número 3 maio de 2005 A Valorização do Real e as Negociações Coletivas
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- João Henrique Olivares Furtado
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1 número 3 maio de 2005 A Valorização do Real e as Negociações Coletivas
2 A valorização do real e as negociações coletivas As negociações coletivas em empresas ou setores fortemente vinculados ao mercado internacional são influenciadas pela cotação do real diante das moedas estrangeiras, especialmente em relação ao dólar norte americano. Nas negociações coletivas sempre surgem argumentos que levam em conta a situação cambial para defender ou atacar as reivindicações dos trabalhadores. Quanto maior o peso das exportações nesses setores ou empresas mais esses argumentos estão presentes. Desde junho de 2004, a economia brasileira apresenta um movimento de valorização do real diante do dólar. Portanto, é de se esperar que argumentos desta natureza sejam utilizados pelos empresários em oposição à pauta levada pelos trabalhadores. A valorização do real tem impacto diferenciado sobre as empresas exportadoras. Aquelas que têm contratos de exportação de longo prazo e/ou atuam em mercados europeus, por exemplo, podem estar se defendendo melhor da valorização do real do que as que atuam, por exemplo, com commodities agrícolas, mais suscetíveis às variações de curto prazo da taxa de câmbio. O impacto da valorização do câmbio para empresas não exportadoras também deve ser avaliado setorialmente. Para empresas nacionais, fortemente endividadas em dólar e que atuam em setores protegidos (transporte aéreo, comunicações, entre outros), a queda do dólar apóia positivamente a redução das despesas com encargos da dívida. Para a economia nacional, a valorização do câmbio vem servindo tal qual no passado recente como ferramenta no combate à inflação. A longevidade desta política cambial, entretanto, tende a expor setores voltados ao mercado interno a uma concorrência crescente com produtos vindos do exterior, trazendo reflexos negativos para o emprego e a renda internos. Estão listadas, a seguir, as perguntas mais freqüentes sobre o câmbio. As respostas a cada uma delas foram elaboradas com o propósito de subsidiar as entidades sindicais na construção de argumentos para o processo de negociação coletiva. DIEESE A valorização do câmbio 2
3 1. Qual a trajetória do câmbio nos últimos anos? A) De janeiro de 2002 até meados de maio de 2005, a cotação da moeda americana não apresentou comportamento uniforme, baseado apenas na compensação pela diferença entre a inflação brasileira e a norte-americana. A cotação manteve-se estável até maio de No primeiro semestre de 2002, a cotação média foi de R$ 2,44. Com o início do processo eleitoral, a cotação disparou até alcançar R$ 3,81, em outubro de 2002; B) Definido o resultado eleitoral, a cotação começou a cair, chegando a alcançar R$ 2,88, em julho de Essa cotação mostra que a queda foi bastante forte, já que a cotação média do primeiro semestre de 2003 havia sido de R$ 3,24; C) Entre setembro de 2003 e abril de 2004, a cotação oscilou entre R$ 2,85 e R$ 2,93; D) Nova alta foi observada em maio e junho de 2004 (R$ 3,10 e R$ 3,13, respectivamente). A partir do segundo semestre de 2004, observou-se novo movimento de queda. Em fevereiro de 2005, a cotação alcançou R$ 2,60 e em maio, R$ 2,48; E) A cotação média observada entre janeiro e maio de 2005 é 12,13% inferior à que se verificou no primeiro semestre de Entretanto, continua 6,84% acima da cotação média do primeiro semestre de 2002 (ver Tabela). TABELA Taxa de câmbio média (*) 2002 a 2005 Período Taxa média em reais 1º semestre ,44 2º semestre ,40 Anual ,92 1º semestre ,24 2º semestre ,92 Anual ,08 1º semestre ,97 2º semestre ,88 Anual ,93 1º semestre 2005 (1) 2,61 Anual 2005 (1) (2) 2,61 Fonte: Banco Central do Brasil Elaboração: DIEESE Nota: 1) cotação do dólar até 11 de maio de ) cotação do dólar comercial/preço de venda DIEESE A valorização do câmbio 3
4 2. Por que a cotação do dólar cai desde julho de 2004? A) Há um movimento de desvalorização da moeda norte-americana em vários países. Não se trata, portanto, de um movimento específico da moeda brasileira; B) O déficit americano, tanto das contas públicas quanto das contas externas, cresceu bastante desde o governo Bush. A situação das contas públicas faz com que mais dólares sejam emitidos pelo governo dos Estados Unidos. Com o déficit externo americano, os outros países passaram a deter mais dólares em seus balanços de pagamento, em razão dos superávits comerciais com os Estados Unidos. Portanto, seja em razão do déficit público ou comercial, mais moeda americana passou a circular mundo afora; C) Com o lançamento do Euro (moeda que unificou monetariamente grande parte dos países europeus) houve uma retração na procura pela moeda norte-americana, justamente num momento de elevação de oferta; D) O Brasil vem obtendo forte crescimento em sua balança comercial, o que significa mais dólares entrando no país. Ao mesmo tempo, o país não tem apresentado problemas de financiamento externo. Essa situação, aliada à elevação da taxa de juros interna, reduz a demanda por dólares no mercado interno e eleva a oferta de moeda estrangeira para aproveitar a rentabilidade oferecida pela taxa de juro; E) O governo brasileiro adotou a política de não intervir diretamente no câmbio. Entretanto, já comprou e pode continuar comprando dólares (desde que o nível da taxa de juros não encareça demais o financiamento interno desta compra) com o objetivo de formar reservas cambiais, necessárias para preservar a saúde financeira do país numa eventual crise. Essa medida, associada à possibilidade criada recentemente de os exportadores adiarem, por até 210 dias, a entrada dos recursos das exportações no país, poderia evitar novas quedas na cotação. 3. Com a queda na cotação há perda de receita das empresas? A) Há perda sim, caso os preços em dólar dos produtos exportados se mantenham constantes ou declinantes; B) Entretanto, as empresas podem contornar essa perda de receita por unidade de produto de duas formas: aumentando a quantidade de produtos exportados e com isto ampliando o faturamento e/ou se beneficiando do aumento na cotação internacional dos DIEESE A valorização do câmbio 4
5 preços de seus produtos, como vem acontecendo para uma parcela representativa de produtos da pauta de exportação brasileira; C) Variável importante na determinação da perda ou não das receitas das empresas com a valorização do real, portanto, é o nível da demanda externa, isto é, o nível de compras que o mercado externo está disposto a fazer das empresas exportadoras. Um mercado externo aquecido pode, eventualmente, compensar perdas setoriais provenientes da queda do dólar. 4. Para manter a receita, só vendendo mais? A) Essa é uma das saídas, porque permite continuar a ampliação do mercado para os produtos nacionais; B) Assim, como as altas bruscas não trazem ganhos na mesma proporção para as empresas, as quedas do dólar também não necessariamente trazem prejuízos. Isso porque, boa parte dos contratos de vendas ao exterior é de longo prazo e sujeitos a várias oscilações durante o seu prazo; C) Ainda, os valores envolvidos nos contratos nem sempre são pagos de forma imediata. Seguem um determinado prazo que permite auferir receitas quando o câmbio está favorável ou desfavorável; D) Recentemente o governo permitiu que as empresas possam adiar por até 210 dias a entrada no país dos valores envolvidos nas suas vendas. Isso permitirá que algumas empresas possam postergar a entrada dos recursos no país, aguardando uma melhor cotação para esse evento; E) As empresas também têm a opção de fazer seguros contra variações cambiais dos seus contratos. Essas operações são conhecidas como hedge cambial. O objetivo é justamente preservar as receitas contra eventuais oscilações do mercado do câmbio. 5. A queda do dólar afeta toda a receita dos exportadores? A) Não. Afeta as receitas das vendas que estão vinculadas à moeda norteamericana. É importante lembrar, novamente, que há um movimento de queda do dólar em vários países. Portanto, a exportação brasileira cotada em outras moedas não está sofrendo os efeitos da queda do dólar; DIEESE A valorização do câmbio 5
6 B) A queda do dólar pode também não se refletir imediatamente em queda nas receitas das empresas exportadoras, caso estas empresas estejam operando na exportação de produtos com crescente cotação de preços no mercado internacional; C) A queda afeta, entretanto, os setores de exportação que têm sua receita vinculada somente à moeda norte-americana e não vêm obtendo êxito na ampliação das vendas e não se beneficiam da elevação nas cotações internacionais. 6. As empresas perderão competitividade e mercado? A) Desde meados de 2004, observa-se uma queda da cotação do dólar. Mesmo assim, o comportamento das exportações brasileiras continua em alta. Isso indica que a cotação é um fator desse mercado, mas não o único; B) Como a cotação está em queda em vários países, os demais países exportadores também vivem a mesma situação. Assim, o movimento não é brasileiro, é mundial. C) Portanto, dependendo do setor e do prolongamento da política de valorização cambial, a perda de competitividade e mercado poderá trazer impactos mais ou menos significativos. 7. A queda na cotação só tem efeito negativo? A) Não. Tem efeito positivo também. Reduz os custos de importação para a indústria. Isso significa poder comprar produtos e serviços mais baratos, contribuindo para eventual ampliação da produtividade de alguns setores. Várias empresas sediadas no Brasil e que atuam em cadeias produtivas internacionais, por exemplo, vêm recorrendo ao sistema de drawback, isto é, vêm aumentando o conteúdo importado do produto final como forma de ganhar competitividade e ampliar lucros no mercado interno; B) Reduz também os custos de alguns insumos internos, como por exemplo os preços da energia, combustível, comunicação, que estão indexados a índices de preços fortemente vinculados ao dólar; C) A redução dos custos de importação e de insumos contribui para a política de controle da inflação; DIEESE A valorização do câmbio 6
7 D) A cotação do dólar em baixa, ao não interromper imediatamente a boa performance do setor exportador, melhora as condições de financiamento externo das empresas na medida em que reduz o risco país. Portanto, o custo de captação de financiamento no mercado externo se reduz. 8. Quais os riscos da valorização cambial para a economia? A) O prolongamento excessivo da valorização do real, sem medidas compensatórias e setoriais, poderá expor parcelas representativas do setor produtivo nacional à competição internacional, com reflexos indesejáveis sobre o emprego e a renda; B) A valorização cambial prolongada, como expressão de uma política monetária rígida e ortodoxa de juros reais elevados, coloca barreiras à sustentação do crescimento econômico e do desenvolvimento nacional. De maneira geral, procurou-se destacar que o preço do câmbio é uma variável importante, mas não a única, para os setores e empresas exportadoras. Há vários outros elementos que devem ser considerados para saber até que ponto os efeitos da valorização cambial serão sentidos por empresas e setores, ou ainda, se questões de caráter conjuntural são suficientes para limitar o alcance da negociação coletiva nestes segmentos. DIEESE A valorização do câmbio 7
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