inalatório e posição prona); Hipercapnia com manutenção do ph 7,20 em uso de FR 35 ciclos/min (quando possível), volume corrente = 4-6 ml/kg do peso predito e pressão de distensão 15 cmh2o; Constituem contraindicações à ECMO: Pacientes moribundos IMC > Coma (paciente sem sedativos) após PCR Pacientes pneumopatas crônicos sem reversibilidade da doença exceto em pacientes com possibilidade de transplante Pacientes sem acesso vascular calibroso, seguro e acessível Doença crônica limitante sem perspectiva Trombocitopenia induzida por heparina Conclusão Trata-se de um caso de SARA/ARDS grave, associado a Pneumonia por Pneumocystis jorovecii, em hospedeiro gravemente imunocomprometido. A refratariedade ao tratamento-padrão e o insucesso terapêutico que culminou no óbito devem-se provavelmente ao tempo prolongado decorrido entre o início dos sintomas e a introdução do regime terapêutico, podendo-se considerar ainda as possibilidades de resistência ao antimicrobiano (TMP/SMZ) e injúria à membrana alvéolo-capilar provocada pelo regime de hiperóxia e pela pressão positiva nas vias aéreas. A ECMO é um recurso terapêutico que ressurge como forma de fornecer o suporte de vida a pacientes com insuficiência respiratória grave, do tipo SARA/ARDS, e potencialmente reversível. O tratamento de pneumonias graves requer abordagem multidisciplinar que transcende a prescrição de agentes antimicrobianos. Leitura Recomendada 1. Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. Guidelines for the prevention and treatment of
12 opportunistic infections in HIV-infected adults and adolescents: recommendations from the Centers for Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. Disponível em: Acessado em 2 de junho de The ARDS Definition Task Force. Acute Respiratory Distress Syndrome - The Berlin Definition. JAMA 2012; 307(23): SBPT Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia AMIB Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica, pp Richard C, Argaud L, Blet A, Boulain T, Contentin L, et al. Extracorporeal life support for patients with acute respiratory distress syndrome: report of a Consensus Conference. Ann Intensive Care May 24;4:15. Questões 1. Assinale a opção INCORRETA quanto ao uso de corticóide associado ao agente antimicrobiano no tratamento da Pneumonia por Pneumocystis jirovecii (PCP): a) Sua indicação está fundamentada em parâmetros gasométricos que refletem a gravidade da doença b) O efeito benéfico depende da precocidade com que é associado ao esquema terapêutico c) Não deve ser usado em casos graves de PCP sob pena de agravar o estado de imunossupressão, que acarreta maior letalidade d) Sua utilização está fundamentada no efeito aintiinflamatório que se contrapõe à reação provocada pela lise do patógeno e) Há evidências suficientes para a prescrição de corticóide associado ao regime antimicrobiano padrão, simultaneamente, desde o início do tratamento 2. Quanto à nova classificação da SARA (Acute Respiratory Distress Syndrome - The Berlin Definition. JAMA 2012; 307(23): ) é INCORRETO afirmar:
13 a) Guarda melhor correlação com o prognóstico do que a classificação anterior b) A SARA classificada como leve considera o uso de PEEP ou CPAP c) É considerada grave quando PaO2/FiO2 100mmHg com PEEP 15cmH2O d) Mantem, em relação à classificação anterior, a necessidade de se afastar a possibilidade de edema de pulmão por aumento da pressão hidrostática e) Considera o período inferior a 1 semana entre a injúria pulmonar, direta ou indireta, e o aparecimento dos sintomas 3. Com relação ao manejo de pacientes com SARA/ARDS (Síndrome de Angústia Respiratória Aguda) assinale a afirmação INCORRETA: a) Na SARA moderada ou grave, sob ventilação assistida ou controlada, o volume corrente deve ser ajustado entre 3-6 ml/kg (considerando-se peso predito) b) Deve-se oferecer a menor FIO2 possível, a fim de assegurar SpO2>92%, independentemente do nível de gravidade da SARA/ARDS c) Buscar manter o diferencial de pressão Platô - PEEP (Pressão de Distensão) menor ou igual a 15cmH2O para todas as categorias de gravidade da SARA d) Nos centros que disponham desse recurso, deve-se empregar ECMO (oxigenação extracorpórea por membrana) nos casos de SARA/ARDS, na presença de hipoxemia refratária (PaO2/FIO2<80mmHg com FIO2> 80%) após realização das manobras adjuvantes e de resgate para SARA grave por pelo menos 3 horas e) Em pacientes com SARA/ARDS leve, a ECMO (oxigenação extracorpórea por membrana) deve ser iniciada precocemente como forma de evitar a intubação e ventilação mecânica Gabarito: 1. C 2. C 3. E
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