PARECERES Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados
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1 CONSULTA N.º 41/2008 Sigilo profissional CONSULTA O Senhor Engenheiro..., antigo cliente do Senhor Advogado consulente, Dr...., intentou uma acção crime contra o filho,..., por crimes de burla e abuso de confiança. O referido processo-crime corre termos no 3º Juízo..., sob o n.º... Findo o inquérito foi deduzido despacho de acusação e requerida a abertura da instrução. Como acto de instrução, o Advogado do arguido, Dr...., requereu a inquirição como testemunha do Senhor Advogado consulente. O Senhor Advogado consulente, aquando da sua inquirição, invocou o disposto no artigo 87º do E.O.A., para não prestar depoimento. Isto em virtude do Senhor Advogado consulente ter prestado os seus serviços jurídicos ao Senhor Engenheiro..., para recuperar quantias que estavam na posse do seu filho, ora arguido. Considerando a factualidade exposta, vem o Senhor Advogado consulente solicitar a pronúncia deste Conselho Distrital quanto à questão de saber se deve ou não intervir no processo como testemunha. 183
2 PARECER Nunca é de mais referir o carácter fundamental e verdadeiramente basilar que a obrigação de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia. Mais do que uma condição para o seu desempenho é, sobretudo, um traço essencial da sua própria existência. Sem o segredo profissional erigido em regra de ouro não existe, nem pode existir Advocacia. Assim o tem entendido a lei e a própria jurisprudência da Ordem da Ordem dos Advogados. A este propósito, escreve o Dr. António Arnaut, in Iniciação à Advocacia, História Deontologia, Questões práticas que: O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade. O cliente, ou simples consultante, deve ter absoluta confiança na discrição do Advogado para lhe poder revelar toda a verdade, e considerá-lo um sésamo que nunca se abre. O fundamento ético-jurídico deste dever, não está, no entanto, confinado à relação contratual estabelecida entre o Advogado e o seu cliente. Bem, pelo contrário, em larga medida, ultrapassa essa mera relação entre as partes. A prossecução da Justiça e do Direito, verdadeiros objectivos da profissão de Advogado, implicam que, necessariamente, qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado, disponha de total confiança para que possa a este revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa). Entendemos que o fundamento ético-jurídico do dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do Advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da Advocacia e na sua função de manifesto 184
3 interesse público. Conforme é, aliás, jurisprudência, o segredo profissional tem carácter social ou de ordem pública e não natureza contratual 1. Em suma, a existência da obrigação de segredo profissional impede o Advogado de revelar os factos e/ou os documentos nos quais esses factos possam estar contidos, excepto se devida e previamente autorizado pelo Presidente do Conselho Distrital respectivo ou pelo membro do Conselho a quem tenha delegado poderes, verificados que estejam os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do E.O.A. e pelo artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional. No caso concreto, o Senhor Advogado consulente, Dr...., refere que foi advogado de um Sr. Eng.º... que me incumbiu de recuperar quantias que estavam na posse de um seu filho Dr... a quem passara procurações, uma das quais irrevogável, para vender bens que detinha em. Tal como foi referido no Parecer do C.D.L. n.º 2/2001, em que foi relator J.M. Ferreira de Almeida, é tripla a razão de ser da consagração estatutária do dever (que é ao mesmo tempo direito), do advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos de que tome conhecimento no exercício da profissão: a) A indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente; b) O interesse público da função do advogado enquanto agente activo da administração da justiça; c) A garantia do papel do advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social. Previu, no entanto, o legislador situações em que é possível ou se justifica a revelação de factos abrangidos pela obrigação de guardar segredo profissional sem que com isso perigue a dignidade profissional que em princípio exigia a sua manutenção. Trata-se, contudo, de hipóteses restritas. 1 Cf., nomeadamente, Parecer do Conselho Geral de (relator Eduardo Figueiredo), in ROA 13 III/IV 327 e Acórdão do Conselho Superior de (relator Mário Furtado), in ROA
4 De acordo com o plasmado no n.º 4 do artigo 87º do E.O.A. e no n.º 3 do artigo 4º do Regulamento de dispensa de segredo profissional, a dispensa da obrigação de guardar sigilo profissional apenas pode ser concedida quando absolutamente necessária à defesa da dignidade, direitos ou interesses legítimos do Advogado ou do cliente ou seus representantes. Ou seja: Terá de estar em causa, nomeadamente, a defesa da dignidade, de um direito ou do interesse legítimos do cliente do Advogado. O regime legal da dispensa não comporta, portanto, a hipótese de prejuízo de qualquer cliente. Ou seja: O Advogado só poderá ser autorizado a depor sobre factos objectivamente favoráveis ao seu cliente e nunca, pois, sobre factos que lhe sejam desfavoráveis. Neste sentido, o parecer do Conselho Geral de , em que foi relator o Dr. Fernando de Castro, onde se pode ler que O Advogado não pode em caso algum depor contra o constituinte e, no mesmo sentido, veja-se ainda o parecer do C.G. de , em que foi relator o Dr. Álvaro do Amaral Barata, O Advogado constituído num processo não pode, em caso algum, vir a ser testemunha da parte contrária. No caso concreto, estão em crise direitos e interesses do antigo cliente do Senhor Advogado consulente. Assim, a prestação de depoimento por parte do Senhor Advogado requerente, no caso sub judicie, a favor do arguido, filho do seu antigo cliente, seria sempre prejudicial ao seu antigo cliente no processo penal ora pendente. Ora, conforme já foi evidenciado, em circunstância alguma o Advogado pode ser dispensado do sigilo para prestar depoimento contra aquele que foi seu cliente. 186
5 Nem a letra do n.º 4 do artigo 87º do E.O.A., a nosso ver, o permite. Admitir que revelasse factos em desfavor de um antigo cliente seria uma gravíssima traição à confiança, pilar essencial da relação Advogado/cliente. Em conclusão: 1. O Senhor Advogado, Dr..., foi Advogado do Senhor, tendo sido incumbido de recuperar quantias que estavam na posse de um seu filho,..., a quem passara procurações, uma das quais irrevogável, para vender bens que detinha em. 2. O antigo cliente do Senhor Advogado consulente intentou agora uma acção crime contra o filho,..., por crimes de burla e abuso de confiança. O processo-crime corre termos no Juízo..., sob o n.º Como acto de instrução, o Advogado do arguido requereu a inquirição como testemunha do Senhor Advogado consulente. 4. Ora, em circunstância alguma o Advogado pode ser dispensado do sigilo para prestar depoimento contra aquele que foi seu cliente. Nem a letra do n.º 4 do artigo 87º do E.O.A., a nosso ver, o permite. Notifique-se. Lisboa, 7 de Outubro de 2008 A Assessora Jurídica do C.D.L. Sandra Barroso Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados, Lisboa, 8 de Outubro de 2008 O Vice-Presidente do C.D.L. Por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008 Jaime Medeiros 187
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