PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Itanhaém, em que são apelantes VITOR HUGO OLIVEIRA RODRIGUES e FABRICIO CLAUDIO DOMINGOS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos, mantendo-se, in totum, a r. sentença atacada. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E BORGES PEREIRA. São Paulo, 10 de maio de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: Itanhaém Apelantes: Vitor Hugo Oliveira Rodrigues e Fabricio Claudio Domingos Advogado: Tatiane das Graças Mafra e Roberto Marcos Frati VOTO Nº Apelação. Roubo majorado pelo concurso de agentes (um adolescente), por duas vezes. Corrupção de menores. Concurso formal imperfeito entre as infrações. Pedido de absolvição por ausência de prova. Impossibilidade. Autoria e materialidade de todos os crimes comprovadas. Réus, além de confessos, foram reconhecidos pelas vítimas e detidos na posse da res furtiva. Condenação mantida. Penas inalteradas. Formação de concurso formal imperfeito entre os delitos porquanto os apelantes atuaram com desígnios autônomos, desejando subtrair, mediante uma única ação, bens pertencentes a duas vítimas. Negado provimento aos apelos. O MM. Juiz a quo, Dr. Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Itanhaém, em sentença datada de 20/05/2015 (fl. 217), julgou procedente a ação penal para condenar Vitor Hugo Oliveira Rodrigues e Fabricio Claudio Domingos às penas de 11 anos e 8 meses de reclusão e 26 dias-multa, em regime inicial fechado, Apelação nº

3 como incursos no artigo 157, 2º, incisos I e II, por duas vezes, do Código Penal, c.c. o artigo 244-B, do ECA, todos na forma do artigo 70, do Código Penal. Irresignada, as defesas apresentaram as razões de apelação, requerendo a absolvição dos réus por insuficiência de prova e, alternativamente, a redução das penas. Contrarrazoado os recursos, o órgão acusatório bateu-se pelo acerto do decisum; a Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, opinou pelo parcial provimento ao recurso interposto pelo acusado Fabrício, a fim de ser a pena reduzida. É o relatório. Segundo consta da exordial acusatória, na data de 02 de março de 2014, por volta de 23:00 horas, na Avenida Presidente Vargas, os denunciados, agindo em concurso de agentes com o menor infrator Rogério Henrique de Oliveira Alves e outro indivíduo não identificado, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram, em proveito comum, um par de tênis, uma corrente de ouro e um aparelho celular, pertencentes a Willian Francisco de Lima Junior, bem como um par de tênis, uma corrente de prata e um aparelho celular, de propriedade de Raphael Lima de Oliveira. A vítima Willian, em sede judicial, narrou estar caminhando na orla da praia, juntamente com seu primo Raphael, quando foram abordados por quatro rapazes, estando dois na posse de armas de fogo, sendo o assalto anunciado. Os seus pertencentes, bem como os objetos de seu primo foram Apelação nº

4 subtraídos, evadindo-se os agentes, em seguida. O depoente dirigiu-se à sua residência, onde relatou os fatos aos familiares, passando, na sequência, todos a procurar os suspeitos pela região, logrando encontrá-los perto da praça do centro. Esclareceu que os agentes, inclusive, trajavam parte dos bens subtraídos. Acionada a polícia militar, os acusados foram detidos. No mesmo sentido as declarações do ofendido Raphael. Os genitores das vítimas, Ricardo e Willian, confirmaram em juízo que, comunicados pelos respectivos filhos, empreenderam diligências, ocasião em que localizaram os criminosos, constatando que usavam os pertencentes roubados. Acionada a polícia militar, os réus foram detidos, sendo reconhecidos pelas vítimas. Interrogados, os acusados confessaram parcialmente os fatos, pois negaram a utilização de armas de fogo. A autoria e a materialidade dos crimes imputados aos réus restaram devidamente comprovadas durante a instrução processual. A tese de absolvição calcada na insuficiência probatória não se sustenta frente às provas orais produzidas em sede de contraditório. Além de confessos, os apelantes foram reconhecidos pelas vítimas e detidos, logo após a subtração, na posse da res furtiva. Apelação nº

5 As majorantes restaram satisfeitas, tendo sido o roubo praticado pela união de quatro indivíduos, sendo um menor de idade, bem como pelo emprego de uma arma de fogo, já que a outra, apreendida, constatou-se tratar de um simulacro. Em relação à arma de fogo utilizada no crime e não apreendida, o argumento referente à impossibilidade de aferição da potencialidade lesiva cede à constatação de seu natural caráter de intimidação e de perigo próprio, prescindindo de laudo para tanto. Aliás, não se trata de circunstância que deixa vestígio material. O nosso entendimento está respaldado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja decisão, em sede de habeas corpus, foi proferida pelo Pleno da Corte, a seguir: Ementa: Roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo Apreensão e perícia para a comprovação de seu potencial ofensivo Desnecessidade Circunstância que pode ser evidenciada por outros meios de prova Ordem denegada. (STF, HC 69099/RS. Min. Rel. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, d.j ) Em crimes dessa monta e, considerando o temor social quanto às possíveis interferências, a palavra da vítima, na prática, é o único elemento de prova, não podendo ser desprezada pelo julgador, pois, caso contrário, a impunidade prevaleceria. Apelação nº

6 A corrupção de menores, igualmente, está caracterizada, visto consistir o delito em crime formal, prescindindo, assim, de prova em relação à influência do imputável. Comprovado ser o comparsa dos réus menor de idade, e apurada a participação inequívoca ao crime de roubo, a condenação dos denunciados pelo delito previsto no artigo 244-B, da Lei 8.069/90, é medida de rigor, nos termos requeridos pelo órgão acusatório. Malgrado ter entendido, no passado, a corrupção de menores como crime material, em estudo dedicado à obra Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, altero o meu posicionamento, curvando-me à fiel proteção menorista, devendo o delito em apreço ser considerado formal. O objeto jurídico do tipo penal é a formação moral do menor. Essa formação moral e intelectual, à evidência, é permanente e, assim, está sujeita a constantes alterações, tanto para o bem, quanto para o mal. Por não ter ingressado ainda na fase adulta, está em constante desenvolvimento. Enquadrar um menor de 18 anos como indivíduo já corrompido, seria ignorar a sua possibilidade de recuperação pessoal. Por isso, entendo, hoje, ser incorreto exigir-se o resultado naturalístico, ou seja, não estar o menor corrompido. Na verdade, sendo adolescente, jamais pode ser considerado pessoa sem condições de recuperação. Apelação nº

7 In casu, constatada a relevante participação do menor à empreitada criminosa, o apelante deve ser condenado pelo crime em comento. Por fim, não há se cogitar em crime único, porquanto vislumbra-se a presença de três delitos, dois roubos e uma corrupção de menores, sendo o acusado beneficiado pelo concurso formal. Portanto, acertada a condenação, devendo ser mantida. Ab initio, importante tecer algumas considerações a respeito da formação de concurso formal imperfeito (impróprio) entre os delitos, reconhecido pela magistrada a quo. De maneira acertada, a existência de concurso formal imperfeito entre os delitos de roubo, porquanto os apelantes atuaram com desígnios autônomos, desejando subtrair, mediante uma única ação, bens pertencentes a duas vítimas. No concurso formal perfeito (próprio), o agente tem em mente uma só conduta, pouco importando quantos delitos vai praticar; por isso, recebe a pena do mais grave com o aumento determinado pelo legislador. Entretanto, na segunda parte do artigo 70, está previsto o concurso formal imperfeito: as penas devem ser aplicadas cumulativamente se a conduta única é dolosa e os delitos concorrentes resultam de desígnios autônomos. A intenção do legislador, nessa hipótese, é retirar o benefício Apelação nº

8 daquele que, tendo por fim deliberado e direto atingir dois ou mais bens jurídicos, cometer os crimes com uma só ação ou omissão 1. Diversa não é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a saber: Como de sabença, o concurso formal perfeito caracteriza-se quando o agente pratica duas ou mais infrações penais mediante uma única ação ou omissão; já o concurso formal imperfeito evidencia-se quando a conduta única (ação ou omissão) é dolosa e os delitos concorrentes resultam de desígnios autônomos. Ou seja, a distinção fundamental entre os dois tipos de concurso formal varia de acordo com o elemento subjetivo que animou o agente ao iniciar a sua conduta. (HC /DF, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 13/09/2013). No caso em apreço, inequívoca foi a intenção dos recorrentes em subtrair os pares de tênis das vítimas, bem como as suas correntes e aparelhos celulares, 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. RJ: Forense, 14ª edição, página 492, nota 110. Apelação nº

9 sendo inviável negar a existência de desígnios autônomos. Por isso, a soma das penas dos dois crimes de roubo foi legítima. Em relação ao delito de corrupção de menores, considerando que a aplicação do concurso formal imperfeito acarretaria prejuízo ao réu, na disciplina do artigo 70, parágrafo único, considera-se o concurso material. Assim, tem-se a aplicação cumulativa das penas dos dois delitos de roubo (concurso formal imperfeito) e, em seguida, pela regra do artigo 69, do códex, a soma da pena do crime de corrupção de menores. Na esteira do artigo 59, do Código Penal, as penas devem ser fixadas nos mínimos legais, pois ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis. Ausentes agravantes, não obstante as atenuantes da menoridade relativa e da confissão, tornam-se inoperantes, tendo em vista já se encontrarem as penas nos patamares mínimos impostos por lei. Isto porque as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não têm o condão de promover o rompimento da pena fixada, em abstrato, pelo legislador, atendendo aos princípios da legalidade e da segurança jurídica 2. Posição essa, inclusive, já consolidada pela súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça. Na terceira fase, presente o concurso de agentes e o emprego de arma de fogo, mantenho o acréscimo à razão de um terço, resultando, em definitivo, nas penas de 5 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: ed. Forense, 14ª ed, 2014, página 468, nota 77. Apelação nº

10 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa, para cada delito de roubo. A pena do delito de corrupção de menores resulta em 1 ano de reclusão, à mingua de outras causas modificadoras. Considerando o concurso formal imperfeito, nos termos acima expostos, somam-se as reprimendas do roubo e da corrupção de menores, resultando em 11 anos e 8 meses de reclusão e 26 dias-multa. O 3º, do artigo 33, do Código Penal, permite ao julgador valorar as circunstâncias judiciais como norte para se determinar o regime. Sendo assim, as circunstâncias do crime, consistentes no concurso de agentes, contando com a participação de um adolescente, autorizam a fixação de regime mais gravoso, o qual deve ser mantido o fechado. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento aos recursos, mantendo-se, in totum, a r. sentença atacada. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº