PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO

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1 APELAÇÃO COM REVISÃO Nº /6 Apelantes: Raul Berger Rachel Berger Apelados: Paulo Lúcio Salles Arcuri ECM Energia, Corpo e Mente, Ginástica Corretiva Integrada Ltda. Elisabete Cati de Medeiros LOCAÇÃO. EXONERAÇÃO DE FIANÇA. Há que se preservar a certeza e a segurança das relações jurídicas. Encontrando-se determinado o prazo do contrato principal (locação) não podem os signatários do pacto acessório (fiança) se ver exonerados sem a anuência do locador. O simples envio de notificação não tem o condão de exonerar os fiadores da garantia firmada, uma vez que não se encontra vinculada à comprovação de aceitação pelo favorecido. E o desmantelamento do relacionamento entre os garantes e a sócia da afiançada é res inter alios acta perante ele. Voto nº Visto. RAUL BERGER e sua mulher RACHEL BERGER ingressaram com Ação de Exoneração de Fiança contra ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA., ELISABETE CATI DE MEDEIROS e PAULO LÚCIO SALLES ARCURI, partes com qualificação e caracteres nos autos, porque, excluída a co-autora da sociedade, rompeu-se a confiança, fato que levou os Requerentes à prestação da garantia pessoal. Formalizada a angularidade os Requeridos contestaram a ação juntando documentos. As contestações foram impugnadas. Seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional julgando improcedente a pretensão e condenando os Requerentes ao pagamento das custas - 1 -

2 do processo e honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, em favor do patrono que apresentou contestação tempestiva. ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA. e ELISABETE CATI DE MEDEIROS opuseram Embargos de declaração, que não foram acolhidos. RAUL BERGER e sua mulher RACHEL BERGER interpuseram recurso. Alegam que, insuportável a situação societária pela conduta da Apelada, notificaram os Apelados para que fossem substituídos da garantia pessoal antes da ação de despejo por falta de pagamento. Se a Apelante não tinha condições de ser sócia não há motivo para que responda pela garantia.... se a fiança é acessório de um contrato principal, essencialmente personalíssimo, suportado, frise-se, na confiança que deve haver entre fiadores e afiançado, e se, como expresso no contrato de locação (cláusula 20, 4º), em caso de morte ou insolvência dos fiadores, o locatário obriga-se a substituir qualquer deles, como não permitir aos Apelantes a sua substituição Os Apelantes não renunciaram, como se comprova do contrato de locação (...), ao direito de exoneração... (folha 141).... na tréplica, os Apelantes até concordaram em eventualmente responder, se for o caso, pelo ônus do não pagamento dos alugueres até então... (folha 142). PAULO LÚCIO SALLES ARCURI apresentou contrarazões. Anota que não foi responsável por quaisquer dos fatos que tenham dado origem a esta demanda, não podendo sofrer prejuízo com a liberação da fiança. ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA e ELIZABETE CATI DE MEDEIROS também contrariaram as razões. Afirmam que no período em que foi sócia, a Autora recebeu os: - 2 -

3 ... haveres sociais de modo que a fiança prestada permitiu a locação do imóvel em região nobre... (folha 152).... Se alguma pendência social ainda está por ser resolvida, esta deve ser apreciada através da devida ação... (folha 153). É o relatório, adotado no mais o da r. sentença. Paulo Lúcio Salles Arcuri firmou contrato de locação com ECM Energia, Corpo, Ginástica Corretiva Integrada Ltda., representada pelas sócias Elisabete Cati de Medeiros e Rachel Berger, do imóvel que detém usufruto, situado na Alameda dos Juripis, nº 831, em Moema, nesta Capital, mediante preço, prazo e condições constantes do instrumento de 1º de agosto de Raul Berger e sua mulher Rachel Berger firmaram o contrato como fiadores, com responsabilidade... até a entrega real e efetiva das chaves do imóvel locado (...).... Os FIADORES reconhecem por efetiva restituição do imóvel a entrega das chaves... ao LOCADOR, ou ao seu representante legal, mesmo que o contrato tenha terminado e a locação seja prorrogada por interesse de ambas as partes ou por força de lei... (folha 11). ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA, LTDA. foi constituída por instrumento de 3 de junho de 1996, com registro na JUCESP em 28 de junho de Elisabete Cati de Medeiros subscreveu 3.000, e Raquel Berger quotas, nos valores de R$30.000,oo e R$20.000,oo. Estabeleceram que a administração competia a qualquer das sócias,... em relação a terceiros, assinando conjuntamente, todos os contratos e negócios de interesse exclusivo da sociedade... (folha 14). Pela 1ª Alteração do Contrato Social da empresa, de 6 de agosto de 1997, com registro na JUCESP sob nº /97-3, de 12 de setembro de 1997, firmado por Elisabete Cati de Medeiros e duas testemunhas, ficou consignado (folhas 17/21): - 3 -

4 ... É excluída da gerência da sociedade, em virtude de discordâncias inconciliáveis na administração com reflexos negativos para a sociedade, a sócia RACHEL BERGER... (folha 17). RAUL BERGER e RAQUEL BERGER notificaram através do 2º Serviço de Registro de Títulos e Documentos desta Capital, em 28 de novembro de 1997, a ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA., e em 2 de dezembro de 1997, ELISABETE CATI DE MEDEIROS,... para que, dentro de 5 (cinco) dias, a contar do recebimento desta, substituam ambos no mencionado contrato de locação, exonerando-os daquela garantia, sob pena de responsabilidade civil e criminal e de serem tomadas as medidas judiciais cabíveis... (folhas 21/26). PAULO LÚCIO SALLES ARCURI ingressou com Ação de Despejo por Falta de Pagamento contra a empresa ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA. LTDA., em 16 de março de Pediu fossem cientificados os fiadores Raul Berger e sua mulher Rachel Berger (folhas 49/52). RACHEL BERGER ingressou com notificação e interpelação em Juízo, contra ELISABETE CATI DE MEDEIROS, em 28 de agosto de 1997, onde, entre outros pontos, são destacados:... sem a concordância da SUPLICANTE, foi levada a registro no órgão competente, recebendo o número Embora eivado de nulidade, vem confirmar a tomada por parte da SUPLICADA da direção da firma, afastando qualquer pretensão da SUPLICANTE.... ordenou ao segurança, por ela contratado, a proibição da entrada da SUPLICANTE na sede da firma, trocando, inclusive, as fechaduras das portas. Por isso, foi lavrado o B.O. na 27ª Delegacia de Polícia sob número 00631/ Essa atitude foi em decorrência ao interesse da 1 - Refere-se à alteração do contrato social de forma unilateral

5 SUPLICANTE ao tentar saber da posição econômico-financeira da firma, que nunca foi lhe comunicada pela adminsitradora-sócia majoritária e pela desconfiança e indícios de desvio de dinheiro efetuado pela mesma.... Com grande dificuldade, descobriu-se que a SUPLICADA vinha recebendo pagamentos diretamente de alunos freqüentadores da ECM, não prestando contas e não entregando a parte cabente à academia, tal qual é feito pelas demais massagistas e funcionários Apurou-se que efetuou massagens, ficando de posse exclusiva de todo numerário, conforme abaixo relacionadas, tirado do livro de controle de academia calcula-se a grosso modo, que de houve desvio de aproximadamente R$10.000,oo (dez mil reais) a R$12.000,oo (doze mil reais), isso somente com registro a esse serviço - massagens - fora os demais, oferecidos pela academia... (folhas 93/94 e 100). Raul Berger e Raquel Berger prestaram declarações perante o 96º Distrito Policial (folhas 102/107). Em 22 de junho de 1998, Raul Berger e sua mulher Raquel (Rachel folha 108) Berger ingressaram com contestação na Medida Cautelar de Exibição de Documento que lhes foi proposta por ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA. (folhas 108/112). RAUL BERGER ajuizou contestação em 2 de julho de 1998, na Ação Anulatória de Título de Crédito, c. c. Perdas e Danos, que lhe foi proposta por ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA. (folhas 113/119). Em 22 de junho de 1998, RAUL BERGER ajuizou contestação na Medida Cautelar de Sustação de Protesto que lhe foi proposta por ECM ENERGIA, CORPO E MENTE, GINÁSTICA CORRETIVA INTEGRADA LTDA. (folhas 120/124). Quando alguém abona obrigação de outrem para com o seu credor, caso o devedor não a cumpra ou possa cumpri-la, dá-se o - 5 -

6 contrato de fiança, que é acessório, distinto da locação, mas não exclui a responsabilidade do garante pelas obrigações resultantes desses contratos. A fiança prestada em conjunto a um só débito por mais de uma pessoa, importa em compromisso de solidariedade entre elas, salvo se houver declaração de reserva do benefício da divisão, sendo lícito ao credor acionar qualquer um deles, à sua livre escolha (Código Civil, artigo 904), podendo exigir a dívida de algum dos co-devedores. A responsabilidade dos fiadores restringe-se aos termos do pactuado no contrato. Os Recorrentes não negam que assinaram o pacto adjeto de garantia ao contrato de locação, nem questionam seu conteúdo. A desistência da faculdade de exoneração prevista no artigo 1.500, do Código Civil, é questão jurídica dividida na doutrina e na jurisprudência. Uma corrente, que se afigurava predominante, sustenta que o direito à exoneração da fiança é renunciável porque disponível e de índole exclusivamente patrimonial 2. Outra que vem despontando com maior força nos últimos anos, entende que irrenunciável o direito assegurado no artigo 1.500, do Código Civil, de sorte que inoperante a disposição contratual que afasta a incidência do preceito. Ao conferir o direito de exoneração a lei não traz ressalva ou disposição semelhante àquela do artigo 1.492, inciso I, do Código Civil, pela qual é dado renunciar o fiador ao benefício de ordem previsto no artigo 1.491, do mesmo Código. É preciso considerar o caráter eminentemente pessoal da garantia que, ordinariamente, é dada de favor em razão do relacionamento ou conhecimento próximo do fiador com o afiançado. 2 - Conforme MILTON SANSEVERINO em artigo no jornal Ministério Público Paulista, agosto/setembro de 1996, página 9. Cita diversos acórdãos deste Segundo Tribunal de Alçada Civil e do Superior Tribunal de Justiça

7 A faculdade de exoneração (prevista na lei) atende a circunstância de não mais persistirem aqueles especiais laços entre os partícipes da avença. O decurso do tempo pode trazer mudanças no primitivo interesse do fiador em ajudar ou amparar o afiançado. Desconsiderar essa realidade é condená-lo (única das partes que não desfruta qualquer vantagem da locação) em obrigação perpétua, o que é incompatível com os princípios gerais do direito. O artigo do Código Civil refere-se a outras causas extintivas do contrato acessório de garantia, sem relação com o afastamento voluntário. "A fiança, ato benéfico, desinteressado, não pode ser uma túnica de Nessus. Assim como o fiador, livremente, a tomou sobre si, livremente lhe sacode o jugo quando lhe convier, pois não tendo prometido conservá-la por tempo certo contra a sua vontade não poderá permanecer indefinidamente obrigado. É tão intuitiva essa regra de direito que os Códigos Civis a supõem contida no conceito de fiança e se abstêm de mencioná-la 3 ". A exoneração da fiança por acordo ou sentença judicial, somente opera efeitos ex nunc. No segundo caso (sentença constitutiva negativa) exige-se, ainda, que o contrato tenha vigência sem prazo determinado. A r. sentença consignou que o prazo contratual em curso é obstativo à exoneração, porque... encontra-se em pleno vigor, tornando sem fundamento jurídico a pretensão de exoneração... (folha 132). Singela a alegação dos Recorrentes de que não... é pelo simples fato de existir um contrato de locação em vigor, que se torna inviável a exoneração... (folha 142). Contrato é um acordo de vontades, escrito ou não, que, conforme a lei, tem por finalidade, adquirir, resguardar, transferir, 3 - JTA 96/

8 conservar, modificar ou extinguir direitos. É ato jurídico (negócio jurídico) que reclama os requisitos de validade do artigo 82 do Código Civil. A liberdade dos contratantes sobre a criação ou a estipulação de vínculos obrigacionais está subordinada às normas jurídicas e ao interesse coletivo. Idem em relação à denúncia unilateral. Em razão do princípio da obrigatoriedade dos contratos 4, e, como regra geral, não é permitido que os contratantes se arrependam do negócio avençado, ressalvada a hipótese do jus poenitendi 5 encontrar-se expressamente previsto. Ausente a cláusula (de arrependimento), o que ocorre é mera inadimplência do contratante que não sustenta, ou, conforme adágio popular volta atrás na obrigação que assumiu, submetendo-se a compor eventuais perdas e danos 6. Há que se preservar a certeza e a segurança das relações jurídicas. É exatamente porque o prazo do contrato principal (locação) encontra-se determinado que não podem os signatários do pacto acessório (fiança) se ver exonerados. O simples envio de notificação ao locador não tem o condão de exonerar os fiadores da garantia firmada, posto que não vinculada à comprovação de aceitação pelo favorecido da garantia. E o desmantelamento do relacionamento entre os garantes e a sócia da afiançada é res inter alios acta perante ele. Caso sejam obrigados a honrar, economicamente, os encargos assumidos, terão os fiadores direito à ação competente contra a locatária e principal responsável e/ou devedora. Em face ao exposto, nega-se provimento ao recurso. IRINEU PEDROTTI Relator 4 - Pacta sunt servanda. 5 - Faculdade de rescindir o contrato sob a condição de pagar a penitência nele prevista. 6 - Cód. Civil, art