A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O COMPORTAMENTO INFANTIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA
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- Martín da Mota Rijo
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1 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O COMPORTAMENTO INFANTIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA Rute Grossi Milani 1 ; Sonia Regina Loureiro 2 RESUMO: Objetiva-se com base em revisão da literatura analisar o impacto da violência doméstica para o comportamento de crianças em idade escolar. Procedeu-se a seleção dos artigos junto às bases de dados: PsycINFO, Medline, LILACS e Scielo, no período de 1998 a Identificou-se na literatura indexada, 13 artigos empíricos que abordaram o tema, utilizando-se como descritores: violência doméstica e problemas de comportamento. Na análise dos estudos constatou-se o impacto da violência doméstica para problemas de comportamento de externalização e internalização em amostras referidas, apontando para a importância de mediadores como, o suporte familiar, o comportamento pró social, as competências sociais e as expectativas sociais positivas que atuam como fatores protetores. Analisando-se as limitações destaca-se a carência de estudos longitudinais com amostras randômicas, que permitam dimensionar os riscos a que estão expostas as crianças vítimas de violência doméstica ao longo do desenvolvimento. A maioria dos estudos apresentou como foco a avaliação de características psicológicas da criança com pouco destaque para fatores contextuais como a família e a comunidade de convivência. Palavras-chave: comportamento; criança; família; violência doméstica Introdução Sob a perspectiva desenvolvimentista, ao se estudar os mecanismos de risco que podem atuar sobre o desenvolvimento infantil faz-se necessário analisar não apenas as condições pessoais das crianças, mas também as condições do seu ambiente, em especial as condições do ambiente familiar, pela sua relevância e papel no desenvolvimento infantil. Neste contexto se inserem os estudos sobre a violência doméstica e o impacto de tal condição para o desenvolvimento infantil. A violência doméstica tem sido estudada em diferentes contextos. No Brasil, os estudos têm se direcionado predominantemente para a descrição e explicação do fenômeno, buscando caracterizar as denúncias de violência registradas em órgãos de proteção e analisar os aspectos históricos, éticos, sociais e psicológicos envolvidos na compreensão da violência doméstica. Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos com a finalidade específica de delimitar as conseqüências da violência doméstica sobre o desenvolvimento infantil. Tais estudos têm buscado explorar a violência doméstica nas suas diferentes formas, como a violência física, psicológica e sexual, a negligência e a violência interparental presenciada pela criança. 1 Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP; Docente do Centro Universitário de Maringá, rute@cesumar.br. 2 Professora Doutora do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
2 McCloskey et al. (1995) constataram a influência direta da violência doméstica na saúde mental das crianças e relataram a importância de se considerar a violência interparental presenciada pela criança, chamando a atenção para o fato que as crianças de lares violentos estão sob risco elevado de sofrerem violência de ambos os pais, principalmente a violência física. Szyndrowski(1999), ao descrever características comportamentais observadas em crianças que testemunham violência doméstica, destaca as seguintes manifestações: agressividade, medo intenso, baixa auto-estima, desconfiança nas relações íntimas, medo do futuro, reclamações psicossomáticas e problemas relativos à autoridade. Ao analisar a distribuição de casos de violência segundo idade, Pascolat et al. (2001) e Brito et al. (2005) identificaram um predomínio de denúncias de violência doméstica contra crianças em idade escolar. Pascolat et al. (2001) sugerem como razões para isso o fato de as crianças, nesta fase do desenvolvimento, não viverem mais apenas dentro do ambiente familiar, freqüentando escolas e creches, que representam importantes fontes de denúncia. Considerando os pontos destacados, esta revisão objetiva identificar na literatura indexada artigos empíricos que abordam a violência doméstica e suas associações aos problemas de comportamento, apresentados por crianças em idade escolar, visando analisar o impacto da violência sobre o comportamento das crianças. Procedeu-se à seleção dos artigos junto às bases de dados: PsycINFO, Medline, LILACS e Scielo, definindo-se como período de consulta os anos de 1998 a 2005 e utilizando-se como descritores: violência doméstica (family violence) e problemas de comportamento (behavior problems). Excluíram-se os artigos que investigavam histórico de violência doméstica em amostras clínicas e aqueles que abordavam exclusivamente o abuso sexual, devido às especificidades deste tipo de violência. Com base nestes critérios foram identificados 13 artigos. Para a análise, os artigos foram agrupados em dois grupos diferenciados pelo tipo de violência e tipos de amostras tendo como foco os problemas de comportamento apresentados pelas crianças: violência direcionada à criança e violência interparental, ambas com amostras identificadas, oriundas de serviços de proteção e abrigos. Violência direcionada à criança com amostras referidas a serviços de proteção Em relação à violência direcionada à criança, foram identificados sete artigos que utilizaram amostras referidas para serviços de proteção à criança e à mulher. Os artigos enfocaram variáveis pessoais da criança, como problemas de comportamento, ajustamento acadêmico e percepção social. De um modo geral, o conjunto de artigos analisados evidenciou que a violência direcionada à criança tem impacto sobre o seu comportamento, aumentando o risco para problemas de comportamento, de ajustamento acadêmico e na percepção social (LISBOA et al., 2002, SALZINGER et al., 2001, SHONK; CICCHETTI, 2001, TOTH; CICCHETTI; KIM, 2002). 2
3 Ao analisar os estudos observam-se associações significativas entre violência doméstica direcionada à criança e indicadores de problemas de comportamento, com repercussão no relacionamento social e no ajustamento escolar, consideradas tarefas de desenvolvimento fundamentais na idade escolar. Ressaltam a presença de processos cognitivos articulados aos problemas de comportamento em crianças maltratadas, como o estilo atribucional e a percepção que constroem da mãe e dos pares. Destacam ainda que a forma como as crianças são percebidas pelo ambiente, também pode ter um papel importante na identificação das dificuldades, uma vez que as crianças abusadas sofrem mais rejeição por parte dos colegas, sugerindo restrição em mais uma fonte de um suporte social relevante. Na análise dos artigos, é importante ressaltar que algumas particularidades limitam a generalização dos achados. A violência direcionada à criança registrada em serviços de proteção tende a ser mais grave do que as ocorrências em amostras da comunidade e, ainda, o emprego de delineamentos de corte transversal como os adotados em todos os estudos, que avaliam um momento específico e dificultam analisar a direção do comportamento. Assim, os resultados sublinham a necessidade de mais pesquisas com crianças não residentes em abrigos e com delineamento longitudinal. Violência interparental presenciada com amostras referidas a serviços de proteção Dentre os artigos que abordaram a violência interparental no lar, seis utilizaram amostras referidas para serviço de proteção e abrigo para mulheres. Os artigos enfocaram problemas de comportamento (MALDONADO; WILLIAMS, 2005), ajustamento acadêmico e interação social da criança. Nos artigos analisados, a violência interparental se mostrou associada a problemas de comportamento, apresentando maior risco as crianças que vivenciaram situações mais graves de violência no lar (ENGLISH; MARSHALL; STEWART, 2003; GRYCH et al., 2000; JOURILES et al., 1998). A análise dos artigos permitiu identificar algumas limitações. Uma delas relaciona-se ao uso de amostras de conveniência, muitas mulheres e crianças que procuram abrigos por causa da violência doméstica estão experienciando outros estressores, como a pobreza ou transtornos mentais. Além disso, os resultados baseiam-se em desenho de corte transversal e dados correlacionais. Assim, não há como avaliar os efeitos a longo prazo da violência interparental. Os autores também apontam a dificuldade de conceituar e delimitar a gravidade dos diferentes tipos de atos violentos. Considerações Finais A análise do conjunto de artigos permitiu concluir que a violência doméstica tem um impacto negativo para as crianças em idade escolar, estando associada a problemas de comportamento de externalização e de internalização e a presença de psicopatologia, o que foi observado tanto em amostras referidas quanto em amostras da comunidade. Faz-se necessário destacar alguns resultados que alertam para o fato de que nem todas as crianças vítimas de violência desenvolveram problemas de 3
4 comportamento, especialmente no que diz respeito às crianças que presenciaram a violência interparental, indicando a necessidade de mais pesquisas que visem a identificação de fatores associados à resiliência, ou seja, os processos que favorecem a superação de adversidades por parte das crianças. Nesse sentido alguns artigos investigaram a presença de fatores que, atuando conjuntamente com a violência doméstica, funcionaram como mediadores de comportamentos de superação, a saber: a) por parte da criança: a percepção de suporte materno, a expectativa social positiva, a presença de comportamento pró social e de competência social; e b) por parte da família: o status social. As pesquisas voltadas para a identificação de mediadores associados à violência doméstica constituem-se em um importante passo no sentido de elucidar os cuidados e recomendações que são relevantes para o planejamento dos programas de intervenção junto a crianças e famílias envolvidas com a violência doméstica. Salienta-se, ainda, a tendência da maioria dos estudos a terem como foco a avaliação de características psicológicas das crianças com pouco destaque para as questões que envolvem as famílias e as comunidades de convivência. Analisando-se as limitações destaca-se ainda a carência de estudos longitudinais com amostras randômicas, que permitam dimensionar os riscos aos quais estão expostas as crianças vítimas de violência doméstica ao longo do desenvolvimento. Destaca-se assim, a necessidade de novos estudos sobre a violência doméstica, integrando a avaliação de mecanismos de risco e de proteção ao desenvolvimento infantil. Referências Brito AMM, Zanetta DMT, Mendonça RCV, Barison SZP, Andrade VAG. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo de um programa de intervenção. Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):143-9, English DJ, Marshall DB, Stewart AJ. Effects of family violence on child behavior and health during early childhood. Journal of Family Violence, 18(1):43-57, Grych JH, Jouriles EN, Swank PR, McDonald R, Norwood W D. Patterns of adjustment among children of battered women. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 68(1):84-94, Jouriles EN, Mc Donald R, Norwood WD, Ware HS, Spiller LC. Swank PR. Knives, guns, and interparent violence: Relations with child behavior problems. Journal of Family Psychology, 12(2):178-94, Lisboa CSM, Koller SH, Ribas FF, Bitencourt K, Oliveira L, Porciúncula LP, De Marchi RB. Estratégias de coping de crianças vítimas e não vítimas de violência doméstica. Psicologia: Reflexão e Crítica, 5(2):345-62, MALDONADO DPA, WILLIAMS LCA. O comportamento agressivo de crianças do sexo masculino na escola e sua relação com a violência doméstica. Psicologia em Estudo, v. 10, n. 3, p , set./dez
5 McCloskey LA, Figueredo AJ, Koss M P. The effects of systemic family violence on children s mental health. Child Development, 66(5): , Pascolat G, Santos CFL, Campos ECR, Valdez LCO, Busato D, Marinho DH. Abuso físico: o perfil do agressor e da criança vitimizada. Jornal de Pediatria, 77(1):35-40, Salzinger S, Feldman RS, Ng-Mak DS, Mojica E, Stockhammer TF. The effect of physical abuse on children's social and affective status: a model of cognitive and behavioral processes explaining the association. Development & Psychopathology, 13(4):805-25, Shonk SM, Cicchetti D. Maltreatment, competency deficits, and risk for academic and behavioral maladjustment. Development & Psychopathology, 37(1):3-17, Szyndrowski D. The impact of domestic violence on adolescent aggression in the schools. Preventing School Failure, 44(1):9-14, Toth SL, Cicchetti D, Kim J. Relations among children's perceptions of maternal behavior, attributional styles, and behavioral symptomatology in maltreated children. Journal of Abnormal Child Psychology, 30(5): ,
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