Brasil: exportador de software ou de empregos?*



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Transcrição:

Brasil: exportador de software ou de empregos?* A despeito do vigoroso crescimento de dois dígitos do segmento de TI acumulado na média da década passada, o potencial do mercado interno brasileiro poderia ser, pelo menos, quatro vezes maior quando comparado com economias desenvolvidas como França, Reino Unido e Alemanha. Estes países possuem território e população significativamente menores, empresas em quantidade bastante inferior aos mais de cinco milhões de CNPJ s registrados no Brasil e um PIB, em média, em patamar similar ao brasileiro. Segundo o IDC, o mercado brasileiro de softwares e serviços fechou 2009 em 12º colocado no ranking mundial e com um montante de US$ 15 bilhões de mercado interno. Crescimento de 2,4% se comparado com o ano anterior, que poderia ser até 10% maior, considerando apenas o aspecto da oscilação da paridade cambial média - em torno de R$ 2,00 por US$ 1,00, num ano de crise internacional aguda. Embora considerado o maior mercado de TI (incluindo software e hardware) da América Latina, com 47% de participação no resultado de US$ 65 bilhões alcançado pela região, há um longo caminho a percorrer caso o Brasil queira destacar-se e competir internacionalmente. Hoje o país conta com exportações muito modestas, estimadas em US$ 3 bilhões em 2009 - considerando US$ 92 milhões em software, US$ 271 milhões em serviços sobre plataformas de software nacional e o saldo em serviços offshore contratados sob encomenda pelo melhor custo homem/hora. Agrava este quadro o fato de que 71% dos US$ 5,3 bilhões de vendas de software no mercado interno são de produtos importados. Não há ainda dados consolidados de importação de serviços. Pelas projeções do observatório Softex de 2009, baseadas em dados oficiais e estatísticas do IBGE, o Brasil tem cerca de 150 mil empregos diretos na IBSS Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI. Desse total, um terço referese a profissionais terceirizados que atendem como prestadores de serviços. Pelo menos outros 450 mil profissionais estão alocados nas áreas de TI de empresas dos mais diversos setores. Apesar destes números significativos, há pelo menos 10% de vagas abertas no setor de TI, atrasando o crescimento e pressionando os custos com pessoal por falta de profissionais especializados. Segundo estimativas do Softex, até 2013 esse gap aumentará consideravelmente e será superior a 200 mil profissionais. Tudo isso num setor que paga salários superiores ao dobro da média nacional. Diante de todos esses fatos é possível concluir que caminhamos para uma situação de colapso setorial, onde teremos um crescimento de exportação de empregos; o aumento do desequilíbrio histórico da balança setorial; e a manutenção da fragilidade de um setor predominantemente composto por pequenas e médias empresas, incapazes de criar cadeias comerciais e redes de suporte eficientes para crescer no Brasil, muito menos para conquistar exportações e a confiança do mercado internacional.

Segundo a pesquisa do IDC, das cerca de nove mil empresas realmente ativas no setor, 94% são PMEs, 5% possuem porte médio e apenas 1% são grandes empresas. Mais da metade das PMEs de TI morrem antes de completar cinco anos de existência por falta de incentivo e oportunidade de mercado para multiplicar conhecimento em escala e viabilizar crescimento de forma competitiva e com menor risco operacional. Este quadro indesejável e estagnado está fortemente associado à incapacidade das empresas inseridas no atual modelo setorial conseguirem organizar processos de vendas recorrentes e sistemáticas que viabilizem um crescimento sustentável e de baixo risco. Para entender o perfil atual da IBSS, suas perspectivas e o que gera o baixo desempenho da balança comercial de TI brasileira, apresentamos para análise quatro fatores histórico-estruturais que consideramos determinantes para a composição deste contexto: 1. Séculos de educação de baixa qualidade e pouca penetração horizontal na sociedade; 2. Os anos cegos da lei de informática, que criaram reserva de mercado para a indústria nacional de TI, defasando-a em mais de 10 anos dos progressos técnico-científicos do setor; 3. Uma visão míope da importância do papel do estado no fortalecimento e fomento de um setor estratégico que aporta inteligência e produtividade horizontalmente em todos os setores econômicos, tem elevada e rápida capacidade de geração de empregos de alto valor, além de arrecadação e exportações limpas; 4. O custo Brasil, especialmente tributário, com encargos sociais e burocracia legal que aumentam custos e tiram agilidade de um segmento cujos gastos com pessoal representam cerca 70% da composição de custos e despesas. Os quatro fatores acima estão diretamente relacionados às decisões macroeconômicas do Estado ao longo do tempo. Refletem-se na competitividade do setor e, muitas vezes, em outros que dependem de tecnologia de ponta em TI. Nos países onde o segmento se desenvolveu, cresceu e é de alguma forma importante no cenário internacional e para o PIB, o Estado tem sido parceiro setorial ou pelo menos disponibiliza condições macro-econômicas favoráveis. Educação e formação profissional técnica Um país que paga pouco para professores, tem uma rede de ensino público de primeiro e segundo graus tolerante com a má qualidade e uma gestão cara e deficiente no setor, resulta num cenário onde cerca de 50% dos estudantes não completam o segundo grau e apenas um modesto percentual chega a graduação, cujas universidades apresentam níveis médios muito abaixo dos melhores padrões internacionais de qualidade. Além disso, a formação de

pessoas em áreas técnico-científicas é muito menor do que a necessidade do país. No momento em que se precisa de mais profissionais qualificados para promover crescimento e desenvolvimento, é necessário um plano de recuperação da educação e formação de mais técnicos com perfil global. Caso contrário, acompanharemos a exportação das oportunidades de empregos, o aumento da importação de produtos e serviços e mais uma vez deixaremos as oportunidades de mercado passarem para o país do futuro. Sem educação não existirá futuro promissor. Lei de informática e proteção do mercado Com a lei federal 7.232/84 até a lei federal 8.248/91, o país viveu uma pseudopolítica de incentivo e apoio ao desenvolvimento da IBSS, que tinha reserva de mercado ou barreiras de importação elevadas para hardware e software internacionais. O resultado desta experiência foi uma indústria que se acomodou com um mercado interno importante, que aprendeu a copiar mais do que a inovar ou apenas eventualmente melhorar e ampliar soluções. Ocorreu um grande crescimento da pirataria no país, que começou pelo setor de software e alastrou-se para a música e outras indústrias. No mesmo período em que Índia, Alemanha, Israel, Irlanda, Japão e Coreia passavam por revoluções tecnológicas baseadas na educação e na formação de profissionais com perfil aderente a demanda, o Brasil passou 10 anos embotando sua reconhecida criatividade e espírito empreendedor. Esta situação foi agravada com a chegada da Internet como canal efetivo de comunicação e negócios, ampliando durante a década de 90 o atraso tecnológico de TIC no Brasil do período anterior, enquanto o país não tinha uma infraestrutura minimamente razoável de acesso qualificado à Internet. A privatização das telecomunicações trouxe expectativas positivas na virada do milênio e possibilitou que hoje exista um celular no mercado para cada brasileiro. Outros dois fortes movimentos inovadores do governo colocavam o Brasil da virada do milênio com indicativos que avançaria de forma diferenciada: o lançamento do bem estruturado Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP) e vários projetos pioneiros em e-gov, que na época colocavam o Brasil na vanguarda deste segmento (urnas eletrônicas, declaração de Imposto de Renda pela Internet, compras eletrônicas, início da negociação de energia em mercado aberto por meios eletrônicos, entre outros). Contudo, a partir de 2002 a mudança do foco e orientação do Governo para a discussão de plataforma tecnológica, a ser cada vez mais produtor e concorrente setorial e a insistência no apoio ao modelo de código aberto e serviços, voltou a retirar vantagens competitivas do setor de TI duramente conquistados, levando o país a perder dezenas de posições nos indicadores internacionais de TIC.

Papel do Estado no Desenvolvimento Setorial Em todas as economias que o setor de TIC se destaca, o Estado foi fundamental agente organizador e fomentador. Especialmente no Brasil, onde o Estado administra 38% do PIB nacional pela sua arrecadação, seu papel passa a ser determinante para o sucesso da IBSS. O Estado brasileiro, considerando todos níveis e instâncias do poder público, é o maior consumidor de software e serviços de TI. Contudo, é apenas o quinto segmento em compras, porque também é o maior empresário, empregador e produtor e, muitas vezes, concorrente direto da iniciativa privada. Como empresário do setor de software, o Governo não tem a agilidade necessária para liderar o modelo da indústria num dos setores mais dinâmicos da economia, não arrecada e não exporta, apropria-se de inovações que não se multiplicam comercialmente, prefere e direciona o mercado para um modelo de código aberto que exige mais serviços e mão-de-obra que o país não tem disponível e não apresenta um modelo auto-sustentável de fomento a pesquisa e ao desenvolvimento. O poder de compra e de financiamento do Estado, utilizado com inteligência e voltado à geração de solução de padrão internacional, replicáveis e de alta aderência à demanda, em poucos anos traria condições adequadas para um rápido crescimento do setor da IBSS e para inversão da balança setorial negativa, transformando TIC como um todo num fator estratégico de desenvolvimento horizontal de todo o país. Custo Brasil e Insegurança Jurídica O financiamento da Previdência Social baseado na incidência de encargos de 20% sobre folha, associado ao Seguro Acidente de Trabalho, FGTS, salário educação, Incra e contribuições ao Sistema S, perfaz uma carga direta de 36%. A tais encargos se somam os tributos federais indiretos - PIS e COFINS, e municipal - ISS. A eles também se juntam os impostos federais diretos, Imposto de Renda de lucro presumido ou lucro real e CSLL. Especialmente os encargos sobre folha representam, principalmente nessas empresas altamente intensivas em mão-de-obra, um enorme fator restritivo ao emprego formal. Dois são os efeitos práticos do atual modelo de encargos sobre folha. De um lado as companhias vivem sob constante pressão do mercado para reduzir custos trabalhistas. Isso acaba gerando relações bastante conflituosas entre os agentes (empresas, sindicatos e Ministério Público do Trabalho) e, frequentemente, levam à formação de legados trabalhistas que distorcem o valor das companhias, trazem insegurança jurídica para empregadores e empregados e prejudicam a própria arrecadação do governo. De outro lado, esse nível elevado de encargos não encontra paralelo em países concorrentes como Índia e China, mas também Argentina, Chile ou México. Em médio e longo prazos, caso o quadro atual se mantenha, o fator custos acabará levando o Brasil à condição de exportador de empregos, pois os demandantes tenderão a contratar desenvolvimento de software e serviços em outros países. O que a IBSS solicita do governo não é a concessão de

incentivos fiscais insustentáveis para o Tesouro. O que se espera é a mudança do modelo de encargos, de modo que ocorra a completa formalização do setor de TI. A partir de uma tributação mais racional, haverá ampliação da base de contribuintes e ganhos de arrecadação do governo; valorização das companhias; aumento dos investimentos; maior competitividade internacional e mais empregos. É fundamental ainda por fim à cobrança (indevida) de ICMS nas operações de venda de software. A lei é clara quanto à incidência de ISS, e não de ICMS, nessas operações. Há de se resolver também o conflito de interesses entre municípios no recolhimento de ISS de empresas de software e serviços. Não é aceitável que essas empresas convivam com a bitributação quando, originárias de um município, vendem software ou prestam serviços em outro. Em segundo lugar, é preciso que a União se empenhe em dar segurança jurídica aos processos de terceirização, hoje precariamente regulados por instruções do Tribunal Superior do Trabalho. O setor precisa de uma Lei estável e confiável nesse campo. Terceirização está no cerne do modelo de organização do setor em todo mundo, por que não no Brasil? Propõe-se tributação simplificada sobre faturamento, sem encargos sobre a folha; menos burocracia; liberdade e amparo legal para estabelecer relações de prestações de serviços, respeitando a legislação pertinente. Conclusões Ao longo dos últimos anos o governo brasileiro apostou fortemente num modelo de exportação baseado na oferta de profissionais em serviços terceirizados, como acontece com a Índia e a China. Ou seja, uma estratégia focada na competição em custo por homem/hora, onde o país não tem vantagem competitiva direta. O sucesso relativo até aqui dependeu, na verdade, do reconhecimento do país como uma opção secundária para desconcentração da produção mundial de serviços offshore e do esforço localizado de algumas empresas internacionais com base de desenvolvimento no Brasil. Produzem e arrecadam aqui pelo custo de criação e desenvolvimento dos melhores técnicos nacionais e faturam pelo valor percebido das soluções entregues ao mercado, muitas vezes embarcadas em outras ofertas de produtos e serviços em TIC, bancários etc. Ou seja, essas empresas rapidamente reconheceram o modelo para ter sucesso a partir do talento brasileiro. O governo brasileiro não. Continua exportando talentos ao preço da commodity setorial (homem/hora) e importando software de alto valor percebido e fomentando uma política de código aberto com iniciativas como o do Portal do Software Livre, onde mais de 50% dos downloads são do exterior, levando conhecimento brasileiro pago com dinheiro público, para concorrer com a indústria nacional de software e serviços. Mesmo neste modelo de baixo valor percebido, pelos custos dos encargos e pela melhor remuneração de profissionais no Brasil, onde falta mão-de-obra especializada, tem-se percebido que o país torna-se pouco atrativo para competir de forma igualitária com os custos apresentados por nações asiáticas, não podendo explorar neste modelo seus diferenciais de inovação e qualidade de solução de processos, uma vez que oferta algo que todos já oferecem.

O primeiro grande desafio que o segmento precisa vencer refere-se, portanto, a uma mudança de modelo de negócios. É essencial que o governo fomente e lidere um movimento de mercado que explore a comercialização de produtos, sistemas de maior valor percebido e onde o país tem know-how e reputação internacional como é o caso dos softwares voltados para as áreas financeira, de segurança, energética, sistemas de gestão (ERP) e e-gov. Não se trata de desprezar o que foi feito até o momento, mas sim, buscar um equilíbrio entre os dois modelos para que o segmento cresça, aumente sua produtividade, gere renda, riqueza e impostos e se fortaleça, invertendo o déficit da balança comercial. Parte disso também ocorre porque o processo de financiamento oferecido ao setor é insuficiente, complexo e burocrático - mesmo com a existência de boas iniciativas mais recentes do FINEP e melhorias no Prosoft do BNDES. Como reflexo o que se vê é que 71% dos softwares consumidos no país são desenvolvidos no exterior como mencionado anteriormente. Ainda sem uma captura estatística ou de pesquisas direcionadas, o país assisti a chegada progressiva de capital internacional comprando controle ou importantes participações nas poucas empresas nacionais de destaque e uma oferta crescente de atendimento de serviços offshore importados ou convites para instalações de centros de desenvolvimento no exterior, como oferecem Índia e Uruguai, por exemplo. Se o país desejar alcançar outros mercados de TI, é fundamental manter o controle estratégico da inteligência em software que permeia todos os setores da economia. Será necessário criar políticas que fomentem o desenvolvimento da indústria nacional e permitam a essas empresas se consolidarem, crescerem e se transformarem em organizações de maior porte, capazes de ter fôlego para competir. Outra questão bastante crucial para aumento das exportações brasileiras e TI, refere-se à qualificação de mão-de-obra, tema crítico para o segmento. Essa defasagem merece um plano emergencial para formar mais profissionais em quantidade suficiente ou excedente para exportar. Seja por meio de adequações das grades curriculares das universidades ou parcerias com empresas, ou programas diretos do governo, este quadro precisa ser urgentemente alterado para evitar-se um apagão de mão-de-obra. Sem dúvida há uma grande janela de oportunidades pela frente, mas se o país desejar aproveitá-la precisará trabalhar essas questões básicas mencionadas acima. Sem isso, infelizmente as empresas brasileiras de software e serviços de TI continuarão a serem vistas como grãos de areia no mercado internacional, coadjuvantes da maior revolução do século que consolidará a sociedade da informação. O Brasil tem talentos, meios e não depende de fatores externos para conquistar uma posição de destaque neste novo mundo. É apenas uma questão de vontade política e de ação rápida e disciplinada. *Gérson Schmitt é presidente da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software)