UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA TAIANA GOMES SCHWITZKY
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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA TAIANA GOMES SCHWITZKY TERRITÓRIO E GEOGRAFIA AGRÁRIA: a dinâmica Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (T-D-R) nas Revistas Nera, Agrária e Campo-Território UBERLÂNDIA 2011
2 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA TAIANA GOMES SCHWITZKY TERRITÓRIO E GEOGRAFIA AGRÁRIA: a dinâmica Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (T-D-R) nas Revistas Nera, Agrária e Campo-Território Trabalho Final de Graduação apresentado ao Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia como requisito à obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientação: Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti. UBERLÂNDIA 2011
3 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA TERRITÓRIO E GEOGRAFIA AGRÁRIA: a dinâmica Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (T-D-R) nas Revistas Nera, Agrária e Campo-Território Banca Examinadora: Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti (Orientador) Prof. Dr. João Cleps Jr. (Examinador) Prof. Dr. Vicente de Paulo da Silva (Examinador) Resultado: Data: / /
4 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por iluminar meu caminho, me dando forças quando me senti fraca e me mostrando o caminho quando não soube para onde seguir. Agradeço também a minha mãe, Taís Rosânea Gomes, que me deixou um exemplo de vida e mostrou que nunca se deve desistir, que a vida é lutar pelos sonhos e que tudo que é valioso é difícil de conquistar. Mas que a vitória vale cada noite mal dormida, cada festa deixada de curtir, e todas as pedras encontradas no meio do caminho. A gente cresce, aprende, cai, e aprende de novo, mas sempre voltando maior e melhor que o ultimo tropeço, e quanto maior o desafio, maior o valor da vitória conquistado com muito suor. Agradeço a minha família: minha Vó Iva, minha Irmã Gabriela, minha Madrinha Tânia, meu Padrinho Wagner e meus primos Leo e Leandro, por acreditarem em mim, desde a escolha do curso até o meu esforço para concluir este trabalho, por demonstrarem seus cuidados dedicados a mim, com muita paciência, e pelas orações dedicadas a mim. Mas quero agradecer principalmente pelo amor e pela união que nos permanecem juntos seguindo os caminhos tortuosos da vida. AMO VOCÊS! Um agradecimento especial ao meu amor, namorado, marido, amigo, amante e meu anjo, por ter muita, mas muita paciência comigo, quando (na maior parte do tempo) estive estressada, chata e desesperada fazendo esta monografia, pela falta de presença e dedicação aos seus problemas. Dedico esta vitória ao seu esforço em me ajudar, por não me deixar desistir e me pondo na linha reta quando precisei ser disciplinada. Peço desculpas por não ter sido paciente com você, e pelas explosões causadas por esse estresse, mas sempre superamos esses momentos e mostramos que nosso amor é forte o bastante para seguirmos nossas vidas juntas. E sempre dizer que... TE AMO! Agradeço imensamente aos meus amigos do peito, que me deram forças e me levantaram quando precisei, em especial, minhas amigas Dani e Lucimeire, por estarem presente nos momentos de sufoco e com muita paciência me auxiliando nessa caminhada. Estamos nessa juntas e permaneceremos unidas pela amizade fortalecida nesse desafio! Gostaria de agradecer ao meu orientador Prof. Dr. Marcelo Chelotti, primeiramente pela oportunidade dada a mim no início do projeto, pela dedicação e esforço dedicados ao meu trabalho, pelas orientações, e mesmo nos maus momentos acreditar que eu seria capaz.
5 5 Agradeço também a equipe do Laboratório de Geografia Agrária, o LAGEA, que me acompanhou por tanto tempo me auxiliaram quando precisei. Agradeço também aos demais professores componentes do laboratório, que me proporcionou uma infraestrutura adequada e um ótimo espaço para realizar minhas pesquisas. Agradeço ao PIBIC/CNPq pelo apoio a minha pesquisa realizada durante dois anos ( ), dentro do LAGEA, e assim poder desenvolver este trabalho que foi tema no primeiro projeto financiado pelo CNPq. Agradeço a todos que me apoiaram, oraram por mim e de alguma maneira me ajudou para que eu realizasse esse trabalho. A vida da gente não é nada sem amigos e companheiros! MEU MUITO OBRIGADA!
6 6 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar a importância da incorporação dos processos geográficos denominados de Territorialização-Desterritorialização- Reterritorialização (T-D-R), para a renovação do corpo teórico da Geografia Agrária brasileira no decorrer dos últimos anos. Nossa metodologia pautou-se em um levantamento bibliográfico nas revistas de Geografia Agrária: Revista NERA (UNESP), Revista Agrária (USP), e a Revista Campo-Território (UFU). A partir daí, buscamos informações sobre a conceituação da categoria território e seus desdobramentos, bem como as palavras chaves utilizadas nos artigos, além dos autores mais referenciados. Essas informações foram sistematizadas em quadros e planilhas para subsidiar a confecção dos gráficos. Assim verificamos que os autores mais referenciados nos artigos analisados foram: Claude Raffestin, Rogério Haesbaert, Milton Santos e Bernardo Mançano Fernandes. Com isso foi possível realizarmos uma reflexão teóricometodológica sobre a utilização desses conceitos na tentativa de explicar a dinâmica territorial, bem como sua crescente utilização no âmbito da Geografia Agrária. Palavras-chaves: Geografia Agrária. Território. Territorialização. Desterritorialização. Reterritorialização.
7 7 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 - Capa da revista Nera Imagem 2 - Capa da revista Agrária Imagem 3 - Capa da revista Campo-Território
8 8 LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS Quadro 1 - Modelo de coleta de dados utilizado para as revistas de geografia Agrária Esquema 1 - A divisão da Geografia Agrária para Faucher (1955) Quadro 2 - Fases do pensamento geográfico na temática agrária de acordo com Ferreira (2002) Esquema 2 - Divisão teórico-metodológica de Diniz (1984) em 5 escolas o estudo da geografia rural (até 1984) Esquema 3 - Características gerais da geografia agrária brasileira, Quadro 3 - Quadro de informações sobre os autores mais referenciados nas revistas de Geografia Agrária
9 9 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Autores identificados nos artigos coletados na revista Nera Gráfico 2 - Conceitos identificados nos artigos coletados na revista Nera Gráfico 3 - Palavras chaves utilizadas nos artigos coletados na revista Nera Gráfico 4 - Autores identificados nos artigos coletados na revista Agrária Gráfico 5 - Conceitos identificados nos artigos coletados na revista Agrária Gráfico 6 - Palavras chaves utilizadas nos artigos coletados na revista Agrária Gráfico 7 - Autores identificados nos artigos coletados na revista Campo- Território Gráfico 8 - Conceitos identificados nos artigos coletados na revista Campo- Território Gráfico 9 - Palavras chaves utilizadas nos artigos coletados na revista Campo- Território Gráfico 10 - Conceitos identificados nos artigos publicados nas revistas de Geografia Agrária Gráfico 11 - Palavras chaves mais utilizadas nos artigos publicados nas revistas de Geografia Agrária Gráfico 12 - Autores identificados nos artigos publicados nas revistas de Geografia Agrária
10 10 SUMÁRIO Introdução A sistematização da ciência Geográfica no Brasil O surgimento e o desenvolvimento da Geografia Agrária no Brasil As fases da Geografia Agrária A categoria Território nos estudos rurais O surgimento da questão do território As diferentes abordagens acerca do conceito de território O processo de T-D-R A dinâmica T-D-R nas revistas de Geografia Agrária Caracterizações das revistas Revista Campo-Território Revista Agrária Revista Nera Síntese das análises das três revistas Sistematização da contribuição dos principais autores citados nos artigos analisados Considerações finais Referências
11 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar a incorporação do processo Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (T-D-R) nas recentes pesquisas da na Geografia Agrária, partindo da premissa que esse conceito pode ser utilizado para se explicar a dinâmica da espacialidade no campo brasileiro. A Geografia Agrária no Brasil começou a obter destaque na década de 1930; de lá para cá, muito de sua temática sofreu profundas modificações. Os estudos iniciais referiam-se ao habitat rural, ao modo de vida e as paisagens, com o decorrer do tempo nas décadas de 1960 e 1970 predominaram os estudos sobre a regionalização e a tipologia das áreas agrícolas. Nos anos de 1980, os estudos do avanço da modernização do campo, projetos de colonização e estudos referentes às novas fronteiras agrícolas foram os que passaram a ter um maior destaque, sendo que os pesquisadores dedicavam maiores esforços de pesquisa. Já na década de 1990, predominou os estudos cujo enfoque era a análise dos aspectos agrários a partir do estudo dos movimentos sociais e da luta pela terra. Assim, evidenciamos na década de 1990, uma predominância de pesquisas numa perspectiva crítica, principalmente a partir da constatação das desigualdades e contradições existentes no campo brasileiro. Portanto, os estudos de Geografia Agrária passaram a investigar a territorialização do agronegócio, a emergência dos movimentos sociais no campo, as estratégias de sobrevivência do campesinato, as novas relações cidade-campo, as atividades não-agrícolas, dentre outros. Sendo assim, aos poucos incorpora-se o que se denominou processo geográfico de T-D-R, pois a criação de territórios seria representada pela territorialização, a sua destruição (por mais que seja temporária) pela desterritorialização, e pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização. Desta maneira, fica evidente que nas últimas três décadas, ocorreram grandes transformações teórico-metodológicas que atribuíram à Geografia um olhar mais crítico nos estudos sobre a produção do espaço geográfico; referenciamos então Santos (1985, 2002), Moraes (1987), Moreira (2007), Gomes (1991), Marcelo Lopes Souza (1995), que
12 12 ajudaram a enriquecer várias sub-áreas da Geografia, como a Geografia Urbana, Geografia Agrária, entre outras. Esses estudos renderam à Geografia teorias mais interpretativas e dispostas a compreender melhor a dinâmica da sociedade nos dias atuais. Além destes autores, podemos citar as contribuições de Raffestin (1993) e Oliveira (1997) Haesbaert (2004) como autores que tem discutido a importância do uso da categoria território na ciência Geográfica, e demonstrado que pesquisar a dinâmica territorial, é o caminho para se explicar os processos modificadores da paisagem rural e entendendo suas especificidades. A Geografia, nos últimos anos, conseguiu formular um importante corpo teórico, produzindo significativa contribuição para o entendimento das relações sociais que produzem o espaço geográfico. No entanto, o espaço geográfico é uma das dimensões da realidade. Assim, cada vez mais, buscam-se também as contribuições de outros ramos do conhecimento, com a intenção de qualificar a análise. Mas, o importante, no caso da Geografia, é de entender como ocorre a produção do espaço geográfico. Nesse contexto, a interpretação sobre a produção do espaço geográfico sofreu muitas transformações nas últimas décadas, principalmente pela incorporação de novos conceitos e teorias. Assim, identificamos que no decorrer da década de 1990, a Geografia passou a incorporar em seu corpo teórico os processos geográficos de T-D-R. Assim, pretendemos verticalizar nossas análises, verificando como os processos geográficos de T-D-R foram incorporados no âmbito da Geografia Agrária. Para realização desta pesquisa foi utilizada uma metodologia baseada em um levantamento bibliográfico no âmbito da Geografia Agrária, com o intuito de se particularizar com os conceitos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização que compõem o processo geográfico denominado de T-D-R. Na etapa seguinte foram realizadas pesquisas nas três revistas de Geografia Agrária, a Revista Nera (Unesp), a revista Agrária (USP) e a revista Campo-Território (UFU), de como a dinâmica T-D-R foi abordada pelos autores e de que maneira essa temática vem ganhando espaço nos estudos referentes a dinâmica territorial. A partir destas pesquisas foi realizada uma coleta de dados, com o intuito de quantificar e qualificar os conceitos de T-D-R, criando tabelas e gráficos para
13 13 sistematização dessas informações. Logo após foi realizado um agrupamento dos dados das três revistas de Geografia Agrária em três gráficos sínteses, contendo os principais autores (referencial teórico), os conceitos mais utilizados e as palavras chaves que mais predominaram nos artigos publicados, e que contribuíram para a conceituação e abordagem da dinâmica territorial no campo brasileiro. A partir do quadro analítico fica explícito a fonte onde foi encontrado o artigo, o título, ano de publicação, os autores que escreveram o artigo, resumo (feito pelo autor do artigo), palavras chaves do texto, e quais os conceitos que foram utilizados, bem como o referencial teórico utilizado pelo autor no corpo do trabalho, exemplo: Análise dos conceitos de T-D-R na Geografia Agrária Fonte Revista Campo-Território Título do artigo A RECONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO A PARTIR DE ASSENTAMENTOS RURAIS: o caso do assentamento Ramada RS Volume, número e ano v. 1, n. 2, 2006 Autores do artigo Fernanda Buth e Walquíria Krüger Corrêa A atual configuração territorial do campo brasileiro resulta da luta entre classes e tende a ser alterada em função das desigualdades sociais geradas pelo modo de produção capitalista. Neste contexto, objetiva-se analisar o papel dos assentamentos na reconstrução do território através da introdução de elementos novos no campo, responsáveis por uma reconfiguração do espaço rural. Para tanto, elegeu-se como objeto de estudo o Assentamento Ramada, Resumo do artigo localizado no Município de Júlio de Castilhos - RS. Constatou-se que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra MST reterritorializa os sem-terra, desterritorializados pelo sistema capitalista e, estes, através dos assentamentos, criam novos territórios inserindo elementos novos no espaço rural. Embora não encerrem a problemática agrária, os assentamentos lançam as bases para a mudança da sociedade, alertando para a necessidade de se elaborar políticas públicas que contemplem prioritariamente a produção familiar. Palavras-chave Território, assentamentos, MST, espaço rural, modo de produção capitalista, políticas públicas. Conceitos utilizados Território, territorialização, desterritorialização, reterritorialização Referencial teórico utilizado Souza (1995), Santos (2002, 1996), Andrade (1984), Haesbaert (2004) no artigo Quadro 1: Modelo de coleta de dados utilizado para as revistas de geografia Agrária Fonte: Revista Campo-Território (2006) Org.: Schwitzky (2010) Assim, fica evidenciada a necessidade de se identificar as recentes contribuições teóricas que sejam relevantes e passíveis de serem incorporadas pela Geografia Agrária,
14 14 no sentido de contribuir para o desenvolvimento teórico-metodológico na tentativa de explicar as diferentes espacialidades encontradas no campo brasileiro. O presente trabalho dividiu-se em três capítulos. O primeiro trata do início do pensamento geográfico no Brasil bem como a sistematização da Geografia sob diferentes perspectivas, e de que maneira ocorreu a evolução com o passar dos anos, e como suas características interferiram na classificação da Geografia dando assim um novo olhar a esse ramo da ciência. O segundo capítulo aborda a questão do espaço e da dinâmica territorial, demonstrando que essa temática ganhou bastante importância nos estudos agrários ao longo do século XX. Para explicar as modificações da paisagem rural e entender como os processos territoriais agem na atual dinâmica da paisagem agrária resultando no que se caracteriza pelo processo de T-D-R. O terceiro capítulo demonstra como os conceitos relacionados a dinâmica territorial vem ganhando espaço nas pesquisas no âmbito da Geografia Agrária, quantificando e qualificando os trabalhos publicados nas três revistas analisadas, e de que maneira os pesquisadores abordam as questões propostas nos presentes estudos agrários. Por fim tecemos nossas considerações finais pautadas na importância de se estudar o corpo teórico-metodológico referentes a dinâmica territorial e ao processo chamado de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização no âmbito da Geografia Agrária.
15 15 1. A SISTEMATIZAÇÃO DA GEOGRAFIA AGRÁRIA NO CONTEXTO DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA BRASILEIRA 1.1 A sistematização da Geografia Agrária no Brasil Após Geografia se consolidar como ciência, seu objeto de estudo amplia cada vez mais, e essa preocupação em entender a dinâmica que modifica o espaço e a relação homem/meio faz surgir diversas áreas de estudo no âmbito da ciência Geográfica. Nesse contexto surgiu a Geografia Urbana, Geografia da População, Climatologia, Geomorfologia, a Geografia Agrária, entre outras, sistematizando assim a Geografia em dois conjuntos: a Geografia Humana e a Geografia Física. Nesse sentido, ao mergulhar na historiografia da Geografia Agrária no Brasil, percebemos que geógrafos como Leo Waibel, Pierre Mombeig, Pasquele Petrone, Raymond Pébayle, Orlando Valverde, Nilo Bernardes, Manoel Correia de Andrade, dentre tantos outros, dedicaram-se a estudar e mapear as características, especificidades e as transformações de nossas paisagens agrárias. Ao analisarmos os estudos que foram realizados por esses geógrafos, perceberemos características muito ligadas à descrição das diferentes paisagens rurais, dos diversos modos de vida, particularidades quanto o habitat, relação com o meio e apropriação dos recursos naturais. Sendo assim, a produção da Geografia Agrária no Brasil é dividida por Ferreira (2002) em quatro momentos. O primeiro é denominado Estudos Não-Geográficos no qual estariam inseridos os relatos de viajantes e descrições da paisagem. Neste momento não há nenhuma preocupação em se seguir uma metodologia científica. A partir da década de 1930, surge a Geografia Agrária Clássica, caracterizada pela forte influência das escolas francesa e alemã, que se preocupa principalmente em caracterizar os diferentes habitat rurais e a distribuição agrícola, ou seja, o que e onde está sendo produzido. Assim a autora afirma que, no decorrer do desenvolvimento da Geografia e seus campos de estudo - levando a discussão novos valores éticos, sociais, econômicos e relacionados a natureza - a Geografia Agrária foca seus estudos nos processos da
16 16 dinâmica territorial, nas atividades da agricultura e das suas relações com a sociedade, uma vez que essa atividade é uma das mais antigas da história da sociedade e embasou toda a estrutura das organizações das primeiras cidades existentes. O estudo geográfico da agricultura foi realizado ao longo do tempo por diferentes enfoques que produziram uma diversidade de definições as quais refletiam o modo de pensar do momento. Assim, em princípio, a Geografia Agrária era desenvolvida como parte da Geografia Econômica e os estudos econômicos em Geografia tinham, na agricultura, seu foco principal. (FERREIRA, 2002, p.28) Sendo assim, em meados da década de 1930 a Geografia Agrária surge como uma fusão de áreas de conhecimento da Geografia, como a Geografia Econômica e os estudos sobre a agricultura, e teve como objetivo inicial conhecer e aprimorar técnicas de cultivo na agricultura para a produção de alimentos e matérias-primas. Nesse primeiro período, as questões sociais não eram levadas em consideração, apenas as atividades relacionadas a produção agrícola e a gestão econômica a ela relacionada. No Brasil, os estudos referentes à Geografia Agrária sofreram grandes influências das escolas alemã e francesa devido ao fato de que, na década de 1930/40 havia muitos geógrafos franceses e alemães no país. Mas isso não descarta a presença de outras vertentes teórico-metodológicas e a influência destas nas pesquisas da época, porém os métodos indutivo, comparativo e histórico foram os que sustentaram os estudos no âmbito na Geografia Agrária. Na década de 1950, a Geografia Agrária subdividia-se em três categorias de análises. A primeira era referente aos estudos econômicos, tendo como objeto de estudos dados estatísticos e gestão da comercialização de produtos agropecuários; a segunda era referente aos estudos relacionados com o clima, tipos de solo, topografia, importantes no momento para se desenvolver técnicas de cultivo; e a terceira parte estava relacionada com a paisagem, como sendo resultado da ação humana. (FERREIRA, 2002). Desta forma, as preocupações referentes aos estudos da Geografia Agrária nesta década não diferenciaram muito da década de 1930, devido ao paradigma que dominava a
17 17 política na época ser basicamente voltados à economia da agricultura, e às técnicas de cultivo, com um acréscimo dos estudos relacionados a paisagem como resultado da ação do homem. Sendo assim, a Geografia Agrária estava estagnada em um paradigma que era ditado pelo sistema econômico da época, que baseado na agricultura. Os estudos eram baseados na descrição das observações no campo e avaliavam como era a distribuição territorial no âmbito da agricultura. Na década de 1960, Oliveira (1997) destaca que a Geografia Agrária deste período privilegiava as relações técnicas de produção, muitas vezes explicadas exaustivamente. Assim, não se privilegiava as classes sociais assentadas na base desse modo de produzir. O importante, segundo o autor, eram os sistemas agrícolas, se extensivos, intensivos, primitivos, modernos, com rotação entre terras ou com cereais. Orlando Valverde (1961) destacou-se nos estudos relacionados a Geografia Agrária, discutindo como essa ciência deveria ser vista. O autor defende a idéia de que a Geografia Agrária deveria ser considerada como parte da Geografia Econômica e com influência da Economia Política, e não vista isolada, demonstrando assim, que a Geografia não é uma disciplina isolada, ela se aproxima de diversas ciências. Assim, Valverde (1961) incorpora os estudos relacionados à Geografia Agrária dizendo que o geógrafo não basta descrever os aspectos físicos da paisagem agrícola, cabe a ele também entender como ocorre o processo de formação e entender cada função que a atividade agrícola desempenha. Outro ponto levado em consideração pelo autor e que deveria ter destaque nos estudos referente à Geografia Agrária, é a cultura: explicar como a realidade do campo, e as atividades agrícolas afetam nas relações sociais, considerando que a economia faz parte da cultura do homem e o mesmo se diferente de acordo com as particularidades no mundo interferindo no sistema agrícola e consequentemente se diferem nas relações de produção. Nesse sentido, Valverde (196, p. 431) diz como o homem e sua cultura interfere no meio de produção:
18 18 [O homem] (...) é portador de uma cultura, que se manifesta de várias maneiras na paisagem. Os fatos puramente culturais são, porém, de superestrutura e se revelam em pormenores da paisagem, não podendo se contrapor às leis econômicas. Aspectos como habitat, os tipos de habitação, a alimentação e os gêneros de vida agrícola só foram estudados com devida profundidade quando relacionados com a atividade econômica: a estrutura e as relações de produção. Ainda na década de 1960, pode-se perceber como o geógrafo agrário ainda tinha dificuldades de definir seu campo de estudo; até mesmo a definição desse ramo da Geografia que estuda o agrário e/ou o agrícola, incorpora-se ou não às relações sociais existentes no campo e até que ponto a Geografia Agrária se mantém como uma subárea da Geografia Econômica, sendo que sofre influência da economia política e da cultura em que o ser está inserido. Além de Orlando Valverde, outros autores tiveram destaques nos estudos referentes à Geografia Agrária, como Waibel e Daniel Faucher. Em relação a Waibel, Valverde (1961) concorda com suas idéias, dizendo que à Geografia não interessa a distribuição de uma única cultura, mas o conjunto todo de atividades agrícolas, pois não há como separar a Geografia Humana da Econômica, sendo que cada uma interfere na outra, como produto do meio social. Já em relação a Faucher, Valverde discorda, pois Faucher defende a ideia de se a Geografia Agrária for um ramo da Geografia Econômica, ela deveria se chamar Geografia econômica agrícola, levando em consideração apenas as análises quantitativas relacionadas a produção, e uma análise qualitativa estaria vinculada apenas a Geografia Humana, discordado por Valverde. (FERREIRA, 2002). A década de 1970 foi de grandes transformações nos estudos referentes à Geografia Agrária, com as contestações das idéias tradicionais da Geografia Clássica, a primeira fase da Geografia Agrária que vai até a década de 1960 (FERREIRA, 2002), levando em consideração as características sociais e econômicas, procurando entender seus aspectos, e não apenas mencionar, ainda com dificuldades de definir os objetos e as metodologias de estudo. Neste contexto, na concepção de Diniz (1973), a Geografia Agrária pode ser entendida como um momento em que o geógrafo agrário tenta dar mais importância na observação da paisagem para tentar explicar como funciona o sistema agrário brasileiro,
19 19 através da inserção da utilização de fotografias aéreas para tentar ser mais objetivos e obter respostas mais significativas. A esta altura, a Geografia Agrária já havia se consolidado, com uma maior nitidez e com seu campo de estudo mais amplo. A década de 1970 foi marcada pelas novas perspectivas teórico-metodológicas, ampliando as técnicas de cultivo e entendendo mais a dinâmica da estrutura espacial da agricultura brasileira. A modernização da agricultura e a crescente relação campo-cidade, fez com que as indústrias virassem grandes produtoras de insumos agrícolas e consumidoras de bens agrícolas, levando o setor agrário a aprimorar suas técnicas de cultivo e aumentar a produção para atender a lógica do sistema capitalista em que o país vinha se desenvolvendo. A década de 1980 foi marcada pelo repensar do agro, questionando os aspectos sociais e regionais envolvidos no sistema agrário, renovando assim o paradigma da Geografia Agrária. Darlene Ferreira (2002) constata, a Geografia Agrária nessa década deixa de se preocupar com a definição do agrário e tem como objeto de estudo a organização da atividade agrícola, e não mais apenas a paisagem, e a sua distribuição, mas sim a sua forma de produzir no modo do sistema capitalista. As décadas de 1970/80 caracterizaram-se pelos estudos referentes à modernização da agricultura, com o surgimento dos Complexos Agro-industriais (CAI), o capitalismo estava cada vez mais presente no campo, intensificando o agronegócio, entrando em contramão com os movimentos dos camponeses que lutavam e ainda lutam pela reforma agrária. Temas muitos importante para os estudos da Geografia Agrária e que passaram a ser discutidos por grandes pesquisadores, como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Rosa Ester Rossini, Bertha Becker, Lia Osório Machado dentre outros. Destacamos que ao se referir as questões teórico-metodológicas da Geografia Agrária nesse início de século XXI, estaremos debruçados na realidade brasileira, reconhecendo que esse ramo da geografia, por muitas décadas, despertou atenção de boa parte dos geógrafos, principalmente até o momento em que a sociedade brasileira passou a se urbanizar e tornar-se mais complexa. Conforme Ferreira (2002) a maneira de se pensar o agrário sob o ponto de vista geográfico variou durante o século XX, fruto do amadurecimento teórico-metodológico da Geografia brasileira. Nesse sentido, a própria definição de Geografia Agrária ganhou
20 20 diversas conotações, espelhando os aspectos que marcavam a sociedade em determinadas circunstâncias, podendo-se destacar o valor dado a paisagem como reflexo da ocupação do território e a valorização dos aspectos econômicos da produção agrícola na Geografia Agrária Tradicional; as medidas da agricultura e sua classificação na Geografia Agrária Quantitativa, e a significância do social na Geografia Agrária Crítica. 1.2 As fases da Geografia Agrária Alves e Ferreira (2008) faz uma concepção teórica-metodológica interessante acerca do surgimento e desenvolvimento da Geografia Agrária, eles citam Megale (1976), fazendo um debate acerca das teorias e do objeto de estudo da Geografia Agrária, abordando questões expostas por Faucher (1949), Otremba (1955), e Valverde (1964). Sob a visão da Geografia Econômica, Megale (1976) lembra Faucher (1974) afirmando que a Geogafia Agrária deve ser considerada como um ramo de Geografia Econômica, pois a Geografia Econômica se preocupa com o volume, circulação e destino dos produtos classificando-a então como quantitativa (Megale, 1976, p. 2), assim relacionam-se as duas ciências geográficas, Ecoômica e Agrária, com o intuito de se quantificar e destinar suas produções. Os autores também abordam outro ramo da Geografia, A Geografia Humana, desta vez de uma forma mais qualitativa, pois Megale (1976) afirma que esse ramo da Geografia deve superar a barreira do qualitativo e do quantitativo, que a Geografia Humana tem que analisar sob os dois pontos de vista, utilizando de técnicas tanto qualitativas quanto quantitativa, pois trata de uma ciência baseada na observação e na experimentação. Sendo assim, Alves (2008) esquematizou essa metodologia relacionando a Geografia Humana, classificada como qualitativa, e a Geografia Agrária, como quantitativa, e ligando com a ciência Geográfica Agrária, pois esta se utiliza desses dois métodos expostos pelos autores para explicar os processos teórico-metodológicos na Geografia Agrária, como demonstra o esquema 1
21 21 Esquema 1 A divisão da Geografia Agrária para Faucher (1955). Fonte: Megale (1976). Organização e adaptação: Flamarion Dutra Alves (2010) Assim, para Megale (1976), não existe um modelo para as pesquisas em geografia agrária, o que há é um possível esquema geral metodológico, na qual se baseia no prévio conhecimento da história do local estudado, para em seguida explorar a paisagem geográfica. (ALVES, FERREIRA, 2008, p. 890) Para Ferreira (2002), a história do pensamento geográfico agrário foi dividido em quatro principais temáticas relacionadas com a produção, modernização no campo e transformações do espaço rural. Através de uma síntese organizada em um quadro pela autora, ficam as considerações sobre os três principais marcos na geografia agrária, coincidindo com as escolas do pensamento (Clássica, Quantitativa e Social) e suas vertentes filosóficas norteadoras. (Quadro 2) Para a periodização da Geografia Agrária brasileira a primeira referência que a autora utiliza para classificar um primeiro momento do pensamento geográfico é Orlando Valverde (1964), que considerou que os estudos dos séculos XVIII e XIX não tinham ainda uma preocupação com uma metodologia científica, eram considerados então como estudos não-geográficos, que apenas registravam e descreviam informações de viagens realizadas sobre as diferentes culturas e suas peculiaridades.
22 22 SÍNTESE DA GEOGRAFIA AGRÁRIA BRASILEIRA Designação Período Paradigma Características teóricometodológicas Características socioeconômicas Temáticas Estudos nãogeográficos Séc. XVIII até Inexistência de método científico Hegemonia agrícola Informações sobre diferentes áreas e culturas Geografia Agrária Clássica 1934 a meados dos anos 60 Diferenciação de áreas Introdução do método científico sob influência francesa, descrição, interpretação, síntese, valorização do trabalho de campo Domínio da agricultura, início da industrialização/ urbanização Caracterização classificação e distribuição de produtos agrícolas por áreas, colonização, hábitat rural, paisagem rural Geografia Agrária Quantitativa Meados do anos 60 a meados dos anos 70 Classificatório Enfoque classificatório, utilização de modelos estatísticos e matemáticos Desenvolvimento urbanoindustrial, introdução do Processo de Modernização da Agricultura Estudos classificatórios, tipologia agrícola, caracterização social, funcional e econômica da agricultura, uso da terra, organização agrária Geografia Agrária Social 1975 a 1995 * Interação e ação sobre o espaço (*) Último ano de referência dos trabalhos levantados. Enfoque pragmático, análise da agricultura no contexto do desenvolvimento rural Quadro 2 Fases do pensamento geográfico na temática agrária de acordo com Ferreira (2002). Org.: Ferreira (2002, p.6) Êxodo rural, constituição do CAI, capitalização e industrialização da agricultura Transformação do espaço rural, modernização da agricultura, relações de trabalho, desenvolvimento rural, desequilíbrios regionais, pequena produção, produção familiar, agroindústria
23 23 A segunda fase desse pensamento foi a Geografia Clássica, que varia de 1900 a 1960, e foi marcada pela estruturação da Geografia no Brasil, o nascimento e a definição dos caminhos a serem desenvolvidos na Geografia Agrária. Nessa fase ocorre uma pequena diferenciação de áreas e uma introdução de métodos científicos influenciados pelas escolas alemã e francesa. A terceira fase foi chamada de Geografia Agrária Quantitativa, que vai de meados dos anos 1960 a meados da década de 1970, que possuía um enfoque classificatório com a utilização de modelos estatísticos e matemáticos e afirmou estudos referentes a tipologia agrícola, características socioeconômicas, uso da terra e da organização agrária. Encerrando essa classificação feita por Ferreira (2002) que resume um histórico de estudos e referentes ao nascimento e desenvolvimento da Geografia Agrária no Brasil, tem-se a última fase chamada de Geografia Agrária Social que vai de 1975 a 1995 classificado pelo paradigma da interação e ação sobre o espaço possuía um enfoque nos estudos relacionados a transformação do meio rural, modernização da agricultura, relações de trabalho, desenvolvimento rural, características regionais, pequena produção, produção familiar e agroindústrias, época em que os Complexos Agroindustriais (CAI s) se constituíram no país industrializando a agricultura nacional. Nessa perspectiva, as contribuições de Alexandre Felizola Diniz (1984) foram bastante significativas. Ela faz algumas considerações acerca da história do pensamento geográfico no que tange a geografia agrária. Em sua obra a autora faz uma divisão da evolução dos conceitos geográficos e sobre os estudos da agricultura. A autora criou um esquema teórico-metodológico dividido em três fases, e destas subdivididas em seis vertentes, sendo que as duas primeiras são: o estudo da paisagem rural e distribuição e comercialização dos produtos, referindo-se a Geografia Clássica, fundamentada na abordagem regional das pesquisas, como demonstra o esquema 2
24 24 Esquema 2 Divisão teórico-metodológica de Diniz (1984) em 5 escolas o estudo da geografia rural (até 1984). Fonte: Diniz (1984). Organização e adaptação: Flamarion Dutra Alves (2010) A terceira vertente é a Teoria da Combinação agrícola-estruturalista, caracterizada pela transição entre a primeira e segunda fase mencionada pela autora, iniciando a Geografia Nova que é baseada nos estudos de André Cholley, que defendia a tese da auto-regulação das estruturas no movimento de combinação dos elementos, classificando em três tipos: elementos de ordem física e biológica; elementos de ordem humana e elementos políticos e econômicos. O quarto e quinto momentos destacados por Diniz são: União Geográfica Internacional (UGI) e Geografia Nomotética-Sistêmica, que traduz especificamente as características da fase da Geografia Nova, na qual as investigações acerca da produção agrícola deveriam seguir o esquema metodológico da União Geográfica Internacional (UGI), a qual criou algumas comissões, entre elas a Comissão de Tipologia da Agricultura, que basicamente objetivou tipificar as diferentes áreas agrícolas, quantificando e mapeando elas. Na última fase, chamada de Geografia Crítica, e denominada Desenvolvimento Rural, Diniz (1984) destaca uma importância aos estudos sobre o desenvolvimento rural e as questões ligadas ao social, diminuindo os estudos relacionados com a produção da agricultura. Outra característica desse momento é o uso de teorias e autores de outras áreas do conhecimento, como sociologia, economia, antropologia entre outros. Para Alves e Ferreira (2010) a questão teórico-metodológica é de suma importância para a compreensão de diversas concepções acerca dos estudos referentes a uma ciência. Isso não seria diferente com a Geografia Agrária, os autores desenvolveram
25 25 um esquema que remete exatamente como a Geografia Agrária evoluiu com diversas concepções epistemológicas dessa ciência, como pode-se ver no esquema 3. Esquema 3 Características gerais da geografia agrária brasileira, Fonte: ALVES e FERREIRA (2010, p.4). Sendo assim, uma abordagem feita pelos autores Alves e Ferreira (2010) na concepção do esquema que caracteriza a Geografia Agrária brasileira, diz respeito a três grandes vertentes, sendo elas a Geografia Descritiva, a Geografia Teorética e a Geografia Crítica. A Geografia Descritiva, pautada como a Geografia Clássica, teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1960, foi caracterizada pelo empirismo e pelo padrão conceitual e metodológico. Com um enfoque nos estudos regionais e referentes a paisagem natural,
26 26 procuravam detalhar e descrever as caracterizações físicas e biológicas das regiões e depois caracterizar os elementos culturais e humanos. (ALVES e FERREIRA, 2010, p.3). O período que vai da década de 1960 a metade da década de 1980 é marcado pela Nova Geografia, ou Geografia Teorética ou Quantitativa, pautada em uma abordagem nomotética ou sistêmica, preocupando em compreender a organização do espaço geográfico baseado na Teoria Geral dos Sistemas. Houve então uma revolução nos estudos geográficos, criando uma característica mais matemática e estatística. Nessa perspectiva, Alves e Ferreira (2010) relaciona a Geografia Quantitativa aos estudos de Christofoletti (1976, p.3) afirmando que a aplicação intensiva das técnicas estatísticas e matemáticas nas análises geográficas, e o procedimento quantitativo pode ser considerado entre as características básicas da Nova Geografia. Já no final de década de 1980 entra em campo a Geografia Crítica, baseado no materialismo historio-dialético e nas teorias marxistas, dá-se uma maior importância para as questões sociais do campo referentes às problemáticas agrárias, como a estrutura fundiária e o campesinato, mas pricipalmente estudos referentes aos movimentos sociais no campo. Essa fase crítica marxista teve seu auge na década de 1980 e meados da década de 1990, época em que a política e a economia ganharam espaço nos estudos da Geografia Agrária. (ALVES e FERREIRA, 2010, p. 6) É nessa perspectiva que podemos refletir como a Geografia Agrária e seus conceitos tiveram novos e importantes significados que permitiram diversas definições de objetos de estudo e principalmente do papel da Geografia Agrária em relação a evolução do mundo e pelas problemáticas que surgiam de acordo com o desenvolvimento de uma sociedade que cada vez mais se tornava capitalista. Nas últimas décadas destaca-se que a categoria território, e suas derivações, vêm ganhando um destaque cada vez maior nas análises geográficas e se tornando um objeto de estudo primordial nos estudos agrários, não somente referindo-se aos estudos voltados ao campo, mas em todos os aspectos relativos a paisagem, incluindo a urbana. Nesse sentido destacamos a importância da incorporação de uma discussão teórico-metodológica dos processos da dinâmica territorial e T-D-R nos estudos agrários, demonstrando uma maior preocupação com a questão social do campo.
27 27 2. A CATEGORIA TERRITÓRIO E SEUS DESDOBRAMENTOS 2.1 Considerações sobre espaço e território A Geografia no Brasil teve seu momento de renovar seu corpo teóricometodológico na década de 1970, quando foi introduzido um novo olhar aos estudos, proporcionando uma visão mais crítica ao analisar a espacialidade dos fenômenos sociais. Desta maneira, alguns conceitos abordados pela Geografia se expressaram com uma maior ênfase, como a questão do território, discutindo primeiramente o território já utilizado. Assim, o que passou a interessar aos geógrafos foi o espaço geográfico, entendido como aquele espaço que é apropriado e utilizado pelo homem. O resultado dessa relação seria a produção do espaço geográfico. Portanto, no espaço, as relações sociais se materializam e se reproduzem gerando territórios a partir das relações de poder. A Geografia como ciência social tem como principal objeto de estudo a sociedade e o meio em que ela vive, alicerçada em cinco categorias capazes de interpretar o espaço geográfico, sendo elas: paisagem, região, espaço, lugar e território. São conceitos muito importantes no surgimento e desenvolvimento da ciência geográfica, pois nortearam os estudos que por muito tempo permaneceu confuso para somente depois a geografia se estabelecer como uma ciência. Para Moraes (1990) foi Ratzel o pioneiro na definição do conceito, o espaço é visto como uma base indispensável para a sobrevivência do homem e é o lugar onde as condições de vida, de trabalho e social se materializam, mas é a questão da modificação do espaço que determina a história do Homem. Deste modo dois grandes conceitos surgem nos estudos da Geografia, o espaço vital e o território. Segundo Corrêa (1995), o primeiro é visto como uma porção do espaço em que o homem se apropria, o segundo caracteriza-se pelo modo como ele se desenvolve no espaço e expressa as suas necessidades territoriais. Nessa perspectiva, o espaço transforma-se através da política caracterizando-se como território de
28 28 transformação do homem como um ser que desenvolve e materializa as suas relações sociais. Harvey (1973) afirma que o conceito de espaço pode ser visto de diversas formas, pois as diferentes práticas humanas resultam em diferentes formas de visão e de transformação do espaço pelo homem. Assim, o conceito de espaço vai tomando diversas formas e criando diversas definições para esses conceitos. Mas é a partir da década de 1970 que o conceito de espaço é adotado no materialismo histórico e dialético como um paradigma na ciência geográfica. Nesse momento o conceito de espaço deixa de ser apenas como o local onde acontecem as relações sociais de produção, para levar em consideração de que maneira essas relações são concebidas e produzidas pela sociedade. Do espaço não se pode dizer que seja um produto como qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma coisa ou uma coleção de mercadorias. Não se pode dizer que seja simplesmente um instrumento, o mais importante de todos os instrumentos, o pressuposto de toda a produção e de todo o intercâmbio. Estaria essencialmente vinculado com a reprodução das relações (sociais) de produção. (LEFÉBVRE, 1976, p.34). É na obra de Henri Lefébvre, Espacio y Política em 1976, que o espaço é visto sob um ponto de vista marxista, pois é entendido como um espaço social, vivido, onde acontece a as práticas sociais transformadoras do espaço social, e não somente como um espaço vazio e estático, ele é muito mais que funcional, não é nem o ponto de partida (espaço absoluto), nem o ponto de chegada (espaço como produto social). (CORRÊA, 1995, p. 25). João Rua faz referência a Lefébrve (1986) afirmando que o espaço possui as suas representações, mas que todas se baseiam na produção do espaço, pois, correspondem a um sistema de signos, símbolos e códigos de representação dominantes em uma sociedade e que estão relacionados ao exercício do poder e à conformação do espaço abstrato, domínio do Estado e do poder hegemônico. (RUA, 2010).
29 29 Em suas pesquisas, Rua ainda menciona que Haesbaert (2005) afirma que Lefébrve, em sua maior parte, refere-se ao espaço, porém quase nunca ao termo território, mas que ele não entende que o espaço é apenas um espaço, este se refere ao espaço em construção, um espaço-processo, socialmente construído consequentemente territorializado, na visão de Haesbaert. Ou seja, qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um lugar de relações, de apropriações e dominações. (RUA, 2010). O autor em suas concepções relaciona o espaço às questões da dinâmica das ações que nele ocorre, já que consiste em um espaço totalmente dinâmico e em constante transformação assim como as relações de poder que também atua, modifica e influencia essas transformações no espaço/território. Na década de 1970, Milton Santos também fez grandes contribuições na definição do espaço. Seguindo a mesma vertente de pensamento de Lefébvre, em sua concepção de espaço social, o espaço é imprescindível a sociedade e não há como separar estes já que são indispensáveis para a formação do conceito sócio-espacial tão estudo pelo Milton Santos. Porém Santos (1985) vai além, o autor discute o significado de espaço e a natureza, relacionando com a organização espacial, pois é nela que as relações sociais acontecem. Para ele, o espaço deve ser analisado baseado nas seguintes categorias: forma, função, estrutura e processo, pois são nesses aspectos que as relações (sociais) de produção se materializam. Para Santos, a categoria forma é o que é visto de um objeto, seu aspecto visível, as formas espaciais, e deve ser analisada em relação as outras categorias, pois ela isolada é considerada apenas uma figura, desconsiderando então a essência da representação desse objeto. Já a noção de função para o autor representa o papel desempenhado por esse objeto. A outra categoria de análise do conceito de espaço definido por Santos é a estrutura, que associando com a forma e a função significa o local onde a forma e a estrutura são criadas e justificadas. Completando as categorias de análise tem-se o processo que é definido como a transformação das ações das categorias de análise do
30 30 espaço social implicando tempo e mudança, e acontecem no âmbito social e econômico de uma sociedade, significa a estrutura em seu movimento de transformação. Essas categorias analisadas separadamente não constituem o significado completo de espaço, mas relacionando-as formam uma base teórica completa, como pode ser percebido nesse trecho em que Santos afirma: Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjuntos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir do qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade, (SANTOS, 1985, p.52) Para o autor, o espaço não é uma coisa nem outra, nem um sistema de coisas, segundo ele: se não uma realidade relacional, uma relação entre a natureza e a sociedade, materializada pelo trabalho e pelas relações sociais que nele existem. O espaço deve ser considerado com um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, seja a sociedade em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente, da forma (os objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento As forma, pois têm um papel na realização social. (SANTOS, 1988, P.26-27). E assim, o conceito de espaço foi se aprimorando e ganhando diversas definições, iniciando os estudos relacionados ao território, que da sequência a definição de espaço. Nessa perspectiva, citamos Claude Raffestin (1993), um dos precursores dos estudos relacionados a dinâmica territorial. Para o autor o território se forma a partir do espaço, ele não é o espaço, é uma produção do espaço, resultado de uma ação produzida pelo homem que modifica o espaço, se apropriando dele, ou seja, territorializando o espaço.
31 31 Atualmente, o espaço tem ganhado muita importância nos estudos geográficos referente ao território e a natureza, já que esta vive em constantes transformações, produzindo e reproduzindo o território, remetendo a importância de se estudar a dinâmica espacial para posteriormente explicar as diversas espacialidades que o homem atua nas diferentes frações do território, influenciando nos processos da dinâmica territorial, territorializando, desterritorializando e reterritorializando o espaço vivido. De uso comum o termo território remete-se à terra, terreno. Admitindo o território enquanto conceito delimitado e definido por, e a partir de relações de poder (SOUZA, 2003) sob a ótica produtiva, as relações de poder assumem-se como processos geradores de territórios tornando-se então um forte competidor em busca de novos territórios. Nesse sentido, o poder exerceria sua ação, por meio dos trunfos: a população o território ou os recursos. A relação entre estes, o controle, domínio, apropriação ou influência do poder sobre um dos mesmos, é materializado na transformação territorial. Saquet (2004) aponta como uma das contribuições de Raffestin para a discussão do conceito de território, a sinalização que o mesmo dá às questões dos recursos naturais como instrumentos de poder. 2.2 As diferentes abordagens acerca do conceito de território Com o passar do tempo o significado do conceito de território vai se aprimorando e ganhando novas formas, porém sempre ligado com as relações de poder que nele ocorre, que se impõem cada vez mais no território dominando quem as possui, envolvendo questões políticas, econômicas e culturais. Assim para Jean Gottman (1973), esse conceito de território, desde o século XV está diretamente relacionada com a dominação pelo poder, ligados a política, dominando determinadas áreas e as transformando-as em cidade e ampliando sua área de dominação e consequentemente elevando à soberania de quem as dominavam. Já no século XIX na Alemanha, idéias de Frederich Ratzel surgem como um discurso ideológico, e inicia a sua definição do conceito de território baseado nas ciências
32 32 naturais, depois, sob influência da expansão do território alemão, ele inclui uma abordagem uma visão mais política. Saquet (2010) aborda as concepções de Ratzel em sua obra, afirmando que a sociedade assume um papel do Estado com o intuito de proteger seu território, garantindo a segurança e os recursos que a natureza oferece suprindo às necessidades do homem, como o solo, a água e a alimentação, caracterizando a dominação da sociedade no território, garantindo seu poder sobre o espaço, criando uma organização social compreendida como Estado-Nação. Porém, as concepções de Ratzel ainda se caracterizam muito pelo lado naturalista, da biologia, apenas como um espaço delimitado com ou sem a atuação do homem e as relações de poder que nele podem ou não ocorrer. Aprofundando nessa perspectiva da relação território e poder, Raffestin (1993) aborda uma visão mais política da dominação do território e das relações sociais que nele ocorrem, com a presença do poder, e modifica a sua dinâmica. O autor inicia sua abordagem comparando o espaço e o território, dizendo que o território é uma produção do espaço, uma caracterização e modificação do espaço pela ação do homem, territorializando o espaço. Ele compreende também que todo território necessita ser delimitado, e exprimindo as relações sociais de um certo grupo modificando, o que para o autor antes era considerado apenas como um espaço sem uma ação conduzida pelo homem. Como afirma Raffestin (1993) sobre o espaço e o território: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstramente (por exemplo, pela representação), o ator territorializa o espaço. [...]. O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a prisão original, o território é a prisão que os homens constroem para si. (RAFFESTIN, 1993, p )
33 33 Nessa perspectiva, as relações de poder exposta pelo autor, se efetivam na vida do homem e é necessária para a sua organização, para poder ter o controle a dominação e a organização das relações sociais, chamado por ele de trunfos do poder, caracterizado pela forma como as relações de poder são necessárias e como são indispensáveis para a organização do território para a apropriação e produção do espaço geográfico. Raffestin (1993) demonstra uma outra visão sobre a questão da territorialização, como sendo uma característica individualista do território, afirmando que cada sistema possui sua própria territorialidade onde os indivíduos e as sociedades vivem. Sendo assim, ela se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais, e tem a mesma natureza de todas as relações, sendo considerada a face vivida da face agida do poder. O território também é abordado por Souza (1995) dentro da Geografia Política tradicional, considerando o espaço concreto em si, um território ocupado por um determinado grupo social que gera raízes e uma identidade sócio-cultural formando e caracterizando uma paisagem, criando um campo de forças juntamente com as relações de poder espacialmente delimitadas e operando sobre um substrato referencial. O autor faz referência em sua obra de Raffestin concordando com ele no sentido de afirmar que o território é posterior ao espaço, porém discorda no sentido de que ele coisifica muito o sentido do território quando ele relaciona o espaço ao substrato material, afirmando que não é bem assim, apenas um espaço social em si, mas sim um campo de forças, em que as relações de poder são espacialmente delimitadas e guiadas sobre um substrato referencial (SOUZA, 1995). As idéias de Haesbaert (2006) contribuíram muito para a evolução do pensamento do conceito de território, para o autor o território é primeiramente uma fonte de recursos naturais onde o ser humano se instala e utiliza fazendo então uma apropriação da natureza. Porém essa natureza não é um espaço estático de apropriação, há uma complexa dinâmica atuando e influenciando até a desterritorialização provocada por essas dinâmicas naturais, como o vulcanismo e terremoto, fazendo com que a população tenha que se deslocar de seus territórios. Rogério Haesbaert analisa o território sob diferentes perspectivas, criando uma classificação baseada em três vertentes: a primeira com uma visão jurídico-política, segundo a qual o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual
34 34 se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter estatal ; A segunda sob uma ótica culturalista, que prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço : E a terceira vertente, econômica, que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho. (HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18). Importante ressaltar que o território não é apenas um enraizamento, estabilidade ou limite de fronteira, mas é também um território de movimento, fluidez e conexões. O conceito de desterritorialização começa a entrar em questão. Segundo Haesbaert (2006) a modernização do território e a evolução das redes começa a colocar em discussão o processo de desterritorialização, devido a grande mobilidade e flexibilidade do território, ao fluxo que as redes trazem consigo, proporcionando uma perda de poder do espaço com a avanço das relações sociais em um mundo cada vez mais globalizado, que vai causando a perda de identidade e da cultura ocasionada pela homogeneização que a diversidade cultural. Para o autor, afirmar que vivemos em uma era dominada pela desterritorialização, se tornou o principal ponto de justificativa para esse fenômeno confundindo-se, muitas vezes o desaparecimento dos territórios com o simples debilitamento da mediação espacial nas relações sociais. Para o autor, os grupos sociais podem muito bem forjar territórios em que a dimensão simbólica se sobrepõe à dimensão mais concreta. Diante da massa de despossuídos do planeta, em índices de desigualdade social e de exclusão cada vez mais violentos, o apegar-se à terra, a reterritorialização é um processo que vem ganhando força. Ele se torna imprescindível não somente como fonte de recursos para a sobrevivência física cotidiana mas também para a recriação de seus mitos, de suas divindades ou mesmo para manter viva a memória de seus mortos. (HAESBAERT, 1999, p. 185). Nessa perspectiva também aliou-se o conceito de desterritorialização, ao se transformar em des-re-territorialização, pelo fato de o próprio território evoluir, entrar na dinâmica das relações sociais, ao se tornar flexível, e acompanhar a modernização
35 35 tecnológica, no mundo do ciberespaço, mas que também pode se tornar posteriormente em flexível e fechado, por isso o território pode se re-territorializar e se des-reterritorializar. Nas obras do autor, esses termos se tornaram bastante comuns para se explicar a espacialidade atual e a dinâmica territorial caracterizada e dominada pelo processo de globalização e de fragmentação territorial vigente no mundo contemporâneo. No atual sistema capitalista, a desterritorialização se agrava ainda mais, projetando uma exclusão social, causada por uma economia altamente concentradora, e faz-se necessário combater essa desterritorialização para poder oferecer uma maior igualdade de recursos àqueles que não desfrutam das vantagens desse atual sistema, oferecendo um amplo e livre acesso ao território que por natureza deveria ser usufruído por todos sem uma pré-determinação O autor também faz uma comparação do processo de desterritorialização sob duas perspectivas, do modo de vista do sem-terra, que vem como uma exclusão de acesso a terra, no sentido econômico, e da perspectiva dos indígenas, no sentido cultural, em que essa desterritorialização consiste na perda da cultura que está totalmente relacionado a perda das terras onde eles viveram, é evidente que eles dependem do território para sua sobrevivência, porém há um valor simbólico-cultural muito mais forte do que o de subsistência. Importante ressaltar que o território não é apenas um enraizamento, estabilidade ou limite de fronteira, mas é também um território de movimento, fluidez e conexões. O conceito de desterritorialização começa a entrar em questão, devido a grande mobilidade e flexibilidade que é proporcionado ao território. Sendo assim, inicia-se o que se denominou processos geográficos de T-D-R, pois a criação de territórios seria representada pela territorialização, a sua destruição (por mais que seja temporária) pela desterritorialização, e pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização.
36 A dinâmica T-D-R Com o avanço do processo denominado de globalização, a dinâmica territorial ficou ainda mais intensa, os processos de desterritorialização e reterritorialização se tornaram cada vez mais comuns na sociedade, pois se trata de um processo que tange o capitalismo e consequentemente cria uma constante movimentação nos modos de produção. Segundo Ianni (1992) a globalização desvincula as condições sociais, culturais e econômicas de uma maneira muito rápida de suas origens, em uma constante expansão mundial desterritorializando e reterritorializando sob diversas perspectivas. Sendo assim, estamos diante do que se denominou processos geográficos de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização, formando pela criação de territórios, representada pela territorialização, a sua destruição e dezenraizamento (mesmo temporariamente) pela desterritorialização, e pela sua recriação a partir de processos de reterritorialização. Desse modo, cria-se um discurso de um mundo cada vez mais dezenraizado, móvel, em constantes transformações. Rogério Hasbaert (2002) aborda uma concepção parecida com a de Ianni (1992), afirmando que o conceito de território é o mais difundido no âmbito dos estudos geográficos e assim, a maioria dos trabalhos focaliza sua destruição, devido ao fluxo que a globalização cria e destrói com muita rapidez os processos de desterritorialização e posteriormente uma reterritorialização. Temos, então, dependendo da ênfase a um ou outro de seus aspectos, uma desterritorialização baseada numa leitura econômica (deslocalização), cartográfica (superação das distâncias), técnico-informacional (desmaterialização das conexões), política (superação das fronteiras políticas) e cultural (desenraizamento simbólico-cultural). Na verdade, parece claro, são processos concomitantes: a economia se multilocaliza, tentando superar o entrave distância, na medida em que se difundem conexões instantâneas que relativizam o controle físico das fronteiras políticas, promovendo, assim, um certo desenraizamento das pessoas em relação aos seus espaços imediatos de vida. Mas o que se vê, na realidade, são relações muito complexas. [...] A desterritorialização que ocorre numa escala geográfica geralmente implica uma reterritorialização em outra [...] (HAESBAERT, 2002, p ).
37 37 O território evolve ao mesmo tempo a dimensão espacial concreta das relações sociais e o conjunto das representações sobre o espaço, que influencia nas relações sociais. Assim é importante ressaltar que antes do território ser provido de valor político e econômico, ele possui um valor cultural, de identidades e de relações, não concretizando o território como algo estático, ele é dinâmico, possui sua movimentação e suas conexões. E é através desse modo que Hasbaert (2002) relaciona o processo de T-D-R com a atual situação da sociedade global. Essa modernização do território coloca em questão as redes e põe em discussão a idéia de desterritorialização causado pela grande mobilidade, que a globalização proporciona, e ao fluxo que as redes trazem consigo, causando a perda da identidade e da cultura ocasionado pela homogeneização que a diversidade cultural traz e cativa cada vez mais a sociedade contemporânea. Para Ianni (1992), ao se tratar da desterritorilização o capitalismo é compreendido como um modo de produção processual, contraditório e acontece de maneira desigual e que se expande cada vez mais a nível internacional. Esse processo tende a desenraizar as coisas, as pessoas e as idéias. Tudo tende a desenraizar-se: mercadoria, mercado, moeda, capital, empresa, publicidade e tecnologia. Para o autor, assim se desenvolve o novo e surpreendente processo de desterritorialização, uma característica essencial da sociedade global em formação. O conceito de desterritorialização aplica-se não apenas a óbvios exemplos como corporações transnacionais e mercados monetários, mas também a grupos étnicos, lealdade ideológicas e movimentos políticos que atuam crescentemente em moldes que transcendem fronteiras e identidades territoriais específicas. A desterritorialização tem afetado as lealdades de grupos envolvidos em diásporas complexas, suas manipulações monetárias e outras formas de riqueza e investimento, bem como as estratégias de Estado. O debilitamento dos vínculos entre povo, riqueza e territórios, por sua vez, tem alterado a base de muitas interações globais significativas e, simultaneamente, põe em causa a definição tradicional de Estado. (IANNI, 1995, p. 93).
38 38 Ao abordar os conceitos de desterritorialização e reterritorialização a partir do discurso geográfico, denota-se que a ciência geográfica se enriquece cada vez mais de um corpo teórico-conceitual renovado e necessário para se entender a dinâmica espacial do mundo contemporâneo, criando-se riquíssimas discussões acerca dos processos que envolvem a dinâmica territorial. Assim, para Haesbaert (2004) não devemos dissociar os processos de desterritorialização e reterritorialização, pois são concomitantes e fundamentais para a compreensão do território e das relações sociais que nele ocorrem. Uma das mais importantes contribuições no âmbito da Geografia para entendermos como ocorrem os processos de desterritorialização e reterritorialização, que devem ser analisados juntos pois um justifica o outro, são as de Haesbaert (1997), dizendo que: Apesar de distinguirmos analiticamente território e rede, como já ressaltamos no capítulo anterior, estes encontram tão articulados quanto o processo contraditório de territorialização-desterritorialização que os produz. Desse modo, as redes não podem ser vistas apenas como destruidoras de territórios : uma combinação articulada de redes, malha, por exemplo, pode ser a base de um processo de (re)territorialização, ou seja, de formação de novos territórios. (HAESBAERT, 1997, p. 94). Assim, na tentativa de sistematizar o discurso vigente de que a sociedade vive um período de desterritorialização, Haesbaert (2002) aponta cinco possíveis interpretações: a primeira, uma perspectiva mais economicista, defendendo a idéia de superação dos entraves locais ou de localização; a segunda, uma abordagem mais cartográfica em que ocorreria a superação do espaço pelo tempo, ou seja, um encurtamento de distâncias; uma terceira, em que as relações seriam mais imateriais que materiais; uma quarta, em que ocorreria um esvaziamento das fronteiras, permitindo o livre acesso; e a quinta, em que a perspectiva cultural, referência simbólica, perderia sentido e se transformaria em nãolugar. No entanto, a realidade exprime uma sociedade contemporânea muito mais complexa, dinâmica e desigual, observando em sua realidade sócio-espacial. A mundialização, paradoxalmente, tem alimentado também a retomada de localismos, regionalismos e/ou
39 39 nacionalismos, muitas vezes retrógrados e espacialmente segregadores [...] a velocidade dos fluxos e a simultaneidade proporcionada pelo progresso técnico não implicam obrigatoriamente, a superação de uma reterritorialização diferenciadora e ressingularizante. [...] A desterritorialização que ocorre em uma escala geográfica geralmente implica uma reterritorialização em outra escala [...] (HAESBAERT, 2002, p ). As abordagens já trabalhadas relatam apenas algumas das dimensões que confirmam que todo processo de desterritorialização é procedido de uma reterritorialização, seja no âmbito econômico, político, ou cultural. Desterritorialização, portanto, antes de significar desmaterialização, dissolução das distâncias, deslocalização de firmas ou debilitação dos controles fronteiriços, é um processo de exclusão social, ou melhor, de exclusão socioespacial. [...] Na sociedade contemporânea, com toda sua diversidade, não resta dúvida de que o processo de exclusão, ou melhor, de precarização socioespacial, promovido por um sistema econômico altamente concentrador é o principal responsável pela desterritorialização. (HAESBAERT, 2006, p. 67). Nessa perspectiva Saquet (2003) faz uma análise da migração de italianos para o Rio Grande do Sul no século XX, em que as relações de poder estão presentes no processo do estar fixo e da mobilidade, a desterritorialização e a reterritorialização. Assim, as relações sociais, de influência, interesse, símbolos, dominação etc. caracterizam e condicionam nossa vida cotidiana, tanto no estar fixo como no estar em mobilidade (p. 129). Para o autor, a desterritorialização é constituída por um conjunto de relações sociais relacionadas em rede e se materializando na apropriação do espaço, reterritorializando assim o território de maneira econômica, política e cultural no território de destino do migrante. Deste modo afirma o autor:
40 40 A des-territorialização e a re-territorialização são contraditórias mas complementam-se; coexistem no tempo e podem coexistir no espaço; são inseparáveis e movidas pela relação EPC [economia-política-cultura], sendo que as redes estão e atuam em ambos os processos. A des-territorialização num lugar significa re-territorialização noutro, promovendo a mobilidade da força de trabalho e suas características culturais. É um processo inerente à natureza contraditória do espaço e do território. (SAQUET, 2003, p. 218). Nesse sentido, a desterritorialização tem o sentido de perda de território apropriado e vivido decorrente de diferentes processos originados de contradições, capazes de desfazerem territórios; ao passo que reterritorialização refere-se à criação de novos territórios, seja por meio de reconstrução parcial de territórios antigos ou pela reconstrução desses antigos territórios em novos lugares, criando assim um novo território, geralmente com características do antigo. Assim os processos de desterritorialização e reterritorialização ocorrem de maneiras indissociáveis, e em diversas escalas, contudo, a desterritorialização é sempre precedida da reterritorialização, pois, para a construção de um novo território, faz-se necessário a perda do mesmo e a sua posterior reorganização em um novo lugar. Na visão de Oliven (2006), o processo de desterritorialização é denominado como um fenômeno que origina é um termo utilizado para designar fenômenos que se originam em um espaço e que acabam migrando para outros. Para o autor, esse conceito só faz sentido se for associado ao de reterritorialização, pois as idéias e os costumes saem de um lugar, mas entram em outro no qual se adaptam e se integram. Nessa linha de pensamento, o território é uma reordenação do espaço, onde, de diversas maneiras ocorrem os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização da sociedade. O processo de desterritorialização ocorre conjuntamente com a reterritorialização, no qual esses dois procedimentos são partes dos processos sucessivos de territorialização e constituem as suas territorialidades. Sendo assim, estamos então diante de um processo ainda mais complexo que a des-re-territorialização. O que evidenciamos nos dias atuais são proliferações de múltiplos territórios, ou melhor dizendo, multiterritorialidades. O território além de
41 41 sinônimo de poder, também, é sinônimo de diversidade. E é na diversidade dos territórios que se constroem novas geografias, muitas vezes, fazendo o percurso contrário dos interesses dos grupos historicamente hegemônicos. E é com as pesquisas nas revistas especializadas em Geografia Agrária que demonstramos a importância do processo de T-D-R e como este vem ganhando espaço nos estudos no âmbito desta ciência, verificando como esse processo vem sendo abordado pelos autores e norteando as discussões dos processos transformadores do território.
42 42 3. A DINÂMICA T-D-R NAS REVISTAS DE GEOGRAFIA AGRÁRIA 3.1 Caracterização das revistas A primeira pesquisa foi realizada na Revista NERA, que é uma publicação do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, vinculado ao Departamento de Geografia da FCT (Faculdade de Ciências e Tecnologia) da Unesp (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"). Desde 1998, quando saiu o primeiro número da revista, foram publicados um total de cento e quinze artigos, foram coletados para esta pesquisa um total de doze trabalhos publicados com a temática T-D-R. Imagem 1: Capa da revista Nera Fonte: Logo após analisamos a Revista Agrária, que está vinculada ao Laboratório de Geografia Agrária da USP desde 2004, por ocasião do I Simpósio de Geografia Agrária. A concepção que norteou sua criação foi a de socializar a grande quantidade de reflexões e informações acumuladas ao longo dos anos de existência do referido laboratório. Desde seu lançamento, em 2004, já foram publicados um total de quarenta artigos, sendo que, apenas sete foram selecionados contendo o conteúdo do processo de T-D-R.
43 43 Imagem 2: Capa da revista Agrária Fonte: Por último, foi realizada uma coleta na Revista Campo-Território. Criada em 2006, e sediada na Universidade Federal de Uberlândia, é uma publicação do grupo de pesquisadores de Geografia Agrária, cujos nomes foram discutidos e aprovados, em plenária, no XVII Encontro Nacional de Geografia Agrária em Gramado (RS), novembro de Em um total de oitenta e seis artigos publicados na revista, foram coletados nove artigos que tratam do processo de T-D-R. Imagem 1: Capa da Revista Campo-Território Fonte: Revista Nera Na Revista NERA, foram coletados um total de doze trabalhos publicados com a temática T-D-R, para isto utlizamos as seguintes edições publicadas: Ano 1 nº 1, Ano 1 nº 2, Ano 3 nº 3, Ano 7 nº 4, Ano 7 nº 5, Ano 8 nº 6, Ano 8 nº 7, Ano 9 nº 8, Ano 9 nº 9,
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