QUESTÕES SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA



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Transcrição:

QUESTÕES SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA JOÃO RICARDO SANTOS TORRES DA MOTTA Consultor Legislativo da Área IX Política e Planejamento Econômicos, Desenvolvimento Econômico, Economia Internacional, Finanças em Geral FEVEREIRO/2001

2 2001 Câmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que citados o(s) autor(es) e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados. Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF 2

3 ITEM 1 TEXTO DA JORNALISTA MARIA CLARA R.M. DO PRADO O crescimento das importações mostra que a retomada da atividade econômica tende a pressionar o consumo, que por sua vez pressiona a importação... Comentário: Há uma correlação positiva entre crescimento da economia e demanda por importações (bem como entre renda e consumo doméstico). Por esta razão, é esperado que um aquecimento da economia tenha o efeito de elevar as importações, cujo impacto pode ser maior ou menor, conforme a natureza dos produtos importados no caso brasileiro, a elevação da importação de bens de capital reflete um crescimento do investimento, o que terá efeito positivo sobre o crescimento futuro (diferente da importação de bens de consumo, por exemplo).... O déficit em conta-corrente cresce, indicando a necessidade de absorção da poupança externa por parte da economia interna... Comentário: Esta é uma questão que, geralmente, causa confusão, em função da definição macroeconômica de poupança externa. A rigor, o déficit em conta corrente de um país é equivalente macroeconomicamente à sua poupança externa, isto é, se um país tem saldo negativo entre suas exportações e importações de bens e serviços, isto significa que ele está absorvendo poupança externa para financiar este déficit. O déficit em conta corrente também pode ser entendido como o excesso de consumo e investimento de um país em relação à sua produção interna, isto é, aquilo que o país consumiu e investiu a mais do que produziu teve que ser financiado pela importação de poupança em um montante igual ao do déficit em transações correntes. Esse financiamento, na prática, se dá pela entrada de capitais, autônomos (investimentos diretos) ou de empréstimo (financiamentos), ou por uma variação negativa das reservas internacionais (que pode ser interpretada como uma forma de poupança externa, já que é uma reserva de divisas). Assim, o conceito é sutil e ao mesmo tempo complexo. Um déficit em transações correntes não é necessariamente bom nem ruim. Se um país investe muito e não tem poupança suficiente para financiar este investimento, um déficit em transações correntes financiado por entrada de capitais autônomos é encarado favoravelmente. Por outro lado, se um país consome muito e investe pouco e financia este consumo por capital de empréstimo, por exemplo, o déficit em transações correntes pode ser preocupante. 3

4... o déficit em conta-corrente dos Estados Unidos, de 4% do PIB, significa que eles estão consumindo e investindo, governo e setor privado, 4% do PIB a mais do que a produção doméstica Comentário: Esta afirmativa é correta tecnicamente. A produção doméstica ou produto nacional é equivalente ao consumo privado e governamental acrescido do investimento total mais o saldo positivo entre as exportações e as importações totais de bens e serviços. Por esta razão, se um país tem um déficit em conta-corrente (equivalente a um saldo negativo das exportações contra as importações totais de bens e serviços) ele está investindo e consumindo (setor privado e Governo) mais do que sua produção doméstica exatamente pelo montante do déficit em conta-corrente. ITEM 2 QUAL COMPORTAMENTO ATUAL DA ECONOMIA BRASILEIRA, ENFATIZANDO A ÁREA EXTERNA, A FISCAL E A MONETÁRIA Para analisar a situação econômica de um país é preciso se ter em mente que o fundamental é a consistência entre as diferentes variáveis econômicas, isto é, as grandezas estão interligadas e devem ser compatíveis entre si e com os objetivos que se pretende alcançar. No Brasil, parece claro que as metas econômicas da sociedade pretendem compatibilizar crescimento sustentado com estabilidade de preços, tarefa árdua e pouco perseguida em um passado próximo ( a tolerância com a inflação e com o crescimento por bolhas ou com um controle de preços sob forte recessão estavam presentes ainda recentemente). Isto posto, pode-se analisar cada política dentro do contexto global das políticas. O recente ajuste fiscal, cuja credibilidade se acentuou a partir do cumprimento rigoroso das metas de superávit primário, apesar das pressões políticas, criou um ambiente favorável para que as taxas de juros pudessem ser reduzidas, ajudando na diminuição do peso do déficit governamental e, por conseguinte, no alívio do esforço de ajuste (observe-se que, recentemente, a situação era inversa, porque a falta de credibilidade na capacidade de ajuste fiscal gerava necessidade de maiores juros, que pioravam a situação fiscal, e assim por diante) O ajuste fiscal tem sido consistente com as metas de inflação e com a política cambial, através do câmbio flexível. Já o setor externo continua sendo um problema, por diversos fatores, mormente os preços internacionais desfavoráveis. De fato, tem havido persistência de déficits comerciais, apesar da grande desvalorização cambial ocorrida após 1999. Em resumo, permanece a dependência da entrada de capitais externos para o financiamento do déficit em conta-corrente. Tal situação não tem sido desestabilizante, porque as metas fiscais têm sido cumpridas e a situação internacional desfavorável se arrefeceu. Por outro lado, o câmbio flexível absorve parcialmente as pressões por divisas, através da elevação da cotação do dólar, o que alivia em parte a demanda por importações e estimula as exportações, em um efeito contracíclico. O equilíbrio dessa consistência, no entanto, depende de fatores não totalmente sob controle, principalmente no que tange aos de origem externa. No momento, o ambiente é favorável, mas deve-se trabalhar para reduzir a dependência de capitais externos, já que, se a economia americana entrar em recessão, será reduzida a demanda por exportações brasileiras e reduzido o fluxo de capitais externos, o que, com um câmbio flexível, poderá significar mais desvalorização, pressão inflacionária e freio no crescimento. Entretanto, do ponto de vista interno, a variável-chave tem sido o cumprimento das metas fiscais primárias, que atuam no sentido de estabilizar a relação dívida/pib e abrem espaço, através do ganho de credibilidade, para a redução nas taxas de juros e, conseqüentemente, do custo financeiro da dívida, em um efeito pró-cíclico. Se não houver deterioração dos fatores externos e for mantida a mesma disposição para o controle fiscal, a perspectiva de crescimento com baixa inflação é bastante realista. 4

5 ITEM 3 PALESTRA DO DR. ARMÍNIO FRAGA SOBRE CÂMBIO FLUTUANTE Os regimes de câmbio flexível ou fixo não são melhores ou piores em si, mas são adequados ou não do ponto de vista da consistência com as políticas monetária e fiscal. No regime de câmbio fixo, a autoridade monetária é obrigada a vender ou comprar moeda estrangeira pela cotação oficial. As transações entre residentes e não residentes passam pela intervenção do Banco Central e as reservas internacionais necessariamente variam com essas operações. No caso do regime cambial flexível, o Banco Central não intermedia as operações. Quem quiser comprar ou vender moeda estrangeira procurará sua contraparte e o preço será acertado pelo mercado. As reservas internacionais, portanto, não variam (exceto se houver uma operação do próprio Governo, como o pagamento de empréstimos externos de responsabilidade do setor público, por exemplo). Assim, se a procura por divisas for maior do que a oferta, o preço sobe (há desvalorização), assim como, se houver mais agentes querendo vender divisas, o câmbio se valoriza. Quando o câmbio é fixo, a obrigatoriedade de compra ou venda de divisas a um preço determinado faz com que, caso haja excesso de procura por moeda estrangeira, o Banco Central seja obrigado a vender o câmbio no volume desejado, causando redução de reservas, e vice- versa. O regime de câmbio fixo do Real era consistente, até o momento em que o desajuste das finanças públicas tornou-se uma fonte de desconfiança sobre a capacidade do Governo manter o regime. Isto porque, com o desajuste, elevava-se o endividamento, necessitava-se de maior taxa de juros, aumentava a procura por dólares, aumentava a expectativa de desvalorização, o que levava a maiores taxas de juros para conter o ataque especulativo, piorando o déficit, e assim por diante, até o momento em que a perda de reservas associada ao volume gigantesco de compra de dólares tornou impossível conter o ataque, levando a uma abrupta desvalorização. O Presidente do Banco Central, Dr. Armínio Fraga, tem razão ao afirmar que a introdução do regime flexível em uma época de crise não foi uma decisão planejada, foi inevitável. Poderia ter havido uma crise monumental, com brutal recessão e alta inflação simultaneamente, como em alguns países da Ásia. Com a perda da âncora cambial, só restava a âncora fiscal, que finalmente foi implementada em regime de urgência pelo Congresso. Quando esse ajuste mostrou-se crível, e as pressões inflacionárias decorrentes da desvalorização foram arrefecidas (não sem significativa perda salarial e alguma recessão), o regime cambial flexível mostrou-se consistente com o novo quadro. Observe-se que, com câmbio flexível, mudanças bruscas nas expectativas geram variações bruscas no câmbio, o que pode ser um fator altamente instabilizador. Portanto, é fundamental que haja absoluto controle das políticas monetária e fiscal, sem qualquer leniência, pois não há como represar o mercado. O regime cambial flexível é, antes de tudo, uma opção para países ajustados e conscientes dessa necessidade e dispostos a absorverem os custos de eventuais erros. Os defensores da dolarização têm como pressuposto a incapacidade dos países em administrar suas próprias economias e a imposição dessa âncora como a única forma de garantir a estabilidade de preços. O custo do desajuste, no entanto, é altamente recessivo. Assim, o regime flexível, como diz o Dr. Armínio Fraga, é mais adequado para uma situação de equilíbrio crível, até porque cria a necessidade objetiva de manter as políticas monetária e fiscal sob controle estrito. ITEM 4 POR QUÊ É IMPORTANTE O CONTROLE DAS CONTAS PÚBLICAS PARA A SUSTENTAÇÃO DA ESTABILIDADE DE PREÇOS? Comentário: A visão do desajuste do setor público como fator instabilizador não é pontual, mas intertemporal. O relevante não é um déficit público ou superávit em um dado momento, mas a trajetória de endividamento ao longo do tempo e sua forma de financiamento. As causas do déficit 5

6 também são relevantes. Se a questão for estrutural, isto é, se os déficits forem causados por descompassos que se prolongarão e crescerão ao longo do tempo, surge a noção de que o endividamento futuro pode levar à insolvência, elevando seu custo, prejudicando ainda mais a situação do déficit, em uma dinâmica negativa. O que é inflacionário, por definição, é o financiamento dos déficits por emissão de moeda. Um endividamento crescente e descontrolado e cujas causas não são combatidas (observe-se que a causa de um endividamento crescente vai muito além de uma taxa de juros elevada, o que, na maioria das vezes, é conseqüência de um processo de desajuste financeiro estrutural ) leva à percepção de que em algum momento haverá monetização do déficit ou interrupção de pagamentos (calote), acarretando um descontrole inflacionário em função das expectativas, causada basicamente pela fuga dos ativos financeiros do financiamento da dívida. De qualquer forma, o importante é que o ajuste fiscal seja visto como permanente e não somente uma função da compressão de despesas de caixa ou da elevação de tributos (que têm um limite). Daí, a insistência em mecanismos que possam assegurar o equilíbrio financeiro do setor público ao longo do tempo. ITEM 5 SOMENTE ATRAVÉS DE SUPERÁVITS EM TRANSAÇÕES CORRENTES O PAÍS PODE GERAR DIVISAS INTERNACIONAIS? Comentário: Não necessariamente. A geração de divisas para um país não é boa nem ruim por si só. A acumulação de reservas do início do Plano Real teve alto custo, porque tinha como contrapartida a entrada de capitais especulativos, atraídos pelo alto retorno contratado. Na verdade, este era um prêmio a ser pago para manter a credibilidade da paridade cambial. Mesmo assim, um país tem uma variação positiva de reservas quando o saldo no Balanço de Pagamentos total é positivo e não o saldo nas transações correntes. Se, por exemplo, um país tem déficit em conta-corrente, mas recebe capitais autônomos em um valor superior a este déficit, ele acumulará reservas internacionais, mesmo com aquele déficit. A noção ainda é mais verdadeira para a balança comercial. O país pode importar mais mercadorias do que exportar, o que, isoladamente, significa perda de reservas, mas pode estar recebendo capitais de risco e de empréstimo em montante suficiente para ter uma variação global de reservas positiva. ITEM 6 A MAGNITUDE DO PIB É MENOR DO QUE A MAGNITUDE DO TOTAL DE TRANSAÇÕES EFETUADAS ANUALMENTE NA ECONOMIA Comentário: Certamente. O conceito de produto (equivalente ao de renda e despesa) em economia está ligado ao conceito de valor adicionado. Se, por exemplo, se contabiliza a produção de móveis de madeira, deve-se descontar o valor da madeira usada como insumo. O valor adicionado nesta etapa de produção é igual ao valor dos móveis menos o valor da madeira utilizada, que já está contabilizado na produção do setor madeireiro. Caso contrário, haveria dupla contagem da madeira. Assim, portanto, o Valor Bruto de Produção, equivalente ao total das transações efetuadas na economia é bem superior ao Valor Adicionado, equivalente ao PIB de uma economia. 6

7 ITEM 7 A MAGNITUDE DO ESTOQUE DE CAPITAL É AFETADA PELO FLUXO DO INVESTIMENTO E O FLUXO DE INVESTIMENTO É AFETADO PELO ESTOQUE DE CAPITAL Esta relação se deriva dos conceitos de estoque e fluxo em economia. O fluxo nada mais é do que a variação de estoque em um dado período de tempo. O investimento é a variação do estoque de capital em um determinado período (mês, trimestre, ano, etc). Naturalmente, quanto maior o fluxo de investimento, maior será o acréscimo no estoque de capital no período. A influência do estoque de capital no investimento, no entanto, envolve relações mais complexas. Pode-se ter um país que tenha um estoque de capital bastante elevado e, por problemas conjunturais, tenha uma baixa taxa de investimento, significando um fluxo de investimento menor do que o de um país com menor estoque de capital. É de se supor, no entanto, que em condições normais, um país com maior estoque de capital tenha maior nível de investimento absoluto (medido como variação do estoque de capital). A maneira mais adequada de comparação é se cotejar as taxas de investimento, isto é o percentual do investimento em relação ao estoque de capital, que mostrará melhor a utilização do potencial de um país. Os conceitos de fluxo e estoque são importantíssimos para que não se confundam variáveis econômicas relevantes. Por exemplo, dívida é estoque e déficit é fluxo. Riqueza ou patrimônio é estoque e renda é fluxo. Se um país tem um estoque de dívida alto e um déficit baixo, este é mais fácil de ser financiado do que o de um país com estoque de dívida menor, mas déficit alto ( a Itália tem um estoque de dívida de 100% do PIB e o financia a taxas muito menores do que o Brasil, que tem um estoque de dívida de 50% do PIB). Um patrimônio grande e mal administrado pode gerar menos renda do que um patrimônio menor melhor administrado. ITEM 8 POR QUÊ SERIA INTERESSANTE PARA O GOVERNO DIMINUIR A TAXA DE JUROS BÁSICA E QUAIS OS MOTIVOS QUE DIFICULTAM E RESTRINGEM A SUA QUEDA? Comentário: A redução das taxas de juros básicas significa duas coisas positivas. Primeiro, as taxas de juros refletem o valor de captação dos títulos públicos. Quanto menor for esta taxa, menor será o custo global da dívida pública e o valor orçamentário a ser alocado para o pagamento de juros, sobrando mais recursos para outros fins. Segundo, uma redução das taxas de juros básicas induz uma queda geral nas taxas de juros praticadas na economia, diminuindo o custo do investimento, o que favorece o crescimento econômico. Entretanto, há limites para esta redução. O principal é a relação dessas taxas com as taxas de juros internacionais, que pode tornar sem atrativo o investimento em títulos públicos no Brasil (dado o prêmio de risco Brasil e a expectativa de desvalorização cambial), causando queda no fluxo de capitais ou saída de recursos financeiros para outros mercados, o que se reflete no câmbio e na inflação. Além disso, a economia pode-se aquecer fora do previsto, criando pressões inflacionárias e cambiais (de desvalorização) por outra via, a do lado real. Assim, o equilíbrio é complexo e deve ser administrado com bastante critério como faz o Federal Reserve, nos Estados Unidos. 100633 7