Promovendo Educação Aberta no Maranhão: experiência da plataforma Negro Cosme de Cursos Livres

Transcrição

1 Promovendo Educação Aberta no Maranhão: experiência da plataforma Negro Cosme de Cursos Livres Marco Vieira (SECTI/IEMA Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão/Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão) Resumo: A Plataforma Negro Cosme de Cursos Livres é uma iniciativa do Governo do Maranhão, através da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação. A criação desta ferramenta atende a uma das metas da pasta de Ciência e Tecnologia no que tange aos eixos de fortalecimento da educação profissional e tecnológica, fortalecimento da cidadania digital e democratização do acesso ao conhecimento, estabelecidas para o quadriênio 2015/2018. Criada em 2015, a Plataforma disponibilizou 5 cursos iniciais: introdução à pesquisa para o ensino médio; inglês básico; informática e novas tecnologias; matemática e suas tecnologias e leitura e interpretação de textos. Os cursos, atendendo a um novo paradigma educacional, imposto pela ascensão das novas tecnologias de informação e comunicação, possuem duração aberta, metodologia flexível e recursos que proporcionam aprendizado de forma flexível, aberta e em rede, aonde o estudante pode aprender de forma auto instrucional e em colaboração com pares. Essa metodologia de promoção de educação se alinha à teoria e prática do que se convencionou chamar de Moocs. Do inglês, Massive Open Online Courses, os Moocs são cursos online de diferentes níveis, gratuitos e massivos que começaram a ser introduzidos no mercado em 2011 por universidades americanas como a Harvard. O principal objetivo é levar conhecimento a um grande número de pessoas em diferentes locais. Entre os anos de 2015 e 2017, a Plataforma atingiu um número expressivo de 15 mil participantes. Deste quantitativo, aproximadamente metade concluiu um dos cursos disponíveis e obteve certificação gratuita. Atualmente, a plataforma está se transformando em um ambiente de educação aberta, aonde se disponibiliza, além de cursos, palestras, links para outras ações semelhantes e um canal para que qualquer pessoa que tenha uma ideia possa contribuir, disponibilizando- a como recurso educacional 1221

2 aberto. Assim, a iniciativa se constitui enquanto um espaço de educação aberta no Estado. Palavras- chave: educação, abertura, flexibilidade, moocs Resumo em língua estrangeira: The Negro Cosme Platform of Free Courses is an initiative of the Government of Maranhão, through the State Secretariat of Science, Technology and Innovation. The creation of this tool meets one of the goals of the Science and Technology folder regarding the axes of strengthening professional and technological education, strengthening of digital citizenship and democratization of access to knowledge, established for the 2015/2018 quadrennium. Created in 2015, the Platform offered 5 initial courses: introduction to research for high school; basic English; computing and new technologies; mathematics and its technologies and interpreting and reading of texts. The courses, based on a new educational paradigm, imposed by the rise of new information and communication technologies, have an open duration, flexible methodology and resources that provide open and networked learning where the student can learn in a self- instructional way and in collaboration with peers. This methodology of education promotion aligns with the theory and practice of what is conventionally called Moocs. Massive Open Online Courses, Moocs are online courses of different levels, free and massive that began to be introduced in the market in 2011 by American universities like Harvard. The main goal is to bring knowledge to a large number of people in different locations. Between 2015 and 2017, the Platform reached a significant number of 15,000 participants. Of this amount, approximately half completed one of the available courses and obtained free certification. Currently, the platform is becoming an open education environment, where it is available courses, lectures, links to other similar actions and a channel for anyone with an idea contribute, making it available as an open educational resource. Thus, the initiative has turned into as a space of open education in the State. Keywords: education, openness, flexibility, moocs 1222

3 1. Introdução Em meio à expansão das chamadas tecnologias de informação e comunicação, principalmente da internet, tem crescido e se multiplicado também as formas de transmissão do saber, do conhecimento. A relação ensino e aprendizagem foi praticamente reinventada a partir da ampliação da noção de espaço. O que se tinha enquanto locus tradicional de construção do saber cedeu lugar à outras formas e espaços, entre eles, o virtual. Como Pierre Lévy assinalava, esse processo de virtualização tem ampliado a variabilidade de espaços e temporalidades. Os novos meios e linguagens estabelecem modalidades diferentes, de tempo e de espaço, que diferenciam aqueles que estão envolvidos, entre si, e também em relação aos que se situam fora do novo sistema (LÉVY, 1999). Na relação ensino aprendizagem, o surgimento de uma quinta geração da educação à distância (EaD), impulsionada pela virtualização da aprendizagem, pela internet, por objetivos pedagógicos centrados no estudante e na auto instrucionalidade, por modelos pedagógicos pós construtivistas e conectivistas e por formas de comunicação síncronas e assíncronas, fez com que houvesse uma pulverização da educação, do conhecimento, da informação. Aprendemos de forma bidirecional, rápida, dinâmica, em redes colaborativas ou sozinhos, em lugares, espaços e tempos diferenciados. No campo da Educação à Distância, tem chamado a atenção o desenvolvimento de uma modalidade peculiar de aprendizagem: os Moocs. A nomenclatura vem do inglês Massive Open Online Courses. Os Moocs são cursos massivos, ofertados para um número indefinido de participantes, são abertos, pois não há restrição quanto à participações e interações e são onlines, disponíveis em 1223

4 plataformas virtuais de ensino e aprendizagem na internet. Trata- se de uma linha educacional que visa a participação em larga escala de forma interativa, via acesso livre na rede mundial de computadores. Em geral, a proposta de um Mooc apresenta como características centrais que a define o fato de possuir acesso aberto, sem restrições para participantes; escalabilidade, na medida em que não existe um número mínimo ou máximo de participantes; gerar novas práticas educativas; agregar potenciais de inteligência coletiva na web; co- produzir conhecimento a partir de redes sociais e outras ferramentas da web 2.0; dar mais importância ao contexto do que ao conteúdo (BASTOS;BIAGIOTTI, 2014). Neste sentido, este trabalho apresenta uma discussão sobre as potencialidades deste tipo de alternativa de acesso ao conhecimento, tendo como objeto de análise uma recente iniciativa desenvolvida no estado do Maranhão. Em outubro de 2015, atendendo a uma das metas da pasta de Ciência e Tecnologia no que tange aos eixos de fortalecimento da educação profissional e tecnológica, fortalecimento da cidadania digital e democratização do acesso ao conhecimento, estabelecidas para o quadriênio 2015/2018, o governo do Maranhão inaugurou a Plataforma Negro Cosme de Cursos Livres. A ideia era proporcionar cursos de aperfeiçoamento em diferentes áreas do conhecimento, de forma aberta e flexível e com certificação, em uma plataforma na internet que agrupava uma série de recursos já conhecidos no meio educacional mediado por tecnologias, tais como fóruns, ferramentas de escrita em colaboração, videoaulas, apostilas digitais e redes sociais. Dois anos após o lançamento desta ferramenta, trazemos uma avaliação de sua atuação, destacando avanços, potencialidades, alcance e perfil de participantes, além de apresentar o processo de concepção, planejamento, execução e avaliação dos 1224

5 cursos, pontuando também a transformação desta ferramenta, de uma plataforma de cursos livres para um ambiente de aprendizagem aberta, capaz de aglomerar diferentes inteligências virtuais, criativas e colaborativas na web. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Os Moocs são um desenvolvimento recente no campo da educação à distância e tem se apresentado como uma alternativa viável e impactante de acesso democrático ao conhecimento e informação que antes circulavam em espaços de conhecimento acadêmico, restritos em sua grande maioria. Esse tipo de oferta de educação teve início na primeira década dos anos 2000 quando algumas instituições renomadas, como Harvard, MIT e Stanford passaram a disponibilizar cursos online para um grande número de pessoas. Em 2008, os criadores da teoria conectivista da aprendizagem, Siemens e Downes, formataram um curso institulado Conectivismo e Conhecimento Conectivo para um grupo de alunos canadenses. Naquela ocasião, mais de 2000 estudantes puderam participar do curso de forma gratuita pela internet. Mais tarde, aquela alternativa seria chamada de Mooc. Nascia portanto, atrelada à teoria conectivista de aprendizagem. O Conectivismo se constitui enquanto uma teoria alternativa dos processos de ensino e aprendizagem, adaptada à uma realidade emergente, estritamente relacionada à ascensão de novos recursos tecnológicos e à sociedade em rede, conectada. Essa teoria da aprendizagem pretende que o conhecimento é construído a partir de uma rede de conexões, sendo a aprendizagem a capacidade de construir conhecimento em conexão. Neste sentido, o conhecimento está disponível através de 1225

6 redes e o ato de aprender não é mais do que a capacidade de construir uma ampla rede de conexões. Para o criador da teoria, Siemens, o conectivismo se expressa como: A integração de princípios explorados pelo caos, rede, e teorias da complexidade e auto- organização. A aprendizagem é um processo que ocorre dentro de ambientes nebulosos onde os elementos centrais estão em mudança não inteiramente sob o controle das pessoas. A aprendizagem (definida como conhecimento acionável) pode residir fora de nós mesmos (dentro de uma organização ou base de dados), é focada em conectar conjuntos de informações especializados, e as conexões que nos capacitam a aprender mais são mais importantes que nosso estado atual de conhecimento. O conectivismo é guiado pela noção de que as decisões são baseadas em fundamentos que mudam rapidamente. Novas informações estão sendo continuamente adquiridas. A habilidade de distinguir entre informações importantes e não importantes é vital. A habilidade de reconhecer quando novas informações alteram o panorama baseado em decisões tomadas ontem, também é crítica. (SIEMENS, 2014, p. 6-7). Segundo esta análise, a teoria conectivista é orientada por uma série de princípios, entre eles o apoio da aprendizagem e do conhecimento na diversidade de opiniões; a aprendizagem enquanto um processo que conecta nós especializados ou fontes de informação, podendo ela residir em dispositivos não humanos; necessidade de se cultivar e manter conexões para favorecer a aprendizagem contínua; a habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos; a atualização e a tomada de decisão. Os Moocs, são então, a materialização, expressão da teoria conectivista em forma de oferta de educação aberta. Nesse sentido, como Mattar sinaliza: a 1226

7 A essência dos MOOCs conectivistas é o espírito da colaboração: além de utilizar conteúdo já disponível gratuitamente na web, boa parte do conteúdo é produzida, remixada e compartilhada por seus participantes durante o próprio curso em posts, em blogs ou fóruns de discussão, recursos visuais, áudios e vídeos, dentre outros formatos. O MOOC se constrói pelo envolvimento ativo dos alunos que auto organizam sua participação em função de seus objetivos de aprendizagem, conhecimentos prévios e interesses comuns. Portanto, os MOOCs possuem pouca estrutura, quando comparados com cursos online oficiais e formais, que muitas vezes começam com o conteúdo e até as atividades prontos a ideia é que o próprio programa emirja das interações entre seus participantes. (MATTAR, 2013, p. 32). Os Moocs em questão, são, portanto, os do tipo conectivistas. Dada a grande variedade e pluralidade de cursos com esse formato, os Moocs são classificados como sendo do tipo C e do tipo X, conforme quadro abaixo: Quadro 1: Comparativo CMoocs/XMoocs Papel do Professor Caráter Caminho Mediação XMoocs Central Instrucionista Linear Tutoria CMoocs Secundário Conectivista Bidirecional Colaborativa Fonte: do autor Conforme esta diferenciação os xmoocs possuem um caráter instrucionista. O criador do conteúdo ministrado é o professor e o caminho a ser percorrido pelo aluno é guiado por ele, com exercícios de fixação em etapas gradativas, lineares. O debate entre os alunos é incentivado, porém é direcionado por tutoria. Já os cmoocs são mais baseados no conectivismo, o aprendizado nesse contexto é embasado no conceito de rede e os alunos são co- autores do conteúdo do curso. Os participantes são incentivados a disponibilizar conteúdos externos que venham a enriquecer o debate, por meio de blogs e redes sociais. Pessoas interessadas sobre um mesmo tema aprofundam o debate e o professor está no mesmo patamar hierárquico dos alunos, contribuindo e orientando as discussões (BASTOS;BIAGIOTTI, 2014). 1227

8 No Brasil, a primeira iniciativa de um MOOC foi lançada pela Universidade Estadual Paulista em junho de 2012 com o nome de Unesp Aberta. O primeiro MOOC em língua portuguesa foi o MOOC EaD, sobre Educação a Distância, coordenado por João Mattar e Paulo Simões. Em seguida, foram lançados MOOCs com certificação pela Universidade de São Paulo (USP) em 2013, junto ao portal Veduca. A partir destas iniciativas pioneiras, outras universidades e instituições, começaram a disponibilizar cursos abertos e gratuitos em plataformas na internet. No Estado do Maranhão, a iniciativa pioneira da Universidade Estadual colocou o estado no mapa da educação aberta. Ao disponibilizar uma plataforma de cursos abertos em 2014 com um primeiro curso sobre negociação, sendo o primeiro Mooc de uma universidade pública no Nordeste. Hoje, esta iniciativa segue com mais de 20 cursos, oriundos de repositórios de conteúdos e mídias de disciplinas de graduação e pós graduação já ofertadas. Todos os cursos são gratuitos, flexíveis e com certificação. Em 2015, a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão estabelece como eixos centrais e estratégicos: O fortalecimento da educação profissional e tecnológica; O fortalecimento da cidadania digital; A democratização do acesso ao conhecimento; A democratização do acesso ao ensino superior; Popularização da Ciência; Potencialização do Centro de Lançamento de Alcântara; Revitalização da gestão e governança em CT&I. A criação de uma plataforma de cursos livres na internet atende aos três primeiros eixos estabelecidos. Assim, em outubro daquele ano, após intenso processo de planejamento, cinco cursos inauguram a Plataforma Negro Cosme de Cursos Livres. Os cursos e seus objetivos são expressos no quadro abaixo: 1228

9 Quadro 2: Cursos iniciais da Plataforma Negro Cosme e seus objetivos Curso Objetivo Matemática e suas Tecnologias Introdução à Pesquisa para o Ensino Médio Informática e Novas Tecnologias Inglês Básico Leitura e Interpretação de Textos Aproximar o estudante da matemática, relacionando a ciência com aspectos reais do cotidiano. Permitir uma reflexão sobre o incentivo ao processo de desenvolvimento de projetos de pesquisa por parte de estudantes, dentro de um contexto escolar, favorecendo e incentivando a formação do estudante pesquisador. Analisar conceitos iniciais acerca da informática e as novas tecnologias. Aprender noções de gramática, estruturação de frases e dicas de conversação Atualizar conhecimentos sobre temas ligados à narração, dissertação, semântica, coerência e coesão textual, funções sintáticas, figuras de linguagem, entre outros temas. Fonte: do autor 3. DESENHO DA PLATAFORMA A concepção, implementação e avaliação dos cursos obedecem a critérios ligados ao design instrucional. Para a construção de um curso online à distância o formato, embora já exista uma pré definição, já que estamos falando de moocs, deve seguir modelo que se ajuste melhor aos objetivos de um curso massivo, explorando todos os recursos disponíveis. Atualmente, segundo Filatro (2008), são concebidos três modelos voltados para o desenho instrucional. Um desenho fixo, no qual o formato se apresenta como rígido e com utilização de recursos que se repetem ao longo do curso. Esse modelo não privilegia a interação entre pares membros de um mesmo curso. O desenho fixo separa as fases de elaboração de um curso: concepção (design) e execução 1229

10 (implementação). A interação dos alunos ocorrem assim que é colocado em produção, com feedbacks automatizados, e sem a possibilidade de alterações. O segundo modelo é o desenho aberto. Esse tipo de elaboração permite um curso mais dinâmico e é caracterizado pelo alto nível de flexibilidade na condução do curso. Essa linha permite que o curso seja modelado e remodelado de acordo com o feedback de estudantes. A interação se dá com a presença de um educador, mediador que interage com estudantes. A terceira concepção de design instrucional é o contextualizado. Essa linha explora ferramentas da web 2.0, tais como as redes sociais. Segue um modelo flexível, atende a feedback dos estudantes e remodela os cursos de acordo com as necessidades apresentadas. Trata- se de um modelo que equilibra os dois primeiros. O principal instrumento de concepção de um curso na Plataforma Negro Cosme é a Matriz Didática. Nela é definido como o curso é dividido em unidades, a carga horária de cada unidade, a partir de quais mídias os conteúdos serão trabalhados, quais atividades serão elaboradas e como será realizado o processo de avaliação. O quadro 2 abaixo ilustra uma das matrizes de DI desenvolvida para a Plataforma Negro Cosme. 1230

11 1231