FERRAMENTAS DA QUALIDADE APLICADAS À SAÚDE A literatura especializada aponta uma longa lista de ferramentas de gestão e melhoria da qualidade. Elas são consideradas úteis na medida em que auxiliam na obtenção e análise dos processos internos, identificando causas, efeitos, testando teorias ou controlando um processo quando a solução para um problema foi implantada. Sua utilização é bastante flexível, isto é, uma mesma ferramenta pode ser usada com diferentes finalidades, sozinha ou associada a outras. É importante lembrar que as ferramentas usadas na gestão da qualidade são mais úteis quando puderem ser compreendidas não só por médicos ou enfermeiros. Uma vez que a melhoria contínua da qualidade depende do envolvimento de todos os profissionais da instituição de saúde, a gerência deve se preocupar em promover o aprendizado e difusão dessas informações da maneira mais democrática possível. Apresentaremos algumas dessas ferramentas, apontando quando, como e porque são usadas. Folha de Verificação As folhas de verificação ou checklists são usadas quando se quer conhecer a frequência de certos eventos, durante um determinado período de tempo. Essa frequência pode ser verificada em porcentagens ou em graduações progressivas (nunca, às vezes, frequentemente, muitas vezes, sempre) e é importante quando se quer ter um panorama do que está acontecendo na realidade. Os quadros a seguir demonstram exemplos de utilização dessa ferramenta
Quadro 17 - Modelo de folha de verificação de causas de glosa pelo convênio Causas Quantidade Porcentagem Ausência de registro de prontuário do procedimento 10 50 Código do procedimento do convênio não corresponde 7 35 ao procedimento descrito em prontuário Data de realização do procedimento enviada ao 2 10 convênio não condiz com o registrado em prontuário Letra ilegível no prontuário 1 5 Total 20 100 Fonte: Gama e Ota (2012) Ao fazer o levantamento de causas de glosa de contas hospitalares apresentadas ao convênio utilizando essa ferramenta, fica evidente que 85% das ocorrências estavam relacionados ao registro incorreto no prontuário. Da mesma forma, utilizando a folha de verificação apresentada, também é possível acompanhar de que forma está ocorrendo a adesão dos profissionais de saúde às normas de segurança para evitar acidentes com perfurocortantes. Quadro 18 - Modelo de folha de verificação no controle de acidentes de trabalho com perfurocortantes Controle de acidentes de trabalho Nunca Às vezes Com frequência Muitas vezes Sempre Caixas de perfurocortantes são lacradas quando se atinge o nível de segurança? Agulhas são descartadas corretamente Equipamentos de proteção individuais estão disponíveis e de fácil acesso? Equipamentos de proteção individual são utilizados corretamente? Adaptado de: Alves (2012b) Fluxograma Fluxograma é uma representação gráfica dos passos de um processo. Ele é usado quando se pretende ter uma compreensão abrangente e integrada de todas as atividades ou decisões envolvidas no processo, o que é importante para detectar atividades redundantes ou desnecessárias ou outras falhas que acabam gerando retrabalho. O fluxograma utiliza símbolos padronizados para representar os diferentes aspectos envolvidos no processo. O quadro a seguir apresenta os significados desses símbolos.
Quadro 19 - Símbolos e respectivos significados utilizados em um fluxograma Símbolo Significado Inicio e fim de um processo Ação: atividades, tarefas, procedimentos Decisão de uma ação Processo em espera Processo arquivado Sequência de eventos Adaptado de: Alves (2012b) A figura 13 descreve o fluxograma de atendimento de um funcionário ou aluno da Universidade Paulista (UNIP) que sofreu um acidente com material biológico. Podemos perceber que o desenho esquemático aponta todas as ações que devem ser desenvolvidas depois do acidente ocorrer para garantir os cuidados adequados à pessoa. De forma simples, fica evidente a padronização de condutas que devem ser adotadas, não restando dúvida do que fazer nessa situação. Assim, o fluxograma é um instrumento que permite alinhar ações e pessoas na direção de um mesmo resultado.
Funcionário/Estagiário Acidentado Administrar cuidados Locais: lavagem exaustiva com água e sabão do local da exposição (perfuração de membros ou mucosa) Comunicar chefia / Coordenação Sim Encaminhar ambos para atendimento médico, em hospital de referência em até duas horas do ocorrido. Fonte Presente Comunicar Familiar Responsável Não Encaminhar colaborador para atendimento médico, em hospital de referência em até duas horas. Comunicar à coordenação/chefia condições do acidente e procedimentos adotados (relatório escrito) Figura 13 - Modelo de fluxograma de procedimentos pós-acidente com material biológico Diagramas de Pareto O diagrama de Pareto é um gráfico de barras utilizado para representar os diversos fatores envolvidos em um processo ou problema, a fim de que se possam triar os mais importantes. Esse gráfico tem esse nome em homenagem ao economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), que observou que a maior parte da riqueza estava concentrada entre poucos cidadãos. Como ferramenta para melhoria da qualidade, o diagrama de Pareto é usado para identificar os fatores que mais contribuem para um determinado efeito. Esses fatores devem estar dispostos em ordem decrescente de valor. Por exemplo, vamos analisar a figura seguinte que descreve as situações em que ocorreram acidentes com objetos perfurocortantes (OPC) em duas diferentes categorias profissionais, em um hospital universitário, na cidade de São Paulo. Podemos observar que foram identificadas cinco grupos de causas dos acidentes com perfurocortantes. No entanto, quase 60% foram devido à realização ou auxílio de procedimentos, entre os profissionais de enfermagem, enquanto em outras categorias profissionais, quase 40% estavam relacionados ao descarte de OPC em local inadequado.
Assim, o gráfico de Pareto permitiu identificar aquilo que os especialistas chamam de poucos vitais, isto é, os fatores que se distinguem em meio a vários. Essa observação é essencialmente importante para o gerenciamento da qualidade porque, muitas vezes, é necessário delimitar o foco de atuação dentre diversos aspectos, definindo prioridades de atuação. Figura 14 - Modelo de diagrama de Pareto Fonte: Brevidelli, Cianciarullo, 2012 Por exemplo, uma das unidades do Park Nicollet Medical Center (EUA) utilizou o diagrama de Pareto para representar as causas que levaram os clientes a avaliarem como ruim ou razoável o atendimento recebido. Dessa forma, perceberam que dentre as 17 categorias de causas, quatro foram responsáveis por 55% dessas avaliações: condições para conseguir uma ligação telefônica, comunicação sobre novos serviços, facilidades para conseguir entrevistas e tempo de espera na sala de recepção. Identificando os poucos vitais, a gerência conseguiu reduzir o número de avaliações negativas na pesquisa de satisfação dos clientes (PLSEK, 1994). Diagramas de causa e efeito Essa ferramenta também é conhecida como diagrama de Ishikawa ou espinha de peixe ; isso se deve ao fato de ter sido introduzido pela primeira vez pelo médico japonês Dr. Kaoru Ishikawa e por seu desenho se assemelhar a uma espinha de peixe. É utilizado para analisar diferentes grupos de causas para um problema ou efeito. Como ferramenta de melhoria da qualidade, ele é mais útil quanto mais abrangente for a análise das causas, incluindo visões de diferentes profissionais, o que permite olhar para o problema em diferentes ângulos, isto é, tanto do ponto de vista da gerência, quanto do funcionário de nível mais operacional. É justamente esse processo de discussão de grupo que confere maior valor a essa ferramenta. É importante também que as diferentes causas sejam agrupadas em categorias, buscando semelhanças. A figura a seguir apresenta um exemplo prático.
Figura 15 - Modelo de diagrama de causa e efeito Fonte: Alves, 2012b Podemos observar que a utilização do diagrama de Ishikawa possibilitou uma visão bastante detalhada e ampla das causas para atrasos de cirurgia. Quatro grandes grupos foram identificados: pessoal, políticas, processo e planta. Dentre as causas envolvendo pessoal, notamos falta de disciplina e comprometimento (atraso de médicos e técnico de Raios-X) e carência de profissionais (equipe de higiene defasada). Dentre as causas envolvendo políticas organizacionais, percebemos a carência de recursos materiais (falta de instrumental e equipamento, manutenção deficiente). Na categoria planta, percebe-se a falta de planejamento e organização da estrutura física (sala ocupada, não preparada, distância grande). Na categoria processo, percebe-se falta de coerência e organização das atividades envolvidas no preparo para cirurgia (demora em chegar ao CC, demora na entrega de roupas, falta de tricotomia). É importante notar que, nesse caso, seria fundamental associar essa ferramenta a um diagrama de Pareto para identificar os poucos vitais e atacar as principais causas do problema. Como ferramenta da qualidade, o diagrama de Ishikawa possibilita o trabalho em equipe e o exame objetivo das causas, contribuindo para uma visão mais complexa e global do problema. Diagrama de Dispersão O diagrama de dispersão é um tipo de gráfico utilizado para analisar a relação de influência de um fator sobre outro, isto é, se existe correlação entre eles. Não se trata de relação de causa e efeito, mas sim de verificar se a mudança em um fator provoca alteração em outro. Essa correlação pode ser positiva, negativa ou nenhuma. Como exemplo, analisaremos a próxima figura.
Figura 16 - Modelo de gráfico de dispersão Fonte: Brevidelli e Freitas, 2012 Brevidelli e Freitas (2012) elaboraram um gráfico de dispersão para analisar a correlação entre despesas com saúde e saneamento e o índice de desenvolvimento da saúde, para cada unidade da federação do Brasil. Essa ferramenta permitiu observar que, no Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro (pontos mais altos, no canto superior direito) houve uma correlação positiva, isto é, maiores investimentos em saúde e saneamento implicaram maior nível de desenvolvimento da saúde. Por outro lado, nos estados do Maranhão, Alagoas e Pará (pontos no canto inferior esquerdo), maiores gastos com saúde não garantiram o adequado desenvolvimento da saúde. Matriz GUT A matriz GUT é uma tabela elaborada com a finalidade de analisar riscos e identificar prioridades na resolução de um problema. O objetivo é identificar entre diversos problemas, quais os mais graves e que requerem prioridade de intervenção. Para isso, é atribuído um valor de 1 a 5 em três critérios: gravidade (G), urgência (U) e tendência (T). A análise da gravidade questiona o impacto ou consequência do problema em longo prazo. A urgência tem relação com o tempo disponível para resolução. E, finalmente, a tendência analisa o potencial de crescimento ou desaparecimento do problema. Assim, G=1 indica uma ocorrência de baixa gravidade e G=5, ocorrência grave. Da mesma forma, U=1 indica menor urgência e U=5, maior urgência. E ainda, T=1 aponta que a situação não irá piorar se nada for feito e T=5, piora da situação se nada for feito. A multiplicação desses valores resulta em um escore (E) ou nota final. Quanto maior esse escore, maior a prioridade que se deve atribuir à resolução do problema. Como exemplo prático, vamos observar o quadro seguinte.
Quadro 20 - Modelo de matriz GUT para analisar problemas na passagem de plantão, tornando essa atividade extensa e demorada Problemas Gravidade (G) Urgência (U) Tendência (T) Escore (E) Comunicação prejudicada por 5 5 3 75 conversas paralelas Acúmulo de pessoas na unidade 4 4 1 16 Admissão de pacientes em pósoperatório 3 3 2 18 Admissão de pacientes 2 3 1 6 Chegada de visitantes 2 1 1 2 Interrupção pela equipe médica 3 2 2 12 Adaptado de: Alves (2012b) Ao elaborar uma matriz GUT para analisar os problemas que interferem na passagem de plantão, foi possível identificar que conversas paralelas (E=75) e admissão de pacientes após a cirurgia (E=18) são os problemas mais graves e urgentes a resolver, caso contrário, a passagem de plantão tende a se estender, prejudicando a continuidade da assistência aos pacientes da unidade. 5W3H Essa ferramenta corresponde a um plano de ação, no qual se delimitam as ações, responsabilidades, métodos, prazos e recursos associados. É, portanto, uma ferramenta de planejamento estratégico usada para implantar mudanças na organização. A expressão 5W3H refere-se às iniciais de termos em inglês: What (o que): determinar o que será feito (etapas do processo); Why (por que): apontar a justificativa para executar a atividade; Who (quem): distribuir responsabilidades, definindo quem vai realizar cada etapa; When (quando): definir o tempo para execução das atividades; Where (onde): determinar o local onde cada etapa será realizada; How (como): definir o método que será adotado em cada etapa; How much (quanto): delimitar os custos envolvidos no processo How measure (como medir): apontar como o processo será avaliado e monitorado Vamos aprender como utilizar essa ferramenta, observando o próximo quadro.
Quadro 21 - Modelo de plano de ação 5W3H para reduzir tempo da passagem de plantão Setores: Unidades de Terapia Intensiva e Semi-Intensiva Objetivo: reduzir o tempo gasto na passagem de plantão para 20 minutos O que (what) Quem (who) Quando (when) Onde (where) Por que (why) Como (how) Quanto (how much) Como medir (how measure) Gerenciar o tempo gasto na passagem de plantão Enfermeiros da unidade Até 21/02/20... Unidade de terapia intensiva e semi-intensiva Garantir o atendimento adequado dos pacientes da unidade Discutir com cada funcionário como ele deve se comportar na passagem de plantão, evitando conversas paralelas Elencar um ou dois funcionários para receber pacientes vindos do pósoperatório, durante a passagem de plantão Atribuir avaliação positiva e bonificação para a equipe, caso a meta seja atingida Medir o tempo gasto na passagem de plantão Fonte: Brevidelli (2013) O quadro demonstra a utilização do plano de ação 5W3H para reduzir o tempo gasto na passagem de plantão da UTI e Semi-Intensiva e, dessa forma, garantir o atendimento adequado dos pacientes internados nessa unidade. Ao usar essa ferramenta, obtemos uma maneira objetiva sobre como isso será realizado, quem são as pessoas envolvidas no processo, quais as responsabilidades, quais os custos e como o resultado desejado será monitorado. Ciclo PDCA O ciclo PDCA é uma ferramenta utilizada para controle ou melhoria dos processos internos. O termo PDCA advém da primeira letra das etapas de um processo de análise, conforme o seguinte: Plan (Planejar): definir metas e métodos para atingi-las. Do (Executar): executar o que foi planejado; inclui o treinamento e educação dos profissionais para a execução adequada. Check (Verificar): verificar resultados alcançados. Action (Atuar): atuar corretamente. Quando usado para atingir metas ou manter os resultados em um nível desejado é denominado de SDCA (Standard, Do, Check, Action Padrão, Ação, Avaliação e Ação corretiva) (FONSECA; MYAKE, 2006). Nesse caso, estamos falando de um processo sistemático e cíclico de controle do alcance das metas e do cumprimento dos procedimentos operacionais definidos e do que deve ser feito para corrigir as falhas. A figura seguinte apresenta um diagrama clássico do ciclo PDCA.
Plan: planejar Action: corrigir ciclo PDCA Do: executar Check: avaliar Figura 16 - Modelo de ciclo PDCA A utilização do PDCA para melhoria da qualidade prevê a utilização dessa ferramenta na resolução de problemas e as fases ficariam assim definidas: P: identificação do problema, análise das causas e determinação de plano de intervenção nas causas. D: atuação de acordo com plano de intervenção nas causas. C: confirmação da efetividade do plano A: caso as ações tenham sido efetivas, deve haver a padronização de medidas para que as causas do problema não reapareçam; caso o problema não tenha sido resolvido, deve-se voltar à fase de planejamento. O ciclo PDCA também pode ser aplicado ao planejamento da qualidade ou busca de inovações. Nesse caso, o processo não é repetitivo e a fase de planejamento (P) estaria voltada para a delimitação do novo processo, com análise de viabilidade técnica e econômica. Também seriam definidas todas as especificações e atividades necessárias, seguido do plano de ação. Na segunda fase (D), o plano de ação é executado e, posteriormente, na terceira fase (C), avaliado quanto aos resultados alcançados. Na última fase (A), os procedimentos operacionais são padronizados. Pelo exposto nessa seção, percebemos que há inúmeras ferramentas para auxiliar o gestor de saúde no âmbito da qualidade no planejamento, controle e aprimoramento dos processos de trabalho. Essas ferramentas são instrumentos poderosos para legitimar e consolidar a melhoria contínua da qualidade e, portanto, cabe aos gestores a tarefa de apropriar-se corretamente deles, tornando concreta a busca pela excelência na saúde.
REFERÊNCIAS ALVES, V. L. S. Metodologias de avaliação externa de instituições de saúde disponíveis no Brasil. In:. Gestão da qualidade: ferramentas utilizadas no contexto contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Martinari, 2012a. 200p. ALVES, V. L. S. As ferramentas da qualidade aplicadas à saúde. In:. Gestão da qualidade: ferramentas utilizadas no contexto contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Martinari, 2012b. 200p. BREVIDELLI, M. M.; CIANCIARULLO, T. I. Análise dos acidentes com agulhas em um hospital universitário: situações de ocorrência e tendências. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 10, n. 6, p. 794-799, nov./dez. 2002. BREVIDELLI, M. M.; FREITAS, F. C. G. Estudo ecológico sobre o desenvolvimento da saúde no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, v. 17, n.9, p. 2471-2480, 2012. FONSECA, A. V. M.; MYAKE, D. I. Uma análise sobre o ciclo PDCA como um método para solução de problemas de qualidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 2006, Fortaleza. Anais eletrônicos. Fortaleza, 2006. GAMA K. D.; OTA, D. K. As ferramentas da qualidade utilizadas no serviço de fisioterapia. In: ALVES, V. L. S. Gestão da qualidade: ferramentas utilizadas no contexto contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Martinari, 2012. 200p. MARQUIS, B. L.; HUSTON, C. J. Controle de qualidade. In:. Administração e liderança em enfermagem. Tradução de Regina Machado Garcez. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 557-588. PLSEK P. E.. O ABC das ferramentas da melhoria da qualidade. Tradução de José Carlos Barbosa dos Santos. In: BERWICK, D. M. Melhorando a qualidade dos serviços médicos, hospitalares e da saúde. São Paulo: Makron Books, 1994.