PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 2ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Itatiba, em que é apelante/querelante MARCO ANTONIO DE CAMARGO, é apelado/querelado FERNANDO DA SILVA MELLO. ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "REJEITARAM a preliminar apontada pelo apelado; e, no mérito, NEGARAM PROVIMENTO ao recurso interposto por Marco Antonio de Camargo.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALEX ZILENOVSKI (Presidente sem voto), ALMEIDA SAMPAIO E FRANCISCO ORLANDO. São Paulo, 21 de agosto de Silmar Fernandes RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Voto nº Apelante: Marco Antonio de Camargo Apelado: Fernando da Silva Mello APELAÇÃO Calúnia e Difamação Artigo 138, caput e artigo 139, caput, ambos do Código Penal. 1. Preliminar Incompetência do juízo comum Descabimento Trata-se de crimes contra a honra previstos no Código Penal, não havendo que se cogitar em competência da justiça eleitoral PRELIMINAR REJEITADA. 2. Sentença absolutória Recurso pleiteando a inversão do r. decisum Impossibilidade Apelante/Querelante que exercia cargo público eletivo Publicações em redes sociais imputando suspeitas de corrupção e mau uso do dinheiro público Os comentários publicados na rede social, embora dotados de exagero de linguagem, avulta o manifesto descontentamento de um cidadão contra os desmandos de políticos, não implicando ofensas pessoais que tipificassem a conduta como crimes contra a honra APELO NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta contra a r. decisão de fls. 236/239v, que julgou improcedente a ação penal e absolveu Fernando da Silva Mello da acusação de ter praticado os delitos previstos no artigo 138, caput e artigo 139, caput, ambos do Código Penal, nos termos do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal. Inconformado, pretende o apelante a reforma da r. decisão, a fim de que o querelado seja condenado pela prática do delito de 2/10

3 calúnia e de difamação, nos termos da queixa-crime (fls. 243/250). Ofertadas contrarrazões (fls. 255/259), a d. defesa do querelante requereu em sede de preliminar que seja declarada a incompetência do juízo comum, bem como pela manutenção da decisão impugnada. O i. representante do parquet em primeiro grau opinou pelo afastamento da preliminar lançada pelo apelado e pelo não provimento do recurso (fls. 262/263). No mesmo sentido, opinou a d. Procuradoria Geral de Justiça para que seja negado provimento ao recurso do querelante (fls. 267/276). É o relatório. 2. Preliminarmente, não há que se falar em incompetência do juízo comum, em detrimento da justiça especializada eleitoral. Os delitos imputados na queixa-crime ao querelado, ora apelado, são delitos tipificados como calúnia e difamação previstos no Código Penal, não havendo que se cogitar para qualquer delito previsto no Código Eleitoral. Sustenta o apelado que as críticas dirigidas ao apelante eram de cunho político, e por tal razão não seria competente a justiça comum, mas sim a eleitoral, a julgar os referidos delitos contra a honra. 3/10

4 Sem razão, contudo. O fato do querelante, ora apelante, ter exercido o cargo de Vereador no Município de Itatiba na legislatura de 2013 a 2016 não configura, por si só, os delitos contra a honra previstos no Código Eleitoral. Os delitos contra a honra previstos nos artigos 324 e325 da Lei 4.737/95, tratam-se de calúnia e difamação praticadas no decorrer de propaganda eleitoral, o que não é o caso dos autos, in verbis: Art Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Art Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: A queixa-crime narra delito comum de calúnia e de difamação, imputado a um cidadão comum, em nada relacionado à disputa eleitoral da vereança do referido município. E conforme artigo 35, inciso II, do Código Eleitoral, compete à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais da justiça comum. Portanto, não há que se falar em incompetência 4/10

5 Afastada a preliminar, em que pesem os argumentos colacionados pelo apelante, a r. sentença não merece qualquer reparo. Conforme se depreende da leitura dos autos, o recorrente ingressou com queixa-crime em face de Fernando da Silva Mello, atribuindo-lhe a prática dos delitos do artigo 138 e do artigo 139, ambos do Código Penal, porque este supostamente o teria acusado falsamente da prática de corrupção, além de fatos desabonadores da sua honra pessoal. Narra a exordial que, em período anterior a junho de 2013, por intermédio da rede social Facebook, o apelado estaria fazendo alusões caluniosas e difamatórias ao querelante em um grupo de discussão denominado Itatiba Precisa de Que???, ao afirmar que o apelante, que exercia o cargo de Vereador no Município de Itatiba, estaria compactuando com a compra de histórico escolar falso por parte de um assessor, que não teria concluído o Ensino Médio, requisito necessário para exercer a função, imputando-o o delito e a alcunha de Corrupto, bem como teria difamado sua honra ao fazer diversos trocadilhos, tais como que o querelante era Vereador da farra, e que o querelante praticava Putarias. A queixa-crime foi oferecida em 13 de junho de 2013 (fls. 02/27) e, após restar infrutífera a tentativa de composição dos danos civis (fls. 84 e 91), foi recebida em 19 de março de 2014 (fls. 95). O feito prosseguiu regularmente, culminando na absolvição do apelado porque 5/10

6 entendeu o MM. Juiz a quo que o querelado, embora tenha empregado exageros em suas críticas, não teve o condão de implicar ofensas pessoais que ensejassem a tipificação de crimes contra a honra, tratando-se de mera manifestação de descontentamento de um cidadão contra os desmandos da classe política, e ademais, sequer descreveu quais os fatos criminosos que teriam sido imputados ao querelante. E com razão. A testemunha Eda Maria Braga de Melo relatou que chegou a ver a postagem à época, mas não se recordava com precisão de seu teor. Todavia, relatou que se tratava de algo relacionado ao fato de o apelante ter anuído pela compra de um diploma para comprovar grau de escolaridade exigida ao cargo de assessor, e que o querelante seria um vereador da farra (fls. 183 mídia digital). No mesmo sentido, a testemunha Cássia Regina Barboza afirmou que o apelado fez diversas postagens ofensivas em redes sociais, na página Itatiba precisa de que?. Declarou a testemunha que não era verdadeiro o fato de compra de diploma por parte do querelante, tanto que o inquérito relacionado a isso foi arquivado. Por fim, narrou que o querelado imputava ao querelante nas referidas postagens a alcunha vereador fanfarrão ou 6/10

7 vereador da farra, eis que o vereador é criador fanfarra na escola em que era diretor (fls. 185 mídia digital). A testemunha Alexandre Pedrozo dos Santos, em corroboração, esclareceu que se tratava de postagens que tiravam sarro e com conteúdo ofensivo, em que o apelado chamava o querelante de Marco da Farra, além de imputar situações relacionadas à corrupção (fls. 185 mídia digital). As testemunhas Fabio Malheiros Ordine e Ubiratan Lopes da Silva, por outro lado, relataram não se lembrar de nada, ante o tempo decorrido dos fatos à audiência (fls. 185 mídia digital). Fernando da Silva Mello, por fim, ao ser interrogado, confirmou que fazia postagens críticas à classe política no Município de Itatiba. Primeiramente, negou que suas postagens eram direcionadas à página do Facebook Itatiba precisa do que?, eis que foi expulso de tal comunidade no ano de 2012, mas sim em outra página que ele mesmo administrativa com público menor. Assim, esclareceu que havia recebido a informação, munido de provas, de que o Vereador querelante havia empregado seu companheiro, de nome Hélio, demonstrando tanto prática de nepotismo e tanto o fato de que Hélio teria falsificado um histórico escolar para comprovação de escolaridade exigida pela Câmara. 7/10

8 Desse modo, narrou que ficou indignado tanto pelo fato da prática do nepotismo, quanto pelo fato do querelante ser diretor de escola e compactuar com tal falsificação, o que seria de fato um crime. Afirmou também que utilizou a expressão farra, relacionada à farra que os políticos fazem com o dinheiro público. Esclareceu que não usou o nome do querelante em nenhum momento, e apenas descreveu a história que chegou até ele através de um áudio, além de ter tido contato com o dono de uma escola de Jundiaí, o qual lhe contou sobre a falsificação (fls. 185 mídia digital). Como se observa, ante toda a prova coligida aos autos ao longo da instrução criminal, não é possível afirmar categoricamente que o réu tenha praticado os delitos a ele descritos. Como bem fundamentou o MM. Juiz sentenciante, as manifestações do querelado demonstram apenas descontentamento com a classe política, sobretudo pelo fato de ter sido nomeado como chefe de gabinete do vereador pessoa dele próxima, que ademais não tinha grau de escolaridade exigido para o cargo. Soma-se a isso que, os comentários do apealado, embora com certo exagero de linguagem, demonstram o descontentamento do cidadão contra os desmandos políticos, não podendo ser classificados como ofensas à honra do querelante. Acrescenta-se, ademais, que a queixa-crime 8/10

9 sequer descreveu qual crime estaria sendo imputado ao querelante por parte do querelado. Com efeito, não é possível afirmar, com a segurança que se exige para uma condenação, que o apelado imputou ao recorrente falsamente fato definido como crime. Até porque, como bem ressaltou a i. representante do parquet eu sua manifestação, Não se pode olvidar que a vítima ocupa cargo eletivo do Poder Legislativo Municipal e, em razão do cargo de agente político, exercendo funções eminentemente de legislativas, é que se denota a possibilidade de existirem embates políticos entre as diversas camadas da sociedade, com interesses muitas vezes antagônicos. E não se pode, com isso, cogitar que não inexistirão rusgas ou debates mais acalorados nos meios públicos, em face de eventuais interesses contrapostos (fls. 230). Também frisa-se, como bem decidido pela r. sentença ora guerreada, não se pode descurar que o agente público tem, naturalmente, sua atuação e vida pessoal muito mais suscetível de intensa fiscalização mormente nesta quadra de intensa globalização e uso exacerbado dos modernos meios de comunicação e, não raro, vê-se sujeito a críticas ácidas, ferozes, por vezes incabíveis e impertinentes, mas que nem por isso desbordam para ofensas com desiderato de menosprezá-lo e mal afamá-lo, ou seja, com a manifesta intenção de lhe gerir a honra e a dignidade, mas antes, exercício pleno da liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal, tão cara e tão salutar ao estado democrático de direito (fls. 238/238v). Assim, de rigor a manutenção da decisão 9/10

10 absolutória. 3. Do exposto, pelo meu voto, REJEITO a preliminar apontada pelo apelado; e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto por Marco Antonio de Camargo. SILMAR FERNANDES Relator 10/10