DETECÇÃO e MONITORIZAÇÃO de PACIENTES com DRC

Documentos relacionados
Papel do laboratório clínico na pesquisa, controle e tratamento da DRC. Dr. Carlos Zúñiga San Martín

Profa Dra Rachel Breg

Critérios para Definir a Doença Renal Crônica

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL EM DIABÉTICOS ADULTOS*

1. Estratificação de risco clínico (cardiovascular global) para Hipertensão Arterial Sistêmica

Encaminhamento do paciente com Doença Renal Crônica ao nefrologista

Doença com grande impacto no sistema de saúde

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO RENAL

Passo a passo da implantação da estimativa da taxa de filtração glomerular (etfg): 1

Interpretação de Exames Laboratoriais para Doença Renal

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANSMISSIVEIS. Doenças Renais Parte 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE TRATAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

COMPLICAÇÕES RENAIS NO TRANSPLANTE HEPÁTICO

Por que um curso para a área de Nefrologia? Doença Renal Crônica. Frequente e grave, mas também prevenível e tratável...

TALITA GANDOLFI PREVALÊNCIA DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES IDOSOS DIABÉTICOS EM UMA UNIDADE HOSPITALAR DE PORTO ALEGRE-RS

Nefropatia Diabética. Caso clínico com estudo dirigido. Coordenadores: Márcio Dantas e Gustavo Frezza RESPOSTAS DAS QUESTÕES:

HIV E DOENÇA RENAL I CONGRESSO PARANAENSE DE INFECTOLOGIA. 31 março e 01 abril de 2017 Londrina - PR

Perfil Epidemiológico de Pacientes Portadores de Doença Renal Crônica Terminal em Programa de Hemodiálise em Clínica de Santa Cruz do Sul - RS

RESUMOS APROVADOS. Os trabalhos serão expostos no dia 23/11/2011, no período das 17h às 19h;

Fatores de Risco da Doença Renal Crônica

NEFROPATIA DIABÉTICA. Vinicius D. A. Delfino. Prof. Titular de Nefrologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

Consensus Statement on Management of Steroid Sensitive Nephrotic Syndrome

Doença Renal Crônica no Brasil. Epidemia Silenciosa

Protocolo de Atendimento a Pacientes Hepatopatas com Injúria Renal Aguda e Síndrome Hepatorrenal

Fatores de risco primários da Doença Renal Crônica (DRC) e recomendações das instituições

Avaliação da Função Renal em Idosos Atendidos na Estratégia de Saúde da Família

Prevenção na progressão da Doença Renal Crônica no paciente diabético

Informações básicas sobre SDMA

ESTUDO DA INFLAMAÇÃO ATRAVÉS DA VIA DE EXPRESSÃO GÊNICA DA GLUTATIONA PEROXIDASE EM PACIENTES RENAIS CRÔNICOS

PREVALÊNCIA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES DIABETICOS EM UM LABORATORIO CLÍNICO EM CAMPINA GRANDE

DISCIPLINA DE NEFROLOGIA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE TRATAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA (NIT-DRC)

Proteinúria. Marcus Gomes Bastos

Obrigada por ver esta apresentação Gostaríamos de recordar-lhe que esta apresentação é propriedade do autor pelo autor

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

Nefropatia Diabética. Caso clínico com estudo dirigido. Coordenadores: Márcio Dantas e Gustavo Frezza

Particularidades no reconhecimento da IRA, padronização da definição e classificação.

AVALIAÇÃO DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR EM CÃES OBESOS RESUMO

Métodos de avaliação da função renal

ENFERMAGEM ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA FAMÍLIA. Parte 26. Profª. Lívia Bahia

Epidemiologia, diagnóstico e tratamento da hipertensão arterial em pacientes com Doença Renal Crônica, no primeiro nível de atenção

NÚMERO: 008/2011 DATA: 31/01/2011 Diagnóstico Sistemático da Nefropatia Diabética

Aula 05 DIABETES MELLITUS (DM) Definição CLASSIFICAÇÃO DA DIABETES. Diabetes Mellitus Tipo I

Prevenção Secundária da Doença Renal Crônica Modelo Público

DIA MUNDIAL DO RIM 13 DE MARÇO DE 2014-FORTALEZA, CE 1 EM 10. O RIM ENVELHECE, ASSIM COMO NÓS

GLOMERULOPATIAS. 5º ano médico. André Balbi

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA. Diagnóstico precoce da doença renal crônica pela Estratégia Saúde da Família

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANSMISSIVEIS. Doenças Renais Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

INCIDÊNCIA DE CLEARANCE DE CREATININA COM VALORES REDUZIDOS: UMA FERRAMENTA PARA O DIAGNÓSTICO DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

R1CM HC UFPR Dra. Elisa D. Gaio Prof. CM HC UFPR Dr. Mauricio Carvalho

Doença Renal Crônica: Considerações sobre Diálise

Sumário ANEXO I COMUNICADO HERMES PARDINI

MANEJO DOS CASOS SUSPEITOS E CONFIRMADOS DE INFLUENZA NO HIAE E UNIDADES

Sistema Urinário. Patrícia Dupim

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

3/6/ 2014 Manuela Cerqueira

AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA NO IDOSO

12. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1 O CONHECIMENTO DA POPULAÇÃO FRENTE À TEMÁTICA: DOENÇA RENAL CRÔNICA

O PAPEL DO MFC NA PREVENÇÃO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

PREVENÇÃO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ALIMENTOS E NUTRIÇÃO CICLO DE PALESTRAS

INDICADORES BIOQUÍMICOS DA FUNÇÃO RENAL EM IDOSOS

Diagnóstico Diferencial das Síndromes Glomerulares. Dra. Roberta M. Lima Sobral

Cálculos. Área de superfície corporal (BSA): Dose com base na área de superfície corporal: Dose aproximada = BSA (m 2 ) x dose adulta normal 1,73 m 2

Lesão Renal Aguda. Revista Qualidade HC. Autores e Afiliação: Área: Objetivos: Definição / Quadro Clínico:

Simulado ENADE GABARITO PROVA NOTURNO

Insuficiência Renal Crônica

Avaliação custo benefício da dosagem da relação albumina\ creatinina pela manhã em pacientes com pré-eclampsia.

ENFERMAGEM EXAMES LABORATORIAIS. Aula 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina Departamento de Fisiologia e Farmacologia Atividade de Monitoria

Evento: XXV SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

DETECÇÃO PRECOCE DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM POPULAÇÃO DE RISCO

Diagnóstico e estagiamento da DRC em cães e gatos

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO DE DIFÍCIL CONTROLE

PRÉ-REQUISITO R3 TRANSPLANTE RENAL / NEFRO (309)

USG do aparelho urinário: hidroureteronefrose bilateral, bexiga repleta com volume estimado de 350 ml com paredes espessadas e trabeculadas.

Manejo do Diabetes Mellitus na Atenção Básica

SOBREPESO E OBESIDADE

Marcus G. Bastos NIEPEN da UFJF e Fundação IMEPEN Brasília, 2008

CONHECIMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA ENTRE MÉDICOS CONFORME AS DIRETRIZES PRÁTICAS

Dia Mundial do Rim 2019

Consultas Doença Renal Crônica Avançada

ATENÇÃO FARMACÊUTICA À POPULAÇÃO DE MUNICÍPIOS PARAENSE COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DO DIABETES, HIPERTENSÃO ARTERIAL E DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

O INÍCIO DA DOENÇA RENAL NÃO MOSTRA SINAIS CLAROS, MAS A SUA ATITUDE FAZ TODA A DIFERENÇA

FISIOLOGIA RENAL PROCESSOS BÁSICOS DE TROCA RENAL

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA EM GATOS

PREVALÊNCIA DE DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS DO 2 BATALHÃO DE BOMBEIROS MILITAR DA PARAÍBA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ COORDENADORIA DE CONCURSOS CCV

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA COMO POTENCIAL CAUSADORA DE GLOMERULONEFROPATIA EM CÃO RELATO DE CASO

Controle glicêmico no paciente hospitalizado. Profa. Dra. Juliana Nery de Souza- Talarico Depto. ENC Disciplina ENC 240

TÍTULO: AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE GLICOSE EM INDIVÍDUOS COM DIABETES MELLITUS E CREATININA E UREIA EM INDIVÍDUOS NEFROPATAS.

PEDIDO DE CREDENCIAMENTO DO SEGUNDO ANO NA ÁREA DE ATUAÇÃO NEFROLOGIA PEDIÁTRICA

Após um episódio de ITU, há uma chance de aproximadamente 19% de aparecimento de cicatriz renal

COMPORTAMENTO DA PRESSÃO ARTERIAL EM PACIENTES QUE ADERIRAM A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA PARA O CONTROLE DA HIPERTENSÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA

DESAFIOS DA TRS NO BRASIL OU DOENÇA RENAL CRÔNICA : É MELHOR PREVENIR

Hidroclorotiazida. Diurético - tiazídico.

Sindrome Hepatorenal(HRS) Dr Rodrigo S Kruger UFPR- CTSI

Síndromes Coronarianas Agudas. Mariana Pereira Ribeiro

Protocolo de Prevenção Clínica de Doença Cardiovascular e Renal Crônica

Transcrição:

1 DETECÇÃO e MONITORIZAÇÃO de PACIENTES com DRC Dr. Carlos Zúñiga San Martín I. INTRODUÇÃO Nos estágios iniciais da Doença Renal Crónica (DRC), usualmente, o diagnóstico é corroborado apenas pelos exames laboratoriais ou por imagens. As manifestações clínicas são tardias e só são evidentes nos estágios mais avançados. (Figura 1) Em algumas ocasiões, o diagnóstico de DRC pode ser um achado, em indivíduo assintomático para quem são solicitados exames de sangue ou urina para avaliação preventiva de saúde. Esperar o aparecimento de sintomatologia para fazer o diagnóstico de DRC pode atrasar o começo do tratamento oportuno que evite ou retarde a progressão para estágios avançadas da doença. O momento, tipo de intervenção e pertinência das ações preventivas em saúde renal estarão determinados pela idade, condição clínica, comorbidades e estágio da DRC. A respeito disso, a participação ativa do paciente na tomada de decisões relativas à sua doença, além de dever ético, desempenha um importante papel na continuidade e adesão ao tratamento e tem impacto positivo nos resultados esperados. É mandatório, portanto, que a equipe médica nefrológica forneça informação oportuna e completa sobre o diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento ao paciente e à sua família. 1

2 Os objetivos de cada estratégia são diferentes para cada estágio da DRC e requerem uma abordagem multidisciplinar que inclua a participação de outros profissionais de saúde (nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos etc.). As ações de prevenção primária estão destinadas à pesquisa, educação e promoção dos estilos de vida saudáveis, bem como à triagem e tratamento das pessoas com fatores de risco suscetíveis a desenvolver DRC, p. ex.: diabetes mellitus, hipertensão arterial, obesidade, doença cardiovascular etc. A prevenção secundária Objetivos de prevención en la Enfermedad Renal Crónica. Pesquisa y Tratamiento Factores de riesgo ETAPAS PRE TSR * 1 2 3 4 5 Diálisis o Trasplante renal Tto. Conservador Cuidados paliativos PREVENCI ÓN PRI MARI A PREVENCI ÓN SECUNDARI A PREVENCI ÓN TERCI ARI A OBJETIVOS v Educar y promover la salud renal. v Tamizar y tratar factores de riesgo susceptibles de desarrollar ERC. OBJETIVOS v Pesquisar y tratar la ERC. v Detener o enlentecer progresión. v Prevenir complicaciones. ( Morbi / mortalidad cardiovascular) aborda a pesquisa, diagnóstico e tratamento da DRC, e suas intervenções estão orientadas a deter ou diminuir a progressão da doença e a prevenir complicações. Finalmente, nos estágios avançados da doença, a prevenção terciária, em conjunto com a pesquisa e o tratamento das complicações associadas, promove a admissão informada e oportuna em qualquer uma das quatro opções de tratamento: hemodiálise/diálise peritoneal, transplante renal ou tratamento conservador/paliativo. (Figura 2) Figura 2. OBJETIVOS v Programar el Ingreso oportuno a diálisis o Tx renal. v Pesquisar y tratar complicaciones. v Promover Calidad de vida en salud. * TSR: Terapias de sustitución renal 2

3 II. PAPEL DO LABORATORIO CLÍNICO NO DIAGNÓSTICO, ESTRATIFICAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA DRC A DRC é caracterizada pela diminuição da função renal e/ou alteração da estrutura renal por mais de três meses, independente da etiologia. É diagnosticada segundo, ao menos, um dos seguintes critérios: 1. Velocidade de filtração glomerular (FG) <60 ml/min/1,73 m 2. 2. Lesão renal caracterizada por: Albuminúria moderada/grave (Relação Albumina/Creatinina [RAC] 30 mg/g). Alterações no sedimento urinário, p. ex.: hematúria. Alterações eletrolíticas ou outras alterações de origem tubular. Alterações estruturais (por diagnóstico imagiológico). Alterações estruturais histológicas (biópsia renal). Histórico de transplante renal. O grande contribuição desta definição reside em que o diagnóstico de DRC não requer, na maioria das vezes, especialistas nem exames sofisticados; basta ter uma história clínica completa, centrada em buscar fatores de risco, e, de acordo com a definição já indicada, uma amostra de sangue, para medir a creatinina sérica, e outra, de urina, para pesquisa de albuminúria ou proteinúria. Em cada um dos cinco estágios da DRC, a medição da função renal, unida à albuminúria/proteinúria, são os pilares do diagnóstico, estratificação, monitorização no tratamento e avaliação do risco cardiovascular. Levando em consideração o importante papel dos exames para medir a função renal e a albuminúria/proteinúria, são apresentados a seguir conceitos e recomendações básicas para sua interpretação adequada na prática clínica. MEDIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL A medição da função renal é de grande importância clínica, porque é a base da definição e classificação da DRC. Existe consenso de que a medição da FG seria o melhor índice para avaliar a função renal. Seu valor varia segundo a idade, gênero e massa corporal. Nos adultos jovens oscila em torno de 110-130 ml/min/1,73 m 2, e vai diminuindo com a idade a um ritmo aproximado de 1 ml/min/1,73 m 2 /ano, a partir dos 40 anos. Considera-se progressão acelerada quando a diminuição for maior ou igual que 5 ml/min/1,73 m 2 /ano. As seguintes afirmativas resumem os consensos e recomendações propostos pelas sociedades científicas de nefrologia no mundo: 3

4 a) A medição da FG com inulina (considerada o padrão ouro) ou o uso de isótopos radiativos ( 51 Cr-EDTA ou 125 I-Iotalamato) e não-isotópicos não está disponível na prática clínica habitual e é de alto custo e complexa metodologia. b) c) Uremia/BUN não são bons índices para avaliar a função renal, porque são influenciados pela dieta e o estado de hidratação. d) A creatinina plasmática foi a substância endógena mais utilizada na estimativa da FG. Contudo, seu uso isolado não está recomendado para a avaliação da função renal, porque o valor é afetado por fatores como idade, sexo, raça, dieta, tamanho corporal, algumas drogas e pela técnica de laboratório. e) O clareamento (clearance) de creatinina como estimativa da FG apresenta uma série de limitações. Sobre-estima em torno de 10-20% a FG nos indivíduos com função renal normal, em comparação ao obtido pelo clearance de insulina, devido à secreção de creatinina a nível do túbulo proximal. Além disso, agrega os inconvenientes e erros frequentes na coleta de urina de 24 horas, especialmente em crianças e idosos. f) Para evitar as limitações da coleta de urina de 24 horas, várias organizações e sociedades científicas de nefrologia recomendam o uso, em adultos, de equações para a estimativa da filtração glomerular (FGe). g) Essas equações modelam matematicamente a relação observada entre o nível plasmático de creatinina e a FG, na população estudada. Sua vantagem é que fornecem uma estimativa da FG que, empiricamente, combina a média dos fatores (idade, sexo, raça, tamanho corporal) que influenciam a creatinina, reduzindo o erro do seu valor isolado. h) O cálculo do clearance de creatinina obtido por meio da coleta de urina de 24 h não é melhor que a estimativa da FG a partir das equações, exceto em determinadas situações médicas. (Tabela 1) i) As equações para a estimativa da FG não são aplicáveis a todas as populações e situações clínicas. (Tabela 1) Quando for necessária maior exatidão, recomenda-se realizar medição da FG com radioisótopos ou, na sua falta, avaliar mediante clearance de creatinina por meio de coleta de urina de 24 horas, evitando erros na coleta. j) Deve-se ter em mente que o desenvolvimento das equações está baseado em dados de pacientes com DRC estudados em países desenvolvidos, não havendo validação suficiente com dados da população latino-americana. 4

5 k) As equações mais utilizadas são a Cockcroft-Gault e a MDRD-4. A maioria dos estudos e sociedades científicas recomenda usar a equação MDRD-4, em adultos entre 18 e 70 anos, normonutridos, por ela ser mais precisa que a equação Cockcroft-Gault. l) A equação MDRD-4 foi obtida a partir de indivíduos com DRC que tiveram a FG avaliada com clearance 125 I-Iothalamato. Sua principal vantagem é que não precisa do peso do paciente, apresentando maior exatidão diagnóstica para valores de FG entre 15 e 60 ml/min/1,73 m 2, correspondentes aos estágios 3 e 4 da DRC. m) Para valores entre 60 e 90 ml/min/1,73 m 2, o comportamento desta equação é variável, em função do tipo de população estudada e do método utilizado para a determinação da creatinina. n) De acordo com o anterior, a FG estimada pela equação MDRD-4 deve ser informada da seguinte forma: Valores superiores a 60 são informados como >60 ml/min/1,73 m 2 e não com o valor numérico calculado na equação. Isso é assim pela maior dispersão dos resultados nas equações de estimativa para valores de filtração glomerular superiores a 60 ml/min/1,73 m 2, em comparação com o clearance renal aferido por 125 I-Iothalamato. Por conseguinte, esses valores podem corresponder a FG estimada normal ou serem compatíveis com DRC estágios 1 ou 2. Deve-se levar em consideração que nos estágios iniciais (1 e 2) o valor da FG não é diagnóstico, por si só, de DRC e requer a presença de algum marcador associado de lesão renal por mais de três meses. Valores que sejam iguais ou inferiores a 60 devem ser informados com o valor numérico calculado, expresso em ml/min/1,73 m 2. Os valores entre 30-59, 15-29 e <15 são indicadores de DRC estágios 3 (a e b), 4 e 5, respectivamente, se persistirem por mais de três meses. É bom lembrar que valores inferiores a 60 ml/min/1,73 m 2 estão associados à maior prevalência de complicações da DRC e a risco cardiovascular. Recomenda-se conferir o resultado com um novo exame em, ao menos, um mês, realizando avaliação renal complementar. o) Hoje em dia, as sociedades internacionais de nefrologia recomendam utilizar a equação CKD-EPI, que tem melhor correlação na estimativa da FG, devido à menor dispersão dos resultados. Outras vantagens adicionais em relação ao MDRD são a maior exatidão e melhor capacidade preditiva da filtração glomerular (especialmente valores entre 60 e 90 ml/min/1,73 m 2 ), bem como a predição da mortalidade global e cardiovascular, ou do risco de apresentar DRC terminal. p) Entretanto, para poder utilizar a equação CKD-EPI é necessário que a determinação da 5

6 creatinina seja realizada com traçabilidade adequada à metodologia de referência IDMS (espectrometria de massa com diluição isotópica). Recomenda-se consultar no laboratório clínico local a modalidade utilizada para o exame de creatinina. Caso esteja referida (IDMS), pode ser usada a equação CKD-EPI, caso contrário, deve-se continuar utilizando a equação MDRD-4. Considera-se que a CKD-EPI deve substituir progressivamente as equações anteriores, na medida em que mais laboratórios utilizem a creatinina padronizada por IDMS. q) Existem aplicações gratuitas para celulares por meio das quais é possível acessar as equações MDRD-4 e CKD-EPI para realizar o cálculo rápido da FG estimada, p. ex.: MedCalc; Qx Calculate. r) Existem, ainda, sítios web onde é possível realizar cálculos on-line, p. ex.: www.senefro.org/modules.php?name=nefrocalc e www.nephromatic.com/egfr.php s) Tendo em vista a simplicidade da informação requerida, os laboratórios clínicos deveriam informar FGe com a equação MDRD-4 ou CKD-EPI, conforme corresponda, toda vez que um exame de creatinina sérica for solicitado. Tabela 1. Situações clínicas nas quais a estimativa da FG mediante o uso de equações é inadequada o Indivíduos que seguem dietas especiais (ex.: vegetarianos estritos). o Alterações importantes na massa muscular. o Indivíduos com índice de massa corporal que 19 ou 35 kg/m 2. o Presença de hepatopatia grave, edema generalizado ou ascite. o Idades extremas. o Gravidez. o Função renal instável, p. ex.: Injúria Renal Aguda. o Estudo de potenciais doadores de rim. 6

7 MEDIÇÃO DA ALBUMINÚRIA/PROTEINÚRIA Em condições normais, um indivíduo saudável elimina pela urina entre 40-80 mg de proteína/dia, das quais, aproximadamente 10-15 mg correspondem a albumina. A albumina é a proteína predominante na urina, na DRC secundária a diabetes, hipertensão arterial ou glomerulopatias, causas mais frequentes de DRC no adulto, O teste com tira reagente para urina (dipstick) é um marcador qualitativo de proteinúria, que só detecta albuminemia se esta atingir concentrações maiores que 30 mg/dl (300-500 mg/dia). Entretanto, descreveu-se que já com níveis menores existiria maior risco de progressão da DRC, morbimortalidade cardiovascular e mortalidade em geral, especialmente em populações de alto risco, como diabéticos e hipertensos. Assim, nessa população de risco, é preciso determinar a albumina urinária com métodos que permitam detectar concentrações menores. Os últimos Guias KDIGO 2012 recomendam prescindir do uso de termos como microalbuminúria (30-300 mg/dia) ou macroalbuminúria (>300 mg/dia), preferindo o uso do termo albuminúria ou excreção urinária de albumina, mais o valor absoluto da RAC em amostra isolada de urina expresso em mg/g. O valor da RAC normal é menor que 10 mg/g. A albuminúria é classificada como normal ou ligeiramente elevada (A1), moderadamente elevada (A2) e severamente elevada (A3), se a RAC em amostra isolada de urina for <30, 30-300 ou >300 mg/g, respectivamente. (Tabela 2) Quanto à mensuração da presença de albuminúria/proteinúria, são apresentados abaixo os seguintes consensos e recomendações: a) Para a pesquisa da proteinúria, recomenda-se utilizar o teste da tira reagente em amostra isolada de urina, de preferência, a primeira da manhã. b) Tiras reagentes são um método aceitável de detecção, pela sua alta especificidade e sensibilidade, porém, indicam apenas a concentração de proteínas, influenciada pelo volume urinário e a hidratação. É uma avaliação qualitativa, que só dará positivo com proteinúria acima de 300 mg/dia. c) Se a tira reagente for positiva para proteína (uma ou mais +), deve ser confirmado mediante estudo quantitativo. d) Para medir quantitativamente a proteinúria é desnecessária a coleta de urina de 24 horas. A Relação Proteína/Creatinina urinária (RPC, expressa em miligramas de proteína por grama de creatinina urinária), em amostra isolada de urina, corrige os erros e limitações da coleta de urina e mantém uma boa correlação com a medição de 24 horas (valor normal acima de 200 mg/g). (Tabela 3) 7

8 e) Se a tira reagente for negativa para proteína, caso estejam sendo avaliados indivíduos com fatores de risco suscetíveis de desenvolvimento de DRC (diabetes, HTA etc.), recomenda-se utilizar a Relação Albumina/Creatinina (RAC) em amostra isolada de urina, para pesquisar níveis de albumina abaixo do limite de detecção da tira reagente (não é necessário fazer coleta de 24 h). (Tabela 2) f) Se houver disponibilidade de tira reagente específica para albumina e esta for (+), recomenda-se, mesmo assim, realizar estudo quantitativo (RAC). g) A quantificação da excreção urinária de albumina ou de proteínas na urina de 24 horas é reservada para situações especiais, nas quais considera-se necessário uma medição mais acurada. h) Em pacientes com DRC e proteinúria significativa (por exemplo: RAC >300-500 mg/g), a monitorização com RPC deve ser continuada, pelo seu menor custo e porque, à medida que a proteinúria aumentar, especialmente na síndrome nefrótica, a RAC será menos sensível. i) Devido à variabilidade da excreção urinária, é necessário certificar-se de que o paciente efetivamente tem albuminúria ou proteinúria. Devem existir, no mínimo, duas de três amostras positivas, no período de três a seis meses. j) A pesquisa de albuminúria ou proteinúria elevada precisa, sempre, descartar outras causas que possam aumentar transitoriamente essa excreção, como infecções urinárias, exercício físico, febre, ou insuficiência cardíaca. 8

9 Referências 1. Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group, KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney International 3 (2013):1-150. 2. A. Martínez-Castelao et al. «Documento de consenso para la detección y manejo de la Enfermedad Renal Crónica». Nefrología. 2014; 34(2):243-62. RECOMENDADA 3. NICE Clinical Guideline. Chronic kidney disease early identification and management of chronic kidney disease in adults in primary and secondary care. Issued: July 2014. https://www.nice.org.uk/guidance/cg182 4. Manuel Gorostidi et al. Documento de la Sociedad Española de Nefrología sobre las Guías KDIGO para la evaluación y el tratamiento de la enfermedad renal crónica. Nefrología. 2014; 34(3):302-16. RECOMENDADA 9