Corante extraído do pinhão para o tingimento de algodão e lã
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1 Corante extraído do pinhão para o tingimento de algodão e lã P M S Silva 1, T Rossi 2, R S Queiroz 3, S A Costa 4 e S M Costa 5 1. Bela. Patricia Muniz dos Santos Silva, Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Av. Arlindo Béttio, 1000, Ermelino Matarazzo, , São Paulo SP, Brasil, patricia.muniz.silva@usp.br. 2. Dra. Ticiane Rossi, Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Av. Arlindo Béttio, 1000, Ermelino Matarazzo, , São Paulo SP, Brasil, ticiane@usp.br. 3. Ma. Rayana Santiago de Queiroz, Instituto de Pesquisas Tecnológicas Laboratório de Tecnologia Têxtil, Av. Prof. Almeida Prado, 532, Cidade Universitária Butantã, , São Paulo SP, Brasil, rayanasq@ipt.br. 4. Profa. Dra. Silgia Aparecida da Costa, Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Av. Arlindo Béttio, 1000, Ermelino Matarazzo, , São Paulo SP, Brasil, silgia@usp.br. 5. Profa. Dra. Sirlene Maria da Costa, Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Av. Arlindo Béttio, 1000, Ermelino Matarazzo, , São Paulo SP, Brasil, sirlene@usp.br. Resumo Visando novas alternativas econômicas sustentáveis, o uso de corantes naturais oriundos da flora nativa para o tingimento têxtil pode ser considerado. Nessa perspectiva, o aproveitamento da água residual do processo de cozimento do pinhão da Araucaria angustifolia apresenta-se como uma forma de valorizar a flora brasileira, além de ser compatível com as estratégias de produção mais limpa. Objetivou-se avaliar o extrato aquoso de pinhão como corante natural para o tingimento têxtil. Foram realizados tingimentos por esgotamento em amostras de tecidos planos de algodão e de lã, em diferentes ph e mordentes. As amostras tingidas foram caracterizadas por análises colorimétricas e quanto à solidez de cor. As notas de solidez de cor à lavagem e à fricção foram boas, enquanto as de solidez à luz foram típicas de corantes naturais. O extrato do pinhão mostra-se como uma fonte promissora para ser utilizada como corante natural para o tingimento de algodão e lã. Palavras-chave Pinhão. Araucaria angustifolia. Corante natural. Tingimento têxtil. Resíduo. O Brasil destaca-se como o país com a maior biodiversidade do planeta, cujos recursos naturais oferecem centenas de possibilidades de aplicação dentro dos setores primário e secundário da economia. Devido a isso, a bioeconomia, relacionada ao desenvolvimento e ao uso sustentável de produtos e processos biológicos, pode ser considerada uma oportunidade para desenvolvimento do país, possibilitando a geração de novas alternativas econômicas [1]. Além de contribuir com o avanço da economia, a bioeconomia pode promover a produção industrial sustentável; o desenvolvimento social; a redução de impactos ambientais; e a preservação do meio ambiente [2]. Nessa perspectiva, o uso de espécies vegetais como fonte de corante natural a partir do emprego de conhecimento e tecnologia pode ser uma importante alternativa econômica. As pesquisas nessa área têm crescido, visando alternativas de menor impacto ambiental aos corantes sintéticos e buscando, assim, atender a demanda de nichos de mercado para produtos ecológicos [3]. Contudo, os corantes naturais podem não satisfazer certos padrões da indústria têxtil, pela limitação da matéria-prima, a difícil reprodutibilidade das cores e a baixa solidez. Dessa forma, seu uso deve estar atrelado ao trabalho dentro dos limites da natureza, sendo o planejamento de produção baseado em 1
2 matérias disponíveis sazonalmente [4]. Além disso, devido à variação das cores obtidas e o tingimento muitas vezes desigual, novas relações com as cores nos têxteis podem ser consideradas [4]. Diversas espécies nativas podem ser usadas como corante natural para o tingimento têxtil. Dentre elas está o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze) (Figura 1). A espécie pertence ao domínio fitogeográfico Mata Atlântica e está presente nas vegetações: Campo de Altitude, Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Ombrófila Mista [5]. Ela ocorre nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina [5]. Figura 1. Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze [6]. O pinheiro-do-paraná produz a pinha que desenvolve sementes conhecidas como pinhão. O pinhão é utilizado para a alimentação humana, constituindo uma importante fonte de proteína. As pinhas se desenvolvem entre fevereiro e dezembro, dependendo da variedade, sendo o pinhão encontrado no Brasil de março a setembro, variando para cada estado [7]. Um dos modos de preparo do pinhão é por meio de seu cozimento em água. A água residual de seu cozimento apresenta cor marrom-avermelhada e mostra-se como um potencial corante natural para o tingimento têxtil. Isso ocorre, pois a casca do pinhão contém compostos fenólicos que durante o cozimento podem migrar para a água [8]. Esses compostos, tais como os taninos e os flavonoides, são moléculas cromóforas [9] que podem atuar como corante natural no tingimento têxtil [10]. Segundo o estudo de Cordenunsi et al. [8], o tanino condensado catequina, que apresenta cor avermelhada [10], está presente em grande quantidade na casca do pinhão e durante seu cozimento migra para a água. Contudo, isso não ocorre com o flavonoide quercetina, que possui cor amarelada [10], pois apesar de estar presente em grande quantidade na casca, migra apenas para a semente e não para a água [8]. À vista disso, é possível constatar que a água residual do cozimento do pinhão apresenta grande quantidade de catequina, responsável, portanto, por sua cor característica. Além do interesse como nova fonte de corante natural, o uso da água residual do cozimento do pinhão pode ser compatível com estratégias de produção mais limpa, devido à possibilidade de transformá-la em uma matéria-prima útil para a indústria têxtil e substituir um insumo oriundo de fonte não renovável, no caso os corantes sintéticos, por uma fonte renovável e menos perigosa [11; 12]. Objetivou-se, portanto, nessa pesquisa, avaliar a água residual do cozimento do pinhão (semente da Araucaria angustifolia) como corante natural para o tingimento têxtil. Visando atingir esse objetivo geral, foram propostos os seguintes objetivos específicos: avaliação do tingimento em diferentes phs e com mordentes; avaliação da cor no espaço CIE L*a*b* e força colorística (K/S) dos tecidos tingidos; avaliação da solidez de cor à luz, à fricção e à lavagem dos tecidos tingidos; e estudo da Araucaria angustifolia quanto sua descrição botânica, aspectos ecológicos e distribuição geográfica no Brasil. 2
3 Temperatura ( C) Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico para se aprofundar nas contribuições teóricas já existentes sobre corantes naturais, espécies úteis da flora nativa do Brasil e descrição botânica e aspectos ecológicos da Araucaria angustifolia. O extrato aquoso para a realização dos tingimentos nesse estudo foi obtido a partir do cozimento de pinhões em água. A água, que seria descartada após o cozimento em uma situação usual, foi utilizada como extrato corante. Foram feitas duas extrações utilizando 500 g de pinhão com casca para 2 L de água, à 120 C por 1 h. O ph do extrato foi medido. Os pinhões cozidos foram utilizados para consumo alimentar e as cascas foram descartadas. Foram realizados seis experimentos de tingimento por esgotamento em amostras de 1 g de tecidos planos 100 % algodão, de 160 g/m², e 100 % lã, de 215 g/m², que foram codificados de acordo com a Tabela 1. Os experimentos foram realizados em triplicata. O extrato foi utilizado sem diluição em todas as condições testadas. Os valores de ph foram ajustados utilizando ácido acético (CH 3COOH) e hidróxido de sódio (NaOH), ambos na concentração 1 M. A quantidade de mordente utilizada foi de 6 % sobre a massa do tecido. Tabela 1. Tingimentos realizados nos tecidos de algodão e lã Tingimento ph Mordente T1 Sem ajuste Sem T2 3 Sem T3 7 Sem T4 11 Sem T5 Sem ajuste Sulfato de alumínio e potássio (KAl(SO 4) 2.12H 2O) T6 Sem ajuste Sulfato de ferro (II) (FeSO 4.7H 2O) Fonte: Elaborada pelos autores. A relação de banho utilizada foi 1:20. O tingimento foi realizado no equipamento Mathis HT ALT-I. A curva de tingimento utilizada foi baseada em Bechtold et al. [13] (Figura 2). O processo de tingimento foi iniciado a 20 ºC e manteve-se nessa temperatura durante 10 min. Posteriormente, a temperatura foi elevada para 98 ºC com um gradiente de 2 ºC/min, permanecendo por 60 min nessa temperatura. Em seguida, a temperatura foi reduzida para 60 C, com um gradiente de 2 ºC/min. Após o tingimento, as amostras foram lavadas em água corrente e secas a 80 C em rama Mathis DH-E C 60 min 60 C Tempo (min) Figura 2. Curva de tingimento baseada em Bechtold et al. [13]. 3
4 Posteriormente, foram determinadas as coordenadas colorimétricas CIE L*a*b* e força colorística (K/S) das amostras tingidas em espectrofotômetro. Dentre os melhores resultados de tingimento, foram selecionadas as condições T1, T5 e T6 para a realização de ensaios de solidez de cor para ambas as fibras. Os ensaios de solidez de cor foram baseados nos métodos: ISO 105-C06:2010 Colour fastness to domestic and commercial laundering; ISO 105-X12:2001 Colour fastness to rubbing e ISO 105- B02:2014 Colour fastness to artificial light: xênon arc fading lamp test. Os resultados dos ensaios de solidez à lavagem e à fricção foram avaliados conforme as notas de 5 a 1 das escalas cinza de alteração e transferência de cor, sendo a nota 5 equivalente à nenhuma alteração/transferência da cor e 1, à excessiva alteração/transferência da cor. Notas intermediárias, como 4-5, 3-4, 2-3 e 1-2 e podem ser utilizadas, constituindo o total de nove graus de solidez. Os resultados do ensaio de solidez à luz foram avaliados com base na escala azul de tecidos de lã de referência 1 a 8, sendo 1 equivalente a solidez de cor muito baixa e 8, solidez de cor muito elevada. Se a alteração da cor estiver à meia distância entre dois tecidos de lã azuis de referência, é possível utilizar notas intermediárias, como 1-2. Caso a solidez de cor seja inferior ao tecido de lã de referência azul 1, uma nota menor que 1 é dada. As cores resultantes do tingimento (Figura 3) apresentaram matiz avermelhado. O ph do extrato foi de 5,6. Com a adição de sulfato de ferro (II) as cores adquiriram característica mais acinzentada e com o sulfato de alumínio e potássio mais amarelada. Os experimentos em condições de ph neutro e alcalino (T3 e T4, respectivamente) resultaram em cores menos intensas. Os melhores resultados foram em ph ácido (T1 e T2). Os resultados de força colorística (K/S) foram superiores nas amostras tingidas nas condições T1, T2, T5 e T6. T1 T2 T3 T4 T5 T6 Algodão Lã Figura 3. Cores resultantes do tingimento de tecidos de algodão e de lã em diferentes condições (Elaborada pelos autores). Os resultados de solidez de cor à fricção, à luz e à lavagem são dados na Tabela 2. Para a solidez de cor à luz, todas as amostras apresentaram notas baixas, entre 1 e 2 da escala azul de referência, comportamento, este, típico de corante natural [11]. No ensaio de solidez à lavagem, após a lavagem todas as amostras de algodão e a de lã com mordente de ferro apresentaram alteração do matiz para mais avermelhado. Isso pode estar relacionado com a ionização do corante, resultando na mudança batocrômica no espectro de absorção da molécula [14]. 4
5 Tabela 2. Solidez de cor à fricção, à luz e à lavagem nas fibras de algodão e lã tingidas Fibra Tingimento Fricção¹ Luz Lavagem Seco Úmido Alteração Transferência CA CO PA PES PAC WO CO T < Vm T < 1 4 Vm T Vm WO T T T Vm Fonte: Elaborada pelos autores. CA: acetato; CO: algodão; PA: poliamida; PES: poliéster; PAC: acrílico; WO: lã; Vm: mais vermelho. ¹ O ensaio de solidez à fricção foi realizado apenas em amostras com o maior comprimento no sentido dos fios de urdume. Os resultados indicam que o extrato do pinhão é uma fonte promissora para ser utilizada como corante natural para o tingimento de algodão e lã. Nas condições testadas, as notas de solidez de cor foram aceitáveis, sendo que as notas para solidez de cor à luz foram típicas de corantes naturais. O uso desse resíduo líquido pode apresentar uma alternativa econômica viável para a indústria nacional, alinhada à produção mais limpa. Agradecimentos Os autores agradecem ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), à Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (FIPT) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsa durante o curso desse trabalho. Referências [1] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Bioeconomia: oportunidades, obstáculos e agenda. Brasília: Confederação Nacional da Indústria, [2] LABUTO, G., CARRILHO, E. N. V. M. Bioremediation in Brazil: scope and challenges to boost up the bioeconomy. In: PRASAD, M. N. V. (Ed.). Bioremediation and bioeconomy. Amsterdam: Elsevier, [3] SCHMIDT-PRZEWOŹNA, K.; BRANDYS, A. Utilization of contaminated lands for cultivation of dye producing plants. In: PRASAD, M. N. V. (Ed.). Bioremediation and bioeconomy. Amsterdam: Elsevier, [4] FLETCHER, K.; GROSE, L. Moda e sustentabilidade: design para mudança. São Paulo: Senac, [5] REFLORA. Flora do Brasil 2020: Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. Disponível em: < Acesso em: 20 jun [6] LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas no Brasil. Nova Odessa: Instituto Plantarum, v. 1. [7] CARVALHO, P. E. R. Pinheiro-do-paraná. Circular Técnica 60. Colombo: Ministério da 5
6 Agricultura, Pecuária e Abastecimento, [8] CORDENUNSI, B.R.et al. Chemical composition and glycemic index of Brazilian pine (Araucaria angustifolia) seeds. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 52, n. 11, p , [9] WEIGL, M. et al. Application of natural dyes in the coloration of wood. In: BECHTOLD, T.; MUSSAK, R. (Eds.). Handbook of natural colorants. Chichester: John Wiley and Sons, [10] PATEL, B. H. Natural dyes. In: CLARK, M. (Ed.). Handbook of textile and industrial dyeing: principles, processes and types of dyes. Cambridge: Woodhead Publishing, [11] ROSSI, T. et al. Waste from eucalyptus wood steaming as a natural dye source for textile fibers. Journal of Cleaner Production, v. 143, p , [12] UNITED NATIONS INDUSTRIAL DEVELOPMENT ORGANIZATION UNIDO. Cleaner Production (CP). Disponível em: < Acesso em: 10 jun [13] BECHTOLD, T. et al. Natural dyes in modern textile dyehouses: how to combine experiences of two centuries to meet the demands of the future? Journal of Cleaner Production, v. 11, p , [14] RAISANEN, R. Dyes from Lichens and Mushrooms. In: BECHTOLD, T.; MUSSAK, R. (Eds.). Handbook of natural colorants. Chichester: John Wiley and Sons,
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