ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e RIBEIRO DA SILVA.

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1 fls. 1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Piracaia, em que é apelante ELIANE MARIA PEÇANHA sendo apelados ANTONIA BUENO DE OLIVEIRA LEME, LILIANE CRISTINA LEME, CLAUDIO DONIZETE LEME, ARLETE DE FÁTIMA LADINI GONÇALVES e RAFAEL BENEDITO LADINI GONÇALVES. ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e RIBEIRO DA SILVA. São Paulo, 13 de outubro de Salles Rossi RELATOR Assinatura Eletrônica

2 fls. 2 Voto nº Apelação Cível nº Comarca: Piracaia - 01ª Vara 1ª Instância: Autos nº Apelante: Eliane Maria Peçanha Apelados: Antonia Bueno de Oliveira Leme e outros VOTO DO RELATOR EMENTA APELAÇÃO - EMBARGOS DE TERCEIRO Indeferimento de plano da petição inicial Carência da ação Falta de interesse de agir - Dívida de alimentos contraída pelo irmão (devedor) Constrição de metade da fração ideal (3/8) de bem imóvel Alienação judicial extensiva sobre a sua integralidade - Pretensão de defesa da meação em condomínio com a irmã Existência de necessidade de exame e resolução acerca do mérito da causa Perfilhado conflito de direitos entre a impenhorabilidade de bem de família e a excepcional primazia do crédito Julgamento prematuro que afronta o devido processo legal - Sentença anulada Recurso provido Cuida-se de Apelação interposta contra a respeitável sentença (fls. 42/43) proferida pela Meritíssima Juíza de Direito Doutora Roberta Layaun Chiappeta de Moraes Barros, nos autos da Ação de Embargos de Terceiro que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ser carecedora da ação, com fundamento nos artigos 267 e 296, ambos do Código de Processo Civil. Inconformada, recorreu a embargante (fls. 51/60), Apelação nº Piracaia - Voto nº

3 fls. 3 sustentando a necessidade de sua reforma, sob a razão de que é irmã do executado e a penhora recaiu somente sobre 50% de 3/8 do imóvel que constitui em sua integralidade como bem de família, ante a proteção prevista pelo artigo 1º da Lei nº 8.009/90. Prosseguiu dizendo que houve cerceamento de defesa, pelo julgamento precipitado do feito, sem a realização de provas, afrontando os princípios do contraditório. Citou jurisprudência. Por conta desses argumentos, requereu seja dado provimento ao recurso. O recurso foi recebido (fl. 63), em seu duplo efeito. Resposta dos embargados (fls. 66/69). É o breve relatório. O recurso comporta provimento. Vislumbra-se que o terceiro detém a metade da fração ideal (3/8) da propriedade do imóvel, em condomínio com o seu irmão (fl. 13), configurando exercício de defesa de sequela (art , caput, CC). Sob a égide da impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8.009/1.990) arrosta constrição acertadamente feita sobre a parcela correspondente ao devedor exclusivo do encargo alimentar, à exceção de denúncia de alienação judicial que se estenderá sobre a integralidade (fl. 42vº), atingindo a posse da irmã (condômino). Respeitado o louvável entendimento do juízo a Apelação nº Piracaia - Voto nº

4 fls. 4 quo, a frustração da condição da ação, baseada na ausência de interesse de agir, encampa prévia apreciação e julgamento do próprio mérito da causa (privilégio excepcional do crédito), sem o devido processo legal, mediante a oportunidade de contraditório e de ampla defesa, por desatenção às premissas alicerçadas nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal de 05 de outubro de Os elementos de fato e de direito mostram-se suficientes à regularidade da propositura dos embargos de terceiros (art , CPC) 2, pelo simples motivo de ameaça à privação de próprio direito real decorrente de dívida alheia de que não auferiu qualquer vantagem. Em suma, revela-se justificável a intervenção do Poder Judiciário para o exame e a resolução do conflito de interesses de cada uma das partes ativa e passiva. É como soa o fiel testemunho da obra 1... Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... I -... LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. 1º Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor. 2º Equipara-se a terceiro a parte que, posto figure no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial... Apelação nº Piracaia - Voto nº

5 fls. 5 denominada PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, sob a lavra do doutrinador Moacyr Amaral Santos 1º Volume Editora Saraiva 25ª edição revista e atualizada Capítulo XVI item nº 128, que ensina:... O direito de agir, direito de ação, já o dissemos, é distinto do direito material a que visa tutelar. A ação se propõe a obter uma providência jurisdicional quanto a uma pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico pretendido pelo autor. Há, assim, na ação, como seu objeto, um interesse de direito substancial consistente no bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo autor. Chamamo-lo de interesse primário. Mas há um interesse outro, que move a ação. É o interesse em obter uma providência jurisdicional quanto àquele interesse. Por outras palavras, há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o interesse primário ou direito material pelos órgãos jurisdicionais. Diz-se, pois, que o interesse de agir é um interesse secundário, instrumental, subsidiário, de natureza processual, consistente no interesse ou necessidade de obter uma providência jurisdicional quanto ao interesse substancial contido na pretensão. Basta considerar que o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses, uma lide, Apelação nº Piracaia - Voto nº

6 fls. 6 cuja composição se solicita do Estado. Sem que ocorra a lide, o que importa numa pretensão resistida, não há lugar à invocação da atividade jurisdicional. O que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir), não o interesse em lide (interesse substancial)... Idêntico posicionamento expressado por Vicente Grecco Filho, no livro DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO Volume 1 20ª edição Editora Saraiva Capítulo 2 páginas 84/88, que preconiza, a saber:... O interesse processual é, portanto, a necessidade de se recorrer ao Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, independentemente da legitimidade ou legalidade da pretensão. Para verificar-se se o autor tem interesse processual para a ação deve-se responder afirmativamente à seguinte indagação: para obter o que pretende o autor necessita da providência jurisdicional pleiteada? Não se indaga, pois, ainda, se o pedido é legítimo ou ilegítimo, se é moral ou imoral. Basta que seja necessário, isto é, que o Autor não possa obter o mesmo resultado por outro meio extraprocessual. Faltará o interesse processual se a via jurisdicional não for indispensável, como, por exemplo, se o mesmo resultado puder ser alcançado por meio de um negócio jurídico sem a participação do Judiciário. De regra, o interesse processual nasce diante da resistência que alguém oferece à satisfação da pretensão de outrem, porque este não pode fazer justiça pelas próprias mãos. Essa Apelação nº Piracaia - Voto nº

7 fls. 7 resistência pode ser formal, declarada, ou simplesmente resultante da inércia de alguém que deixa de cumprir o que o outro acha que deveria. Há, ainda, interesse processual quando a lei exige expressamente a intervenção do Judiciário, como, por exemplo, nas chamadas ações constitutivas necessárias, em que a norma legal proíbe que as partes realizem certas modificações no mundo jurídico por meio de atos negociais privados, tornando obrigatória a decisão judicial Como explica Liebman, o interesse processual é secundário e instrumental em relação ao interesse substancial, que é primário, porque aquele se exercita para a tutela deste último... Não é outra a lição ministrada, com excelência, por analogia à situação jurídica e fática semelhante, pelos notáveis Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, com a colaboração de Luís Guilherme Aidar Bondioli, na sua obra denominada CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e legislação processual em vigor, Editora Saraiva, 41ª edição atualizada até 13 de janeiro de 2.009, às páginas (nota 16) e (notas 16a e 17), que diz:... Súmula 134 do STJ (Embargos de terceiro opostos pelo cônjuge): 'Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação (v. jurisprudência s/ esta Súmula em RSTJ 80/51 a 74). Igualmente: STJ-RT 693/256, STJ-RT 712/292. Neste caso, o cônjuge tem 'dupla legitimidade: para ajuizar embargos à execução, visando a discutir a dívida, e Apelação nº Piracaia - Voto nº

8 fls. 8 embargos de terceiro, objetivando evitar que sua meação responda pelo débito exeqüendo' (RSTJ 46/242, RT 694/197 e Bol. AASP 1.779/34) Não tendo sido parte nos embargos do devedor apresentados pelo marido, a sua mulher pode intentar embargos de terceiro, reavivando a questão relativa à impenhorabilidade do imóvel residencial da família (STJ-4ª T., REsp , rel. Min. Barros Monteiro, j , deram provimento, v.u., DJU , p. 380) Em qualquer caso, se a penhora recaiu sobre bem de sua meação, próprio, reservado ou dotal, poderá apresentar embargos de terceiro, no prazo do art (RTJ 81/825, 84/1.020, 93/878, STF-RT 514/268), sendo irrelevante que haja sido intimado da penhora (RJTJESP 98/350). Nestes, pleiteará que sua meação ou os seus bens sejam excluídos da penhora, mas não poderá discutir o débito (RTJ 101/800, RTFR 137/135) Em princípio, nos embargos oferecidos para a defesa da meação do cônjuge do devedor, compete ao embargante o ônus da prova de que a dívida contraída pelo executado não beneficiou a família. Assim: 'A meação da mulher casada não responde pela dívida contraída exclusivamente pelo marido, exceto quando em benefício da família. É da mulher o ônus de provar que a dívida contraída pelo marido não veio em benefício do casal, não se tratando, na espécie, de aval (STJ-4ª T., REsp SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j , deram provimento, v.u., DJU , p. 398)... Apelação nº Piracaia - Voto nº

9 fls. 9 De tal sorte que a anulação da sentença é providência extrema, todavia, de rigor, no caso dos autos, com o único fim de afastar a carência fundada na desnecessidade de provimento jurisdicional e a partir desse ponto seja dado seguimento ao processo de conhecimento. À vista de tudo o quanto fora exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso. SALLES ROSSI Relator Apelação nº Piracaia - Voto nº