Definição 1. Um ideal de um anel A é um subgrupo aditivo I de A tal que ax I para todo a A, x I. Se I é um ideal de A escrevemos I A.
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- Stella Macedo
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1 1. Ideais, quocientes, teorema de isomorfismo Seja A um anel comutativo unitário. Em particular A é um grupo abeliano com +; seja I um subgrupo aditivo de A. Como visto no primeiro modulo, sabemos fazer o quociente A/I = {a + I : a A} e sabemos que se trata de um grupo aditivo abeliano com elemento neutro I = 0 + I. Observe que como visto no primeiro modulo, x + I = y + I se e somente se x y I (lembre-se que em notação multiplicativa, xn = yn se e somente se y 1 xn = N, se e somente se y 1 x N). Queremos indagar as propriedades que I precisa ter para poder dar uma estrutura natural de anel a A/I. Já temos uma operação de soma em A/I, aquela do grupo quociente: (a + I) + (b + I) := (a + b) + I. A definição natural de produto é (a + I)(b + I) := ab + I com elemento neutro 1 + I. Imagine que A/I seja um anel bem definido com as operações definidas acima. Lembre-se que sendo A/I um anel com zero igual a 0+I = I, temos (a+i)(0+i) = 0 + I para todo a A (pois r 0 = 0 para todo r R, se R é um qualquer anel). Por outro lado x + I = 0 + I para todo x I, logo temos (a + I)(x + I) = 0 + I para todo a A, x I, em outras palavras ax + I = I para todo a A, x I, isto é, ax I para todo a A, x I. Definição 1. Um ideal de um anel A é um subgrupo aditivo I de A tal que ax I para todo a A, x I. Se I é um ideal de A escrevemos I A. Por exemplo, é facil mostrar que {0} e A são ideais de A. Vamos mostrar que se I é um ideal de A então as operações (a+i)+(b+i) = (a + b) + I, (a + I)(b + I) = ab + I fazem de A/I um anel comutativo unitario com elemento neutro da soma 0 + I = I e elemento neutro do produto 1 + I. Vamos mostrar isso. O produto é bem definido. Sejam a + I = c + I (isto é, a c I), b + I = d + I (isto é, b d I) elementos de A/I. Queremos mostrar que (a + I)(b + I) = (c + I)(d + I), isto é, que o produto não depende do representante escolhido. Mas (a + I)(b + I) = ab + I e (c + I)(d + I) = cd + I, logo temos que mostrar que ab + I = cd + I, isto é, ab cd I. Temos ab cd = a(b d) + d(a c) I pois I é um ideal (em particular, grupo com +) e b d, a c I e a, d A. Observe que aqui usamos as duas propriedades que definem um ideal. O produto é associativo: (a + I)((b + I)(c + I)) = (a + I)(bc + I) = a(bc) + I = (ab)c + I = = (ab + I)(c + I) = ((a + I)(b + I))(c + I). Propriedade distributiva: (a + I)((b + I) + (c + I)) = (a + I)((b + c) + I) = a(b + c) + I = ab + ac + I = = (ab + I) + (ac + I) = (a + I)(b + I) + (a + I)(c + I). 1
2 2 Um homomorfismo de aneis A, B é um homomorfismo de grupos aditivos f : A B com as duas propriedades seguintes: f(xy) = f(x)f(y) para todo x, y A e f(1) = 1. Observe que a primeira dessas duas propriedades em geral não implica a segunda pois f(1) = f(1 1) = f(1)f(1) não implica f(1) = 1 se f(1) não tem inverso em A (lembre que a operação de produto em um anel não é uma operação de grupo). Um isomorfismo de aneis é um homomorfismo bijetivo. Se existe um isomorfismo A B escrevemos A = B. O núcleo de f é ker(f) := {a A : f(a) = 0} e a imagem de f é Im(f) := {f(a) : a A}. Já sabemos que f é injetivo se e somente se é injetivo como homomorfismo de grupos aditivos, e isso vale se e somente se ker(f) = {0}. ker(f) é um ideal de A. De fato já sabemos que ker(f) é um subgrupo aditivo de A, e se a A e x ker(f) logo f(ax) = f(a)f(x) = f(a)0 = 0 então ax ker(f). Im(f) é um subanel de B (ou seja Im(f) é um anel com as mesmas operações de B e os mesmos elementos neutros). De fato 1 = f(1) Im(f) e se b 1, b 2 Im(f) existem a 1, a 2 A com f(a 1 ) = b 1 e f(a 2 ) = b 2 e b 1 b 2 = f(a 1 )f(a 2 ) = f(a 1 a 2 ) Im(f). Por exemplo a função π : A A/I (projeção canonica) definida por π(a) := a + I é um homomorfismo sobrejetivo de aneis e ker(π) = I. Já vimos no primeiro modulo que π é um homomorfismo de grupos aditivos e que ker(π) = I, falta mostrar que π respeita o produto e que leva 1 para 1: π(ab) = ab + I = (a + I)(b + I) = π(a)π(b) e π(1) = 1 + I. Teorema 1 (Teorema de isomorfismo). Seja f : A B um homomorfismo de aneis. Então A/ ker(f) = Im(f) (isomorfismo de aneis!). Demonstração. Seja I := ker(f). Já sabemos que ϕ : A/I Im(f) definida por ϕ(a + I) := f(a) é um isomorfismo de grupos aditivos (pelo teorema de isomorfismo visto no primeiro modulo). Falta mostrar que é um homomorfismo de aneis: temos ϕ((a + I)(b + I)) = ϕ(ab + I) = f(ab) = f(a)f(b) = ϕ(a + I)ϕ(b + I) e ϕ(1 + I) = f(1) = 1. Por exemplo se n é um inteiro então nz = {nz : z Z} é um ideal do anel Z. De fato já sabemos que nz é um subgrupo aditivo de Z e se a Z e nz nz então ax = anz = n(az) nz. Por exemplo se A = Q[X] então o conjunto S = {nx : n Z} não é um ideal pois X S mas X 2 = X X S (todos os polinômios em S têm grau 1 enquanto X 2 tem grau 2). Logo não vale o axioma 2 da definição de ideal neste caso. Por exemplo Z Q[X] mas Z não é um ideal de Q[X], de fato 1 Z, X Q[X] mas 1 X = X Z.
3 1. IDEAIS, QUOCIENTES, TEOREMA DE ISOMORFISMO 3 Definição 2 (Ideal principal). Seja A um anel comutativo unitário. Seja r A. O ideal principal gerado por r é o conjunto (r) := {rx : x A}. Se trata de um ideal de A. Vamos mostrar que (r) é realmente um ideal de A. Axioma 1. (r) é um subgrupo aditivo de A, de fato 0 (r) sendo 0 = r0 e se rx, ry (r) então rx + ry = r(x + y) (r), (rx) = r( x) (r). Axioma 2. Se a A e rx (r) então a(rx) = r(ax) (r). Por exemplo {0} e A são ideais principais de A sendo {0} = (0) e A = (1). Por exemplo se A = Z e r A então (r) = rz. Por exemplo se K é um corpo o ideal (X) de K[X] é o ideal (X) = {XP (X) : P (X) k[x]}. Proposição 1. Seja A um anel comutativo unitário. Então A é um corpo se e somente se os únicos ideais de A são (0) = {0} e (1) = A. Demonstração. Suponha A corpo e seja I um ideal de A com I (0). Seja x I com x 0. Como A é um corpo, x 1 A, logo xx 1 I pois I é ideal, assim 1 I. Mas se a A então a = a 1 I pois I é ideal e 1 I. Isso mostra que A I, logo A = I. Suponha que os únicos ideais de A sejam (0) = {0} e (1) = A. Seja x A com x 0 e vamos mostrar que x tem inverso em A. Como x 0, o ideal principal (x) = {ax : a A} é um ideal não nulo de A. Como os únicos ideais de A são (0) e (1), temos (x) = (1), em particular 1 (x), logo existe a A tal que ax = 1, assim a é o inverso de x. Logo A é um corpo se e somente se A tem exatamente dois ideais, (0) e (1). Teorema 2 (Teorema de correspondência). Seja I um ideal de um anel comutativo unitário A. Existe uma bijeção (canonica) A B entre o conjunto A dos ideais de A que contêm I e o conjunto B dos ideais de A/I. Demonstração. Defina ϕ : A B por ϕ(j) := J/I e ψ : B A por ψ(t ) := {a A : a + I T }. Primeiro, mostraremos que ϕ e ψ são bem definidas, isto é, que se J A então ϕ(j) é um ideal de A/I e que se T B então ψ(t ) é um ideal de A contendo I. Um elemento de J/I tem a forma x+i sendo x J. Se x+i, y +I J/I então (x + I) + (y + I) = x + y + I J/I pois x + y J sendo J um ideal de A. Além disso, (x + I) = x + I J/I pois x J sendo J um ideal de A. Se a + I A/I então (a + I)(x + I) = ax + I J/I pois ax J sendo J um ideal de A. Isso mostra que J/I A/I. Sejam x, y ψ(t ), assim x + I, y + I T. Temos x + y + I = (x + I) + (y + I) T pois x + I, y + I T e T é um ideal de A/I; isso mostra que x + y ψ(t ). Além disso, x + I = (x + I) T pois x + I T e T é um ideal de A/I; isso mostra que x ψ(t ). Se x ψ(t ) e a A
4 4 então ax + I = (a + I)(x + I) T pois T é um ideal de A/I; isso mostra que ax ψ(t ). Isso mostra que ψ(t ) A. ψ(t ) contem I pois se x I então x + I = I = 0 + I T pois T é um ideal de A/I. Vamos mostrar que para todo J A, T B temos ψ(ϕ(j)) = J e ϕ(ψ(t )) = T. Temos ψ(ϕ(j)) = ψ(j/i) = {a A : a + I J/I}. a + I J/I significa que existe j J tal que a + I = j + I, isto é, a j = i I, assim a = i + j J sendo J I. Por outro lado é claro que se a J então a + I J/I. Isso mostra que a + I J/I é equivalente a a J, logo ψ(ϕ(j)) = {a A : a J} = J. Temos ϕ(ψ(t )) = {a A : a + I T }/I. Vamos mostrar que ϕ(ψ(t )) = T mostrando as duas inclusões. Se x + I ϕ(ψ(t )) então x + I = a + I com a + I T logo x + I T ; isso mostra ( ). Se t = a + I T então a ψ(t ) logo t = a + I ϕ(ψ(t )); isso mostra ( ). Logo ϕ e ψ são bijeções (uma a inversa da outra). Por exemplo, isso implica que se I A, o anel A/I é um corpo se e somente se I é um ideal maximal de A, isto é, os únicos ideais de A que contêm I são I e A. De fato, como visto acima A/I é um corpo se e somente se os únicos ideais de A/I são os ideais triviais, I/I = {I} (o ideal nulo) e A/I. Pelo teorema de correspondência, isso significa que os únicos ideais de A contendo I são I e A. Seja K um corpo. Os ideais de A = K[X] são principais. De fato se I é um ideal de A diferente de {0} seja P (X) um polinômio não nulo de grau minimo em I e seja H(X) I. Efetuando a divisão com resto entre H(X) e P (X) obtemos H(X) = Q(X)P (X) + R(X) logo R(X) = H(X) Q(X)P (X) I, e como o grau de R(X) é menor que o grau de P (X) obtemos R(X) = 0 ou seja H(X) = Q(X)P (X) (P (X)). Isso mostra que I (P (X)) e a outra inclusão é clara logo I = (P (X)). Um polinômio não nulo P (X) K[X] é dito irredutível se para toda fatoração P (X) = H(X)Q(X) com H(X), Q(X) K[X] temos que pelo menos um entre H(X) e Q(X) pertence a U(K[X]) ou seja é um polinômio constante. Proposição 2. Seja K um corpo e seja A = K[X]. Se 0 P (X) A o ideal I = (P (X)) A é maximal em A se e somente se P (X) é irredutível. Segue que um quociente K[X]/(P (X)) é um corpo se e somente se P (X) é irredutível em K[X]. Demonstração. Suponha I = (P (X)) maximal em A. Se P (X) é um produto H(X)Q(X) então P (X) (Q(X)) logo (P (X)) (Q(X)) e sendo I maximal isso implica (Q(X)) = (P (X)) ou (Q(X)) = A. No primeiro caso Q(X) = P (X)S(X) com S(X) A logo P (X) = H(X)S(X)P (X) ou seja P (X)(1 H(X)S(X)) = 0 e sendo P (X) 0 isso implica 1 H(X)S(X) = 0 (pela formula do grau de um produto a lei de cancelamento vale em A). Segue que H(X)S(X) = 1 logo H(X) é um polinômio inversível. No segundo caso (Q(X)) = A 1 logo existe H(X) A com Q(X)H(X) = 1 logo Q(X) é um polinômio inversível.
5 1. IDEAIS, QUOCIENTES, TEOREMA DE ISOMORFISMO 5 Suponha P (X) irredutível e seja I = P (X). Se I J A e J é ideal de A vamos mostrar que J = (P (X)) ou J = A. Podemos escrever J = (Q(X)) logo P (X) = Q(X)H(X) para algum H(X) A, segue que um entre Q(X) e H(X) é inversível (sendo P (X) irredutível) e isso implica J = (Q(X)) = A ou (H(X)) = A. No segundo caso sendo 1 A existe S(X) A com H(X)S(X) = 1 logo P (X)S(X) = Q(X)H(X)S(X) = Q(X) logo Q(X) (P (X)) = I e isso implica J = (Q(X)) (P (X)) = I. Como a outra inclusão vale por hipótese deduzimos J = I. Exercícios. (1) Um elemento a de um anel comutativo unitário A é chamado de nilpotente se a n = 0 para algum n N. Mostre que o conjunto dos elementos nilpotentes de A é um ideal de A. (2) Um elemento e de um anel comutativo unitário A é chamado de idempotente se e 2 = e. Mostre que A contem idempotentes diferentes de 0 e de 1 se e somente se A é isomorfo a um produto direto de dois aneis comutativos unitários não triviais, A = X Y. [Dica: mostre que 1 e é idempotente e defina X = ea, Y = (1 e)a.] (3) Se I e J são ideais de um anel comutativo unitário A então defina I +J = {i + j : i I, j J}. Mostre que I + J A. Defina IJ como sendo o ideal de A gerado por {ij : i I, j J} (a interseção dos ideais de A contendo {ij : i I, j J}). Mostre que se I + J = A então I J = IJ. (4) Seja A um anel comutativo unitário e sejam a, b A. Considere (a, b) := {ax + by : x, y A}. Mostre que (a, b) é um ideal de A. (5) Seja f : A B um homomorfismo de aneis comutativos unitários e seja J um ideal de B. Mostre que f (J) = {a A : f(a) J} é um ideal de A. É verdade que se I é um ideal de A então f(i) é um ideal de B? (6) Seja A um anel comutativo unitário e seja f : A[X] A a função definida por f(p (X)) := P (0), isto é, f(a 0 + a 1 X a n X n ) := a 0. Usando o teorema de isomorfismo, mostre que A[X]/(X) = A. (7) Escreva e demonstre o teorema de isomorfismo para espaços vetoriais sobre um corpo K. Se V é um espaço vetorial e W é um subespaço, V/W = {v + W : v V } é um espaço vetorial com a multiplicação por escalar dada por a(v + W ) := av + W (para todo a K, v V ). Calcule dim K (V/W ). (8) Calcule o núcleo de v i+1 : Q[X] C, v i+1 (P (X)) := P (i + 1). (9) Mostre que existem infinitos primos congruentes a 1 módulo 3. [Dica: se por contradição são finitos seja m o produto deles, seja P (X) = X 2 + X + 1 Z[X] e seja p um divisor primo de P (3m). Mostre que U(Z/pZ) contem um elemento de ordem 3.]
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