A tópica lacaniana - simbólico, imaginário, real - e sua relação. com a função paterna
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- Giovana Mariana Machado Azambuja
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1 Édipo 3 x 4 - franklin goldgrub 7º Capítulo - (texto parcial) A tópica lacaniana - simbólico, imaginário, real - e sua relação com a função paterna (Salvo menção expressa em contrário, as citações deste capítulo referem-se ao quarto capítulo do livro O pai e sua função em Psicanálise, de Joel Dor).[1] A função paterna, no Édipo lacaniano[2], não se limita à proibição do objeto incestuoso (com suas derivações, associadas ao conflito neurótico) e vai além de representar o modelo para a identificação superegóica, papéis relacionados entre si e que são centrais no enfoque freudiano. A partir da descrição freudiana, Lacan estende o papel do que chama de metáfora paterna e Nome-do-Pai, que agencia a "castração" ou separação entre o infans e a "mãe", atribuindo-lhe a função de erguer a barreira contra a psicose. Não fica claro, na descrição lacaniana, se se trata unicamente da psicose adulta, ou se ele se refere igualmente à esquizofrenia infantil (e ao autismo).
2 Em relação ao adulto, a literatura lacaniana recorre à petição princípio. Se há surto, a explicação é que a castração não teria sido agenciada devidamente pelos representantes encarregados de fazer valer a metáfora paterna ou o Nome-do-Pai. Evidentemente, desde que não há como prever o que acontecerá na fase adulta a partir da "observação" do processo de constituição do sujeito, a explicação em questão não somente é inverificável como tautológica. A segunda teoria das pulsões freudiana oferece um enfoque mais coerente. Se a dualidade pulsional permanece ao longo da vida, a "desfusão", termo utilizado por Freud para descrever a autonomia adquirida pela pulsão de morte, não mais contrabalançada por Eros, permitiria entender melhor o movimento que inverte as posições de sujeito e de objeto (ou nem sequer objeto, situação prévia ao espelho) no quadro psicótico. Desde que devidamente interpretado, o conceito freudiano parece dar conta do surto sem recorrer à petição de princípio inerente à hipóstase lacaniana. Cabe acrescentar que a desfusão não necessariamente se apresenta como irreversível, levando em conta que a posição de sujeito pode ser recuperada. Nem todo surto se cronifica, nem toda condição psicótica se deteriora, nem sempre o resultado da irrupção delirante é a demência. Mas, de qualquer forma, em vez de atribuir retroativamente o surto a uma falha no "Nome-do-Pai", trata-se de reconhecer a psicose como uma possibilidade, imprevisível e incontrolável, do sujeito constituído. Já em relação ao autismo e à psicose infantil, o estádio do espelho e a aquisição da linguagem constituiriam fenômenos de importância capital para entender de que maneira o infans pode emergir desses momentos constitutivos e aceder à posição de sujeito. Ainda que Lacan não os tenha mencionado explicitamente, o autismo e a esquizofrenia infantil apóiam decisivamente a sua teoria da constituição do sujeito. Vale a pena ressalvar que "metáfora paterna" e "Nome-do-Pai" seriam metáforas do
3 processo de aquisição de linguagem, agenciado pela identificação com o lugar de sujeito, prevalecente por sua vez no discurso do campo desejante ("função materna") e do campo normativo ("função paterna"). Além de promover a neurose (considerada no universo teórico psicanalítico como um mal menor quando comparada à perversão)[3], o superego freudiano é também o responsável pela depressão, quando a proibição dirigida ao primeiro objeto de desejo (a "mãe") ultrapassa a exacerbação típica da neurose (em que são condenadas pelo interdito as situações caracterizadas por um alto grau de prazer) e atinge a posição de sujeito, promovendo a desvalorização do eu mediante a auto-crítica (culpa) que bloqueia o acesso a todo objeto. Freud não derivou dessa hipótese o que parece sua conseqüência lógica: se a desvalorização extrema caracteriza o quadro melancólico[4], seria possível deduzir que a função superegóica na mania está ligada à valorização irrestrita do eu. O mecanismo seria simetricamente oposto ao da depressão: se a autoagressão, em função do distanciamento ao ideal, constituiria o mecanismo da auto-desvalorização, a auto-exaltação, decorrente do movimento contrário - a coincidência entre o eu e seu ideal - ocasionaria o quadro maníaco. Na mania, o objeto de desejo não apenas é acessível mas constitui um apêndice do sujeito; tudo se torna possível quando a interdição sai de cena. Menos a possibilidade de receber, que promove a associação entre estado maníaco e rejeição, mecanismo que aciona o movimento oposto, conducente à depressão. É lícito considerar que o quadro maníaco-depressivo decorre do poder irrestrito adquirido pelo eu (ego) ideal, que na teoria da constituição do sujeito pode ser referido ao primeiro momento do Édipo, designável pela expressão sujeito absoluto, anterior ao reconhecimento do desejo do outro (ideal de ego). A diferenciação entre ego ideal e ideal de ego foi feita
4 por Lacan, leitor atento das entrelinhas freudianas. Lacan não mencionou a função do supereu na mania, mas em compensação percebeu a sua importância na perversão, o que certamente deve ter surpreendido bastante o pensamento psicanalítico canônico. Se o eu ideal está ligado à depressão e à mania, o ideal de ego seria responsável pela neurose e pela perversão, no último caso através do imperativo: Goze! (ou: transgrida!). O eu ideal designaria então a forma de identidade que Freud descreveu como narcisismo primário, e o ideal de eu ao narcisismo secundário. O narcisismo primário caracteriza a mania-depressão e a paranóia, enquanto o narcisismo secundário caracteriza os conflitos do sujeito constituído - ou seja, neurose e perversão. Tudo se passa como se a identificação com as expectativas inconscientes do Outro (no exercício da função normativa), caracterizadas pela ênfase no ideal, se expressassem por esses conflitos, o que faria do supereu o vilão da segunda tópica. Mas, e referindo novamente o enfoque lacaniano, o supereu tem também a função de contrapor o ideal de eu ao eu ideal, fazendo do conflito no sujeito constituído como tal, submetido à falta, o oposto ao conflito tal como se expressa nos casos em que a completude (desejo de não desejar, pulsão de morte) subverteu o regime da falta (desejo de desejar, pulsão de vida). Nessa acepção, a expressão narcisismo primário (eu ideal) designaria o primeiro momento da formação do eu (aquisição de linguagem, início da fase fálica, reconhecimento do próprio desejo[5]), enquanto narcisismo secundário (ideal de eu) descreve a possibilidade de dirigir o não para o próprio desejo, equivalente ao reconhecimento do desejo do outro. O reconhecimento do desejo do outro, por sua vez, não significa a inexistência de conflito na relação, visto que pode derivar em fuga (neurose) e/ou dependência (perversão), embora seja também a pré-
5 condição da sublimação (aceitação da diferença e propensão à criatividade). O eu ideal corresponde ao primeiro momento do Édipo, em que, recém advinda à posição de sujeito, a criança (não mais infans, porque já habitada pela linguagem em forma de discurso próprio) empenha-se para ser aceita incondicionalmente, recusando normas e limites. O ideal de eu corresponde ao momento final do Édipo, quando a dimensão do futuro se sobrepõe à do presente. A criança ter-se-ia identificado com o lugar que, (sempre de maneira singular, com todas as peculiaridades expressas em cada posição de sujeito), supõe a aceitação das restrições impostas ao narcisismo primário. Sob esse aspecto, o supereu expressaria o reconhecimento do desejo do outro, que equilibra a exigência de ter o próprio desejo reconhecido pelo outro. Faltou a Lacan reconhecer que o supereu, além das suas funções conflitivas (expressas pela neurose, perversão, mania e depressão) e da sua "periclitância" na paranóia, também é responsável pela possibilidade de reconhecer o desejo do outro sem a renúncia ao próprio desejo. Na medida em que se manifesta dessa maneira, o supereu constitui a condição de possibilidade do prazer não conflitivo, cuja conseqüência é a criatividade, ou seja, a sublimação, caracterizada pela convivência não competitiva entre a auto-valorização e a valorização do objeto. O eu ideal representa o narcisismo primário, a posição de objeto absoluto; é anterior ao supereu. O supereu tanto pode representar a possibilidade de dizer não ao desejo de não desejar (posição de sujeito desejante), como, através do ideal de eu "tirânico", manter a posição de sujeito absoluto que havia inaugurado a fase fálica, portanto o complexo de Édipo. Neste último caso, a conseqüência seria a psicose maníaco-depressiva (ou distúrbio bi-polar).
6 Lacan separa mais claramente do que Freud a função proibitiva e propiciatória do supereu do seu agente parental concreto, ou seja, o adulto de carne e osso (pai propriamente dito ou seu(s) substituto(s)). Geralmente emprega a locução "função paterna" em vez de "pai". Mesmo assim, também ocorre sob sua pena a confusão entre "pai real" e "pai concreto". Não menos freqüente é encontrar, na literatura lacaniana, como no título do capítulo do Dor que trata do tema, o substantivo "pai", em vez de "função paterna". (Seria o caso de considerar que mesmo "função paterna" não é uma expressão isenta de empirismo, por manter a referência a "pai" e ao masculino. "Campo normativo" poderia substituí-la vantajosamente, visto que a separação em relação à "figura materna" - expressão igualmente inadequada -, pode ser agenciada por qualquer pessoa, independentemente do sexo) Segue-se uma interpretação das três formas assumidas pela função do pai na concepção lacaniana: Pai imaginário: função paterna (campo normativo) tal como desempenhada(o) na primeira etapa do Édipo, propiciando a identificação com o lugar que produz a aquisição de linguagem. Trata-se do início da fase fálica, momento inaugural da posição de sujeito, associado ao conceito de "metáfora paterna" (que pode ser interpretado como representação do processo responsável pela passagem de "ser o
7 [1] Jorge Zahar Editor, Original em francês publicado pela Point Hors Ligne, Paris: 1989.[2] Lacan confere ao complexo de Édipo, tal como elaborado por Freud, o caráter de um mito teórico mas promove a castração a conceito central para entender o acesso à posição de sujeito. [3] Bem como a única alternativa, no sujeito constituído, à perversão. A psicanálise oficial (tanto a não lacaniana como a lacaniana) não considera a sublimação como estrutura pertencente ao quadro nosográfico enquanto avesso (e antídoto) da neurose, da perversão e da psicose. Priva-se assim de compreender a possibilidade do prazer não conflitivo e da criatividade como contraponto à relação de fuga e/ou dependência. [4] Melancolia era o termo usado para designar a depressão na nosografia psiquiátrica do início do século XX. [5] Sempre expresso metafórica e metonimicamente pela demanda. Consulte mais sobre esse e outro títulos do autor:
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