Brasília, 31 de outubro de NOTA JURÍDICA

Transcrição

1 Brasília, 31 de outubro de NOTA JURÍDICA Assunto: Aposentadoria especial. Servidores públicos. Conversão do tempo especial em tempo comum. Decisão proferida na Ação Coletiva n Averbação do tempo insalubre prestado em condições especiais em outros entes da federação. SINDICATO NACIONAL DOS FISCAIS FEDERAIS AGROPECUÁRIOS, ANFFA SINDICAL, formaliza consulta a respeito da viabilidade de seus filiados, Auditores Fiscais Federais Agropecuários, utilizarem o período decorrente da conversão do tempo de serviço prestado sob condições insalubres em cargos públicos estaduais e/ou municipais para fins de concessão de aposentadoria ou de abono de permanência.

2 seguintes questões: Para responder ao questionamento, necessário analisar as (i) os Auditores Fiscais Federais Agropecuários, que possuem o direito à aposentadoria especial, podem converter o tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria ou de abono de permanência? (ii) é possível computar o período decorrente da conversão do tempo de serviço prestado em condições especiais em outros entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios) na contagem do tempo para concessão de aposentadoria especial ou de abono de permanência? Para facilitar a compreensão da matéria, a presente Nota Jurídica será subdividida em tópicos, nos quais cada um dos pontos destacados serão pormenorizadamente analisados. I DO DIREITO À CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM TEMPO COMUM. CENÁRIO ESPECÍFICO DOS AUDITORES FISCAIS FEDERAIS AGROPECUÁRIOS. A Constituição da República (CR), no que concerne à aposentadoria dos servidores públicos, preceitua: Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...) 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: I - portadores de deficiência; II que exerçam atividades de risco; III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (grifos aditados) 2/8

3 Como as leis complementares mencionadas no 4º nunca foram editadas pelo Poder Legislativo, o ANFFA Sindical impetrou, em , o Mandado de Injunção (MI) n /DF para garantir aos seus filiados a aplicação temporária do art. 57 da Lei n /91 1, até ulterior regulamentação específica. Em , o Ministro JOAQUIM BARBOSA, Relator do referido MI n /DF, concedeu a ordem pleiteada, nestes termos: (...) Nesse sentido, e na linha da jurisprudência firmada pela Corte, a ordem deve ser concedida, em parte, a fim de se determinar que a autoridade administrativa competente proceda à análise da situação fática dos substituídos, à luz do art. 57 da lei 8.213/1991, para fins de aposentadoria especial, até que sobrevenha a norma específica sobre o tema. Conforme decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão de , está autorizado o julgamento monocrático dos mandados de injunção que tratam precisamente desta mesma matéria. Do exposto, com fundamento na orientação jurisprudencial desta Suprema Corte, reconheço a mora legislativa em dar concretude ao art. 40, 4º da Constituição Federal e concedo parcialmente a ordem, para determinar que a autoridade administrativa competente proceda à análise da situação fática dos substituídos pelo impetrante (ANFFA SINDICAL Sindicato Nacional dos Fiscais Agropecuários), para fins de aposentadoria especial, à luz do art. 57 da lei 8.213/1991. ( ) (STF, MI n /DF, Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJe de 14/04/2010; grifos aditados) Diante do resultado do julgamento do mandado de injunção impetrado pelo ANFFA Sindical, bem como de outras ações mandamentais semelhantes, o então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG, expediu a Orientação Normativa n. 10, de 05 de novembro de 2010 (ON n. 10/2010), que estabeleceu diretrizes para a aplicação do art. 57 da Lei n /91 aos servidores públicos federais. Essa Orientação Normativa disciplinou tanto a aposentadoria especial propriamente dita quanto a conversão do tempo especial em tempo comum. 1 Esse dispositivo legal trata de requisitos e de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos trabalhadores que exercem atividades sob condições prejudiciais à saúde no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). 3/8

4 Em , porém, os filiados ao ANFFA Sindical foram surpreendidos pelo Memorando Circular n. 011/2012/CGAP/SPOA/ SE-MAPA que, após 3 (três) anos de regular apreciação e concessão do tempo especial pela Administração Pública, alterou o entendimento do Órgão sobre o conteúdo da decisão prolatada no MI n /DF. A Administração passou a considerar que a aposentadoria especial seria um conceito dissociado da conversão de tempo especial em comum, que não estaria contemplada na decisão proferida pelo Ministro JOAQUIM BARBOSA. Para afastar o Memorando Circular n. 011/2012/CGAP/ SPOA/SE-MAPA e garantir a aplicação da Orientação Normativa n. 10/2010, o ANFFA Sindical ajuizou a Ação Coletiva n A liminar pleiteada pelo Sindicato foi indeferida em 1ª instância, o que ensejou a interposição de recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para reforma da decisão (Agravo de Instrumento n ). Em , o TRF1 deu provimento ao recurso do ANFFA Sindical para afastar a aplicação do Memorando Circular n. 011/2012/CGAP/SPOA/SEMAPA, o que fez prevalecer as disposições da ON n. 10/2013. Posteriormente, contudo, foi publicada a Orientação Normativa n. 16, de 23 de dezembro de 2013 (ON n. 16/2013), que revogou a ON n. 10/2010 e alterou a normatização da aposentadoria especial dos servidores públicos federais. Essa Orientação Normativa vedou expressamente "a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, salvo expressa disposição em contrário da decisão judicial no caso concreto e respectivo parecer de força executória". Além da edição da ON n. 16/2013, outro fato de grande relevância à aposentadoria especial dos servidores públicos sobreveio após o ajuizamento da Ação Coletiva n : a notícia de que, a qualquer momento, a Proposta de Súmula Vinculante n. 45 (PSV n. 45) seria submetida à análise do Plenário do STF. 4/8

5 A referida PSV foi apresentada em 2009 pelo Ministro Gilmar Mendes, diante do elevado número de mandados de injunção impetrados com o propósito de sanar a omissão legislativa consistente na não regulamentação da aposentadoria especial dos servidores públicos. Sua aprovação pelo STF, assim, visava unificar e conferir força normativa ao pronunciamento da Suprema Corte sobre o tema. Originalmente, a PSV n. 45 apresentava a seguinte redação: Enquanto inexistente a disciplina específica sobre aposentadoria especial do servidor público, nos termos do art. 40, 4º, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 47/2005, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (art. 57, 1º, da Lei nº 8.213/91). (grifos aditados) Caso aprovada a Súmula Vinculante nos temos em que proposta, a aplicação das normas atinentes à aposentadoria especial dos servidores da iniciativa privada (RGPS) se daria de maneira restritiva (art. 57, caput e 1º, da Lei nº 8.213/91). Isto porque a redação original do verbete da Súmula Vinculante não contemplava a possibilidade de conversão do tempo especial em comum, vez que essa prerrogativa, embora também prevista pelo art. 57 da Lei n /91, foi disciplinada pelo 5º, excluído do texto da Proposta. Ao deliberar sobre a aprovação da PSV n. 45, o Pretório Excelso não se debruçou sobre a constitucionalidade da conversão do tempo especial em comum, mas considerou desarrazoada a expressa limitação da aplicação das regras do RGPS apenas ao caput e ao 1º da Lei n /91. O Enunciado n. 33 da Súmula Vinculante do STF foi aprovado nos seguintes termos: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o art. 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica. Em resumo, no início do ano de 2014, o cenário para a conversão do tempo de serviço prestado sob condições especiais em tempo comum, pelos filiados ao ANFFA Sindical, era o seguinte: i) a ON n. 10/2010 havia sido expressamente revogada pela ON n. 16/2013; e ii) o STF havia editado o 5/8

6 Enunciado n. 33 de sua Súmula Vinculante, mas não havia se pronunciado sobre o direito à conversão, pelos servidores públicos, do tempo de serviço laborado sob condições especiais em tempo comum. Diante dessa conjuntura, o Sindicato ingressou com uma segunda ação coletiva: o Mandado de Segurança n , a fim de obter a declaração de nulidade do art. 24 da ON n. 16/2013 que, consoante narrado, passou a vedar a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum. Em maio de 2014, a liminar pleiteada pelo Sindicato foi deferida para suspender a aplicação do art. 24 da ON n. 16/2013, mantendo a aplicação dos arts. 9º e 10 da ON n. 10/2010, garantindo a conversão do tempo especial em tempo comum aos servidores ora substituídos, até ulterior decisão. Essa liminar, contudo, foi revogada em sentença, em razão do entendimento adotado pelo STF (após o julgamento da Súmula Vinculante n. 33) de que o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos não permitiria a conversão do tempo especial em tempo comum. Contra essa sentença, o ANFFA Sindical interpôs recurso, que aguarda julgamento pelo TRF1. De fato, nos últimos 2 (dois) anos, os pronunciamentos do STF acerca da matéria são bastante vacilantes, ora garantindo, ora negando o direito à conversão do tempo. Não raras vezes, é possível identificar precedentes que dissociam o direito à aposentadoria especial do direito à conversão do tempo. A título exemplificativo, confira-se o seguinte julgado: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 40, 4º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO VIOLADO PELA OMISSÃO INFRACONSTITUCIONAL. AGRAVO PROVIDO. 1. É inarredável, para o exame da demanda, a demonstração da presença de dois pressupostos constitutivos: i) existência de uma omissão legislativa relativa a um direito ou liberdade garantidos constitucionalmente; ii) inviabilização do direito da parte pela ausência desta norma infraconstitucional regulamentadora. 2. A Impetrante não demonstrou ter tido o direito inviabilizado pela omissão infraconstitucional, razão pela qual a ordem não pode ser concedida. 3. Ademais, não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da 6/8

7 aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições prejudiciais à saúde e integridade física. 4. Agravo regimental a que se dá provimento. (STF, Tribunal Pleno, MI 3920 AgR, Relator Min. EDSON FACHIN, julgado em 26/11/2015, DJ 10/12/2015, grifos aditados) Apesar do cenário desfavorável, foi exarado, em , o Parecer de Força Executória n. 278/2016/AGU/PRU1/COSEP/aar nos autos do processo n , que determinou o cumprimento, pela União, da decisão proferida em 2013 pelo TRF1, que afastou o Memorando Circular n. 011/2012/CGAP/SPOA/SE-MAPA e garantiu a aplicação da ON n. 10/2010 (que permitia a conversão do tempo especial em tempo comum). Em atenção a esse entendimento, o Coordenador-Geral de Administração de Pessoas do MAPA encaminhou, em , o Memorando Circular n. 4/2016/DINOR/COLEP/CGAP/DGI/SE/GM/MAPA a todos os Superintendentes Federais de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para esclarecer que, embora tenha sido posteriormente editada a ON n. 16/2013, a referida Orientação Normativa excepcionou da vedação à conversão do tempo os servidores resguardados por decisão judicial 2. Assim, por força da decisão proferida nos autos da Ação Coletiva n , os Auditores Fiscais Federais Agropecuários podem requerer, com base na ON n. 10/2010, a conversão do tempo de serviço exercido sob condições especiais em tempo comum para fins de concessão de aposentadoria ou de abono de permanência. Vale destacar que a decisão em vigor é precária e pode ser revogada a qualquer momento. Assim, os filiados ao ANFFA Sindical devem ponderar sobre a utilização da conversão do tempo, cientes de que a Administração poderá rever os atos de concessão dos benefícios pleiteados com base na referida decisão, caso esta venha a ser reformada. 2 É o que se observa do art. 24 da ON n. 16/2013: É terminantemente vedada a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, salvo expressa disposição em contrário da decisão judicial no caso concreto e respectivo parecer de força executória. (grifos aditados) 7/8

8 II DO CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS EM OUTROS ENTES DA FEDERAÇÃO Feitos os devidos esclarecimentos a respeito da possibilidade de conversão do tempo prestado sob condições especiais em tempo comum, passase à análise da viabilidade de homologação do tempo exercido também sob condições especiais em outros entes da federação para fins de concessão de aposentadoria ou de abono de permanência. Via de regra, caso o tempo de serviço especial anteriormente prestado pelo Auditor Fiscal Federal Agropecuário nos Estados ou Municípios já tiver sido convertido pelo respectivo ente federativo, é possível sua utilização no cômputo do tempo total necessário à obtenção do benefício previdenciário. Por outro lado, se o ente de origem do servidor não tiver averbado o tempo especial convertido, é factível que a Administração cause embaraços à contabilização desse período, notadamente em razão da instabilidade jurisprudencial acerca da matéria (conforme pontuado no tópico anterior) 3. III CONCLUSÃO Por todo o exposto, conclui-se que: 1) Os Auditores Fiscais Federais Agropecuários, por força da decisão judicial proferida na Ação Coletiva n , podem converter o tempo de serviço prestado sob condições especiais em tempo comum, cientes de que a decisão é precária e pode ser revogada a qualquer tempo; 2) Via de regra, o tempo de serviço prestado sob condições especiais em cargo público estadual ou municipal, já convertido pelo respectivo ente federativo, pode ser utilizado para fins de concessão de aposentadoria ou de abono de permanência ao Auditor Fiscal Federal Agropecuário. Assim a opinião de quem abaixo subscreve. TORREÃO BRAZ ADVOGADOS Bruno Fischgold Larissa Benevides Gadelha Campos Deborah de Andrade Cunha e Toni 3 A situação dos filiados que obtiveram o reconhecimento do direito à conversão do tempo especial prestado nos Estados ou Municípios por meio de decisão judicial deve ser analisada de forma particularizada. 8/8