CONSISTÊNCIA TERMODINÂMICA DE DADOS EXPERIMENTAIS DE EQUILÍBRIO DE FASES EM SISTEMAS BINÁRIOS J.F. GUIMARÃES 1, P.F. ARCE-CASTILLO 1 1 Unversdade de São Paulo, Escola de Engenhara de Lorena, Depto de Engenhara Químca E-mal para contato: parce@usp.br RESUMO Do ponto de vsta da termodnâmca, nem todos os dados expermentas de equlíbro líqudo-vapor de sstemas bnáros e ternáros que constam na lteratura são corretos. O teste de consstênca termodnâmca é o método mas efcente para determnar a veracdade ou não destes dados. Este projeto vsa aplcar o método de consstênca termodnâmca a dados obtdos em expermentos de equlíbro líqudo-vapor, prevamente seleconados e analsados, utlzando o modelo termodnâmco (equação cúbca de estado) de Peng- Robnson. Os dados expermentas foram submetdos aos testes de consstênca termodnâmca fazendo-se uso de métodos numércos e lnguagens computaconas. Foram analsados dados expermentas de város sstemas bnáros de equlíbro líqudo-vapor, dentre os quas encontrou-se dados consderados termodnamcamente consstentes e alguns nconsstentes. As análses comprovam que nem todos os dados expermentas de equlíbro líqudovapor encontrados na lteratura são confáves e que deve-se analsar a certeza de tas valores antes de fazer uso deles. 1. INTRODUÇÃO Sabe-se que a equação de Gbbs-Duhem relacona os coefcentes de atvdade de todos os componentes de uma mstura. Se todos os dados necessáros para o cálculo destes coefcentes estverem dsponíves, deverão obedecer a esta equação; caso contráro, os dados não são verdaderos ou houve erros graves na sua obtenção. No entanto, a conformdade dos dados com a equação não sgnfca necessaramente que estes dados são corretos, pos é possível mas não provável que dados ncorretos fortutamente possam satsfazê-la. Infelzmente, na lteratura encontram-se dados de equlíbro de fases (equlíbro líqudovapor) que não satsfazem a equação de Gbbs-Duhem e, portanto, são consderados ncorretos sob a ótca da termodnâmca (McDermott e Ells, 1965; Lebermann e Fred, 1972). 2. CONSISTÊNCIA TERMODINÂMICA A análse de consstênca termodnâmca pode ser feta utlzando-se dferentes métodos, os quas dependem do modelo termodnâmco. O objetvo prncpal é que o modelo seja capaz de ajustar exatamente os dados expermentas e possa ser utlzado para aplcar o teste de consstênca termodnâmca baseado na equação de Gbbs-Duhem. O teste de
consstênca termodnâmca pode ser aplcado a dados expermentas de equlíbro para sstemas bnáros e sstemas ternáros (Smth et al., 2007). 2.1. Equação de Gbbs-Duhem e Propredades Parcas Molares A equação de Gbbs-Duhem relacona propredades de mstura e propredades parcas e pode ser escrta de manera geral da segunte forma: ( M P )T,x dp + ( M T )P,x dt x dm = 0 Essa equação tem que ser satsfeta para todas as varações de pressão (P), temperatura (T) e a propredade parcal molar ( M ) causada por mudanças de estado em uma fase homogênea. Quando tem-se o caso partcular, em que P e T são constantes, a Equação 1 smplfca-se na Equação 2: x d M = 0 (T e P contantes) (2) (1) Isto sgnfca que se as propredades parcas molares puderem ser calculadas, poderemos submeter dados termodnâmcos expermentas a um teste de consstênca termodnâmca através da equação de Gbbs-Duhem. Para o equlíbro de fases líqudo-vapor em sstemas bnáros a baxas pressões, pode ser feto um rearranjo na Equação 2. A Equação 3 mostra a expressão de Gbbs-Duhem em termos da propredade molar parcal: o logartmo natural dos coefcentes de atvdade dos componentes no sstema bnáro: xf ln ( γ 1 γ 2 ) dx 1 = 0 x (3) Para sstemas bnáros a baxas pressões, pode-se calcular as propredades parcas molares necessáras na utlzação da equação de Gbbs-Duhem através da chamada abordagem gamma-ph (Smth et al., 2007), expressa na Equação 4: y ϕ V P = x γ P sat POY ϕ sat (4) A abordagem gamma-ph (γ ϕ) é um método muto efcente de obtenção dos coefcentes de atvdade para sstemas a baxas pressões. Nestas condções pode-se consderar o fator de Poyntng (POY) e o coefcente de fugacdade do componente na saturação ( ϕ sat ) como valores próxmos a 1,0. Sendo assm, a forma fnal da abordagem será a Equação 5: y ϕ V P = x γ P sat (5) Fazendo-se uso da Equação 5, pode-se calcular os coefcentes de atvdade dos componentes da mstura bnára para cada valor de fração molar. Assm, será possível utlzar a equação de Gbbs-Duhem e verfcar se os dados expermentas são coerentes e podem ser
aplcados em algum estudo ou projeto. Anda na Equação 5, o coefcente de fugacdade da fase vapor ( ϕ V ) é calculado através da Equação de Estado (EdE) de Peng-Robnson (Peng e Robnson, 1976). Esta equação é capaz de correlaconar e predzer propredades de equlíbro de líqudo-vapor. 3. MODELO TERMODINÂMICO - EQUAÇÃO CÚBICA DE ESTADO DE PENG-ROBINSON O método da equação de estado (EdE) é utlzado para correlaconar e predzer o equlíbro de fases de sstemas complexos. Combnações apropradas e regras de mstura são utlzadas para descrever a dependênca de concentração dos parâmetros do modelo. As equações de estado cúbcas, que são aquelas dervadas da proposta de Van der Waals, tal como a EdE de Peng-Robnson, são muto utlzadas para análse do comportamento termodnâmco destes sstemas complexos (Peng e Robnson, 1976). A EdE de Peng-Robnson, através de seus parâmetros, regras de mstura e das propredades crítcas dos componentes envolvdos, permte predzer os valores dos coefcentes de fugacdade dos componentes que formam as msturas bnáras e ternáras e, assm, aplcar a abordagem gamma-ph a estes sstemas para predção e modelagem dos dados obtdos expermentalmente (Arce, 2003; Valderrama, 2003). Esta equação pode ser representada de duas formas prncpas: em termos de P, V e T (Equação 6), ou em termos do fator de compressbldade, z (Equação 7). (6) a c P = ν RT b ν(ν + b) + b(ν b) z 3 (1 B)z 2 + (A 2B 3B 2 )z AB + B 2 + B 3 = 0 (7) Na Equação 6, tem-se que P é a pressão do sstema, R é a constante geral dos gases deas, T é a temperatura absoluta, ν é o volume molar, e a c, e b são constantes. Essas constantes dependem das propredades crítcas e das regras de msturas. Para determnar o valor do fator de compressbldade em cada fase, calcula-se o valor do coefcente de fugacdade correspondente à fase. Neste caso, apenas é de nteresse o maor valor de z que corresponde à fase vapor. As constantes A e B na Equação 7 varam de acordo com a substânca e são determnadas usando as Equações 8 e 9 e as regras de mstura (Equações 10, 11 e 12). A = ap R²T² (8) B = bp RT (9) a = C C j y y j a j (10) a,j = (1 k,j ) a a j (11)
b = C y b (12) Nos cálculos, o valor de k j fo mantdo em zero. Por fm, o modelo termodnâmco propõe que o coefcente de fugacdade, obtdo com a EdE de Peng-Robnson, a ser usado na abordagem gamma-ph pode ser calculado pela Equação 13: ln ϕ V = (z 1) ln (z B) + A 2 2B ln z + (1 ( z + (1 + 2)B) (13) 4. RESULTADOS E DISCUSÕES Ao aplcar-se o método de análse de consstênca termodnâmca de dados expermentas aos sstemas de baxas pressões mostrados na Tabela 1: Tabela 1 Característcas dos sstemas bnáros testados com a abordagem gamma-ph. Sstema Pontos Temperatura (K) Pressão (kpa) Referêncas expermentas terc-butanol + Tolueno 26 383,8 355,7 101,3 Martnez-Sora et al. (1999) Propano + n-butano 16 270,0 310,0 142,6 a 720,6 Kayukawa et al. (2005) Propano + sobutano 33 260,0 320,0 161,2 a 1318,3 Kayukawa et al. (2005) Pentano + dodecano 16 299,6 453,6 70,0 e 100,0 Maa de Olvera et al. (2002) Metanol + benzeno 10 331,1-343,8 101,3 Rodrgues et al. (2005) Heptano + dodecano 18 345,2 482,1 40,0; 70,0 e Maa de Olvera et al. (2002) 100,0 Etanol + água 13 333,1 48,3 a 72,6 Mertl (1972) Etano + trfluorometano 40 188,3 212,8 56,9 a 85,4 Zhang et al. (2006) Detlamna + etanol 26 303,6 345,6 40,0 e 80,0 Yang et al. (2014) Detlamna + 30 303,6 428,1 40,0 e 80,0 Yang et al. (2014) detletanolamna Ccloexano + n-heptano 17 353,8 371,4 100,7 Rodrgues et al. (2005) Etanol + detletanolamna 32 329,6 428,1 40,0 e 80,0 Yang et al. (2014) Como explctado na Equação 3, para serem consderados dados expermentas termodnamcamente consstentes, o valor da ntegral deve ser gual ou muto próxmo de zero. Porém, ao lançar mão de técncas numércas de ntegração, comete-se um erro sstemátco da própra técnca e os resultados sofrem leves desvos do valor que sera obtdo com a ntegração pelo método analítco. Sendo assm, consderou-se um desvo de ± 0,07 no valor absoluto obtdo para classfcar os dados como termodnamcamente consstentes ou não. Os resultados obtdos aplcando-se todos esses crtéros encontram-se na Tabela 2. Consderando-se estas condções, obtveram-se os seguntes resultados fnas: os sstemas bnáros: propano + n-butano, pentano + dodecano, heptano + dodecano, detlamna + etanol e detlamna + detletanolamna foram consderados termodnamcamente nconsstentes, pos o valor da ntegral excede a margem de erro consderada; os sstema bnáros: terc-
butanol + tolueno, propano + sobutano, metanol + benzeno, etanol + água, etano + trfluorometano, ccloexano + n-heptano e etanol + detletanolamna foram consderados termodnamcamente consstentes (o valor da ntegral dentro da margem de erro consderada). Tabela 2 Resultados da consstênca termodnâmca. Sstema Valor da Integral (*) Consstênca termodnâmca Ter-Butanol + Tolueno 0,00914 CONSISTENTE Propano + n-butano 0,19251 INCONSISTENTE Propano + Isobutano 0,03904 CONSISTENTE Pentano + Dodecano -3,70068 INCONSISTENTE Metanol + Benzeno -0,02811 CONSISTENTE Heptano + Dodecano -1,09875 INCONSISTENTE Etanol + Água -0,05315 CONSISTENTE Etano + Trfluorometano -0,06262 CONSISTENTE Detlamna + Etanol 0,22373 INCONSISTENTE Detlamna + Detletanolamna 0,17233 INCONSISTENTE Cclohexano + n-heptano -0,01754 CONSISTENTE Etanol + Detletanolamna 0,03568 CONSISTENTE (*) valores absolutos obtdos aplcando-se a Equação 3 através do método: ntegração numérca (Smpson). Isto sgnfca que os dados dos prmeros sstemas não podem ser utlzados para projetos maores, pos poderam causar erros de cálculo e, possvelmente, prejuízos ao usuáro. Por outro lado, os dados expermentas dos demas sstemas bnáros são consderados de uso confável, ou seja, podem ser aplcados em grandes projetos sem o receo de acarretarem prejuízos (Raman, 1985) 5. CONCLUSÕES As conclusões parcas sobre os resultados desta pesqusa são (a) Nem todos os dados expermentas de ELV apresentados na lteratura são confáves e devem ser submetdos a testes de consstênca termodnâmca antes de ganharem utldade e alguns desses dados expermentas não obedecem à equação de Gbbs-Duhem e não podem ser consderados termodnamcamente consstentes; (b) O método proposto neste trabalho, a abordagem gamma-ph, é capaz de conclur se os dados expermentas de ELV a baxas pressões de um determnado sstema bnáro podem ser consderados termodnamcamente consstentes; e (c) A equação de estado de Peng-Robnson precsa apenas de propredades crítcas para obter os coefcentes de fugacdade dos componentes de sstemas bnáros. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCE, P.F. Modelagem e Computação do Equlíbro Multfásco de Fludos e Fenômenos Crítcos em Solubldades de Polímeros em Msturas de Dóxdo de Carbono Supercrítco + Co-solvente. Prmero Relatóro: Doutorado em Engenhara Químca. Faculdade de Eng. Químca, UNICAMP, SP, Brasl, 2003.
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