Teoria da informação e Sistema Econômico
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- Ivan Galvão de Paiva
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1 1 Teoria da informação e Sistema Econômico Eleutério F. S. Prado Professor da USP Introdução A teoria da informação é um ramo da teoria da probabilidade e da matemática estatística que lida com sistemas de comunicação. Claude E. Shannon ( ) foi quem formulou as primeiras idéias nesse campo, sendo conhecido, por isso, como o pai da teoria da informação. A sua teoria considerou a comunicação como um problema matemático embasado na estatística. Por isso mesmo, ela não se preocupa com a semântica dos dados. Olha os processos de transmissão de informação segundo uma perspectiva meramente fenomênica, descritiva e externa. Essa teoria interessa a ciência econômica porque o sistema econômico é também um sistema de informação. Para que nele se produzam e se distribuam bens e serviços de forma coordenada, as informações relativas às ofertas e às demandas, às qualidades e às quantidades disponíveis, etc. precisam circular pelo sistema com alguma eficiência. Se o sistema econômico é complexo, essa eficiência não pode ser perfeita. Supô-la como possível vem a ser já eliminar o problema de informação e de coordenação constitutivo do próprio sistema complexo. É ingenuidade pensar que um mecanismo simples possa resolver um problema de natureza complexa. Entenda-se aqui por tal mecanismo aquele capaz de produzir computacionalmente uma perfeita consistência das ofertas e das demandas. Pode-se construí-lo idealmente, por exemplo, imaginando um processamento totalmente centralizado da informação por meio de um leiloeiro ou por meio de órgão de planejamento central. Ora, esse construto permanecerá sempre nas nuvens da abstração, sem jamais baixar à terra. Ele não poderá resolver o problema de coordenação posto pelo funcionamento do sistema econômico de grandes proporções, tal como emergiu na época moderna. A circulação de informação num sistema econômico moderno capitalista ou póscapitalista, que envolve bilhões de pessoas, assim como milhões e milhões de bens e serviços, nunca pode deixar de ser um problema complexo. Eis que a informação necessária para o seu funcionamento não pode ser totalmente centralizada; ela tem de ser gerada de modo descentralizado para circular de modo descentralizado. Num sistema complexo, os elementos atuam sempre com base em informação local; eles não têm acesso a toda informação gerada no sistema. Não há, em geral, conexões diretas entre elementos distantes. Tudo depende de processos locais de experimentação e aprendizagem que se renovam permanentemente.
2 2 Para ir mais fundo na compreensão de sistema complexo é preciso ultrapassar a perspectiva fenomênica, descritiva e externa, notando que se trata de um todo estruturado por relações locais que se reproduzem e se renovam na ordem do tempo. Esse processo de reprodução e renovação depende da produção e da circulação de informação a qual sempre tem uma forma sintática e um conteúdo semântico. Ora, nesse sentido, toda informação é de certo modo única, pois veicula um conteúdo qualitativamente diferenciado, freqüentemente individualizado, datado e localizado. Toda informação é, portanto, particular, sendo ao mesmo tempo um elemento de um sistema de informação. Ora, há uma relação de substituição entre a centralização da informação e a conservação do seu conteúdo qualitativo. Tomando por referência um sistema qualquer, quanto maior for o grau de centralização das informações que alimentam o funcionamento do sistema, mais agregadas estas deverão estar. Ora, a agregação implica sempre em perda de parte do conteúdo qualitativo da informação. Há, pois, uma relação de substituição entre a eficiência do sistema de informação e a sua eficácia, ou seja, a sua capacidade de atingir objetivos. E esses objetivos são constantemente postos e repostos pelos elementos do sistema. Se eles não são atingidos, o sistema se mostrará ineficaz e, por isso, estará em contradição com a própria razão pela qual existe. A noção fundamental dessa teoria vem a ser a de entropia da informação, a qual é costumeiramente compreendida como uma medida do grau de organização de um sistema de informação. Entropia da informação Shannon partiu da distribuição multinomial e, por meio de uma derivação matemática algo complicada, chegou à seguinte definição de entropia da informação: H ()()log() X P x P x x X Nessa expressão, o logaritmo está na base 2. X é o espaço dos eventos possíveis e x vem a ser um evento nesse espaço. A variável P(x) é a probabilidade do evento x. O gráfico dessa função (que aparece abaixo) mostra que ela tem um máximo absoluto e que este se encontra no ponto em que P() x 1 2.
3 3 H(x) 0 1/2 1 P(x) Aplicação à Economia Nesta nota emprega-se, de um modo muito elementar, a noção de entropia para pensar o sistema de preços como um sistema de informação. Toma-se por referência a formação de preços num mercado de apenas um bem, fazendo a suposição usual de que não ocorrem modificações na estrutura básica desse mercado e dos outros mercados com ele coexistentes (ou seja, que as preferências, as tecnologias de produção e as dotações iniciais são mantidas constantes). Nesse caso, o evento a ser considerado vem a ser simplesmente um par ordenado formado por uma observação de preço e uma observação de quantidade ou seja, x = (p, q). O espaço de todos os eventos possíveis pode, então, ser representado num diagrama cartesiano bidimensional. No exercício aqui desenvolvido esse espaço estará constituído por uma malha de pequenos subespaços quadrados que formam um quadriculado de tamanho finito. Tem-se assim: p q
4 4 Esse quadriculado, por suposição, possui dimensão m na horizontal e n na vertical, de tal modo que ele está formado por m.n pequenos quadrados. Um evento x é agora entendido como a ocorrência de um par (p, q) no interior de um desses pequenos quadrados. Esse esquema é agora utilizado para pensar a teoria neoclássica, a teoria clássica de formação de preços, assim como uma situação limite em que não se observa qualquer regularidade no comportamento dos pares de preços e quantidades. Teoria neoclássica Como se sabe, a teoria neoclássica padrão representa esse mercado por meio de duas relações funcionais entre preços e quantidades, uma das quais descreve supostamente o comportamento da oferta e a outra descreve supostamente o comportamento da demanda. Como se sabe, preço nessa teoria é um valor que advém do equilíbrio entre oferta e demanda, o qual supostamente prevalece no mercado. p p* D S q* q Nesse caso, como não há trocas falsas, tem o seguinte: P( p*, q*) 1 P( p p*, q q*) 0 Está-se supondo evidentemente que o evento (p*,q*) vem a ser a ocorrência desse par específico de preço e quantidade o qual está formado pelo preço e pela quantidade de equilíbrio no interior de uma determinada locação no interior do quadriculado. A teoria neoclássica obriga a pensar que a probabilidade dessa ocorrência é 1; em conseqüência, a probabilidade de ocorrência de um evento fora dessa locação é sempre nula.
5 5 Tem-se, portanto, que P(x) = 0 em quase todos os casos, exceto em um deles em P(x) = 1. Isto anula quase todos os termos do somatório da medida de entropia. Ora, quando a exceção acontece, esse termo do somatório também se anula porque log1 0. Observa-se, pois, que H(X) = 0 na situação posta pela teoria neoclássica. Ora, esse resultado reflete a suposição da teoria neoclássica segundo a qual o mercado em consideração é perfeitamente organizado. Nesse caso específico, uma série de observações de mercado teria a seguinte imagem gráfica, em que todos os tiros (muitos, eventualmente) acertaram bem na mosca : Situação limite Como visto anteriormente, a situação limite vem a ser aquela em que não se observa qualquer regularidade estatística no comportamento dos pares de preços e quantidades. Nesse caso, um determinado par de preço e quantidade pode ocorrer em quaisquer das locações x possíveis em X como uma probabilidade que está uniformemente distribuída. Isto é: P()( x,) P p q 1 m. n É possível demonstrar que, nesse caso, a função H(X) atinge um valor máximo, o qual se torna um indicador de que o sistema de preço em consideração é perfeitamente desorganizado. Para fazê-lo basta resolver o seguinte problema de maximização condicionada (usando Lagrange): Max() H tal x que () 1 x X P x
6 6 Dado esse valor de P(x), a função de entropia fica: H max () X log log x X m. n m. n m. n Nesse outro caso específico, uma série de observações de mercado teria como imagem gráfica uma nuvem de pontos perfeitamente espalhados pelo espaço dos eventos possíveis. Tudo se passa como se os tiros observados tivessem sido dados perfeitamente a esmo. Teoria clássica A teoria clássica de formação dos preços distingue os preços de mercado do preço natural que, depois, foi chamado preço de produção ou preço de reprodução. O próprio Adam Smith lhe deu uma expressão sintética insuperável: o preço natural é como que o preço central ao redor do qual continuamente estão gravitando os preços das mercadorias. Contingências diversas podem, às vezes, mantê-los bastante acima dele, e noutras vezes, forçá-los para baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão para ele (Adam Smith, A riqueza das nações, capítulo VII). Esta situação está descrita no gráfico que vem em seqüência. Nesse gráfico a linha indica o preço natural e os pontos indicam as observações de preços de mercado ao longo do tempo.
7 7 Preços de Mercado e Preço Natural Tempo Há evidentemente uma distribuição dos preços em torno do preço natural e essa distribuição não é uniformemente variada. Algo semelhante poderia ser observado para as quantidades transacionadas nesse mercado. Juntando essas duas séries observações, chegase a uma distribuição bivariada que tem a forma de sino, à semelhança da distribuição normal. Conhecendo essa distribuição, empírica ou teoricamente, mesmo não sendo algo trivial, é em princípio possível calcular a entropia do sistema de preços em consideração. Ao fazê-lo, se encontrará um valor situado entre a entropia nula e a entropia máxima. Ou seja, tem-se: 0()()H X H X max Nesse último caso específico, uma série de observações de mercado teria como imagem gráfica uma nuvem de pontos espalhados assimetricamente pelo espaço dos eventos possíveis; haveria uma maior concentração de pontos nas locações mais próxima da locação em que se encontra o preço de equilíbrio (aqui, no caso o preço natural desse mercado específico). Tudo se passa como se os tiros observados tivessem sido dados mirando sempre o centro; mas com a pontaria do atirador não é perfeita, o alvo fica retratado da seguinte forma:
8 8 Conclusão Esse resultado como um todo ilustra uma idéia muito importante, segundo a qual um sistema complexo apresenta a propriedade da auto-organização. Ele não é nem perfeitamente organizado nem perfeitamente desorganizado. O seu processo de organização, que é espontâneo em certa medida, tal como mostrou a representação fenomênica aqui utilizada, situa-o entre a ordem e o caos. É evidente que as duas situações-limites, quando a entropia é nula e quando ela é máxima, não podem retratar adequadamente o processo de mercado. Por que você acha que o sistema acadêmico totalitário que dita as regras da boa cientificidade no mundo inteiro escolheu um desses limites (aquele em que a entropia é nula) como paradigma em Economics? Não deixem de ver o filme Inside Job para descobrir uma parte da resposta.
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