CONHECIMENTO TRADICIONAL: BASES CIENTÍFICAS PARA A PRODUÇÃO DO ALGODÃO ORGÂNICO NO CURIMATAÚ PARAIBANO
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- Maria dos Santos Sofia Bergmann Lima
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1 CONHECIMENTO TRADICIONAL: BASES CIENTÍFICAS PARA A PRODUÇÃO DO ALGODÃO ORGÂNICO NO CURIMATAÚ PARAIBANO Melchior Naelson Batista da Silva (Embrapa Algodão / melchior@cnpa.embrapa.br), Cristina Schetino Bastos (Embrapa Algodão), José Sales Alves Wanderley Júnior (Arribaçã) RESUMO - Durante muito tempo o algodão foi uma das principais culturas geradoras de renda e mãode-obra no Semi-árido Brasileiro. Vários autores defendem a volta do algodão dentro de uma perspectiva agroecológica, pautada na valorização do conhecimento tradicional. Este estudo foi realizado como o objetivo corroborar, mediante literatura científica, as estratégias agroecológicas que vêm sendo adotadas por agricultores familiares que cultivam algodão no Curimataú Paraibano. Para tal, foram selecionadas as estratégias adotadas em relação ao espaçamento/densidade de plantio e a época de cultivo, devido a importância dessas práticas para a convivência com o bicudo, principal praga da região. Essas estratégias são empregadas no cultivo das plantas de modo a permitir que algumas variáveis abióticas causadoras de mortalidade de insetos, tais como temperatura e umidade relativa, atuem reduzindo o ataque dos mesmos, principalmente do bicudo do algodoeiro. As estratégias preventivas para convivência com o bicudo idealizadas e utilizadas pelos agricultores, isto é, a adoção de espaçamento amplos e de plantios tardios, encontram respaldo de uso em diversas publicações científicas, podendo ser ferramenta dos pesquisadores para suporte a novas experimentações. O conhecimento tradicional deve ser valorizado, podendo e devendo ser elemento de propostas de pesquisas voltadas a construção de sistemas de produção realmente sustentáveis. Palavras-chave: agroecologia, saber popular, época de plantio, espaçamento. INTRODUÇÃO O Algodão foi durante muito tempo uma das principais culturas geradoras de renda e mão-deobra no semi-árido Brasileiro. Além dos aspectos relacionados com problemas de políticas econômicas e surgimento do bicudo no início da década de 80, mudanças na matriz tecnológica e posterior aumento nos custos de produção promoveram a derrocada da cotonicultura do Semi-árido. Apesar do pólo produtivo ter migrado para a região dos Cerrados (SILVA et al.,2005) destacam a região Semi-árida como possuidora de condições edafoclimáticas favoráveis ao cultivo do algodão ecológico. Além disso, as características das propriedades locais, ocupadas basicamente por agricultores familiares que cultivam espécies diversificadas e possuem a mão-de-obra da família como fonte de trabalho, favorecem o cultivo do algodoeiro desta forma. Junte-se a isso a demanda premente por produtos de base ecológicas que vão ao encontro das necessidades de um mercado cada vez mais exigente e será possível ter uma idéia do potencial de desenvolvimento deste tipo de cultivo para a região. Silva el al. (2005) e Beltrão (1995) destacam a necessidade da realização de pesquisas acerca de cultivos orgânicos e suas derivações (otimização da população de plantas, manejo de plantas espontâneas, manejo fitossanitário, adaptação de cultivares etc) para a consolidação destes sistemas de produção. Além da experimentação clássica, Freire (2001) destaca a necessidade de se conhecer o background cultural que explica os procedimentos técnico-empíricos dos camponeses. Por isso é
2 importante a catalogação e sistematização do conhecimento tradicional associado aos sistemas de produção de algodão que vem sendo praticados há anos pelos agricultores familiares. Esse conhecimento é representado por experiências práticas e envolvem experimentação não convencional vivenciadas por agricultores familiares do semi-árido. Neste contexto, os agricultores desenvolveram sistemas agrícolas complexos, os quais, durante séculos, ajudaram a satisfazer suas necessidades de auto-consumo, sob condições ambientais adversas (solos marginais, secas, baixa disponibilidade de recursos), sem uso de mecanização, fertilizantes ou pesticidas sintéticos, sendo, portanto, bem mais inovadores do que crêem muitos especialistas. Segundo Altieri (2002), as comparações feitas entre a Revolução Verde e os sistema agrícolas tradicionais, têm sido parciais e pouco justas, pois ignoram o fato de que os agricultores tradicionais valorizam a totalidade do sistema agrícola produtivo e não somente o rendimento das culturas. O objetivo deste estudo foi validar, mediante a literatura científica, as estratégias agroecológicas empregadas por agricultores familiares que cultivam o algodão no Curimataú Paraibano. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi conduzido no Assentamento Queimadas, pertencente ao município de Remígio, Curimataú Paraibano. O Curimataú caracteriza-se por apresentar relevo suave ondulado com vegetação predominante de caatinga hiperxerófila e pluviosidade média anual abaixo dos 800 mm. A caprino-ovinocultura e a exploração de milho e feijão são atividades produtivas predominantes. A estrutura fundiária é diversificada com inúmeros assentamentos, propriedades de agricultores familiares e fazendas. A região era tradicional produtora de algodão e nos anos 70 e 80 destacou-se como a principal produtora de sisal na Paraíba. Com o declínio destas culturas, a região ficou sem lavouras geradoras de renda. Para levantamento das estratégias agroecológicas praticadas pelos agricultores, utilizou-se a metodologia de Diagnóstico Rápido Participativo de Agroecossistesmas (DRPA) adaptada de Mattos e Trier (1996). Além disso, para melhor compreensão dos sistemas de produção locais, realizou-se entrevistas semi-estruturadas, visitas de acompanhamento técnico, oficinas temáticas e principalmente a vivência de pesquisadores e técnicos no cotidiano dos agricultores do Curimataú.
3 Figura 1. Diagnóstico Participativo dos Agroecossistemas adotados por agricultores do Curimataú Paraibano, Solânea PB, Parte dos dados do DRPA e das outras atividades diagnosticadas foram analisadas através da consulta sistemática de literatura científica nacional e internacional, seguindo procedimento adaptado de Morales e Perfecto (2000) e Smithson e Lenne (1996) na validação do conhecimento tradicional associado aos sistemas de produção familiares tropicais. Este estudo visou elucidar as seguintes questões: Existe eficiência das práticas agrícolas adotadas pelos agricultores do Curimataú Paraibano? Este conhecimento pode ser corroborado por experimentos convencionais publicados na literatura científica bem como pelas teorias da Agroecologia? RESULTADOS E DISCUSSÃO O Diagnóstico Rápido Participativo dos Agroecossistemas cotonícolas praticados por agricultores assentados no Curimataú Paraibano identificou várias estratégias agroecológicas para o cultivo do algodão e estas incluem: rotação de culturas, tração animal para preparo do solo e controle de plantas espontâneas, catação de botões florais caídos ao solo, manejo da densidade de plantio com adoção de espaçamentos mais largos, adoção de cultivos consorciados e utilização de época de plantio diferenciada. Para análise deste estudo, selecionaram-se as estratégias relacionadas ao espaçamento/densidade de plantio e a época de cultivo, devido a importância dessas práticas para a convivência com o bicudo, principal problema identificado por agricultores da região. A) Espaçamento e densidade de plantio
4 O espaçamento de 1,10 X 0,40 m foi identificado no DRPA como um dos mais adotados nos sistemas de produção familiares do Curimataú Paraibano. Este espaçamento diverge daqueles recomendados pela Embrapa Algodão (1,0 m X 0,20 m ) para sistemas de produção familiares de algodão herbáceo. Figura 2. Espaçamento (1,10 X 0,40 m) adotado por agricultores familiares produtores de algodâo orgânico. Remígio PB, Os estudos relacionados à população de plantas em algodoeiro têm sido pouco coerentes, com resultados complexos quanto a manipulação desse fator para o aumento da produtividade da cultura, pois envolvem outras variáveis como o clima, a fertilidade do solo e o sistema de cultivo (LAMAS e STAUT, 1998). Apesar disso, cotonicultores orgânicos da Califórnia - EUA utilizam menores populações de plantas em seus algodoais para prevenir a infestação de pragas e doenças (SWEZEY et al., 1999). Swezey e Goldman (1996) verificaram maior retenção de frutos em menores densidades de semeadura para o algodão orgânico naquele Estado. Pierce et al. (2001) citam a manipulação do microclima das plantas de algodão como estratégia de reduzir a sobrevivência de bicudos imaturos. Esses autores verificaram que alta temperatura e baixa umidade relativa promovem um maior percentual de mortalidade natural do inseto. Os mesmos autores também constataram que há uma probabilidade de que 34% dos botões florais que caem ao solo resultarem na emergência de adultos. Ao contrário, aqueles que caem no centro da fileira têm somente 6% de possibilidade de propiciarem sobrevivência do adulto, fruto das condições microclimáticas. Esses resultados corroboram as estratégias de agricultores familiares do Semi-árido Paraibano no manejo da cultura do algodão para convivência com insetos-praga, como o bicudo. Esta prática também permite um menor consumo de sementes, insumo escasso entre os cotonicultores familiares que freqüentemente vendem o algodão em rama. Além disso, favorece a consorciação com culturas alimentares (feijão e coentro), a colheita manual e os tratos culturais como capina, catação de botões florais, amontoa e aplicação de defensivos naturais (WANDERLEY JÚNIOR, 2006). Vale salientar também que a população de plantas/densidade de plantio tem relação direta com a qualidade da fibra a ser produzida pelo algodoeiro já que esse fator determina a quantidade de pontos frutíferos da planta. Com uma maior diversidade de pontos, o tempo de frutificação aumenta e
5 assim a possibilidade de ataques de pragas, doenças e adversidades climáticas (SWEZEY et al., 1999). Este problema é contornado pelos agricultores com a estratégia de plantio tardio, descrito a seguir. B) Época de plantio Apesar da recomendação de que o algodão convencional deva ser cultivado por ocasião do início das chuvas (Amaral e Silva, 2006), agricultores familiares do Curimataú costumam plantar o algodão a entre a segunda quinzena de mês de maio e a primeira quinzena do mês de junho. Esta estratégia possibilita concentrar a fase de desenvolvimento do algodão (floração e frutificação) após os meses de junho e julho, época de menor temperatura no ano (Fig. 3). Em algumas localidades da África Ocidental, o plantio tardio tem sido usado como tática de escape do ataque de pragas do algodoeiro. (SILVIE et al, 2006 Apud ANGELINI,1963). Precipitação (mm) Temperatura C 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Ciclo do Algodão Meses Época de maior ocorrência do Anthonomos grandis Fase de desenvolvimento: floração e frutificação 19 Precipitação pluvial Temperatura Figura 3. Representação da estratégia época de plantio em relação à precipitação pluvial, temperatura e convivência como o bicudo. Remígio, Estudos no Semi-árido do Ceará realizados por Azevêdo e Vieira (2002) e na Paraíba, por Ramalho e Silva (1993) relacionam a baixa incidência de bicudo a fatores climáticos como umidade baixa e temperatura alta, principais fatores responsáveis pela mortalidade natural de larvas, pupas e adultos pré-emergentes do bicudo. Ramalho e Silva (1993) analisaram a mortalidade natural do bicudo nos meses de junho e julho com temperaturas que variaram de 17 o C a 28 o C, em algodoal do Agreste Paraibano plantado no espaçamento de 0,80 X 0,20 m e umidade relativa variando de 70% a 90%. Os autores verificaram que a dessecação, resultado da baixa umidade e alta temperatura, foi a principal causa da mortalidade do Anthonomus grandis em botões florais. Nas condições deste ensaio, 65% dos botões florais caídos resultaram na emergência do adulto.
6 A época de plantio tem sido uma importante estratégia de convivência com as pragas nos agroecossistemas tradicionais (MORALES, 2002). Para as condições de Curimataú Paraibano, cultivos que podem ser explorados tardiamente podem aproveitar a maior disponibilidade de mão-de-obra no final do período chuvoso e no período seco. CONCLUSÕES As estratégias preventivas para convivência com o bicudo idealizadas e utilizadas pelos agricultores são justificadas em diversas publicações científicas, podendo ser ferramentas dos pesquisadores/extensionistas/agricultores para suporte a novas experimentações, principalmente a participativa. O conhecimento tradicional deve ser valorizado, podendo e devendo ser elemento de propostas de pesquisas voltadas para a construção de sistemas de produção realmente sustentáveis. Os agricultores possuem grande conhecimento acumulado no que concerne a práticas culturais preventivas no manejo de pragas. CONTRIBUIÇÃO PRÁTICA E CIENTÍFICA DO TRABALHO Os princípios agroecológicos das práticas adotadas por agricultores do Curimataú podem ser utilizados como referência na construção de sistemas agroecológicos em outros locais do semi-árido, levando-se em conta as especificidades locais. O entendimento científico do conhecimento tradicional é ferramenta essencial na construção coletiva de sistemas de produção capazes de promover a sustentabilidade das famílias do semi-árido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTIERI, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Agropecuária, AMARAL, J. A. B. do; SILVA, M. T. Zoneamento Agrícola de Algodão Herbáceo no Nordeste Brasileiro Safra 2006/2007 Estado da Paraíba. Campina Grande: Embrapa Algodão, p. (Comunicado Técnico 301). ANGELINI,, A. L'association mais-coton ou arachide-coton em Côte d'ivoire. Coton et Fibres Tropicales, v. 18, n.3, p , AZEVEDO, F.R. de; VIEIRA, F.V. Levantamento populacional de pragas do algodoeiro em condições de sequeiro. Ciência Agronômica, v.33, n.1, p.15 19, BELTRÃO, N. E. de M.; VIEIRA, R. M.; BRAGA SOBRINHO, R. Possibilidades do cultivo do algodão orgânico no Brasil. Campina Grande: EMBRAPA/CNPA, 1995, 36p. (Documentos n.42) FREIRE, P. Reforma agrária, transformação cultural e o papel do agrônomo educador. In. SOUZA, A. I. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, p LAMAS, F. M.; STAUT, L. A. Espaçamento e densidade. In: EMBRAPA. Algodão: tecnologia de produção. Dourados: EMBRAPA, p , 296p. MATTOS, L.C.; TRIER, R. Diagnóstico rápido e participativo de recursos hídricos: conceitos e metodologia. Recife, AS-PTA, MORALES, H. Pest Management in tradicional tropical agroecosystems: lessons for pest prevention research and extension. Integrated Pest Management Reviews. v.7, n.3, p , MORALES, H.; PERFECTO, I. Tradicional knowledge and pest management in Guatemala highlands. Agriculture and Human Values, v.17, p.49-63, PIERCE, J.P.B.; YATES, P.E.; HAIR, C.J. Crop management and microclimate effects on immature boll
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