Alguns aspectos relacionados com a segurança alimentar no concelho de Lisboa
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- André Sintra de Barros
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1 Alguns aspectos relacionados com a segurança alimentar no concelho de Lisboa MARIA DO ROSÁRIO NOVAIS MARIA ISABEL SANTOS CRISTINA BELO CORREIA O Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge desenvolve actividades no âmbito da segurança alimentar, nomeadamente a investigação de surtos de toxinfecções alimentares e o controlo hígio-sanitário da restauração colectiva. Apresenta-se uma compilação dos dados disponíveis sobre estas duas temáticas relativos ao concelho de Lisboa. Introdução Os problemas relacionados com a segurança alimentar adquiriram uma importância global nas últimas décadas, tendo-se verificado um aumento das doenças de origem alimentar. De entre estas destacam-se as toxinfecções alimentares, as quais, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, afectam em todo o mundo milhões de pessoas, não só nos países em desenvolvimento, como nos países desenvolvidos. Maria do Rosário Novais é técnica superior de saúde. Assessora superior do Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Maria Isabel Santos é técnica superior principal do Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Cristina Belo Correia é técnica superior principal do Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Submetido à apreciação: 1 de Setembro de Aceite para publicação: 20 de Novembro de O impacto económico destas situações, sobretudo as de etiologia microbiana, tem atingido proporções alarmantes, sendo de grande monta os custos relacionados com as perdas que ocorrem ao nível das empresas alimentares, quase sempre superiores às despesas médicas e de hospitalização dos doentes. A prevenção das toxinfecções alimentares passa, fundamentalmente, pela implementação ao longo da cadeia alimentar de sistemas preventivos, como o HACCP (sistema de identificação de perigos e pontos de controlo críticos). As empresas do sector alimentar devem, por conseguinte, aplicar os princípios do sistema HACCP, de modo a garantirem a segurança dos alimentos que preparam. Como locais de ocorrência de um maior número de incidentes ressaltam os estabelecimentos de restauração colectiva, pelo facto de o número elevado de refeições que preparam aumentar a probabilidade de contaminações cruzadas, além de que muitas preparações são efectuadas com antecedência, permitindo o espaço de tempo que decorre entre a preparação e o consumo a multiplicação microbiana. A vigilância hígio-sanitária efectuada nas unidades de restauração colectiva é a melhor medida preventiva relativamente às toxinfecções alimentares. É neste contexto que se insere a actividade de controlo que o Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do INSA vem desenvolvendo há algumas décadas, a pedido de empresas públicas e privadas e organismos oficiais, para controlo das suas cantinas e refeitórios. 37
2 Apresentam-se os dados, relativos ao concelho de Lisboa, obtidos não só na avaliação das características microbiológicas de refeições servidas em unidades de restauração colectiva no ano de 1999, mas também na investigação de surtos de toxinfecções alimentares de 1997 a Apesar de se tratar de uma compilação dos dados disponíveis no laboratório relativos a estas temáticas para os anos considerados, e não de um estudo devidamente delineado para o conhecimento da situação, parece-nos ser importante a sua divulgação. Acresce que nos permitiu tirar algumas conclusões pertinentes, pelo que representa uma contribuição de interesse para a elaboração do perfil de saúde de Lisboa. Características microbiológicas de refeições servidas em unidades de restauração colectiva do concelho de Lisboa 1999 A actividade de controlo hígio-sanitário que o Laboratório de Microbiologia dos Alimentos realiza em estabelecimentos de restauração colectiva tem como objectivo promover a qualidade higiénica das refeições que são servidas nesses estabelecimentos e, por conseguinte, prevenir a ocorrência de surtos de toxinfecção alimentar. A pedido das empresas, efectua-se um controlo regular, normalmente com uma periodicidade mensal ou de dois em dois meses, o qual consta de visitas periódicas às unidades, sempre efectuadas por um técnico do laboratório sem prévio aviso, no decurso das quais se procede a uma avaliação não só das condições estruturais existentes ao nível das instalações, mas também dos procedimentos de manipulação. Efectua-se ainda uma colheita de amostras para análise, refeições confeccionadas e esfregaços para avaliação do estado higiénico de louças e talheres. Assenta este trabalho de controlo no que é preconizado na actual legislação Decreto-Lei n. o 67/98, de 18 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n. o 425/99, de 21 de Outubro, a qual exige que as empresas do sector alimentar implementem sistemas de autocontrolo. Contudo, subjacente aos métodos de autocontrolo, devem as unidades cumprir todas as exigências constantes do Regulamento da Higiene dos Géneros Alimentícios, apenso à legislação já referida. Estes requisitos encontram-se bem concretizados, quer nos «princípios gerais de higiene alimentar» recomendados pelo Codex Alimentarius, quer nos «códigos de boas práticas» já elaborados para o sector da restauração colectiva, genericamente denominados «pré-requisitos para implementação de sistemas de segurança alimentar». Na restauração colectiva os pontos críticos a controlar são, sobretudo, as etapas ou procedimentos em que os alimentos são manipulados ou armazenados após cozedura, como sejam as operações de manipulação de alimentos já confeccionados (saladas frias), a manutenção a quente, os arrefecimentos e os reaquecimentos. Deste modo, as medidas de vigilância assentam, fundamentalmente, na inspecção visual e no controlo da temperatura. No ano de 1999 visitámos, regularmente, no concelho de Lisboa, 54 unidades de restauração colectiva, essencialmente refeitórios, em que 18 eram pertencentes a universidades e institutos politécnicos, 14 eram estabelecimentos abertos ao público em geral, 10 estavam situados em empresas públicas e privadas, 8 eram refeitórios de hospitais, 2 situavam- -se em infantários e outros 2 eram hotéis. Os resultados analíticos, obtidos em 475 amostras de refeições prontas a servir e em 243 esfregaços para avaliação de louças e talheres, foram apreciados de acordo com «critérios microbiológicos específicos» e encontram-se indicados no Quadro I. A apreciação dos resultados revela que predominaram as características higiénicas boas e aceitáveis em todos os tipos de unidades. Não podemos deixar de constatar que é preocupante o elevado número de amostras que apresentam características más e não aceitáveis, sobretudo nos estabelecimentos abertos ao público em geral, nos hotéis e nos infantários. Contudo, o facto de o número de unidades controladas deste tipo ter sido muito baixo e, consequentemente também, o número de amostras analisadas, não nos permite tirar conclusões comparativamente aos outros casos. No Gráfico 1 apresentam-se os resultados obtidos por tipo de prato e no controlo de superfícies. Os pratos que revelaram características higiénicas não aceitáveis e más são, de um modo geral, muito manipulados e/ou adicionados de legumes crus, o que permite concluir que o problema está relacionado com procedimentos incorrectos por parte dos manipuladores. Os responsáveis dos estabelecimentos devem atender a que a formação destinada aos manipuladores deve ser contínua no que se refere aos procedimentos de manipulação dos alimentos, de modo que conheçam as precauções necessárias para evitar a contaminação dos alimentos e por forma que a higiene seja entendida como um modo de estar e não apenas como um conjunto de regras e obrigações. No que se refere aos esfregaços, ressaltam as boas características higiénicas, o que indica que é efectuada uma boa higienização das louças e talheres. 38 REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
3 Investigação de surtos de toxinfecções alimentares: dados de 1997 a 1999 O Laboratório de Microbiologia dos Alimentos do INSA realiza, como uma das suas principais actividades, o estudo laboratorial e epidemiológico dos surtos e casos de toxinfecções alimentares que chegam ao seu conhecimento. Os dados relativos aos surtos que ocorreram de 1997 a 1999 no concelho de Lisboa permitem-nos tirar algumas conclusões. Quadro I Apreciação global (características higiénicas)/tipo de unidades Amostras colhidas/características higiénicas Tipos Boas Aceitáveis B + A Não Más NA + M Total de refeitórios (B) (A) aceitáveis (M) amostras (NA) Hospitais Infantários Hotéis Universidades + politécnicos Empresas públicas e privadas (80%) (77%) (62%) (81%) (88%) (20%) (23%) (38%) (19%) (12%) Estabelecimentos abertos ao público em geral (59%) (41%) Total (80%) (20%) Gráfico 1 Características higiénicas refeições/esfregaços Pratos Pratos Sobremesas Saladas Sopas Sondas Baguetes Esfregaços de carne de peixe Boas Aceitáveis Não aceitáveis Más 39
4 Foram estudados, neste período, como se verifica no Gráfico 2, 30 surtos e 4 casos isolados que afectaram um total de 3 pessoas, das quais, pelo menos, 61 recorreram ao hospital. O agente etiológico mais isolado foi a Salmonella enteritidis, seguida do Staphylococcus aureus. Em dois dos surtos identificou-se mais do que um agente em simultâneo, conforme é referido no Quadro II. Contudo, verifica-se que na maior parte dos incidentes (21) não foi possível identificar o agente causal, muito provavelmente, devido a uma intervenção incorrecta e tardia que não permitiu a colheita dos alimentos responsáveis. Da análise do Quadro III ressalta que as refeições cozinhadas e os bolos com creme foram os alimentos responsáveis pelo maior número de incidentes. No que se refere aos locais de consumo, de acordo com o Quadro IV, predominam os refeitórios, seguidos das casas particulares. Também aqui é notório o elevado número de incidentes em que o local da sua Gráfico 2 Toxinfecções alimentares Pessoas hospitalizadas 1997 Pessoas afectadas Número de surtos + + casos Quadro II Agentes etiológicos/surtos + casos Agentes etiológicos Salmonella Enteritidis 16 Staphylococcus aureus 13 E. coli enterotoxinogénico 11 Salmonella + Staphylococcus aureus 11 Aeróbios mesófilos + Bacillus cereus 11 Clostridium perfringens 11 Desconhecidos 21 Quadro III Alimentos responsáveis/surtos + casos Alimentos responsáveis Bolos com creme Refeições cozinhadas 14 Pastéis pré-cozinhados 12 Sobremesas doces 11 Pratos frios 11 Desconhecidos 21 Quadro IV Local de consumo/aquisição Local de consumo/aquisição Refeitórios 19 Casas particulares 18 Restaurantes 14 Colónia de férias 11 Desconhecidos REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
5 ocorrência é desconhecido, o que se deve, mais uma vez, ao facto de as intervenções pelas autoridades competentes serem muitas vezes tardias e incompletas. No que se refere às causas que motivaram as ocorrências, verificou-se que a maioria dos problemas surgiram associados à preparação e confecção de grandes quantidades de alimentos com antecedência e sem uma refrigeração adequada e à recontaminação pós-confecção por parte do pessoal manipulador. É, por conseguinte, fundamental, em termos de prevenção, a formação adequada dos manipuladores em higiene dos alimentos, de modo que sejam seguidos procedimentos correctos na preparação de refeições. A existência nos locais de preparação de sistemas de autocontrolo eficazes em termos de segurança alimentar, tal como é preconizado na legislação, é a melhor medida de prevenção das toxinfecções alimentares. Agradecimentos Para a realização deste estudo contribuiu todo o pessoal do Laboratório: os técnicos de análises clínicas e saúde pública: Isilda Ferreira, João Benoliel, Lina Torres, Maria Luísa Moita, Maria Loreto Campos e Rosália Furtado; a técnica de higiene e saúde ambiental Florbela Maria Mourão Boavista, que efectuou, no âmbito do controlo da restauração colectiva, as visitas aos refeitórios e as colheitas dos produtos para análise. Referências bibliográficas FAO.WHO.CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION Recommended international code of practice : general principles of food hygiene. Rome : Codex Alimentarius Commission. FAO/ WHO Food Standards Programme, NOTERMANS, S. Food poisoning outbreaks. In Encyclopedia of Food Microbiology, Academic Press, PRESCOT, L. M.; HARLEY, J. P.; KLEIN, D. A. Microbiology. 3. a ed., New York : McGraw-Hill, WHO Foodborne diseases : a focus for a health education. Geneva : WHO, Summary FOOD SAFETY AND FOODBORNE DISEASES OUT- BREAKS IN THE REGION OF LISBON The Food Microbiology Laboratory of the National Institute of Health has been carrying out important activities related with food safety. The available data concerning the investigation of foodborne diseases outbreaks and hygienic control of food service establishments from the municipality of Lisbon are presented and discussed. 41
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