Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 4ª CÂMARA CRIMINAL

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1 HABEAS CORPUS nº IMPETRANTE: JULIA VIEIRA MAINIER DE OLIVEIRA - DEFENSORA PÚBLICA PACIENTE: RALFE DA SILVA MARQUES AUTORIDADE DITA COATORA: JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPOS DOS GOYTACAZES RELATOR: DES. JOÃO ZIRALDO MAIA HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO TENTADO (ARTIGO 155, C/C ARTIGO 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PLEITO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL POR ATIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NA EXORDIAL. ALEGAÇÃO DE PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PELA ACUSAÇÃO. TRANCAMENTO DA DEMANDA. CASOS EXCEPCIONAIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DA AÇÃO CONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.º , onde figura como paciente RALFE DA SILVA MARQUES, A C O R D A M os Desembargadores que integram a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer do writ e denegar a ordem, nos termos do voto do Relator. FCCM HABEAS CORPUS nº

2 R E L A T Ó R I O Trata-se de Habeas Corpus, impetrado pela ilustre Dra. Julia Vieira Mainier de Oliveira, Defensora Pública, em favor do paciente acima nominado, apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes. (fls. 15/16), descreve os seguintes fatos: A inicial acusatória, cuja cópia está acostada aos autos No dia 27 de agosto de 2013, por volta das 16 horas e 40 minutos, no interior do Supermercado Superbom, localizado na Avenida Bartolomeu Lizandro, n 952, Jardim Carioca, nesta comarca, o denunciado, agindo livre e consciente, tentou subtrair para si, dois frascos de desodorante antitranspirante da marca Dove, pertencentes ao estabelecimento supramencionado. O segurança do supermercado foi acionado por um monitor do estabelecimento que avistou o DENUNCIADO em atitude suspeita pegando produtos da prateleira e colocando sob sua blusa. O segurança, então, foi ao encalço do DENUNCIADO, procedendo em sua abordagem quando este se encontrava já no pátio do supermercado. Ato contínuo, o DENUNCIADO foi levado até a sala de monitoramento, onde verificou as imagens e entregou os objetos subtraídos ao segurança. A Polícia Militar, acionada, compareceu ao local e efetuou a prisão em flagrante do DENUNCIADO. Logo, objetiva e subjetivamente típica e reprovável a conduta do DENUNCIADO, estando incurso nas penas do art. 155, caput, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal... FCCM HABEAS CORPUS nº

3 Sustenta a impetrante, nos termos de sua peça inicial de fls. 02/09 do processo eletrônico, que a denúncia na forma como foi grafada é inepta por alegadamente descrever conduta atípica, baseado no princípio da insignificância ou da bagatela. Requer, por este motivo, o trancamento da ação penal, asseverando que esta foi a única tese defensiva apresentada e que não foi enfrentada pela decisão que recebeu a denúncia. Alega também que tal decisão foi baseada em um modelo fabril, dá advindo, a seu ver, o constrangimento ilegal do paciente. Finaliza pugnando pelo trancamento da ação penal com o reconhecimento da atipicidade da conduta por ocorrência do princípio da bagatela. Informações prestadas pela autoridade dita coatora às fls. 16/17 do processo eletrônico, na qual limitou-se a delinear os termos da decisão atacada. A douta Procuradoria de Justiça, pela pena da ilustrada Dra. Viviane Tavares Henriques, exarou parecer, às fls. 21/28 do processo eletrônico, opinando pela denegação da ordem. É o relatório. FCCM HABEAS CORPUS nº

4 V O T O Analisando-se o articulado pelo paciente, forçoso concluir que não lhe assiste razão em sua irresignação heroica, posto que pretende a Defesa Técnica o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta, calcando sua pretensão no princípio da insignificância ou da bagatela. O princípio da insignificância, segundo os precedentes de nossas Cortes Superiores, é um conceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada. Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a repressão, o que não é a hipótese dos autos. Isso porque a coisa subtraída e recepcionada pelo paciente, considerando sua situação econômica, não pode ser classificada como bagatela, até porque, se ela assim o fosse, este fatalmente não teria se lançado a colocar em risco a sua liberdade em troca de coisa insignificante. Além do mais, ainda que se considere pequeno o valor em espécie furtado (R$ 20,76), o crime não foi inexpressivo, na medida em que houve lesão ao bem jurídico tutelado. FCCM HABEAS CORPUS nº

5 É de se ressaltar que o princípio da bagatela ou da insignificância não é causa de exclusão de tipicidade prevista em lei, mas simples construção jurisprudencial e doutrinária, devendo ser considerado com a devida cautela e bom senso, a fim de que a sua utilização ou emprego desenfreado e extemporâneo não passe a representar indevidas absolvições (ou trancamento de ações penais, como no caso em apreço). Ora, o que é bagatela para uns não é insignificante para outros. Assim é porque o valor da coisa, com vistas à identificação da bagatela, deve ser aquilatado não a partir do patrimônio do lesado, mas sim do patrimônio do autor da violação da lei, vale dizer, do autor do furto, a importância e utilidade do bem subtraído. Não é caso, aqui, de se falar em furto famélico, haja vista a natureza do bem subtraído (desodorante). Não se deve descurar, ainda, que a Lei Penal Brasileira pune a violação do patrimônio alheio, através do furto, qualquer que seja o valor da coisa subtraída e expressamente afasta a adoção do decantado princípio da insignificância. Para a constatação destas afirmações, basta que se examine a figura penal do furto privilegiado, prevista no 2º do artigo 155 do Código Penal, pelo qual não é admitida a absolvição do agente, mas, tão somente, permitida a substituição da pena de reclusão por uma outra menos grave. FCCM HABEAS CORPUS nº

6 Ora, tal solução pode gerar o absurdo de ter que se absolver um indivíduo que, a cada dia, efetua a subtração de R$ 20,76 de transeuntes. Ao final de um ano, somadas as insignificâncias, ele terá furtado o correspondente a R$ 7.577,40 (sete mil, quinhentos e setenta e sete reais e quarenta centavos), o que não é nenhuma bagatela. este E. Câmara em caso análogo: Neste sentido, inclusive, já se posicionou recentemente HABEAS CORPUS - DES. M.SANDRA KAYAT DIREITO - Julgamento: 08/01/ QUARTA CAMARA CRIMINAL EMENTA: HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE FURTO ART 155 C/C ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL - PACIENTE SOLTA POR LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL QUE NÃO PODE SER ALEGADA PARA AFASTAR A TIPICIDADE, SOB PENA DE SE ESTIMULAR A PRÁTICA DE PEQUENOS FURTOS - CORRETA OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOBRE OS PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO SUMARIA PLEITEADOS NA DEFESA PRÉVIA APESAR DOS ARTIGOS 396 E 396-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO CONTEMPLAREM EXPRESSAMENTE A MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOBRE OS TERMOS DA DEFESA PRELIMINAR APRESENTADA, ANTES DA DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU DE FCCM HABEAS CORPUS nº

7 RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, A PROVIDÊNCIA NÃO É PROIBIDA, NEM ENSEJA NULIDADE PROCESSUAL - MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO GARANTIU O CONTRADITÓRIO E A PARIDADE ENTRE AS PARTES - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - De acordo com a inicial a paciente foi presa em flagrante, em 25/05/2011, no interior do Supermercado Super Market, ao tentar subtrair 01 shampoo, 01 desodorante, 556g de queijo minas, 750g de acém moído e 1,134Kg de coxa e sobrecoxa de frango, sendo certo que ela se encontra solta, desde 26/05/2011, por decisão que lhe concedeu a liberdade provisória. Pleiteia através da presente ordem de habeas corpus o trancamento da ação, baseado no princípio da insignificância. Não há de prosperar a tese defensiva, já que para a aplicação do princípio da insignificância é imprescindível que estejam comprovados o total desvalor do dano, da ação e da culpabilidade, sob pena de criar-se verdadeiro "direito" para o cidadão de praticar subtração de bens de pequeno valor. O princípio da insignificância ou bagatela não se traduz em pequeno valor do bem subtraído. Da mesma forma, não merece melhor sorte o pleito defensivo para o reconhecimento da nulidade absoluta, no que diz respeito a intimação do Ministério Público, a fim de se manifestar acerca do pedido da defesa de absolvição sumária. No presente caso, a defesa inicial veicula diversas questões e alegações inéditas. Assim, a manifestação do Ministério Público garantiu o contraditório e a paridade entre as partes. O feito encontra-se com seu processamento regular, com a audiência de instrução e julgamento designada para o dia 09/01/2013. ORDEM DENEGADA. FCCM HABEAS CORPUS nº

8 Caso se procedesse ao trancamento da ação penal e a consequente impunidade, esta somente teria o alcance de incentivar o recorrente e a muitos outros ao cometimento de infindável número de furtos semelhantes, na certeza de que nada acontecerá a eles. Certo é que, em sede de habeas corpus, só haverá de ser tolhido o processo se comprovadas, de imediato, a atipicidade da conduta, a inexistência de elementos indiciários que demonstrem a autoria e a materialidade do crime ou, ainda, se presente uma causa excludente da punibilidade. Nenhuma das hipóteses foi demonstrada, in casu, sendo incabível dilação probatória na via estreita desta ação constitucional. Resta, portanto, nítida a ausência da alegada ilegalidade perpetrada pela autoridade apontada como coatora. Por tais motivos, dirijo meu voto no sentido de denegar a ordem. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de Desembargador JOÃO ZIRALDO MAIA Relator FCCM HABEAS CORPUS nº