EXPERIÊNCIA DE APRENDIZADO DOCENTE ATRAVÉS DO JOGO TEATRAL
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- Maria de Belem Duarte Marroquim
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1 EXPERIÊNCIA DE APRENDIZADO DOCENTE ATRAVÉS DO JOGO TEATRAL Céli do Nascimento Palácios, Rio de Janeiro, Brasil. 1- Introdução O presente artigo tem sua origem na dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a UNI-RIO. O estudo nele apresentado consiste na pesquisa sobre o aprendizado docente através da experiência com jogos teatrais. A premissa norteadora deste processo foi que o jogo teatral desenvolve a capacidade de estar presente e em relação (uns com os outros) naqueles indivíduos que tem a possibilidade de vivencia-los. Paulo Freire afirma que para ensinar é preciso escutar, para que assim seja possível falar com os alunos e não para eles. (FREIRE, 1996). A natureza do aprendizado teatral envolve o desenvolvimento das relações humanas. Ao tratar do ensino do Teatro na Educação Básica, Ricardo Japiassu afirma que ele é um importante meio de comunicação e expressão que articula aspectos plásticos, audiovisuais, musicais e linguísticos em sua especificidade estética e que mobilizam dimensões sensóriomotora, simbólica, afetiva e cognitiva do educando, tornando-se útil na compreensão crítica da realidade humana culturalmente determinada. (JAPIASSU, 2001) O objetivo do ensino de artes no âmbito da Educação não é formar artistas, mas desenvolver o domínio, a fluência e a compreensão dessas complexas formas humanas de expressão que movimentam processos afetivos, cognitivos e psicomotores (JAPIASSU, 2001). Da mesma forma, desejou-se que os licenciandos vivenciassem a experiência do aprendizado teatral a fim de se verificar como poderiam contaminar sua futura prática docente com este aprendizado. Como poderiam estar mais disponíveis a pensar em processos de aprendizados voltados para a construção de saberes através da vivência e da troca de experiências? Em 2011, quando trabalhava como professora substituta de Artes Cênicas no Colégio de Aplicação da UFRJ, fui convidada a colaborar no projeto institucional A Formação
2 docente na UFRJ: espaço de diálogo entre saberes para o edital Prodocência da CAPES (1). O referido projeto envolveu a elaboração das chamadas Oficinas Pedagógicas, que vêm sendo desenvolvidas pela Profª. Drª. Regina Bustamante, desde 2007, a fim de integrar as unidades de formação de professores da UFRJ. Segundo a Profª. Regina, as Oficinas Pedagógicas têm como objetivo propiciar uma experiência de prática de ensino (2) para os alunos de Licenciatura em História, visando a mobilização de conhecimentos e pensando em seu processo de ensino. As Oficinas propriamente ditas consistem em atividades lúdicas a serem realizadas com alunos de Ensino Fundamental, preferencialmente da rede pública, de modo que eles possam aprender brincando, participando das atividades. A elaboração dessas atividades compõe o conteúdo programático da disciplina eletiva Educação Patrimonial e foi realizada a partir de objetos do acervo do Museu Nacional, local onde as Oficinas Pedagógicas aconteceram. Minha colaboração consistiu em ministrar aulas de Teatro (aplicação de jogos teatrais) para os licenciandos que cursavam Educação Patrimonial. Nas Oficinas Pedagógicas oferecidas pela docente, os licenciandos são convidados a desenvolver atividades lúdicas para serem aplicadas em turmas de alunos do Educação Básica. Ao buscar o Teatro, Regina tinha em mente uma perspectiva mais sensorial e holística da experiência de aprendizado. 2 - O Jogo Teatral e o Aprendizado Através Da Experiência Para Viola Spolin, o jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a experiência (SPOLIN, 2002, p.4 ). Ao propiciar o estar presente, o jogo teatral abre a percepção dos jogadores para a possibilidade de aprender pela experiência vivida na hora do jogo. Aberto e disponível, o jogador consegue se relacionar com o aqui e agora, permitindo-se às mais variadas possibilidades de jogar, de pensar, de suspender-se no presente. No jogo, não temos o controle dos acontecimentos; é o lugar do imprevisível. Ao planejarmos uma aula, ao subirmos ao palco, também estamos à mercê do imprevisto e/ou do erro. Tentar voltar atrás e consertar pode não ser o melhor caminho, então, por que não suspender, parar, ouvir, observar o que acontece no momento em que o imprevisto ocorreu e, a partir disso, dessa percepção do momento, dar o próximo passo? O jogo teatral, tal como ele é proposto por Ryngaert (2009) e Spolin (2000), trata de comunicação, de encenar para uma plateia de observadores; ou seja, o que é feito é
3 compartilhado com o outro. Logo, as Oficinas Pedagógicas não se propunham a ser meramente ilustrativas. Não se tratava de encenar um aspecto específico da História e mostrálo para os alunos para que eles vissem como aconteceu. Elas visavam o compartilhamento, daí o jogo. A cena envolvia a plateia, fazia um convite aos alunos participantes para entrarem no universo explorado e convidava-os à parceria nessa exploração. O jogo teatral tem em sua natureza, o fazer junto. O orientador da sessão de jogos pode lançar as propostas, mas os jogadores encontrarão as suas soluções talvez nunca imaginadas pelo orientador, que não tem e nem deve ter a solução para tudo. Spolin (2000) orienta a busca de um ambiente onde a espontaneidade seja a geradora da criatividade. Nas aulas de Teatro em Educação Patrimonial, era muito importante que eu deixasse os licenciandos buscarem as suas soluções, as suas propostas, apropriando-se do jogo para ativar nos alunos participantes das Oficinas no Museu os saberes que eles desejavam. O seu aprendizado, assim como o dos alunos, se daria naquela experiência compartilhada durante as Oficinas Pedagógicas. A fim de definir o entendimento de experiência utilizado nessa pesquisa, trago o texto Notas sobre a experiência e o saber da experiência (3), de Jorge Larrosa. O autor propõe que se pense a educação a partir do par experiência/sentido, a fim de explorar possibilidades mais existenciais e estéticas para a educação, em oposição a uma visão de conhecimento tecnicista e que se encontra fora dos indivíduos. Ele propõe que através da nossa disponibilidade e abertura para vivenciar novas experiências, nós possamos nos apropriar de nossa vida, dando sentido àquilo que aprendemos. Segundo Larrosa, experiência é aquilo que nos acontece, que nos passa, e não que acontece, que se passa, algo fora de nós. A esse entendimento de experiência ele opõe a informação, o acúmulo dela. Para Larrosa, a informação é a antiexperiência, pois o sujeito informado não é necessariamente um sujeito que possui sabedoria, a partir do momento que, no afã de obter cada vez mais informações, lhe falta a percepção para dar sentido a elas. Desta forma, nada lhe acontece, ele não se disponibiliza a viver uma experiência. O autor dá como exemplo o fato de que ao assistir a uma aula ou a uma conferência, podemos saber coisas que antes não sabíamos, mas isso não quer dizer que essas coisas nos tocaram, nos afetaram de algum modo. Assim, se sentimos que nada nos aconteceu, não há experiência. Com as Oficinas Pedagógicas, desejávamos que os participantes vivessem essa experiência: que algo lhes acontecesse, lhes afetasse. A fim de propiciar esse acontecimento
4 nos alunos participantes, era preciso que os licenciandos também passassem por um mesmo território de vivências. O trabalho com jogos teatrais caminha nessa direção: ele promove experiência. Quando a professora Maria Coelho (4) deu suas duas oficinas de contação de histórias para os licenciandos cursando Educação Patrimonial, uma das primeiras questões que ela levantou foi a diferença entre narrar e informar. O narrador é sujeito de sua história. Ele a vive enquanto conta para os outros. O que sempre me fascinou em ouvir histórias é o fato de elas serem compartilhadas, saboreadas pelo contador, pois de outra forma seria um noticiário e não uma contação. O sujeito que ouve uma história quer fazer parte dela, ser envolvido, ser levado para outro lugar. Os licenciandos desejavam que os temas de suas Oficinas Pedagógicas não fossem um acúmulo de informações ordenadas num quadro ou o que o valha e organizadas como volumes a serem colocados nas prateleiras das mentes dos alunos, ou guardados em gavetas de arquivos da memória, onde poderiam ser esquecidas tão rapidamente quanto foram aprendidas. Para Larrosa, o sujeito da experiência é aquele que se permite atravessar pelos acontecimentos. É aquele que se expõe, que se arrisca, que se deixa afetar. Ele não está sedento por agir e impor suas ações ao mundo, mas deixa-se atingir. Ele pode ser passivo e se deixar levar pelos acontecimentos, o que difere de não ser atuante; ele apenas se permite vivenciar os eventos sem precisar, de antemão, saber onde vai chegar. Ele observa e escuta, suspendendo a vontade, a opinião, se expondo e aceitando riscos. Sua prática é distinta daquela do saber científico e tecnicista e do saber da informação. Seu corpo é um território de passagem por onde passam caminhos; acontecimentos que deixam vestígios e afetos. (LARROSA, 2002) Portanto, os licenciandos, ao elaborarem suas Oficinas, não queriam informar, eles queriam narrar, afetar, compartilhar; desejavam a contribuição dos alunos participantes e para tanto se arriscavam em territórios desconhecidos como a prática do jogo teatral. 3- Considerações finais Acreditando que desenvolver as capacidades de jogo e relação é essencial para a prática docente, propus, neste trabalho, que os professores em formação pudessem ter a
5 experiência dos jogos teatrais em seus processos formadores, dentro de suas respectivas Licenciaturas. Minha intenção inicial, ao ser convidada para colaborar no projeto da professora Regina Bustamante, era instrumentalizar os licenciandos para aplicarem jogos teatrais nas Oficina Pedagógicas. Contudo, a minha prática profissional como professora de Teatro e o aprofundamento dos meus estudos acerca da pedagogia e do aprendizado teatrais me fizeram perceber que o lugar do Teatro era formativo, não instrumental. As licenciandas que realizaram as Oficinas poderiam se apropriar de algumas técnicas e jogos, mas isso seria uma consequência, não um fim. O Teatro é uma área de conhecimento de caráter essencialista: é uma finalidade em si mesma, não um acervo de recursos de aula. O aprendizado em Teatro não é quantificável em números e gráficos. Durante as entrevistas realizadas com as licenciandas e a professora Regina (5), tentamos precisar como os jogos teatrais influenciaram ou influenciarão nossas vidas; tanto eu como elas descobrimos que isso não era possível objetivamente. O que percebo é como a minha prática docente foi transformada e que propostas posso fazer a partir dessa experiência e como as licenciandas foram desenvolvendo a criatividade e a confiança necessárias para a elaboração de seus próprios jogos e para a condução de práticas junto aos alunos nas Oficinas. Segundo Luisa Tavares, que aplicou a Oficina As Mulheres de Atenas, mesmo não sendo professora, foi possível perceber que esse tipo de atividade é viável: é possível que o aluno seja ativo nessa construção de conhecimento. E, ainda segundo ela, se um dia vier a dar aulas, certamente buscará uma prática nessas mesmas linhas. A meu ver, Luisa migrou, aos poucos, de um lugar de rigidez e certos e errados para outro onde ela passou a ser mais observadora e sensível ao mundo, ao outro. Ela se disponibilizou a experimentar, algo que no início de nossos trabalhos não conseguia. Regina participou de todas as oficinas de jogos dramáticos e teatrais junto a seus alunos. Ao avaliar a experiência com jogos teatrais nas suas aulas de Educação Patrimonial, Regina afirma que o teatro rompe amarras e nos auxilia a usar a nossa corporeidade, ao nos conscientizar de nossas posturas. A docente se coloca, em vários momentos, como uma profissional da Educação que se preocupa em agregar saberes e em enfrentar desafios, a fim de evitar zonas de conforto. Para ela, a experimentação é fundamental. Nesse sentido, a experiência teatral foi avaliada como enriquecedora, por permitir que nos repensemos e
6 tenhamos um outro olhar sobre o mundo. Segundo a Professora Regina, o seu aprendizado teatral se estende para outras áreas de sua vida. Atualmente, a professora Regina tem incorporado práticas cênicas às Oficinas Pedagógica no Museu Nacional. A mais recente OP, Vozes de Pompéia, aplicada em outubro de 2015, configurou-se em cenas itinerantes e interativas, sob a minha supervisão. Luísa Tavares, que já concluiu sua graduação em História na UFRJ, participou desta Oficina e está trabalhando na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro no setor educativo e tem agregado jogos teatrais em sua prática. Notas: 1- Mais informações sobre esse edital podem ser encontradas no site 2- Ao usar o termo prática de ensino, a Professora Regina se refere ao estágio que alunos de licenciatura geralmente realizam nos últimos semestres de seus cursos, nos quais eles dão aulas em escolas de Ensino Básico, estando, então, em contato com os alunos. 3- LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. in: Revista Brasileira de Eduacação. Jan/Fev/Mar/Abr, 2002, nº A Professora Ma. Maria Coelho atua como docente no Setor Curricular de Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação da UFRJ e é atriz da Companhia de Teatro Mosaicos. Ministrou oficinas de contação de histórias para os alunos de Educação Patrimonial no primeiro e no segundo semestre de As entrevistas com a professora Regina Bustamante e com a então licencianda Luísa Tavares foram concedidas no dia 13 de dezembro de Referências: BROOK, The empty space. A great theatre director gives his views on the making of drama. Penguin Books: London, FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro, JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino do teatro. Campinas: Papirus, Paz e Terra, LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. in: Revista Brasileira de Eduacação. Jan/Fev/Mar/Abr, 2002, nº 19. RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar; práticas dramáticas e formação. Tradução: Cássia raquel da Silveira. São Paulo: Cosac Naify, 2009 SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução: Ingrid Dourmien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2000.
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