TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027304-12.2009.8.19.0209 RELATOR: DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES APELANTES: 1. SUPERFOR RIO VEÍCULOS LTDA. 2. FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA. 3. ALLAN AZEVEDO DE SOUZA (RECORRENTE ADESI- VO) APELADOS: OS MESMOS APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZA- TÓRIA POR DANOS MORAIS. VEÍCULO NO- VO QUE APRESENTOU DEFEITOS MESES APÓS A AQUISIÇÃO. LAUDO PERICIAL QUE ATESTOU O MAU FUNCIONAMENTO DO MOTOR DE PARTIDA. SENTENÇA DE PARCI- AL PROCEDÊNCIA. DECADÊNCIA AFASTA- DA. A questão, por caracterizar vício do produto, submete-se ao parágrafo 3º do artigo 26 do CDC, iniciando-se o prazo decadencial de noventa dias a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito, que, no caso dos autos, era oculto. Responsabilidade solidária das rés. Dano moral configurado ante a frustração da expectativa de tranquilidade do consumidor que adquire um automóvel 0 km. Verba indenizatória adequadamente fixada, não 1
merecendo majoração. Venda do carro pelo autor a terceiro. Impossibilidade de cumprimento da obrigação do autor de restituir o veículo mediante o ressarcimento do valor pago na aquisição de forma a retomar o status quo ante. Conversão da obrigação de restituir o veículo em perdas e danos devendo ser abatido pelas rés do valor correspondente ao ressarcimento a quantia por ele auferida com a alienação do bem. Verba honorária corretamente fixada. Agravo Retido desprovido. Conversão, de ofício, do cumprimento da obrigação em perdas e danos. Recursos desprovidos. Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 0027304-12.2009.8.19.0209, em que são apelantes 1. Superfor Rio Veículos Ltda.; 2. Ford Motor Company Brasil Ltda.; 3. Allan Azevedo de Souza (Recorrente Adesivo) e são apelados os mesmos. ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento aos recursos, e determinar, de ofício, a conversão do cumprimento da obrigação do autor de restituir o veículo em perdas e danos, devendo ser abatido pelas rés do valor correspondente ao res- 2
sarcimento a quantia por ele auferida com a alienação do bem, nos termos do voto do Desembargador Relator. Allan Azevedo de Souza ajuizou Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória em face de Superfor Rio Veículos Ltda., Ford Motors Company Brasil Ltda. e BFB Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, suscitando a existência de vício de enorme extensão em veículo novo por ele adquirido a comprometer a sua qualidade e originalidade. Declarou que, em 12/02/09, celebrou contrato de compra e venda com a primeira ré, Superfor Rio Veículos Ltda, de um veículo Ford Ka 1.0, Flex, 0km., no valor de R$34.900,00 (trinta e quatro mil e novecentos reais), que, nos primeiros meses de uso, passou a apresentar uma série de problemas quando tentava dar partida pela manhã em dias frios, caso estivesse abastecido com álcool combustível. Acrescentou que, ao procurar a concessionária, foi informado de que deveria utilizar somente gasolina para evitar tais problemas, fato que estranhou por ser o carro do tipo Flex. Em 13/07/09, após apresentar forte barulho no motor, o automóvel acabou sendo rebocado para a concessionária Barrafor, onde foi avisado de que o problema decorria de sujeira nos bicos de injeção e que o barulho do motor fora causado pelo desalinhamento da polia, mas os reparos já haviam sido realizados. 3
Passados dois dias, o veículo apresentou o mesmo problema e foi novamente rebocado para a mesma concessionária onde, mais uma vez, diagnosticaram desalinhamento da polia supostamente causado por desgaste natural. Alegou que o carro sofreu um terceiro e um quarto reboques, até que os técnicos da concessionária suspeitaram de problema de programação no módulo flex do motor, o que fez com que não reconhecesse o combustível álcool. Assegurou que a sucessão e a reiteração dos problemas no veículo, em tão curto espaço de tempo, atesta que apresentava sério defeito de fabricação que não conseguiu ser solucionado causando prejuízo e desrespeito a sua segurança e tranquilidade. Requereu, assim, a concessão da tutela antecipada visando à imediata devolução do bem à primeira ré bem como a locação, à custa desta, de outro automóvel com as mesmas características, e a suspensão da cobrança das prestações referentes ao financiamento contratado. No mérito, pleiteou a condenação da primeira e da segunda rés, solidariamente, à restituição integral de todas as quantias pagas e das despesas comprovadas, devidamente corrigidas e atualizadas, e ao pagamento de indenização por dano moral, além da condenação da terceira ré à inexigibilidade de qualquer cobrança relacionada à compra e venda financiada do bem, devendo conceder-lhe quitação do que foi pago e cancelar o contrato. 4
Contestação da primeira ré, Superfor Rio Veículos Ltda, às fls. 63/79, na qual narrou que apenas comercializou o automóvel e, ao ser submetido a sua análise, prontamente diagnosticou o problema que se referia à falta de um pouco de gasolina no reservatório do tanque de combustível instruindo o autor sobre o procedimento nos veículos Flex. Invocou acidente de consumo, cuja responsabilidade direta é do fabricante, e a culpa exclusiva do consumidor, que não soube utilizar o sistema bicombustível do automóvel. Resposta da segunda ré, Ford Motor Company Brasil Ltda, às fls. 94/106, arguindo a decadência do direito de reclamar pelos vícios do produto e a inexistência nos autos de qualquer documento que comprove a existência de vício de fabricação no veículo, eis que a única ordem de serviço que registra reclamação do autor demonstra que o automóvel estava sendo plenamente utilizado já tendo percorrido 5.141 km. Afirmou que o fato de o autor ter levado o carro à concessionária algumas vezes para a efetivação de reparos jamais ensejou dano moral e que, caso seja declarada a rescisão do contrato de compra e venda, faz jus ao recebimento de indenização a ser paga pelo autor referente à desvalorização ou depreciação do veículo. Decisão, à fl. 129, em que foi decretada a revelia da terceira ré, BFB Leasing S.A. Arrendamento Mercantil. Réplica às fls. 130/135. 5
Decisão saneadora, à fl. 141, em que foram rejeitadas a preliminar de ilegitimidade passiva da primeira ré e a prejudicial de decadência. Foi concedida a tutela antecipada para autorizar que o autor deposite à disposição do Juízo os valores devidos à terceira ré, BFB, e deferida a produção da prova pericial. fls. 152/154. A segunda ré, Ford Motor, interpôs Agravo Retido às Laudo pericial às fls. 229/242. Manifestação do autor, às fls. 252/254, da primeira ré, Superfor, às fls. 255/257, e da segunda ré, Ford Motor, que apresentou parecer crítico, às fls. 258/269. A terceira ré, BFB Leasing e o autor, às fls. 285/286, informaram que realizaram acordo nos autos da Ação de Reintegração de Posse visando à quitação do contrato de arrendamento mercantil, razão pela qual requereram a exclusão da ré do polo passivo desta ação, o que foi deferido à fl. 300. Na sentença, às fls. 329/333, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes para deferir a devolução do bem pelo autor à primeira ré; condenar a primeira e a segunda rés, solidariamente, ao ressarcimento do valor pago pelo autor, corrigido monetariamente desde o desembolso e acrescidos de juros de mora a partir da citação, a ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigidos monetariamente a partir do julgado e com juros de 6
mora desde a citação. Condenou-as, ainda, ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Inconformadas apelam todas as partes. A primeira ré (Superfor), em suas razões recursais de fls. 334/343, assevera que o autor alienou o veículo impossibilitando a rescisão do contrato de compra e venda e, consequentemente, o retorno das partes ao status quo ante. Suscita a inexistência de dano moral porquanto o carro em nenhum momento deixou de ser utilizado pelo autor. A segunda ré (Ford Motor), às fls. 345/357, pugna pela apreciação do Agravo Retido. Argui a sua ilegitimidade passiva, já que cabe à concessionária a realização de reparos nos veículos, o descabimento dos danos morais e o excesso do seu arbitramento. O autor apresentou contrarrazões, às fls. 360/376, e interpôs Recurso Adesivo, às fls. 378/382, requerendo a majoração do valor indenizatório para R$ 15.000,00 (quinze mil reais) bem como da verba honorária. Contrarrazões da segunda ré, às fls. 384/389, e da primeira ré, às fls. 390/398. É o relatório. 7
O automóvel Ford Ka, 0km., adquirido pelo autor da primeira ré, em fevereiro de 2009 (fl. 24), apresentou problemas em 13 de julho, 10 de agosto, 08 de setembro e 21 de setembro do mesmo ano precisando, inclusive, ser rebocado quatro vezes. O Agravo Retido interposto pela segunda ré não merece prosperar. A questão, por caracterizar vício do produto, submete-se ao parágrafo 3º do artigo 26 do CDC, iniciando-se o prazo decadencial de noventa dias a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito, que, no caso dos autos, era oculto. No laudo pericial, restou demonstrado o mau funcionamento do motor de partida (fl. 231) que impedia o engrenamento com a cremalheira do volante do motor (fl. 241). Embora o problema pudesse ser resolvido com a substituição da peça, não foi detectado e corrigido pelas rés, que o atribuíram à falta de gasolina. Com efeito, apenas em setembro o autor levou o fato ao conhecimento da primeira ré (fl. 45), pois, até então, acreditava que o problema se resumia à falta de gasolina ou ao desalinhamento da polia, conforme lhe fora informado. Assim, não há que se falar em decadência. 8
De todo modo, quando uma pessoa se dispõe a adquirir um veículo 0km., espera não ter qualquer tipo de problema por acreditar estar recebendo o bem em perfeito estado de funcionamento. Caso contrário, frustra-se a expectativa de tranquilidade e segurança do consumidor ensejando dano moral. Conforme ressaltou a ilustre Magistrada, muito embora o laudo esclareça que os parâmetros de funcionamento do veículo, durante a vistoria, estivessem funcionando em normais condições, concluiu que o problema apresentado foi no motor de partida, especificamente no impulsor, que falhou nas três primeiras tentativas para a partida a frio, no teste realizado na residência do autor (fl. 242) (fl. 331). Não há dúvida de que foge à normalidade o fato de um veículo 0 km precisar ser rebocado quatro vezes em apenas dois meses. Incide, assim, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, prevista no artigo 18 do CDC, que é solidária entre os fornecedores de produtos de consumo duráveis e não duráveis pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam. O quantum da indenização deve ser arbitrado pelo Juiz de forma prudente, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de compensar, financeira- 9
mente, o ofendido e, ainda, produzir os efeitos punitivopedagógicos aos ofensores, desestimulando a reincidência de atos lesivos ao consumidor. O valor atribuído pelo Juízo a quo revela-se adequado e atende aos parâmetros utilizados por este Tribunal em casos análogos: 0018377-86.2011.8.19.0209 - APELAÇÃO DES. CAETANO FONSECA COSTA - Julgamento: 11/07/2012 - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. AGRAVO DO ART. 557, 1º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL - VEÍCULO NOVO DEFEITO - VÍCIO DO PRODUTO - LEGITIMIDADE DO CO- MERCIANTE - APLICAÇÃO DO ART. 18 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - DANOS MORAIS - EXISTÊNCIA Cuida a hipótese de Ação Indenizatória, objetivando reparação pelos danos morais suportados, diante do fato do autor ter adquirido um automóvel novo que apresentou vários defeitos.- Relação de Consumo. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.- Após a retirada do veículo da Concessionária-Ré percebeu o Autor que as lâmpadas do farol Blue Vision não constavam dele, bem como que a borracha de vedação da porta do 10
motorista encontrava-se defeituosa, além disso por volta das 02h00mim da madrugada o automóvel teria enguiçado na linha amarela por pane seca, sendo que o painel de combustível marcava aproximadamente ¾, além de outros defeitos. Responsabilidade por vício do produto - art. 18 do Código de Defesa do Consumidor.- Responsabilidade solidária dos fornecedores, incluindo o comerciante.- Ilegitimidade passiva afastada. Aplicação da Teoria da Causa Madura.- Hipótese de vício do produto, tendo em vista a existência de defeito, em virtude do mau funcionamento do mesmo, sem ter causado maiores riscos ao consumidor. Existência do dano moral. Valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) que atende aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.- Existência de dano moral. - Decisão agravada mantida.- Recurso Improvido. A venda do carro pelo autor, de fato, impossibilita o retorno ao status quo ante, mas a questão se resolve através da conversão da obrigação em perdas e danos. O artigo 18, 1º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor autoriza o pedido de restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de 11
eventuais perdas e danos quando o vício não for sanado no prazo de 30 (trinta) dias. Dessa forma, se o cumprimento da obrigação se tornou impossível, deve ser convertido em perdas e danos, abatendo-se do valor que o autor despendeu com a aquisição do veículo a quantia por ele auferida com a sua venda, correspondente a R$13.000,00 (treze mil reais fl. 377). A verba honorária não merece reparo, eis que fixada consoante os critérios estabelecidos no 3º do artigo 20 do CPC. Diante de tais fundamentos, converte-se, de ofício, o cumprimento da obrigação do autor de restituir o veículo em perdas e danos, devendo ser abatido pelas rés do valor correspondente ao ressarcimento a quantia por ele auferida com a alienação do bem e nega-se provimento aos recursos. Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2013. DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES Presidente/Relator 12