APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7155-CE (2009.81.00.007031-1) APTE : ANA BELEN ANTERO GARCIA REPTE : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 12ª VARA FEDERAL (COMPETENTE P/ EXEC. PENAIS) - CE RELATORA : Des. Federal MARGARIDA CANTARELLI R E L A T Ó R I O A Exmª Des. Federal MARGARIDA CANTARELLI (Relatora): Cuida-se de apelação interposta contra sentença, proferida em 08 de setembro de 2009 (fls. 146/152), que julgou procedente a denúncia para condenar ANA BELEN ANTERO GARCIA, pelo cometimento da ação delituosa capitulada no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e, ainda, à pena de multa de 500 (quinhentos) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente á época do fato. Diz a denúncia (fls. 48/50) que a acusada foi presa em flagrante, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em 08 de maio de 2009, quando pretendia embarcar no voo TAP- 168 com destino a Bilbao/Espanha, levando 02 (dois) tabletes de substancia entorpecente em um fundo falso de sua mala, cujos exames periciais indicaram tratar-se de cocaína, com uma massa líquida total de 2.451,2g (dois mil, quatrocentos e cinquenta e um gramas e dois decigramas). Noticia, ainda, que a acusada chegara ao Brasil, em São Luís/MA, no dia 19 de abril de 2009, proveniente de Madrid/Espanha, tendo seu passaporte, bilhetes de passagens aéreas, hospedagens e a quantia de $ 500,00 (quinhentos euros) sido providenciados por uma pessoa de nome TONY, sendo-lhe, ainda, prometido para quando da sua chegada a Bilbao/Espanha, uma gratificação de $ 5.000,00 (cinco mil euros) pelo transporte da droga, que veio a receber, ainda na cidade de São Luís/MA, no dia 03 de maio do mesmo ano, de um nigeriano, na mala apreendida pela Polícia Federal quando do seu embarque em Fortaleza/CE. A denúncia foi recebida em 07 de julho de 2009 (fls. 60/62). Em seu apelo (fls. 178/182v), alega a excludente de ilicitude do estado de necessidade e a excludente de culpabilidade da inexistência de conduta diversa, pugnando, ainda, pela aplicação da atenuante genérica da confissão (art. 65, III, d, CP) e pela suspensão condicional da pena em concreto por um período de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, na forma do art. 77, CP, sugerindo, por fim, que a ré e o nascituro deixem o país e sofram restrição de retornar nos próximos 4 (quatro) anos, sob pena de revogação do benefício. ACR7155-CE 15\ 1
Em suas contrarrazões (fls. 183/189), o Ministério Público Federal requer o improvimento do recurso. o recurso. O Parquet Federal, em parecer de fls. 193/197, opina no sentido de ser desprovido É o relatório. Ao Revisor. ACR7155-CE 15\ 2
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7155-CE (2009.81.00.007031-1) APTE : ANA BELEN ANTERO GARCIA REPTE : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 12ª VARA FEDERAL (COMPETENTE P/ EXEC. PENAIS) - CE RELATOR : Des. Federal LEONARDO RESENDE MARTINS V O T O O Exmº Des. Federal LEONARDO RESENDE MARTINS (Relator Convocado): Na sentença condenatória, o douto Magistrado a quo pronunciou-se pela constatação da responsabilidade da ora apelante pela prática do crime descrito na denúncia, havendo sido comprovada a materialidade do delito nos autos de prisão em flagrante e de apresentação e apreensão (fls. 3/10), depoimentos prestados (fls. 125/130) e laudos (fls. 14/15 e 89/93) constantes dos autos, enquanto que a autoria restou admitida pela ré quando do seu interrogatório (fls. 125/126). Pretende a ora apelante, em sua peça recursal, aplicação da excludente de ilicitude do estado de necessidade e da excludente da culpabilidade da inexistência da conduta diversa, eis que a falta de dinheiro a empurrara para tal situação vexatória de mula, que antes trabalhava como garçonete, mas atualmente tem-se prostituído, encontrar-se grávida, não tendo agido motivada pela cobiça, mas sim para ter um alívio financeiro nos primeiros meses de vida de seu bebê, quando ficará impossibilitada de exercer qualquer trabalho. Ainda, pugna pela aplicação da atenuante genérica da confissão (art. 65, III, d, CP) e pela suspensão condicional da pena. No tocante às excludentes apresentadas, sábio o entendimento já expendido na sentença recorrida, verbis: Com efeito, pelo teor dos depoimentos acima consignados e das demais provas colhidas, verifica-se que se trata de mais um caso em que o tráfico de drogas utiliza-se de mulas (pessoas que viajam transportando a droga, de um lugar para o outro, em troca de pagamento), que nada sabem sobre a organização criminosa, mas que, seduzidas com a promessa de dinheiro fácil ou outras vantagens, aceitam transportar substância entorpecente internacionalmente. Sem desconsiderar as aflições sofridas pela acusada, a verdade é que a situação por ela vivenciada não a isenta de pena. Juridicamente, não há como se argumentar que a acusada agiu impelida pelo estado de necessidade, pois para a aplicação deste instituto é preciso que não haja outro modo de agir para salvar o bem ameaçado. A simples adequação, pela existência do sacrifício de um bem jurídico (sociedade livre dos males causados pelo tráfico de drogas) por outro bem jurídico (bem-estar da acusada e de sua família), para salvar este último de um perigo não provocado pelo agente, não é suficiente para caracterizar o estado ACR7155-CE 15\ 3
de necessidade (art. 24, do CPB). Afastada também a causa supralegal de exclusão da culpabilidade, qual seja: a inexigibilidade de conduta diversa. Com efeito, a despeito do que argumenta a defesa, nada foi trazido aos autos que indique ter sido a acusada acuada pelos reais proprietários da droga. Em outras palavras, não se tem notícia nos autos de que ela tenha sido ameaçada, de modo a que não lhe fosse possível resistir. Considere-se, ainda, que, contemplado pela Lei nº 8.072/90, que definiu os Crimes Hediondos, o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes é um crime que, por suas sérias consequências, abala sobremaneira a estrutura social e a saúde pública, não se podendo deixar impune qualquer pessoa que contribua para o seu êxito. Acrescento, neste ponto, que dificuldades financeiras ou o estado gravídico da acusada não corroboram por si só a excludente, cabível tão somente em situações excepcionais, quando nenhuma outra atitude poderia ser esperada, eis que outros comportamentos poderiam ser esperados, e não a prática do crime, pois inúmeros são os exemplos que contradizem o alegado, pelo que o refuto. Quanto à aplicação da atenuante genérica da confissão, igualmente a sentença se mostra em perfeita consonância com o enunciado da Súmula nº 231/STJ, pelo que, daquela peça destaco: (...) Deixo de aplicar a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d : confissão, tendo em vista que a pena foi aplicada no mínimo legal. Por fim, com relação à suspensão condicional da pena, a própria Lei nº 11.343/2006, em seu art. 44, caput, cria óbice ao pleito ao prever que os crimes previstos nos arts. 33, caput e 1º, e 34 e 37 deste Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória (...). Acrescentaria, contudo, a possibilidade de serem observados, em sede de execução da pena, os termos do tratado sobre transferência de presos entre os governos do Brasil e do Reino da Espanha, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 58, de 28 de outubro de 1997, e promulgado pelo Decreto nº 2.576, de 30 de abril de 1998. Posto isso, nego provimento à apelação. É como voto. ACR7155-CE 15\ 4
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7155-CE (2009.81.00.007031-1) APTE : ANA BELEN ANTERO GARCIA REPTE : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 12ª VARA FEDERAL (COMPETENTE P/ EXEC. PENAIS) - CE RELATOR : Des. Federal LEONARDO RESENDE MARTINS EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 33 E 40, I, DA LEI Nº 11.343/2006. EXCLUDENTES DE ILICITUDE E DE CULPABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL AUTORIZADORA. ATENUANTE GENÉRICA DA CONFISSÃO. ART. 65, III, D, CÓDIGO PENAL. PENA BASE NO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA Nº 231/STJ. VEDAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. ART. 44, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. VEDAÇÃO LEGAL. TRATADO SOBRE TRANSFERÊNCIA DE PRESOS ENTRE OS GOVERNOS DO BRASIL E DO REINO DA ESPANHA. DECRETO Nº 2.576/1998. APELAÇÃO IMPROVIDA. I. Dificuldades financeiras ou estado gravídico da acusada não caracterizam por si só o estado de necessidade que corroboraria a excludente de ilicitude, cabível tão somente em situações excepcionais, quando nenhuma outra atitude poderia ser esperada, tendo em vista que outros comportamentos poderiam ser esperados, e não a prática do crime. II. III. Inexistindo nos autos indicação de que houve ameaça, de modo a que não fosse possível resistir à prática da ação delitiva, afasta-se a excludente da culpabilidade pela inexigibilidade da conduta diversa. A confissão do delito autoriza a aplicação do previsto no art. 65, III, d, CP, contudo, ao ser fixada a pena-base no seu mínimo legal a atenuante genérica resta vedada à luz da Súmula nº 231/STJ. IV. Vedação legal à suspensão condicional da pena (art. 44, caput, da Lei nº 11.343/2006). V. É de ser observada, em sede de execução da pena, a aplicação de tratado sobre transferência de presos entre os governos brasileiros e do Reino da Espanha, promulgado pelo Decreto nº 2.576/1998. VI. Apelação improvida, mantendo-se a sentença condenatória à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e, ainda, à pena de multa de 500 (quinhentos) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente á época do fato. ACR7155-CE 15\ 5
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL, em que são partes as acima mencionadas. ACORDAM os desembargadores federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 16 de março de 2010. Des. Federal Leonardo Resende Martins Relator Convocado ACR7155-CE 15\ 6