Parte 2 N Z Q R C. Não faremos a construção axiomática dos números naturais, usaremos apenas as noções intuitivas.

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Transcrição:

Parte 2 Anéis A Matemática faz parte do nosso cotidiano e, em particular, recorremos aos números para descrever diversas situações do dia a dia. Contamos com os números naturais, repartimos um bolo usando os números racionais, medimos comprimentos com os números reais, contabilizamos prejuízos com números negativos. Comparamos dois números inteiros, dois números racionais e dois números reais. Calculamos raízes de polinômios com coeficientes reais com números complexos. Estamos familiarizados com números naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, que estão relacionados pelas seguintes inclusões: N Z Q R C. Esses conjuntos estão munidos com operações de adição e multiplicação, que têm diversas propriedades. Nosso objetivo é introduzir o estudo de estruturas algébricas, abordando os conceitos de anel, domínio, domínio ordenado e domínio principal, ideais de um anel comutativo, homomorfismo de anéis e a fatoração única em domínios principais. R e f e r ê n c i a s Sobre a aritmética dos inteiros: Números-Uma Introdução à Matemática de César Polcino Milies e Sônia Pitta Coelho. Editado pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2000. Para saber mais sobre anéis e o domínio principal dos inteiros: Curso de Álgebra, Volume 1 de Abramo Hefez, Coleção Matemática Universitária, Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), 1998. Sobre anéis, extensões algébricas de corpos e grupos: Introdução à Álgebra de Adilson Gonçalves, Projeto Euclides, IMPA, 2000. O conjunto dos inteiros é o primeiro exemplo de domínio principal, será estudado sobre o ponto de vista algébrico e aritmético e faremos um estudo detalhado das suas propriedades no contexto dos domínios principais. Introduziremos o conceito de indução, uma técnica muito utilizada em demonstrações. Não faremos a construção axiomática dos números naturais, usaremos apenas as noções intuitivas. Instituto de Matemática 31 UFF

Mostraremos que Q é um corpo ordenado e é o corpo de frações de Z e faremos a construção dos números racionais a partir dos números inteiros no contexto dos domínios ordenados. Usaremos a divisão euclidiana para escrever os números inteiros nãonegativos em uma base b > 1. UFF 32 M.L.T.Villela

Conceito de anel PARTE 2 - SEÇÃO 1 Conceito de anel Vamos introduzir a estrutura algébrica de anel e dar exemplos. Veremos os conceitos de anel comutativo e de anel com unidade, assim como diversos exemplos. Vocês conhecem vários conjuntos, onde estão definidas operações de adição e multiplicação entre seus elementos e essas operações têm diversas propriedades. Lembramos algumas dessas estruturas algébricas: os números naturais N = { 0, 1, 2, 3,... }. os polinômios com coeficientes reais, denotados por R[x]; as matrizes M n n (R); os números inteiros Z = {..., 3, 2, 1, 0, 1, 2, 3,... }; { m } os números racionais Q = n n, m Z e n 0 ; os números reais R; os números complexos C = { a + bi a, b R e i 2 = 1 }; os números inteiros, racionais e reais podem ser comparados com uma relação de ordem. Veremos que as operações de adição e multiplicação, a ordem e as propriedades que as relacionam caracterizarão os números inteiros. Definição 1 (Operação) Dizemos que um conjunto A está munido com operações de adição ( + ) e multiplicação ( ) se, e somente se, para todo par (a, b) A A sabemos associar um único elemento c A e um único elemento d A denotados, respectivamente, por: Lembre que uma associação desse tipo é uma função. c = a + b e d = a b. Nesse caso, dizemos que as operações estão fechadas no conjunto A, isto é, para quaisquer a, b A, temos a + b A e a b A. A adição e a multiplicação são descritas por funções + : A A A (a, b) c = a + b e : A A A (a, b) d = a b Instituto de Matemática 33 UFF

Conceito de anel Exemplo 1 Todos os conjuntos listados acima são conjuntos munidos de operações de adição e multiplicação. Definição 2 (Anel) Um anel A é um conjunto munido com operações de adição ( + ) e de multiplicação ( ), tendo as seguintes propriedades: A1 (Associativa) Para quaisquer a, b, c A, temos (a+b)+c = a+(b+c). A2 (Comutativa) Para quaisquer a, b A, temos a + b = b + a. A3 (Existência de elemento neutro para a adição) Existe θ A, tal que a + θ = θ + a = a, para todo a A. A4 (Existência de simétrico) Para cada a A, existe a A, tal que a + a = a + a = θ. M1 (Associativa) Para quaisquer a, b, c A, temos (a b) c = a (b c). AM (Distributiva) Para quaisquer a, b, c A, temos a (b+c) = a b+a c e (a + b) c = a c + b c. Exemplo 2 N não é um anel. A adição e multiplicação têm as propriedades A1, A2, A3, M1 e AM, mas não vale a propriedade A4. Exemplo 3 Z, Q, R e C, respectivamente, inteiros, racionais, reais e complexos são anéis, onde o elemento neutro para a adição é o número inteiro 0. Exemplo 4 M n n (R) = { X = (X ij ) ; X ij R, onde 1 i, j n } é um anel, com as operações usuais de adição e multiplicação de matrizes, definidas por: Volte a um texto de Álgebra Linear, para recordar as operações com matrizes e suas propriedades. Z = X + Y, onde Z ij = X ij + Y ij, para 1 i, j n; n Z = X Y, onde Z ij = X ik Y kj, para 1 i, j n, para X, Y M n n (R). k=1 De fato, a adição e multiplicação têm as propriedades A1, A2, A3, A4, M1 e AM, conforme já foi verificado em um curso básico de Álgebra Linear. UFF 34 M.L.T.Villela

Conceito de anel PARTE 2 - SEÇÃO 1 Para ilustrar vamos verificar duas dessas propriedades: AM e M1. Sejam X, Y, Z M n n (R). Para quaisquer i, j tais 1 i, j n, temos n (X (Y + Z)) ij = X ir (Y + Z) rj = = = r=1 n X ir (Y rj + Z rj ) r=1 n (X ir Y rj + X ir Z rj ) r=1 n X ir Y rj + r=1 n X ir Z rj r=1 = (X Y) ij + (X Z) ij = (X Y + X Z) ij, mostrando que X (Y + Z) = X Y + X Z e vale AM. n (X (Y Z)) ij = X ir (Y Z) rj r=1 ( n n ) = X ir Y rs Z sj r=1 ( s=1 n n ) = X ir (Y rs Z sj ) = = = r=1 s=1 n n (X ir Y rs ) Z sj ( n n ) (X ir Y rs ) Z sj r=1 s=1 s=1 r=1 n (X Y) is Z sj s=1 = ((X Y) Z) ij, mostrando que X (Y Z) = (X Y) Z e vale M1. A matriz n por n com todos os elementos nulos, X ij = 0 para 1 i, j n, denotada por O, é o elemento neutro da adição. Lembramos que o simétrico de X é a matriz Y, tal que Y ij = X ij, para todo 1 i, j n. Costumamos escrever Y = X. Exemplo 5 Consideremos o intervalo I = ( 1, 1) e seja F(I) o conjunto de todas as funções de I em R, isto é, F(I) = { f : I R f é uma função }. Usamos a definição da multiplicação e adição de matrizes e, sucessivamente, as seguintes propriedades das operações do anel R: AM, A2, A1. Depois, novamente, usamos a definição de multiplicação e adição de matrizes. Usamos duas vezes a definição de multiplicação de matrizes e após, sucessivamente, as seguintes propriedades das operações do anel R: AM, M1, A2, A1. Depois, novamente, usamos duas vezes a definição de multiplicação de matrizes. Você tem familiaridade com as funções de variável real e valores reais. Instituto de Matemática 35 UFF

Conceito de anel Para quaisquer f, g F(I), as operações usuais de adição e multiplicação de funções são definidas por: (f + g)(x) = f(x) + g(x), para todo x I e (f g)(x) = f(x) g(x), para todo x I. Com essas operações, F(I) é um anel. De fato, vamos mostrar que valem as seis propriedades das operações da Definição 2. Primeiramente, para quaisquer f, g, h F(I), temos: Em (1),(2),(4) e (5) usamos a definição da adição de funções e em (3) a propriedade (A1) da adição de números reais. Em (1),(2),(4) e (5) usamos a definição da multiplicação de funções e em (3) a propriedade (M1) da multiplicação de números reais. Em (1) e (4) usamos a definição da multiplicação de funções, em (2) e (5), a definição de adição de funções e em (3), a propriedade distributiva (AM) da multiplicação números reais. ((f + g) + h)(x) (1) = (f + g)(x) + h(x) (2) = (f(x) + g(x)) + h(x) (3) = f(x) + (g(x) + h(x)) (4) = f(x) + (g + h)(x) (5) = (f + (g + h))(x), para todo x I, implicando que (f + g) + h = f + (g + h), portanto vale a propriedade A1; substituindo a adição pela multiplicação, de modo análogo, ((f g) h)(x) (1) = (f g)(x) h(x) (2) = (f(x) g(x)) h(x) (3) = f(x) (g(x) h(x)) (4) = f(x) (g h)(x) (5) = (f (g h))(x), para todo x I, implicando que (f g) h = f (g h), portanto vale a propriedade M1; ((f + g) h)(x) (1) = (f + g)(x) h(x) (2) = (f(x) + g(x)) h(x) (3) = f(x) h(x) + g(x) h(x) (4) = (f h)(x) + (g h)(x) (5) = ((f h) + (g h))(x), para todo x I, implicando que (f + g) h = f h + g h, portanto, vale a propriedade AM. Vale que (g + h) f = g f + h f, porque a multiplicação de funções é comutativa (verifique). Para quaisquer f, g F(I) e x I, temos: Lembre que... a adição de números reais é comutativa. (f + g)(x) = f(x) + g(x) = g(x) + f(x) = (g + f)(x) UFF 36 M.L.T.Villela

Conceito de anel PARTE 2 - SEÇÃO 1 implicando que f + g = g + f e, assim, vale a propriedade A2. O elemento neutro é a função o, tal que o(x) = 0, para cada x I. Note que, para toda f F(I) e para todo x I, (o + f)(x) = o(x) + f(x) = 0 + f(x) = f(x) o + f = f. O número real zero é elemento neutro aditivo, no anel R. O elemento neutro aditivo é a função constante e igual a zero no intervalo I, valendo a propriedade A3. Vale, finalmente, a propriedade A4, pois o simétrico de f é a função g definida por g(x) = f(x), para cada x I. O gráfico do simétrico de f é obtido fazendo a simetria com respeito ao eixo x dos pontos do gráfico de f. Exemplo 6 Consideremos 2Z = { 2x x Z }, o conjunto dos números inteiros pares. Vamos mostrar que 2Z é um anel com a adição e a multiplicação de números inteiros. Primeiramente, observe que para quaisquer a, b 2Z, existem x, y Z, tais que a = 2x, b = 2y e a + b = 2x + 2y = 2(x + y) 2Z e a b = 2x 2y = 2(2x y) 2Z. Observe que x+y Z e 2x y Z. Logo, a adição e a multiplicação de números inteiros é fechada em 2Z. As propriedades A1, A2, M1 e AM valem em 2Z, pois essas propriedades valem em Z e 2Z é um subconjunto de Z. Como 0 = 2 0 2Z, então 2Z tem elemento neutro aditivo. Além disso, o simétrico de a = 2x é a = 2x = 2( x) 2Z. x Z x Z. Portanto, valem as propriedades A3 e A4 e 2Z é um anel. Observamos que a multiplicação nos anéis dos Exemplos 3, 5 e 6 é comutativa, enquanto no anel do Exemplo 4 é não-comutativa sempre que a ordem da matriz é maior do que 1. O que é M 1 1 (R)? De fato, é claro que a multiplicação nos inteiros, nos racionais e nos reais é comutativa. Sejam x = a + bi, y = c + di C. Então, a, b, c, d R, i 2 = 1 e x y = (a + bi) (c + di) = (a c b d) + (a d + b c)i = (c a d b) + (d a + c b)i = (c + di) (a + bi) = y x, Usamos aqui que a multiplicação de números reais é comutativa. Instituto de Matemática 37 UFF

Conceito de anel Lembre que... a multiplicação de números reais é comutativa. mostrando que a multiplicação de números complexos é comutativa. Para verificar a comutatividade da multiplicação em F(I), consideremos f, g F(I) e x I, então (f g)(x) = f(x) g(x) = g(x) f(x) = (g f)(x) implicando que f g = g f. Para n 2, o produto de matrizes n por n é não-comutativo, pois X Y Y X para as seguintes matrizes: X 11 = 1, X 12 = 1, X 21 = 0 e X 22 = 0 ; Y 11 = 1, Y ij = 0, para todo (i, j) (1, 1). Temos que ( ) ( ) ( ) 1 1 1 0 1 0 X Y = = e 0 0 0 0 0 0 ( ) ( ) ( ) 1 0 1 1 1 1 Y X = = 0 0 0 0 0 0 A multiplicação em 2Z é a multiplicação de números inteiros, logo também é comutativa. Os fatos acima motivam a seguinte definição. Definição 3 (Anel comutativo) Dizemos que um anel A é comutativo se, e somente se, tem a propriedade: M2 (Comutativa) Para quaisquer a, b A, a b = b a. Exemplo 7 Nos anéis Z, Q, R, C, F(I) e 2Z vale M2. No anel M n n (R), onde n 2 não vale M2. Os anéis dos Exemplos 3, 4 e 5 têm um elemento neutro multiplicativo, a saber: o número inteiro 1 satisfaz Matriz identidade I { 1, se i = j I ij = 0, se i j, para qualquer i,j com 1 i,j n. para todo a A, temos a 1 = 1 a = a, nos casos A = Z, A = Q, A = R ou A = C; A matriz identidade I M n n (R), com os elementos da diagonal iguais a 1 e os elementos fora da diagonal iguais a 0, tem a propriedade UFF 38 M.L.T.Villela

Conceito de anel PARTE 2 - SEÇÃO 1 para qualquer X M n n (R), X I = I X = X. a função constante e igual a 1 no intervalo I, isto é, e(x) = 1, para todo x I, satisfaz para qualquer f F(I) e para todo x I, temos (f e)(x) = f(x) e(x) = f(x) 1 = f(x), também (e f)(x) = e(x) f(x) = 1 f(x) = f(x), mostrando que f e = f e = f. Entretanto, o anel 2Z não tem elemento neutro multiplicativo, motivando a seguinte definição. Definição 4 (Anel com unidade) Dizemos que o anel A tem unidade, se e somente se, A tem a propriedade: M3 (Existência de elemento neutro multiplicativo) Existe um elemento e A, tal que a e = e a = a, para todo a A. Exemplo 8 Nos anéis Z, Q, R, C, M n n (R) e F(I) vale M3. No anel 2Z não vale M3. Resumindo, há anéis que têm propriedades adicionais e são chamados de nomes especiais: quando a multiplicação é comutativa (M2) o anel é chamado comutativo; quando o anel tem elemento neutro multiplicativo (M3) é chamado de anel com unidade. Exercícios 1. Seja n um número natural com n 2. Mostre que nz = { n x x Z } é um anel comutativo com as operações de adição e multiplicação de números inteiros. 2. Seja Z[ 2] = { a + b 2 a, b Z }. (a) Mostre que a adição e multiplicação de números reais é fechada em Z[ 2], verificando que: para qualquer a, b, c, d Z, x = a + b 2 e y = c + d 2 Instituto de Matemática 39 UFF

Conceito de anel x+y é a adição e x y é a multiplicação de números reais, apenas reescrevemos as parcelas de modo conveniente, usando as propriedades comutativa, associativa e distributiva das operações dos números reais. x + y = (a + c) + (b + d) 2 Z[ 2] x y = (a c + 2b d) + (a d + b c) 2 Z[ 2] (b) Mostre que Z[ 2] é um anel. (c) Mostre que Z[ 2] é um anel comutativo com unidade. 3. Seja Z[i] = { a + bi a, b Z e i 2 = 1 }. (a) Mostre que a adição e multiplicação de números complexos é fechada em Z[i], verificando que: para qualquer a, b, c, d Z, x = a + bi e y = c + di x+y é a adição de números complexos e x y é a multiplicação de números complexos. Z[i] é conhecido como o anel dos inteiros de Gauss. Observe que as operações de adição e multiplicação são as usuais. Costumamos denotar A por M 2 2 (Z). x + y = (a + c) + (b + d)i x y = (a c b d) + (a d + b c)i (b) Mostre que Z[i] é um anel. (c) Mostre que Z[i] é um anel comutativo com unidade. { ( ) } x 11 x 12 4. Seja A = X = ; x ij Z, para todo1 i, j 2, x 21 x 22 o conjunto das matrizes 2 por 2 com coeficientes inteiros. Para X, Y, Z A, definimos a adição e multiplicação em A por: Z = X + Y z ij = x ij + y ij, com 1 i, j 2 Z = X Y z ij = x i1 y 1j + x i2 y 2j, com 1 i, j 2 (a) Mostre que A é um anel com as operações acima. (b) Mostre que A é um anel não-comutativo com unidade. 5. Seja F(R) = { f : R R, f função }. Para qualquer f, g F(R), as operações usuais de adição e multiplicação de funções são definidas por: Copie o que foi feito no Exemplo 5, fazendo as modificações convenientes. Na verdade, você pode verificar que F(I) é um anel, para qualquer intervalo I da reta real. (f + g)(x) = f(x) + g(x), para qualquer x R e (f g)(x) = f(x) g(x), para qualquer x R. (a) Mostre que com essas operações F(R) é um anel. (b) Mostre que F(R) é um anel comutativo. (c) Mostre que F(R) é um anel com unidade. UFF 40 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 Propriedades elementares Mostraremos agora algumas propriedades elementares, válidas em um anel, tais como: a unicidade do elemento neutro aditivo, do simétrico e, quando existe, do elemento neutro multiplicativo. Proposição 1 (Unicidade) Seja A um anel. Então, (i) o elemento neutro aditivo é único; (ii) o elemento neutro multiplicativo, se existe, é único; (iii) o simétrico é único. Demonstração: (i): Sejam θ e θ elementos neutros aditivos do anel A. Então, θ = θ + θ = θ, onde a primeira igualdade segue do fato de θ ser elemento neutro da adição e a segunda, de θ ser elemento neutro da adição. Logo, θ = θ e o elemento neutro aditivo é único. (ii): Seja A um anel com unidades e e e. Então, e = e e = e, onde a primeira igualdade segue do fato de e ser unidade e a segunda, de e ser unidade. Logo, e = e e o elemento neutro multiplicativo é único. (iii) Sejam a A e a A simétricos de a A. Então, θ = a + a, θ = a + a e a = a + θ = a + (a + a ) = (a + a) + a = θ + a = a, onde na terceira igualdade usamos a associatividade da adição. Logo, o simétrico é único. Pela unicidade do elemento neutro aditivo, do simétrico e do elemento neutro multiplicativo (se existe), daqui por diante, denotaremos num anel A: o elemento neutro da adição pelo símbolo 0; Instituto de Matemática 41 UFF

Propriedades elementares o simétrico de a pelo símbolo a; a unidade ou elemento neutro multiplicativo, se existe, pelo símbolo 1. Além disso, escrevemos a b = a + ( b), A subtração é a adição com o simétrico. e chamamos de subtração. As seguintes propriedades são muito úteis e importantes. Lembre que... Em um anel A a multiplicação nem sempre é comutativa. Proposição 2 (Outras propriedades) Seja A um anel. Então, para quaisquer a, b e c A, temos: (i) a 0 = 0 e 0 a = 0; (ii) (a b) = ( a) b = a ( b); (iii) a (b c) = a b a c e (b c) a = b a c a; (iv) se A é um anel com unidade, então ( 1) a = a = a ( 1). Demonstração: (i): Como 0 = 0 + 0, multiplicamos à esquerda, ambos os membros dessa igualdade, pelo elemento a, e usamos a distributividade (AM), obtendo a 0 = a (0 + 0) = a 0 + a 0, que é equivalente a a 0 = a 0 + a 0. Somando o simétrico (a 0) de a 0 a ambos os membros da igualdade acima e usando em (1) a propriedade associativa da adição (A1), temos: Multiplicando por a à direita, tomando o simétrico (0 a) de 0 a e fazendo as modificações convenientes, mostre que 0 a = 0. 0 = a 0 a 0 = (a 0 + a 0) a 0 (1) = a 0 + (a 0 a 0) = a 0 + 0 = a 0, donde concluímos que 0 = a 0. (ii) Vamos mostrar que (a b) = ( a) b. Como 0 = a + ( a), multiplicando à direita ambos os membros dessa igualdade por b, usando (i) e a distributividade AM, obtemos: Faça as modificações convenientes para demonstrar que (a b) = a ( b). 0 = 0 b = (a + ( a)) b = a b + ( a) b A igualdade acima significa que ( a) b é o simétrico de a b. UFF 42 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 Logo, (a b) = ( a) b. (iii): Vamos demonstrar a primeira igualdade e deixamos a segunda para você tentar, fazendo as modificações convenientes. a (b c) (1) = a (b + ( c)) (2) = a b + a ( c) (3) = a b a c. (iv) Seja A um anel com unidade 1. Então, 0 = 1 + ( 1). Multiplicando à direita ambos os membros dessa igualdade por a, usando (i) e a distributividade, obtemos: Em (1) usamos a definição de subtração, em (2), a distributividade AM e em (3), o item (ii). O símbolo 1 deve ser lido como o simétrico da unidade. 0 = 0 a = (1 + ( 1)) a = 1 a + ( 1) a = a + ( 1) a, significando que ( 1) a é o simétrico de a. Como denotamos o simétrico de a por a, da unicidade do simétrico, temos a = ( 1) a. A igualdade a = a ( 1) é análoga e você deve tentar fazer repetindo a idéia acima, mas fazendo a multiplicação por a à esquerda. Vimos na Seção anterior que há anéis sem unidade. Quando um anel A tem unidade, escrevemos a sua unidade com o símbolo 1, propositadamente, diferente do símbolo 0 do elemento neutro aditivo. Por quê? Suponhamos que no anel A temos 1 = 0. Então, para todo a A, temos a = a 1 = a 0 = 0, A igualdade ao lado deve ser lida como os elementos neutros aditivo e multiplicativo são iguais. onde a primeira igualdade é conseqüência de 1 ser o elemento neutro multiplicativo e a última, do item (i) da Proposição 2. Logo, A = { 0 }. Não tem a menor graça estudar esse anel. Portanto, quando tratamos, teoricamente, de anéis com unidade supomos sempre que os elementos neutros aditivo e multiplicativo são diferentes, isto é, 1 0. Definição 5 (Divisores de zero) Seja A um anel. O elemento não-nulo a A é um divisor de zero se, e somente se, existe um elemento não-nulo b A tal que a b = 0 ou b a = 0. Exemplo 9 a. No anel F(I), onde I = ( 1, 1), são divisores de zero as funções f, g : I R definidas por Instituto de Matemática 43 UFF

Propriedades elementares f g = 0, pois f(x) g(x) = 0, para todo x ( 1,1). Sejam P e Q propriedades e P e Q, respectivamente, suas negações. Então, P = Q é equivalente a Q = P. Em (1) usamos a propriedade associativa da adição (A1). Volte ao Exercício 4 da Seção anterior. Nesse anel, a unidade, conhecida como matriz identidade, é I = 1 0 0 1! f(x) = { 1, se x ( 1, 0) 0, se x [0, 1) e g(x) = { 0, se x ( 1, 0) 2, se x [0, 1) b. No anel M 2 2 (R) são divisores de zero as seguintes matrizes X = ( 1 0 0 0 ) e Y = ( 0 0 0 1 Os anéis comutativos com unidade sem divisores de zero são chamados de domínios. Definição 6 (Domínio) Seja A um anel comutativo com unidade. A é um domínio se, e somente se, tem a propriedade: M4 se a b = 0, então a = 0 ou b = 0. Observamos que a propriedade M4 é equivalente a: M4 se a 0 e b 0, então a b 0. Exemplo 10 O anel dos números inteiros Z é um domínio, pois o produto de dois inteiros não-nulos é um inteiro não-nulo. Proposição 3 (Lei do cancelamento) Seja A um domínio. Se a b = a c com a 0, então b = c. Demonstração: Se a b = a c, então somando a b a ambos os membros dessa igualdade, obtemos 0 = a b a b = a c a b = a (c b). Como a 0, pela propriedade M4, 0 = c b. Somando b, a essa última igualdade, temos b = 0 + b = (c b) + b (1) = c + ( b + b) = c + 0 = c. Definição 7 (Elemento invertível) Seja A um anel com unidade. Um elemento a A é dito invertível se, e somente se, existe um elemento a A, tal que a a = a a = 1. Nesse caso, dizemos que a é inverso de a e a é inverso de a. Exemplo 11 No anel M 2 2 (Z) das matrizes 2 por 2 com coeficientes no anel dos inteiros, ( ) ( ) 2 3 a matriz X = é invertível e X 2 3 = é seu inverso, pois 1 2 1 2 verificamos, facilmente, que X X = X X = I. ) UFF 44 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 Exemplo 12 Consideremos o anel comutativo com unidade Z[ 2] do Exercício 2, da Seção anterior. O inverso de 1 + 2 é 1 + 2, pois (1 + 2)( 1 + 2) = ( 1 + 2)(1 + 2) = 1. Exemplo 13 Os elementos invertíveis do anel Z são 1 e 1. Proposição 4 (Unicidade do inverso) Sejam A um anel com unidade e a A. Se a é invertível, então seu inverso é único. Demonstração: Digamos que b e c sejam inversos de a, isto é, a b = b a = 1 e a c = c a = 1. Então, a por a 1. b = b 1 = b (a c) (1) = (b a) c = 1 c = c. Da unicidade do inverso no anel A, costumamos denotar o inverso de Exemplo 14 a. Os elementos invertíveis no anel M n n (R) são as matrizes X com determinante não-nulo, isto é, det(x) 0. b. Os elementos invertíveis no anel M n n (Z) são as matrizes X com determinante invertível em Z, isto é, det(x) { 1, 1}. c. Todo número racional não-nulo é invertível. d. Todo número real não-nulo é invertível. Em (1) usamos que a multiplicação é associativa (M1). Seja B = M n n (A), onde A é um anel comutativo com unidade. Então, B é um anel com unidade e, para qualquer X B, temos X adj(x) = adj(x) X = det(x)i n, onde adj(x) é a adjunta clássica de X. Além disso, X é invertível se, e somente se, det(x) é invertível em A. Definição 8 (Corpo) Um anel comutativo com unidade é chamado de corpo se, e somente se, todo elemento não-nulo é invertível. Exemplo 15 Q, R e C são exemplos de corpos. Definição 9 (Subanel) Um subconjunto não-vazio B de um anel A é um subanel de A se, e somente se, B é um anel com as operações de A. Instituto de Matemática 45 UFF

Propriedades elementares Exemplo 16 a. Pelo exercício 1 da seção anterior, nz é um subanel de Z. b. Pelo exercício 2 da seção anterior, Z[ 2] é um subanel de R. c. Pelo exercício 3 da seção anterior, Z[i] é um subanel de C. d. Pelo exercício 4 da seção anterior, M 2 2 (Z) é um subanel de M 2 2 (R). Proposição 5 Um subconjunto não-vazio B de um anel A é um subanel de A se, e somente se, (i) se a, b B, então a + b B; (ii) se a, b B, então a b B; (iii) 0 A B; (iv) se b B, então b B. Demonstração : Suponhamos que B é um subanel de A. Então, as operações de A estão fechadas em B e logo, (i) e (ii) são válidas; além disso, todo elemento de B tem simétrico em B e vale (iv). Por outro lado, tomando b B, por (iv), b B e, por (i), 0 A = b + ( b) B. Logo, 0 B = 0 A B. Reciprocamente, suponhamos válidas as propriedades (i) a (iv) em B. Logo, as operações de A estão fechadas em B e valem A3 e A4. As propriedades A1, A2, M1 e AM valem em B porque são válidas em A e B A. Portanto, B é um anel com as operações de A. Exemplo 17 Z[ 3] é um subanel de R. Em (1) usamos A1 e A2 e em (2), A1 e AM do anel R. Em (3) usamos AM, M2 e em (4), A2 e A1 do anel R. De fato, sejam a, b, c, d Z. Então, com a adição e multiplicação de números reais, temos: (a + b 3) + (c + d 3) (1) = a + c + b 3 + d 3 (2) = (a + c) + (b + d) 3; (a + b 3)(c + d 3) (3) = a c + a d 3 + b c 3 + 3b d (4) = (a c + 3b d) + (a d + b c) 3. Além disso, a + b 3 = 0, a, b Z se, e somente se, a = b = 0 e (a + b 3) = ( a) + ( b) 3 Z[ 3], para quaisquer a, b Z. Definição 10 (Subcorpo) Sejam K e L corpos, com K L. Dizemos que K é um subcorpo de L se, e somente se, K é um corpo com as operações de L. UFF 46 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 Exemplo 18 (1) Q é um subcorpo de R. (2) R é um subcorpo de C. (3) Q é um subcorpo de Q( 2). (4) Q( 2) é um subcorpo de R. (5) Q(i) é um subcorpo de C. Veja os exercícios 12 e 13, item (a) Agora, para cada domínio D vamos construir um corpo K, chamado corpo de frações de D, tal que (i) D K (ii) as operações de adição e multiplicação de D são as de K. (iii) se L é um corpo contendo D como subanel, então K L. As condições acima significam que todo domínio D é subanel de um corpo e o menor corpo com as propriedades (i) e (ii) acima é o corpo de frações de D. Para isto, consideramos o conjunto S = D D\{0} = {(a, b) ; a, b D e b 0}. Para (a, b), (c, d) S, definimos Proposição 6 (a, b) (c, d) a d = b c. A relação binária acima é uma relação de equivalência em S. Demonstração: De fato, para todo (a, b) S, temos a b = b a, logo (a, b) (a, b). Suponhamos que (a, b) (c, d). Então, a d = b c e d a M2 = a d = b c M2 = c b. Logo, (c, d) (a, b). Suponhamos que (a, b) (c, d) e (c, d) (e, f). Então, a d (1) = b c e c f (2) = d e. Multiplicando a igualdade (1) por f e a igualdade (2) por b, obtemos a d f = b c f = b d e. Pelas propriedades M2 e M1 da multiplicação em D, temos d (a f) = d (b e). Como d 0, pela lei do cancelamento em D, temos a f = b e. Portanto, (a, b) (e, f). Instituto de Matemática 47 UFF

Propriedades elementares Consideremos o conjunto quociente K = S/. Então, K = D D\{0}/ = { (a, b) ; (a, b) D D\{0}}. Denotamos por a a classe de equivalência de (a, b), isto é, a = (a, b). b b Desta maneira, a = (a, b) = (c, d) = c (a, b) (c, d) a d = b c. b d K = { a ; a, b D e b 0}, onde a = c se, e somente se, a d = b c. b b d Chamamos o elemento a de K de fração e a e b 0 em D, respectivamente, de numerador e denominador da b fração. Podemos dar a K uma estrutura de corpo. Proposição 7 (Corpo de frações de um domínio D) Seja K = { a b ; a, b D e b 0} com as operações a + c = a d+b c a e c = a c, b d b d b d b d Não esqueça que todo domínio é um anel comutativo com unidade. Em (3) usamos AM, M2, M1. Em (4) usamos M2, (1) e (2). Em (5) usamos M2, M1, AM. Em (6) usamos M2 e M1. Em (7) usamos M2, (1) e (2). Em (8) usamos M2. onde no numerador e no denominador as operações são as do domínio D. Então, valem as seguintes propriedades: (i) K é um corpo, (ii) D é um subanel de K, (iii) se L é um corpo contendo D como subanel, então K L. O corpo K é chamado corpo de frações do domínio D e, pelas propriedades (iii) e (ii), é o menor corpo contendo D como subanel. Demonstração: (i) Primeiramente, precisamos mostrar que a soma e o produto independem do representante da classe, isto é, que as operações estão bem definidas. De fato, suponhamos que a b = a b e c d = c d. Então, a b (1) = b a, c d (2) = d c e b d (a d + b c) Logo, a d+b c b d = a d +b c b d. (a c) (b d ) (3) = (b a) (d d) + (b b) (d c) (4) = (a b) (d d) + (b b) (c d) (5) = b d (a d + b c ). (6) = (a b ) (c d ) (7) = (a b) (c d) (8) = (b d) (a c ) UFF 48 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 Logo, a c b d = a c b d. Agora devemos mostrar: A1, A2, A3, A4, AM, M1, M2, M3, concluindo que K é um anel comutativo com unidade. Observe que as propriedades das operações de K são induzidas das propriedades das operações de D. Faremos algumas delas. A2: a + c = a d+b c = c b+d a = c + a b d b d d b d b A3: O elemento neutro da adição é 0, pois para todo a K temos 1 b Em D valem M2 e A2. 0 1 + a b = 0 b+1 a 1 b = a b. M1: ( a ) c b d e = a c e = (a c) e = a (c e) = a c e = a f b d f (b d) f b (d f) b d f b ( c ) e d f M3: O elemento neutro multiplicativo, a unidade de K, é 1, pois para todo 1 a K temos b 1 a = 1 a = a 1 b 1 b b Verifique as outras propriedades. Observe que a = 0 se, e somente se, a = a 1 = b 0 = 0. b 1 Assim, todo a 0 é invertível e b K é seu inverso, pois a b 1 a b b = a b = 1. a b a 1 (ii) Observamos que a = b K se, e somente se, a = b. 1 1 Podemos ver D como um subconjunto de K, identificando cada a D com a 1 K. Neste caso, D = {a 1 ; a D} e Falta verificar as propriedades: A1, A4 e M2. A segunda igualdade a + b = a 1+b 1 = a+b, a + a = 0 a e b = a b = a b. significa que 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 a 1 = a 1. Logo, D é um subanel de K. (iii) Se L é um corpo que contém D como subanel, então para quaisquer a, b D com b 0 temos: a b 1 L e a b 1 = c d 1 se, e somente se, a d = (a b 1 )(b d) = (c d 1 )(b d) = b c. Logo, K L.. Exemplo 19 (1) O corpo dos números racionais Q = { a b ; a, b Z e b 0} é o corpo de frações do domínio Z. (2) O corpo Q( 2) é o corpo de frações do domínio Z[ 2]. (3) O corpo Q(i) é o corpo de frações do domínio Z[i]. Veja os Exercícios 12 e 13, item (d). Instituto de Matemática 49 UFF

Propriedades elementares Exercícios 1. Mostre que num anel A valem as seguintes propriedades: (a) Se a + c = b + c, então a = b. (b) Se a + b = a para algum a, então b = 0. (c) (a + b) = a b. (d) Se A tem unidade 1, então 1 é invertível. 2. Seja A um domínio. Mostre que valem as seguintes propriedades: (a) a 2 = 0 se, e somente se, a = 0. (b) se a b = 0 e b 0, então a = 0. (c) a 2 = a se, e somente se, a = 0 ou a = 1. 3. Mostre que todo corpo é um domínio. 4. Sejam A e B anéis e A B = {(a, b) ; a A, b B}. (a) Mostre que A B é um anel com as operações: (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b) (c, d) = (a c, b d), onde na primeira coordenada a adição e a multiplicação são do anel A e na segunda coordenada, do anel B. (b) Mostre que se A e B são anéis com unidades 1 A e 1 B, respectivamente, então A B é anel com unidade. (c) Mostre que A B tem divisores de zero. (d) Determine os elementos invertíveis de A B, se A e B são anéis com unidades 1 A e 1 B, respectivamente. 5. Seja A um anel com unidade. Definimos A = {a A ; a é invertível }. Para cada anel A determine A : (a) A = M 2 2 (Z). (b) A = Z Z. (c) A = Z[i] = {a + bi C ; a, b Z}. (d) A = Q. 6. Sejam A = Z Z e B = Z {0}. Mostre que: UFF 50 M.L.T.Villela

Propriedades elementares PARTE 2 - SEÇÃO 2 (a) A é um anel comutativo com unidade e não é um domínio. (b) B é um subanel de A. (c) B é um domínio e 1 B 1 A. 7. Mostre que se A é um domínio e B é um subanel de A tal que B tem unidade 1 B, então 1 B = 1 A. 8. Mostre que B é um subanel do anel A: { x } (a) A = Q e B = 2 ; x Z e n = 0, 1, 2,.... n (b) A = F(R) e B = C(R) = {f F(R) ; f é contínua }. (c) A = C(R) e B = { f C(R) ; f é derivável }. 9. Sejam A um anel, a A e B = { x A ; x a = 0 }. (a) Mostre que B é um subanel de A. (b) Se A = Z e a Z é não-nulo, determine B. (c) Se A = Z Z e a = (b, 0) com b 0, determine B. ( ) 1 1 (d) Se A = M 2 2 (Z) e a =, determine B. 0 0 10. Mostre que todo número racional pode ser representado por uma fração com denominador positivo. 11. Seja Q( 3) = { x + y 3; x, y Q}. Mostre que: (a) Q( 3) é um subanel de R. (b) Q( 3) é um corpo. (c) Z[ 3] é um subanel de Q( 3). (d) Q( 3) é o corpo de frações de Z[ 3]. 12. Seja Q( 2) = { x + y 2; x, y Q}. Mostre que: (a) Q( 2) é um subanel de R. (b) Q( 2) é um corpo. (c) Z[ 2] é um subanel de Q( 2). (d) Q( 2) é o corpo de frações de Z[ 2]. 13. Seja Q(i) = { x + yi ; x, y Q}. Mostre que: Instituto de Matemática 51 UFF

Propriedades elementares (a) Q(i) é um subanel de C. (b) Q(i) é um corpo. (c) Z[i] é um subanel de Q(i). (d) Q(i) é o corpo de frações de Z[i]. UFF 52 M.L.T.Villela

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade PARTE 2 - SEÇÃO 3 Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade Nesta seção definiremos o anel dos polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade. Veremos que as propriedades das operações dos polinômios estão relacionadas diretamente com as propriedades da adição e multiplicação do anel, e aprenderemos a efetuá-las na prática. Vocês estão familiarizados com expressões do tipo ax 2 + bx + c e ax + b, sendo a, b e c números reais fixados e a 0, sob o ponto de vista geométrico. Estas expressões são polinômios com coeficientes reais e vão ser estudadas agora sob o ponto de vista algébrico, isto é, essas expressões serão manipuladas, usando operações de adição e multiplicação. Seja A um anel comutativo com unidade 1 A. Seja x um símbolo não pertencente ao anel A, chamado uma indeterminada ou variável sobre A. Para cada número natural j 1, designamos a j-ésima potência de x por x j e escrevemos x 1 = x. Definição 11 (Polinômio) Um polinômio com coeficientes em A é uma expressão do tipo n f(x) = a 0 + a 1 x + a 2 x 2 + + a n x n = a j x j, onde n é um número natural e a j A, para 0 j n. j=0 O símbolo lê-se como somatório ou soma e convencionamos escrever a 0 x 0 = a 0. Para 0 j n, os elementos a j são chamados de coeficientes, as parcelas a j x j de termos e os termos a j x j tais que a j 0 de monômios de grau j do polinômio f(x). O coeficiente a 0 é chamado de termo constante. Convencionamos: (a) Para cada número natural n, chamar 0(x) = 0+0x+ +0x n de polinômio identicamente nulo e escrever 0(x) = 0. (b) Chamar f(x) = a 0 de polinômio constante. (c) Escrever o polinômio f(x) com as j-ésimas potências de x em ordem crescente ou em ordem decrescente, a saber, f(x) = a 0 +a 1 x+a 2 x 2 + +a n x n ou f(x) = a n x n + + a 2 x 2 + a 1 x + a 0. (d) Não escrever o termo a j x j sempre que a j = 0, quando houver algum termo não-nulo no polinômio. Instituto de Matemática 53 UFF

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade Exemplo 20 a. Dados os números reais a 0 = 3 2, a 1 = 1, a 2 = 2 e a 3 = 1, temos f(x) = 3 2 x + 2x 2 + x 3 R[x]. b. Dados os números reais a 0 = 2, a 1 = 5, a 2 = 0, a 3 = π, a 4 = 0 e a 5 = 2,4, temos g(x) = 2 5x πx 3 2,4 x 5 R[x]. c. Dados os números reais a 0 = 0, a 1 = 1, a 2 = 3, a 3 = 0 e a 4 = 3, temos h(x) = x + 3x 2 3x 4 R[x]. d. Dados os números reais a 0 = 5, a 1 = 1 e a 2 = 3, temos r(x) = 5 x + 3x 2 R[x]. e. Dados os números reais a 0 = 2, a 1 = 1, a 2 = 3, a 3 = 0 e a 4 = 3, temos s(x) = 2 x + 3x 2 3x 4 R[x]. f. Dados os números reais a 0 = 2, a 1 = 1, a 2 = 3, a 3 = 0, a 4 = 3 e a 5 = a 6 = 0, temos t(x) = 2 x + 3x 2 3x 4 R[x]. g. As expressões u(x) = x 2 + 3 x + x 5 e v(x) = 6 x 3 4x 2 + 5 não são polinômios porque nem todos os expoentes da variável x são números naturais. O polinômio f(x) = a 0 + a 1 x + + a n x n A[x] pode também ser escrito como f(x) = a 0 +a 1 x+ +a n x n +0x n+1 +0x n+2 + +0x n+m, para todo número natural m 1. Portanto, quando comparamos dois polinômios f(x), g(x) A[x], é possível assumir que os termos de ambos têm as mesmas potências de x. Igualdade de polinômios: Os polinômios f(x) = a 0 + a 1 x 1 + a 2 x 2 + + a n x n A[x] e g(x) = b 0 + b 1 x 1 + b 2 x 2 + + b n x n A[x] são iguais se, e somente se, a j = b j para todo j, tal que 0 j n. Escrevemos f(x) = g(x). Isto é, f(x) e g(x) são iguais apenas quando todos os coeficientes das correspondentes potências de x em f(x) e g(x) são iguais. Observe que, se f(x) e g(x) não são iguais, então existe algum número natural j, com 0 j n e a j b j. Neste caso, dizemos que f(x) e g(x) são diferentes e escrevemos f(x) g(x). No Exemplo 20, os coeficientes dos termos constantes dos polinômios h(x) = x + 3x 2 3x 4 e t(x) = 2 x + 3x 2 3x 4 são diferentes; logo h(x) t(x). Enquanto s(x) = t(x), pois todos os coeficientes das mesmas potências de x em s(x) e t(x) são iguais. UFF 54 M.L.T.Villela

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade PARTE 2 - SEÇÃO 3 Exemplo 21 Os polinômios f(x) = x 4 x 5 +4x 2 +3 2x e g(x) = 3+4x 2 2x x 5 +x 4 são iguais, porque os seus coeficientes a j da j-ésima potência x j são: a 0 = 3, a 1 = 2, a 2 = 4, a 3 = 0, a 4 = 1 e a 5 = 1. Escrevendo os polinômios com as potências de x em ordem crescente, visualizamos imediatamente a igualdade dos polinômios. Temos f(x) = g(x) = 3 2x + 4x 2 + x 4 x 5. Em todo polinômio não identicamente nulo, f(x) 0, algum coeficiente deve ser diferente de zero, então há um maior número natural n, tal que a n 0. Definimos o grau de f(x) por grau(f(x)) = n e, nesse caso, a n é chamado de coeficiente líder de f(x). Os polinômios de grau n com coeficiente líder a n = 1 são chamados de polinômios mônicos. O símbolo lê-se como não é idêntico. O símbolo grau(f(x)) lê-se como grau de f de x. Importante: Não definimos o grau do polinômio identicamente nulo, 0(x) 0. Exemplo 22 O polinômio constante w(x) = 5 não é identicamente nulo e grau(w(x)) = 0. Volte ao Exemplo 20 e observe que grau(f(x)) = 3, grau(g(x)) = 5, grau(h(x)) = 4, grau(r(x)) = 2, grau(s(x)) = 4, grau(t(x)) = 4 e que f(x) é o único polinômio mônico. Note que: grau(f(x)) = 0 se, e somente se, f(x) = a 0, a A. Denotamos o conjunto de todos os polinômios na variável x com coeficientes no anel comutativo com unidade 1 A por A[x]. A[x] = { f(x) = a 0 + a 1 x + + a n x n n N, a j A, 0 j n }. No conjunto A[x] estão definidas as operações de adição e multiplicação de polinômios. Definição 12 (Adição de polinômios) Definimos a adição dos polinômios f(x) = A[x] por n a j x j e g(x) = j=0 n b j x j de j=0 f(x) + g(x) = n c j x j, onde c j = a j + b j, para 0 j n. j=0 O resultado da adição de dois polinômios é chamado de soma. Instituto de Matemática 55 UFF

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade Lembre que a b = a+( b), para quaisquer a e b no anel A. Exemplo 23 Sejam f(x) = 4x 3 3x 2 + 4x + 5, g(x) = 2x 2 5x 2 e h(x) = 4x 3 + 5x 2 3x + 1 em Z[x]. Então, f(x) + g(x) = (4 + 0)x 3 + ( 3 + 2)x 2 + (4 + ( 5))x + (5 + ( 2)) = 4x 3 x 2 x + 3, f(x) + h(x) = (4 4)x 3 + ( 3 + 5)x 2 + (4 3)x + (5 + 1) = 0x 3 + 2x 2 + x + 6 = 2x 2 + x + 6. No exemplo anterior, observamos que grau(f(x)) = grau(h(x)) = 3 e grau(f(x)+h(x)) = 2, enquanto grau(g(x)) = 2 e grau(f(x) + g(x)) = 3 = máximo { grau(f(x)), grau(g(x)) }. Na adição de polinômios vale a seguinte propriedade do grau. O símbolo max significa o maior ou o máximo dos números. Propriedade do grau: (Adição de polinômios) n m Sejam f(x) = a j x j, com a n 0, e g(x) = b j x j, com b m 0. j=0 j=0 Se f(x) + g(x) 0, então grau(f(x) + g(x)) max{ grau(f(x)), grau(g(x)) } = max{n, m } valendo a igualdade sempre que grau(f(x)) = n m = grau(g(x)). A adição de polinômios tem diversas propriedades, que são conseqüência das propriedades da adição no anel A, conforme veremos a seguir. Propriedades da adição: n Sejam f(x) = a j x j, g(x) = j=0 n b j x j e h(x) = j=0 n c j x j em A[x]. j=0 Lembre que a adição no anel A é associativa (A1) e comutativa (A2). Lembre que no anel A 0 é o elemento neutro aditivo. (A1) Associativa: (f(x) + g(x)) + h(x) = f(x) + (g(x) + h(x)), pois para quaisquer a j, b j, c j A e 0 j n, temos que (a j + b j ) + c j = a j + (b j + c j ). (A2) Comutativa: f(x) + g(x) = g(x) + f(x), pois para quaisquer a j, b j A e 0 j n, temos a j + b j = b j + a j. (A3) Existência de elemento neutro: n Como o polinômio identicamente nulo 0 = 0x j, então f(x) = 0+f(x), pois para qualquer a j A, 0 j n, temos a j = 0 + a j. j=0 UFF 56 M.L.T.Villela

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade PARTE 2 - SEÇÃO 3 (A4) Existência de simétrico: n n Dado f(x) = a j x j, o polinômio f(x) = ( a j )x j é o simétrico de f(x), sendo j=0 j=0 n f(x) + ( f(x)) = 0x j, j=0 pois a j + ( a j ) = 0 para qualquer a j A, 0 j n. Lembre que no anel A a é o simétrico de a. Exemplo 24 Consideremos os polinômios f(x) = 4x 3 3x 2 + 4x + 5, g(x) = 2x 2 5x 2 e h(x) = 4x 3 + 5x 2 3x + 1 do Exemplo 23. a. No Exemplo 23 determinamos f(x) + g(x) = 4x 3 x 2 x + 3. Assim, (f(x) + g(x)) + h(x) = (4x 3 x 2 x + 3) + ( 4x 3 + 5x 2 3x + 1) = (4 4)x 3 +( 1+5)x 2 +( 1 3)x+(3+1) = 0x 3 +4x 2 4x+4 = 4x 2 4x+4. b. A adição de polinômios pode ser feita facilmente se escrevemos os polinômios numa tabela, onde nas primeiras linhas estão cada um dos polinômios com as potências x j em ordem decrescente, e na última linha o resultado da adição, de maneira similar à adição de números reais. Calcularemos g(x) + h(x) desse modo. 2x 2 5x 2 (+) 4x 3 + 5x 2 3x + 1 4x 3 + 7x 2 8x 1 Nesse caso, g(x) + h(x) = 4x 3 + 7x 2 8x 1. c. Podemos usar este processo para calcular a soma de m polinômios, construindo uma tabela com m + 1 linhas e tantas colunas quantas forem necessárias. Por exemplo, para calcular f(x) + g(x) + h(x) a tabela terá quatro linhas 4x 3 3x 2 + 4x + 5 2x 2 5x 2 (+) 4x 3 + 5x 2 3x + 1 0x 3 + 4x 2 4x + 4 Logo, f(x) + g(x) + h(x) = 4x 2 4x + 4. Definição 13 (Multiplicação de polinômios) Definimos a multiplicação dos polinômios f(x) = em A[x] por n a j x j e g(x) = j=0 m b j x j j=0 Instituto de Matemática 57 UFF

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade O resultado da multiplicação de dois polinômios é chamado de produto. f(x) g(x) = n+m j=0 c j x j sendo c 0 = a 0 b 0 c 1 = a 0 b 1 + a 1 b 0 c 2 = a 0 b 2 + a 1 b 1 + a 2 b 0. c j = a 0 b j + a 1 b j 1 + + a j b 0 = a λ b µ. c n+m = a n b m. λ+µ=j Propriedade do grau: (Multiplicação de polinômios) n Sejam A um domínio e f(x) = a j x j, com a n 0, e g(x) = com b m 0. Então, j=0 m b j x j, j=0 grau(f(x) g(x)) = n + m Lembre que em um domínio a b = 0 a = 0 ou b = 0. pois o coeficiente líder de f(x) g(x) é c n+m = a n b m 0. A multiplicação de polinômios tem as seguintes propriedades. Propriedades da multiplicação: n Sejam f(x) = a j x j, g(x) = m b j x j e h(x) = r c j x j elementos de A[x]. j=0 j=0 j=0 Lembre que no anel A a multiplicação é associativa e comutativa. (M1) Associativa: (f(x) g(x)) h(x) = f(x) (g(x) h(x)). (M2) Comutativa: f(x) g(x) = g(x) f(x), pois para todo j com 0 j n + m, vale a identidade a µ b λ = b λ a µ. λ+µ=j λ+µ=j Note que, em vista da definição das operações: Para quaisquer j, k N, vale a identidade: x j x k = x j+k. Se f(x) = a e g(x) = b 0 + b 1 x + + b m x m, então ( m ) m f(x) g(x) = a g(x) = a b k x k = (a b k )x k k=0 k=0 = (a b 0 ) + (a b 1 )x + + (a b m )x m, UFF 58 M.L.T.Villela

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade PARTE 2 - SEÇÃO 3 pois, nesse caso, a 0 = a, n = 0, e c j = a 0 b j = a b j, para todo j N. Em particular, A[x] tem a propriedade M3: (M3) Existência de elemento neutro multiplicativo : 1 A f(x) = f(x), para qualquer f(x) A[x] e 1 A[x] = 1 A. Se f(x) = ax j com j 1, e g(x) = b 0 + b 1 x + + b m x m, então ( m ) m f(x) g(x) = (ax j ) g(x) = (ax j ) b k x k = (a b k )x k+j k=0 k=0 = (a b 0 )x j + (a b 1 )x j+1 + + (a b m )x j+m, pois, nesse caso, temos a 0 = 0,..., a j 1 = 0 a j = a, n = j, n+m = j+m, c 0 = 0,..., c j 1 = 0, c j = a j b 0 = a b 0, c j+1 = a j b 1 = a b 1,..., c j+m = a j b m = a b m. Combinando as três observações anteriores com o fato da adição de polinômios corresponder a adicionar os coeficientes das potências de x de mesmo expoente em ambos os polinômios, obtemos mais uma propriedade, que envolve as duas operações. Propriedade da adição e multiplicação: n n m Sejam f(x) = a j x j, g(x) = b j x j e h(x) = c j x j. j=0 j=0 j=0 (AM) Distributiva: (f(x) + g(x)) h(x) = f(x) h(x) + g(x) h(x). Lembre que no anel A a adição e a multiplicação têm a propriedade distributiva: a(b+c) = ab+ac. Com as propriedades acima da adição e multiplicação de polinômios em A[x], obtivemos a seguinte proposição. Proposição 8 Seja A um anel comutativo com unidade 1 A. Então, A[x] é um anel comutativo com unidade. Mais ainda, se A é um domínio, então A[x] é um domínio. Demonstração: Só falta a última afirmação. Suponhamos que A é um domínio e sejam f(x), g(x) A[x] não-nulos. Digamos que grau(f(x)) = m e grau(g(x)) = n. Então, pela propriedade do grau, temos que grau(f(x) g(x)) = m + n e logo, f(x) g(x) 0. Exemplo 25 São anéis de polinômios muito importantes: Z[x], Q[x], R[x] e C[x]. Agora podemos fazer exemplos da multiplicação de polinômios. Instituto de Matemática 59 UFF

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade Exemplo 26 Consideremos os polinômios f(x) = 4x 3 3x 2 + 4x + 5, g(x) = 2x 2 5x 2 e h(x) = 4x 3 3x + 1 em Z[x]. a. Vamos calcular f(x) g(x). Usando a propriedade distributiva da multiplicação de polinômios, temos f(x) g(x) = (4x 3 3x 2 + 4x + 5) (2x 2 5x 2) (1) = 4x 3 (2x 2 5x 2)+( 3x 2 ) (2x 2 5x 2)+4x (2x 2 5x 2)+5 (2x 2 5x 2) (2) = (8x 5 20x 4 8x 3 )+( 6x 4 +15x 3 +6x 2 )+(8x 3 20x 2 8x)+(10x 2 25x 10) (3) = 8x 5 + ( 20 6)x 4 + ( 8 + 15 + 8)x 3 + (6 20 + 10)x 2 + ( 8 25)x 10 (4) = 8x 5 26x 4 + 15x 3 4x 2 33x 10. Observe que as igualdades acima foram obtidas: (1) distribuindo as parcelas de f(x) na multiplicação por g(x); (2) distribuindo cada multiplicação com respeito às parcelas de g(x); (3) usando a definição da adição de polinômios (4) fazendo a adição dos coeficientes das potências de x de mesmo expoente. b. Vamos calcular h(x) g(x). Construiremos uma tabela, escrevendo h(x) na primeira linha e g(x) na segunda, com as potências de x em ordem decrescente. Fazemos a multiplicação usando a propriedade distributiva e calculando a multiplicação dos termos do polinômio g(x) por h(x), em ordem crescente das potências de x e organizando na tabela os resultados parciais em ordem decrescente das potências de x. A última linha da tabela será a adição das multiplicações parciais. 4x 3 3x + 1 ( ) 2x 2 5x 2 8x 3 + 0x 2 + 6x 2 2 ( 4x 3 3x+1) 20x 4 + 0x 3 + 15x 2 5x 5x ( 4x 3 3x+1) 8x 5 + 0x 4 6x 3 + 2x 2 2x 2 ( 4x 3 3x+1) 8x 5 + 20x 4 + 2x 3 + 17x 2 + x 2 adição das 3 parcelas Temos grau(h(x) g(x)) = 5 = 3 + 2 = grau(h(x)) + grau(g(x)). UFF 60 M.L.T.Villela

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade PARTE 2 - SEÇÃO 3 Exercícios 1. Sejam f(x) = 2x 3 5x 2 + 1, g(x) = x 5 x 4 + x 3 2x 3, h(x) = 2x 3 2x 2 x+2, r(x) = 2x 3 +3x 2 +5x 3 e s(x) = x 2 +x 3 em Z[x]. Efetue a operação e dê o grau dos resultados não identicamente nulos: (a) f(x) + g(x) (b) x 2 f(x) g(x) + x h(x) (c) g(x) + (3 2x 2 ) h(x) (d) g(x) + h(x) + r(x) + s(x) (e) h(x) + r(x) (f) h(x) s(x) + r(x) s(x) (g) (2x 1) r(x) (3x + 2) s(x) (h) (x 2 1) (x 2 + 1) (s(x)) 2 2. Determine em Z[x]: (a) (x 4 3x 2 + 5)(2x + 3) + (x 2 + 3x)(4x 3 6x). (b) 9x 2 (2x 2 + 3) + 4x(3x 3 2). 3. Considere o anel Q[x]. Determine: (a) (x 2 + 2)(x 2 2) (b) (x 2) 3 (c) (x 1) 2 (x + 1) 2 ( 1 ) 2 (d) (x + 3)(x + 1)(x 4) (e) (x + 2) 4 (f) ( 2 x 4 1 ) 3 (g) 3 x + 3 Se f(x) é um polinômio em A[x], onde A é um anel e n 1 é um número natural, então (f(x)) n = f(x) f(x) f(x) }{{} n fatores Convencionamos não escrever o sinal da operação de multiplicação de polinômios. Assim, f(x)g(x) = f(x) g(x). Lembre da fórmula do binômio de Newton em Q n n (a+b) n = a k n k b k k=0 4. Determine os números reais a, b, c e d para que as identidades de polinômios sejam verdadeiras em R[x]: (a) (a + 5)x 3 + (1 b)x 2 + (2c 1)x + (d + 2) 0. (b 3ax 7 2bx 5 + 3cx 4 + (d + 3) = x 5 x 4 + 3. (c) ax 2 + bx + c = (ax d) 2. (d) (b + d)x 4 + (d + a)x 3 + (a c)x 2 + (c + b)x = 4x 4 + 2x 2. 5. Determine números reais a, b, c e d tais que f(x) + 2g(x) 3h(x) = 3x 4 + 5x 3 3x 2 + x + 2, sabendo que f(x) = ax 3 + 2x 2 x + d, g(x) = x 3 + bx 2 2x 4 e h(x) = x 4 + 2x 3 + dx 2 + cx + c estão em R[x]. 6. Dado o polinômio g(x) R[x], determine, em cada item, o polinômio f(x) R[x], tendo a condição indicada: (a) f(x) + g(x) = 0, g(x) = x 2 x + 3. (b) 2f(x)+3g(x) = 4x 5 +x 3 +x 2 x+1, g(x) = 2x 4 x 3 x 2 +3x+5. (c) 3f(x) 2g(x)+5x 3 = 6x 3 +5x 2 3x 2, g(x) = 5ax 3 bx 2 +2x+c. 7. Discuta, para a R, o grau do polinômio f(x) R[x]: (a) f(x) = (a 2 1) 2 x 3 + (a 2 3a + 2)x + a + 3 Instituto de Matemática 61 UFF

Polinômios com coeficientes em um anel comutativo com unidade (b) f(x) = ax 2 + 2ax + 9 (c) f(x) = (a 3 a)x 3 + a(a 1)x 2 + a 3 1 8. Seja A um anel comutativo com unidade 1 A. Mostre que: (a) A é um subanel de A[x]. (b) A[x] = A, se A é um domínio. (c) Se A é um corpo, então A[x] = A\{0}. UFF 62 M.L.T.Villela

Anéis ordenados e anéis bem ordenados PARTE 2 - SEÇÃO 4 Anéis ordenados e anéis bem ordenados Seja A um anel comutativo com unidade 1 A. Definição 14 (Anel ordenado) Um anel A, comutativo com unidade, é chamado de anel ordenado se existir uma relação binária a b (menor ou igual), que tem as seguintes propriedades: Quando a b, também dizemos que b é maior ou igual a a e escrevemos b a. O1 (Reflexiva) Para qualquer a A, temos a a. O2 (Antisimétrica) Para quaisquer a, b A, se a b e b a, então a = b. O3 (Transitiva) Para quaisquer a, b, c A, se a b e b c, então a c. O4 (Total) Dados a, b A, uma das afirmações é verdadeira: a b ou b a. OA (Compatível com a adição) Para quaisquer a, b, c A, se a b, então a + c b + c. OM (Compatível com a multiplicação) Para quaisquer a, b, c A, se a b e c 0, então a c b c. Usamos as seguintes notações: a < b a b com a b. b > a (b maior do que a) a < b. Observamos que num anel ordenado A, para cada a A vale uma das seguintes propriedades: a > 0 ou a = 0 ou a < 0. Definição 15 (Positivo ou negativo) Seja A um anel ordenado. Seja a A. Se a > 0 dizemos que a é positivo e se a < 0 dizemos que a é negativo. Exemplo 27 (1) Z é um domínio ordenado. (2) Q = { m n ; m, n Z, n 0 } é um corpo ordenado, pois definimos: A ordem em Q é induzida pela ordem de Z. a, b Q, a b b a 0, onde Instituto de Matemática 63 UFF

Anéis ordenados e anéis bem ordenados m n > 0 m, n são ambos positivos ou ambos negativos. (3) R é um corpo ordenado. Proposição 9 (Propriedades de anel ordenado) Seja A um anel ordenado e seja a A. Então: (i) Se a 0, então a 0. (ii) Se a 0, então a 0. (iii) a 2 0. (iv) 1 > 0. Demonstração: (i) a 0 = OA a + ( a) 0 + ( a) = 0 a a 0. (ii) a 0 = OA a + ( a) 0 + ( a) = 0 a a 0. (iii) a 0 = OM a a 0 a = a 2 0. a 0 = (i) a 0 = OM a ( a) 0 ( a) = a 2 0 = (i) a 2 0. (iv) 1 = 1 2 0 e 1 0 = 1 > 0. Atenção: Observamos que o corpo dos números complexos não é um anel ordenado pois, caso contrário, i 0 e, pelo item (iii) da proposição anterior, 1 = i 2 > 0 então, pelo item (ii), 1 < 0, uma contradição com o item (iv). Proposição 10 Se D é um domínio ordenado, então o corpo de frações de D é um corpo ordenado. Demonstração: Primeiramente, observe que se x = a K, então x pode b ser representado por uma fração com denominador positivo. De fato, se b > 0, nada há a fazer. Suponhamos que b seja negativo. Então, b > 0 e x = a b = a b. A ordem em K é induzida pela ordem em D. Definimos a c, com b > 0 e d > 0, se, e somente se, ad bc. ( ) b d Agora devemos verificar as seis propriedades da ordem em K. O1 (Reflexiva): É claro que a a, pois ab ba = 0. b b O2 (Antisimétrica): Sejam a c e c a, com b > 0 e d > 0. Então, b d d b ad bc e bc ad. Pela propriedade O2 em D, temos ad = bc. Portanto, a = c. b d O3 (Transitiva): Dados a c e c e em K, com b > 0, d > 0 e f > 0, b d d f então ad bc e cf ed. Como f > 0 e b > 0, pela propriedade OM em UFF 64 M.L.T.Villela