Curso/Disciplina: Direito Administrativo / 2017 Aula: 2º setor / Concessão e Permissão / Aula 16 Professor: Luiz Jungstedt Monitora: Kelly Silva Aula 16 Nessa aula será dado início ao estudo do segundo setor do Estado Gerencial Brasileiro. Vamos começar falando das parcerias, da desestatização. Nesse momento é reduzido o tamanho da máquina estatal e aumentado o número de parcerias, ora com a iniciativa privada (2º setor), ora com a sociedade civil (3º setor). Ambas as parcerias são incluídas pelo termo genérico desestatização, uma vez que é retirada a estrutura governamental da execução e colocado um parceiro em seu lugar. Página1
Di Pietro chama de parceria com o mercado a parceria com a iniciativa privada. A essência de toda essa matéria se encontra no quadro em amarelo do esquema acima. O empresário investe, busca a amortização do seu investimento e lucro via tarifa pública. A alma do segundo setor é a tarifa pública. O Estado alega que não tem dinheiro para fazer os grandes investimentos que o país precisa para crescer, como as obras de infraestrutura, portos, aeroportos, ferrovias. Então, ele procura um parceiro na iniciativa privada. Este, com o próprio dinheiro, investe e oferece o serviço para a população. Quando o parceiro for cobrar o retorno do investimento dele para amortizar o investimento que fez e ter o lucro esperado da atividade, ele vai cobrar do usuário mediante tarifa pública. Tudo isso envolve delegação de serviço público. O parceiro que recebe a delegação, investe, amortiza o investimento e busca o seu lucro via tarifa pública, enquanto que o Estado cria agências reguladoras para fiscalizar o parceiro. Ou seja, é um Estado gerencial, uma vez que quem executa é o parceiro privado e quem fiscaliza é o Estado. Pautando tudo isso, existe a Constituição, com seu art. 175, que regulamenta a concessão e a permissão de serviço público: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Então, o art. 175 dá a escolha ao governo, que pode diretamente prestar a atividade no primeiro setor, uma vez que se trata de atividade típica, ou pode delegar para o parceiro da iniciativa privada. Ou seja, a escolha fica à critério do governo. Ao delegar à um parceiro da iniciativa privada, ocorre a desestatização, regulamentada pelo Programa Nacional de Desestatização (lei nº 9.491/97). Essa desestatização, em que é a retirada do Estado da execução, que passa para um parceiro privado, foi pautada em matéria de serviço público, especificamente, por duas grandes normas. A primeira logo no início do Governo FHC, que foi o marco legal do 2º setor, lei nº 8.987/95. No Governo Lula foi criada a lei nº 11.079/04, que é a lei da PPP, que é mais uma forma de desestatização em relação à prestação de serviços públicos. Na primeira lei tem-se a concessão comum, enquanto que na segunda lei tem-se a concessão especial. Ambas serão analisadas mais detalhadamente. Na lei nº 8.987/95, além da concessão, também existe a permissão. Página2 Em relação ao art. 175 da Constituição, cabem alguns alertas. A palavra diretamente não se prende à administração direta apenas, mas também incluí a administração indireta. Assim, se refere a todo o 1º setor do Estado Gerencial. Outro ponto do artigo que merece atenção é o termo permissão,
sempre através de licitação. Até 1988, os dois vínculos a que o art. 175 se refere (concessão e permissão) sempre foram nitidamente diferentes. CONCESSÃO COMUM Contrato administrativo Licitação Segurança jurídica ANTES DA CRFB/88 PERMISSÃO Ato administrativo Sem licitação Precária Assim sempre foi, até o advento da Constituição de 1988 e seu art. 175, que diz: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Então, em relação à licitação, para a permissão passa a ser obrigatória. Isso transforma o instituto da permissão. Página3 Com o art. 175 da Constituição, a licitação passa a ser obrigatória tanto para a concessão, como para a permissão. A concessão ocorre mediante contrato, com maior estabilidade porque tem prazo. E a permissão? Ou você afirma que é um contrato ou você continua insistindo que é um ato administrativo. O problema todo é que, quer via contrato, quer via ato, a característica da precariedade é mantida. Não houve, de imediato, uma certeza quanto à qual seria a natureza jurídica da permissão. O Prof. se posiciona no sentido de que a permissão deveria continuar ato com prévia licitação obrigatória pós a Constituição de 1988. Assim, com a CRFB/88, haveria um exemplo único e raríssimo de um ato administrativo com prévia licitação obrigatória. O problema é que alguns enxergaram mais
do que isso e começaram a defender a tese de que, se tem prévia licitação, a permissão deixaria de ser ato e passaria a ser contrato administrativo. A doutrina não adotou essa tese da contratualização da permissão. A lei orgânica do município do Rio de Janeiro, em seu art. 148, 1º, deixou claro que a permissão era ato. Atualmente, já não há como defender essa tese. Por força do art. 40 da lei nº 8.987/95 e da ADIN nº 1491/98, é difícil defender a tese de que a permissão é um ato, pois prevaleceu a contratualização da permissão. Com a CRFB/88, tanto a concessão, quanto a permissão passaram a ser contratos. Atenção para a parte final do art. 175, caput, da Constituição: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Atenção, pois existe a possibilidade de concessão e permissão para bens públicos. A contratualização da permissão ocorreu apenas para serviços públicos. Logo, tem concessão e permissão de serviço público e tem concessão e permissão de uso de bem público. Estes últimos não têm aplicação do art. 175 da Constituição. Ou seja, não houve contratualização da permissão de uso de bem público, mas somente de serviço público. E, atenção a isso, pois os examinadores costumam cobrar. Como se deu essa contratualização? Por que prevaleceu a contratualização da permissão? Por que não prevaleceu a posição da doutrina, que defendia a tese de que permissão era ato? Na lei nº 8.987/95, tem-se dois conceitos de permissão. Um que se encontra no art. 2º, IV, que não fala da sua natureza jurídica, e outro no art. 40, que diz: Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. No Direito Administrativo todo contrato é de adesão. Então, quando o art. 40 diz que a permissão se tornou contrato de adesão, está dizendo que a permissão virou um contrato administrativo. Houve a contratualização da permissão no marco legal do segundo setor. A lei da ANATEL (lei nº 9.472/97), regula concessão e permissão de serviço público de telecomunicações, em seu parágrafo único do art. 118 diz: Página4 Art. 118 Parágrafo único. Permissão de serviço de telecomunicações é o ato administrativo pelo qual se atribui a alguém o dever de prestar serviço de telecomunicações no regime público e em caráter transitório, até que seja normalizada a situação excepcional que a tenha ensejado.
É contrato ou é ato? Com isso veio a ADIN 1491/98 questionar o parágrafo único do art. 118 da lei da ANATEL. Foi dada liminar e ainda não foi decidido o mérito da ação. Isso se encontra no Boletim Informativo 116 e 117 do STF. No Boletim Informativo 116, a votação foi 5 a 5. Com isso, o Presidente Sydney Sanches pediu vista e rapidamente se posicionou dizendo que é contrato, o que veio no Boletim 117. Assim, por 6 a 5, o STF decidiu que a permissão de serviço público virou contrato. O parágrafo único, II, do art. 175 foi a fundamentação do STF, que afirmou que a própria Constituição contratualiza a permissão quando, além da exigência de licitação no caput, o seu parágrafo único diz: Art. 175 Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; O Supremo enxergou o contrato tanto em relação à concessão, quanto em relação à permissão de serviço público. O STF entendeu que a Constituição contratualizou a permissão. Isso impactou no art. 48, 1º da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, posto que o STF entendeu que foi a Constituição quem contratualizou a permissão. Assim, consequentemente, todos os entes da federação tiveram que se abster de afirmar que a permissão de serviço público tem natureza jurídica de ato administrativo e tratar como contrato administrativo. Ademais, se você buscar essa ADIN, será encontrada a passagem no próprio boletim informativo em que o Supremo afirma que a Constituição afastou qualquer distinção conceitual entre concessão e permissão de serviço público. Ora, se a Constituição afastou qualquer distinção conceitual entre concessão e permissão, por que o artigo colocou concessão e permissão? Lembra que na faculdade diziam que a lei não tem palavras inúteis, desnecessárias e repetitivas? Ora, se a lei não tem palavras inúteis, desnecessárias e repetitivas, a Constituição muito menos terá e, se são a mesma coisa, para que os dois termos estão ali? Bastaria colocar concessão, por exemplo. Logo depois dessa ADIN, teve uma prova do Ministério Público do Rio de Janeiro em que foi perguntado quais as diferenças entre concessão e permissão do serviço público. Ou seja, foi pedida a distinção de algo que o STF afirmou não existir distinção. Lembre-se que o candidato deve ir à prova para responder o que lhe é perguntado, e não para questionar o examinador. A lei nº 8.987/95 apresenta dois conceitos de permissão, conforme falado acima. Um se encontra no art. 40, que afirma que se trata de contrato de adesão, e outro no art. 2º, IV, que diz: Página5 Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. Assim, os incisos acima apresentam diferenças entre concessão e permissão, mesmo sendo ambos contratos. Como diferenciar esses dois tipos de contrato? Falou em contrato administrativo, falou em contrato de adesão. Logo, não poderá ser utilizado esse critério para diferenciar ambos. Na lei de licitação e contratos (lei nº 8.666/93) é encontrado no art. 40 o que deve conter um edital de licitação, como se vê: Art. 40 2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: III - a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor; Então, quando eu adquiro um edital de licitação, eu estou levando, concomitantemente, um futuro contrato, que é o anexo III. A minuta do contrato é o próprio contrato. Quem ganha a licitação não é chamado para fazer o contrato, mas sim para assinar, pois ele é um contrato de adesão. A lei nº 8.987/95, em seu art. 18, diz: Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: XIV - nos casos de concessão, a minuta do respectivo contrato, que conterá as cláusulas essenciais referidas no art. 23 desta Lei, quando aplicáveis; XVI - nos casos de permissão, os termos do contrato de adesão a ser firmado. Página6 Então, no edital de concessão e permissão vai ter a minuta do futuro contrato, conforme previsto no inciso III, do 2º, do art. 40, da lei nº 8.666/93. Logo, ambos são contratos administrativos e ambos são contratos administrativos de adesão. Daí a dificuldade da pergunta que pediu a diferenciação entre permissão e concessão. Como diferenciar contrato administrativo de adesão de concessão do contrato administrativo de adesão de permissão? Comparando o inciso II com o inciso IV do art. 2º da lei nº 8.987/95.
Na concessão, a licitação será na modalidade concorrência, enquanto que na permissão a licitação pode ocorre em qualquer modalidade, desde que cabível. Cabe destacar que o pregão não serve para delegar serviço público. Logo, deve-se atentar que a permissão poderá licitar em qualquer modalidade, desde que cabível. O pregão se encontra previsto na lei nº 10.520/02, e em seu art. 1º é definido que pregão serve para compras e serviços comuns. Serviço é uma coisa e serviço público é outra. Quando se fala em contrato de prestação de serviço é terceirização, é prestado para o governo. Quando se fala em serviço público é serviço para o povo, é prestado para o público. Na concessão, quem pode ser concessionário é pessoa jurídica, isoladamente ou em consórcio. Cuidado, pois não é consórcio público, mas sim o consórcio empresarial, que é o do direito privado. As empresas se unem, formam um consórcio e juntas concorrem à licitação. Na permissão, o permissionário pode ser pessoa física ou jurídica. Página7 Muita atenção, pois pessoa física pode ser permissionária, mas não pode ser concessionária. Atenção também quanto ao consórcio, pois quem determina se a pessoa jurídica pode participar em consórcio é o edital de licitação. Então, o fato do conceito de permissão falar apenas em pessoa jurídica não elimina a possibilidade dessa pessoa jurídica participar em consórcio, desde que o edital de permissão admita. A terceira distinção é a seguinte:
Quanto à segurança jurídica, na concessão há segurança jurídica, enquanto que na permissão há precariedade, mesmo contratualizada. Tudo vai depender do porte de investimento. Se um grande investimento for exigido, será necessária a segurança jurídica e, por conseguinte, a concessão. Se não há um grande investimento, poderá ser permissão. Ex: navegação aérea, transporte rotineiro de passageiro via avião, é mediante concessão, em razão do valor do investimento. Táxi aéreo, por outro lado, pode ser por permissão, pois não precisa de grandes aeronaves e muitos funcionários. Normalmente, o táxi aéreo também é por concessão, mas não há problema em ocorrer via permissão. Tudo vai depender do porte contratual. O exemplo de permissão de serviço público está cada vez mais difícil, por ser contrato com prazo, precário e revogável. Quando o governo tenta entregar um serviço via permissão, por ser muito estranho um contrato precário, com prazo e revogável unilateralmente, normalmente ocorre licitação deserta. Existe um exemplo concreto no Estado do Rio de Janeiro e no município do Rio de Janeiro, que é a regularização do transporte alternativo de passageiros via van. Então, a legalização do transporte alternativo de passageiros via van se deu mediante um contrato de permissão de serviço público. Como pode o contrato de permissão ter prazo e ser precário, ao mesmo tempo? Como pode haver uma revogação de contrato? Revogação é de ato, e não de contrato. Próxima aula será sobre essas colocações. Página8