Contribuições de Bakhtin para constituição e análise de entrevistas e grupos focais
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- Maria de Begonha de Sequeira Igrejas
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1 Contribuições de Bakhtin para constituição e análise de entrevistas e grupos focais Bakhtin s contributions to the creation and analysis of interviews and focus groups Alisson Rodrigo Santos 1 Adelson Fernandes Moreira 2 Resumo Apresentam-se referências para a análise do discurso registrado em situações de entrevista e em grupos focais, com base em estudos sobre a filosofia da linguagem de Bakhtin. Na pesquisa em ciências humanas, um dos grandes problemas é como apreender os sentidos atribuídos por sujeitos a experiências vividas por eles com objetos específicos, sem cair no erro de inferir de suas afirmações somente significados gerais. Mikhail Bakhtin tenta elucidar como se dá a construção de sentidos a partir da interação social, mostrando que tanto o discurso interior quanto o discurso exterior verbalizados são constituídos de um mesmo material semiótico, a palavra. Esse autor concebe a consciência como constituída a partir de um fluxo de enunciações nele inserida e dele parte constitutiva. Refuta a ideia de que o conteúdo interior da mente é qualitativamente diferente de sua expressão exterior, e afirma que os sentidos atribuídos a uma enunciação específica não devem ser buscados no interior do indivíduo que a produziu, mas sim nas relações exteriores nas quais ele está inserido. Critica também a busca de sentidos expressos pelos significados dicionarizados das palavras constituintes das enunciações, indicando o caráter neutro das palavras e seu papel como signo, capaz de variar e tomar sentidos diferentes dependendo do contexto em que se insere. Com base nessas referências, considera-se, em termos metodológicos, um contexto de coleta de dados que eleja como unidade de análise as enunciações dos sujeitos participantes da pesquisa, discutindo suas dimensões social e histórica, além da situação imediata na qual são produzidas, no presente caso, em entrevistas e grupos focais. Palavras-chave: Análise do Discurso; Entrevistas; Grupos Focais. Abstract References to analysing discourse registered in interviews and focal groups situations are presented. These references are based in Bakhtin language philosophy. In human science research, an important problem is grasp the sense a subject assigns to your experiences with specifics objects, without fall in the mistake of making inferences based in subject enunciations that produce only general meanings. Mikhail Bakhtin try to elucidate how is sense production from social interaction, showing that both inner and outer discourse verbalized are constituted by the same semiotic material, the word. This author conceives Recebido em: 30/12/2010 Aceito em: 14/3/ Aluno do Mestrado em Educação Tecnológica CEFETMG. alissonrs@ufmg.br 2 Professor de Física da Coordenação de Ciências, Campus I e colaborador do Mestrado em Educação Tecnológica CEFET-MG. 83
2 conscience as constituted from an enunciation stream, inserted on it and taking part in its constitution. Refuses the qualitative difference between inner content mind and its outer expression, and detach the outer relations in which the individual is inserted as the focus research on senses assigned to a specific enunciation. He also criticized seeking for senses expressed in dictionary meanings of words constituting enunciations, showing the neutral word character and its role as sign, varying and taking different sense depending on the context is inserted. Based in these references, we can consider data collection context, in methodological terms, where subject enunciation is the analyze unit discussing its social and historical dimensions, beyond the immediate situation in which is produced, in the present case, in interviews and focal groups. Keywords: Discourse Analyze; Interviews; Focal Groups. O problema Um problema relativo à coleta e à interpretação de dados é como obter informações sobre os sentidos atribuídos pelos sujeitos a uma experiência vivenciada, sem permanecer somente nos significados emergentes do conteúdo de sua fala. Como possíveis caminhos a serem tomados para evitar essas dificuldades, os estudos de Mikhail Bakhtin trazem uma discussão bem-pautada sobre o discurso, a enunciação e a palavra, tomados em um contexto social específico e determinado, e pelas características desse contexto, assim como das características sociais e históricas daqueles que nele interagem. Constituição social da consciência Uma enunciação em determinada interação verbal não se constitui simplesmente de um conjunto de palavras justapostas de acordo com uma norma gramatical específica, segundo uma língua. Bakhtin apresenta essa crítica ao objetivismo abstrato indicando que o sistema linguístico é uma reflexão sobre a língua, não procedendo esta da consciência do locutor e não servindo para seus propósitos imediatos de comunicação. Para isso, a forma normativa é ressignificada pelo locutor em determinado contexto concreto, orientada no sentido da enunciação da fala. Para Bakhtin, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto (BAKHTIN, 1986, p. 92). O que importa não é o aspecto da forma linguística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo adequado às condições de uma situação concreta dada (BAKHTIN, 1986, p ). Os indivíduos não expressam seus pensamentos a partir do uso formal da língua, mas sim a partir de seu estado variável e mutável, enquanto signo variável e flexível. Bakhtin defende a ideia da formação social da consciência, o que situa toda e qualquer interação verbal em uma cadeia de enunciações que vão desde a constituição da 84 artigo
3 consciência até a enunciação considerada. Bakhtin considera que a única definição objetiva possível da consciência é de ordem sociológica. Segundo essa concepção, a tomada de consciência se dá a partir da interação do indivíduo com o mundo objetivo ao seu redor. Assim como os animais, o homem interage com o mundo por meio dos seus sentidos, mas, ao contrário destes, desde cedo, o homem passa a utilizar-se de signos para essa interação. Desde cedo, a palavra é utilizada como meio de interação entre indivíduos, constituindo-se o material básico da consciência. Não como som mecanicamente produzido, mas como um signo por excelência, capaz de variar e tomar sentidos diferentes, dependendo do contexto em que se insere. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram nessa corrente de comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. (...) Os sujeitos não adquirem sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência (BAKHTIN, 1986, p. 108). No livro A formação social da mente, Vigotski trata com detalhes da formação da mente a partir das interações sociais, mostrando que, assim como identifica Bakhtin, a função principal da linguagem não é expressão, mas sim a comunicação. Inicialmente, a criança utiliza-se da fala com o intuito de se comunicar, e utiliza essa função para conseguir satisfazer seus desejos no ambiente social em que se encontra. Porém, tanto Bakhtin quanto Vigotski chamam a atenção para o fato de que a fala não permanece somente com essa função, passando a determinar e a orientar a organização da mente, dando a ela condições de tomar consciência de si própria em um movimento de reflexão. A atividade mental tende desde a origem para uma expressão externa plenamente realizada. (...) Uma vez materializada, a expressão exerce um efeito reversivo sobre a atividade mental: ela põe-se então a estruturar a vida interior, a dar-lhe uma expressão ainda mais definida e mais estável (BAKHTIN, 1986, p. 118). A palavra não tem sentido ou significado nela própria, mas constitui seu sentido ao se tornar um identificador de algo exterior a ela. Como material privilegiado na comunicação da vida cotidiana, a palavra toma grande importância na constituição da consciência por não necessitar de nenhum material externo, nenhuma aparelhagem exterior ao sujeito para ser produzida. Assim, a palavra torna-se o material semiótico da vida interior, da consciência (discurso interior) (BAKHTIN, 1986, p. 37). Ao tornarse signo sem expressão externa, a palavra traz o problema da identificação dos sentidos segundo a consciência individual, que, segundo Bakhtin, é um dos problemas fundamentais da filosofia da linguagem. Porém, Bakhtin vai além de simplesmente considerar a dificuldade da sondagem do discurso interior e discute as características da corrente de enunciações que servem de contexto para a constituição desse discurso. Ao criticar a teoria da expressão, 85
4 que afirma ser constituído de material diferente o conteúdo interior a exprimir e sua objetivação externa, nega essa diferenciação, já que tanto a expressão externa, palavra, gesto, ou outro tipo de externalização são conteúdos semióticos, ou seja, são formados de signos, assim como a atividade mental. Consequentemente, é preciso eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior (BAKHTIN, 1986, p. 112). Se tomarmos a enunciação no estágio inicial de seu desenvolvimento, na alma, não se mudará a essência das coisas, já que a estrutura da atividade mental é tão social como a da sua objetivação exterior. O grau de consciência, de clareza, de acabamento formal da atividade mental é diretamente proporcional ao seu grau de orientação social (BAKHTIN, 1986, p. 114). Conforme os trabalhos de Vigotski, a partir de certo momento, a fala exterior, que se inicia com a função de comunicação e passa à função de instrumento de organização das ações, gradualmente se interioriza, tornando-se discurso interior, com características próprias, mas sem mudanças quanto a sua constituição, ou seja, tanto discurso interior quanto discurso exterior constituem-se de um mesmo material semiótico, as palavras. O discurso interior se constitui a partir das interações exteriores, ou seja, a partir da interação verbal, sendo assim, os sentidos do discurso interior e exterior se aproximam, uma vez que são constituídos do mesmo material semiótico. A expressão exterior, na maior parte dos casos, apenas prolonga e esclarece a orientação tomada pelo discurso interior. E as entoações que ele contém (BAKHTIN, 1986, p. 114). Cadeias de enunciações Vigotski situa a gênese da consciência nas interações verbais (VIGOTSKI, 2007), momento em que a mente se nutre de material semiótico, reconhece-se e desenvolve uma série de processos psicológicos superiores. Bakhtin chama atenção especial para esse processo, em que a mente se forma a partir da interação verbal, a partir de uma série de enunciações em que ela toma consciência de si mesma e passa a interagir com o mundo, tomando como instrumento o próprio material de que foi formada, os signos. Assim, as interações verbais não são fatos isolados, mas fatos dentro de um contexto histórico e social. Cada enunciação faz parte de uma cadeia maior de enunciações, estando estas expressas ou não no discurso externo, externalizadas ou não em atos de fala. O discurso interno mantém ativa a cadeia de enunciações. Os enunciados não existem isolados: cada enunciado pressupõe seus antecedentes e outros que o sucederão; um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser compreendido no interior desta cadeia (FREITAS, 1999, p. 138). Toda enunciação pressupõe a presença de um locutor, um interlocutor e um objeto do qual se fala. Mesmo que esse interlocutor não esteja presente, toda enunciação pressupõe um interlocutor, mesmo que ideal. Toda enunciação é uma resposta a alguma coisa, sendo construída no fluxo de enunciações que se encadeiam, não 86 artigo
5 podendo se apresentar como um elo isolado. Assim também a atitude do ouvinte em relação às palavras não é passiva, não se toma um enunciado pelo significado dicionarizado das palavras que o compõem, mas cada palavra vem sempre carregada de conteúdo ideológico ou vivencial, tomada de valor simbólico. Bakhtin destaca que somente... compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN, 1986, p. 95). Os sentidos de um enunciado não são determinados pela norma ou pelo significado dicionarizado, mas pelo contexto histórico e pela situação imediata. Vale determinar a diferenciação entre sentido e significado dado nesse contexto: O significado refere-se ao significado abstrato, dicionarizado, que é reconhecido pelos linguistas. O sentido é o significado contextual (...) (FREITAS, 1999, p. 136). No fluxo das enunciações, uma enunciação verbalizada é uma pequena parcela de uma imensidão de enunciações interiores. Para se exteriorizar, uma enunciação precisa ser coerente com o contexto imediato no qual se insere, sendo determinada pelo auditório que a recebe. Conforme o contexto, determinada enunciação ganha uma forma específica, além de vir acompanhada de um conjunto de expressões nãoverbais. Bakhtin chama atenção para a importância da apreciação valorativa como fator de denúncia do sentido interior de determinada enunciação. Segundo o contexto em que se insere determinada enunciação, palavras que, tomadas isoladamente, pareceriam sem sentido ganham expressão, são complementadas pelo ambiente, assim como pelo conjunto de atitudes não-verbais que as acompanham. A forma de uma enunciação é definida não por um conjunto formal e predefinido de significados da língua, mas pela situação real e imediata, social e histórica do sujeito que fala. Devem-se levar em consideração a origem social e a história de vida do sujeito que fala como fatores históricos, mas também o auditório em que a enunciação é feita, seu interlocutor em potencial, as condições em que é feita, quando consideramos o contexto imediato. Assim, o sentido de determinado enunciado só pode ser obtido a partir de uma sequência de enunciados específicos. Seu sentido é determinado tanto pelos fatores históricos quanto pelos fatores imediatos que levaram àquela enunciação. A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística (BAKHTIN, 1986, p. 121). Levando em consideração o fato de que as enunciações que nutrem a mente do falante são colhidas no ambiente em que ele se insere, Bakhtin considera dois polos de tomada de consciência: a atividade mental do eu e a atividade mental do nós. 87
6 A atividade mental do eu está mais próxima da atividade mental instintiva, aproximando-se da reação fisiológica animal. Essa atividade tende à extinção, uma vez que em seu limite perde a modelagem ideológica e seu grau de consciência. Uma consciência incapaz de enraizar-se socialmente tende a levar a cabo atividades mentais do eu isoladas ou mesmo sequências inteiras desse tipo de atividade. A atividade mental do nós tende para um alto grau de consciência social. Quanto mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior (BAKHTIN, 1986, p. 115). Essa atividade possui diversos graus e tipos de modelagem ideológica. Bakhtin faz questão de diferir a atividade mental do eu da atividade mental para si, sendo esta última a visão que o indivíduo tem de si mesmo, uma atividade mental individualista com a qual ele identifica seu valor em função de sua posição na sociedade, fundada na estrutura dessa sociedade, e tão socialmente constituída quanto a atividade mental do tipo coletiva. Quando a atividade mental se realiza sob a forma de uma enunciação, a orientação social à qual ela se submete adquire maior complexidade graças à exigência de adaptação ao contexto social imediato do ato de fala, e acima de tudo, aos interlocutores concretos (BAKHTIN, 1986, p. 117). Instrumento de coleta de dados Com base nas discussões apresentadas anteriormente sobre a constituição da consciência a partir dos signos e sua constituição exterior, também a partir dos signos, podemos voltar ao problema da busca dos sentidos atribuídos por indivíduos sobre determinada experiência. Partindo do fato de que o discurso verbal seja o meio mais simples e direto da constituição externa do discurso interior, ou seja, o meio mais direto da constituição dos sentidos, acreditamos ser a modalidade de coleta de dados em que os indivíduos enunciem sua experiências o meio mais direto de coleta de informações. Assim, as modalidades de entrevista e os grupos focais se prestam a coletar um conjunto de informações que instrumentos de coleta de dados estáticos ou quantitativos muitas vezes não são capazes de registrar (GATTI, 2005). Porém, alguns cuidados devem ser tomados tanto no contexto de entrevistas quanto no de grupos focais. Com base na proposta de Bakhtin sobre as enunciações, pode-se obter uma série de indicações metodológicas quanto à realização de entrevistas e de grupos focais. Bakhtin, todo o tempo, chama a atenção para o fato de que as enunciações não são monológicas, mas uma corrente dialógica ininterrupta. Assim, ao se pensar nas entrevistas, não se deve pensá-las como momentos estanques em que se para o 88 artigo
7 tempo e faz-se uma coleta de dados para depois permitir que a realidade continue; ao contrário, deve-se observar que tanto o contexto histórico quanto o contexto imediato da entrevista estarão presentes nos enunciados, moldando sua forma e seu conteúdo. Durante todas as fases, deve-se ter em mente os contextos históricos que envolvem os elementos da coleta de dados. Assim, durante a fase de elaboração, deve-se levar em consideração os fatores históricos que envolvem o entrevistado, o entrevistador e também o objeto do qual se fala. Quanto aos participantes da coleta de dados podemos questionar: Qual a posição deles uns em relação aos outros? Qual a posição do entrevistado em relação ao entrevistador, e deste em relação ao objeto? Qual o conhecimento anterior deles sobre o tema em questão? Qual a sua condição social? Quais as possíveis relações de poder a se configurar entre os sujeitos que irão interagir? Todos esses precedentes determinarão a forma e o desenvolvimento, assim como as tomadas de posição durante a coleta de dados, a entrevista ou o grupo focal. Algum conhecimento histórico e social sobre o entrevistado deve ser obtido a priori pelo pesquisador. De onde fala esse sujeito? Qual a relação dele com o objeto de discussão? Pertence a que grupo específico no grupo social em que está imerso? Qual a relação desse grupo com o tema estudado? Ou seja, deve-se buscar reconhecer qual o contexto anterior em que as enunciações que serão apresentadas podem ter colhido seu material. O conhecimento sobre o entrevistador também é de suma importância. Como principal instrumento de registro e coleta de dados, sua participação não é passiva, mas muito ativa. Seu papel é decisivo no desenvolvimento da coleta de dados. As mesmas questões que se põem em relação ao locutor podem ser estabelecidas para o interlocutor, ou seja, as mesmas informações que se deve saber sobre o entrevistado devem ser buscadas do entrevistador. Sendo o próprio pesquisador a realizar a atividade, ele deve ter em mente todas essas questões, podendo definir de forma clara de que ponto de vista os enunciados estão sendo tomados. Pensando no contexto imediato, temos de levar em consideração que a coleta de dados não é algo estanque e estático, mas um processo de troca, em que os significados emergirão do conjunto de enunciações ali estabelecidas e avaliadas quanto ao contexto histórico e social que levou até a coleta de dados (entrevista ou grupo focal). Uma vez que se deve promover a interação entre entrevistador e entrevistado e que as enunciações são determinadas pelo contexto imediato mediante o horizonte histórico semântico potencial da interação, devem-se relacionar a esse contexto específico as informações coletadas quanto ao objeto discutido. O juízo de valor apresentado nesse ambiente não pertence somente ao entrevistado, mas à interação que se estabeleceu entre os participantes do diálogo estabelecido. Assim, as informações prestadas por um empregado ao seu patrão com relação às condições de trabalho na empresa, por exemplo, em uma situação de entrevista não serão as mesmas que as informações prestadas por um empregado que se desliga 89
8 dessa empresa. Outro exemplo é uma entrevista realizada com estudantes sobre os métodos de avaliação utilizados em sala de aula feita pelo próprio professor ou feita por um pesquisador externo. Aqui temos uma questão importante: apesar de o professor conhecer de forma muito mais concreta o contexto histórico no qual as enunciações feitas pelo aluno se inserem, a relação de poder estabelecida historicamente pela posição de ambos moldará a forma e o conteúdo dessas enunciações. Já o pesquisador externo poderá obter um conjunto de enunciações diferentes, mas se não buscar o contexto em que elas se inserem naquele ambiente terá uma visão distorcida, baseada no contexto do qual ele saiu, dos sentidos contidos naquele fragmento coletado da cadeia de enunciações que ali se estabelece. Ou seja, para um entrevistador já inserido no contexto da entrevista, a coleta de dados é historicamente privilegiada; para um entrevistador que seja exterior ao contexto da entrevista, a coleta de dados é imediatamente privilegiada. Bakhtin chama ainda atenção para o conjunto de expressões não-verbais, identificando-as como de vital importância para o juízo de valor das enunciações. O autor identifica que mesmo expressões às vezes sem significado ganham sentido quando acompanhadas da devida entonação, gesticulação ou outro tipo de expressão. Isso deixa mais evidente a importância do papel do entrevistador, uma vez que a leitura dessas expressões não-verbais só se fará completa quando avaliada no contexto em que a enunciação se estabeleceu. Conclusão Com base nas indicações feitas neste texto, observamos que a busca pelos sentidos expressos pelos sujeitos sobre suas experiências constitui-se, conforme Bakhtin, um dos problemas fundamentais da filosofia da linguagem. Porém, o próprio autor indica meios de como buscar esses sentidos. Bakhtin chama atenção para o fato de que não existe diferença qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior, e que, na maior parte dos casos, essa expressão exterior somente prolonga e esclarece a orientação do discurso interior. Sendo assim, as situações discursivas se prestam a fornecer os indícios de quais sentidos são estabelecidos pelos sujeitos sobre suas experiências. Outro fator importante a ser considerado é que a mente se forma a partir do conjunto de enunciações em que está imersa e, por esse motivo, o material utilizado para formação do discurso exterior é constituído pelo mesmo conteúdo do qual a mente se nutriu. Ou seja, a consciência se forma quando entra em uma cadeia de enunciações, se nutre dela e a realimenta. Os sentidos expressos no discurso exterior fazem parte dessa cadeia de enunciações, não sendo qualitativamente diferente do discurso interior, já que este também faz parte dessa cadeia. A expressão externa do sujeito deverá então trazer à tona um conjunto de signos embebidos de sentido, carregados de conteúdo ideológico ou vivencial e identificados 90 artigo
9 a partir da história desse sujeito. Cabe então ao pesquisador buscar esses significados historicamente construídos para compreender os sentidos atribuídos aos enunciados dos entrevistados Vale ressaltar os contextos tanto histórico quanto imediato das enunciações proferidas pelo sujeito. A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da sua estrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está submetido o locutor (BAKHTIN, 1986, p ). Conhecer o contexto histórico dos envolvidos na entrevista ou no grupo focal e sua relação com o objeto pesquisado fornece condições de reconhecer os sentidos atribuídos por determinado grupo a certos signos e, então, identificar os sentidos atribuídos por aquele sujeito. Procurar conhecer o ambiente da coleta de dados e tentar identificar as possíveis relações entre os envolvidos, além de tentar antecipar os possíveis tipos de trocas que poderão se estabelecer, ajudará a fornecer a compreensão necessária para avaliar os discursos utilizados e os posicionamentos dos participantes. O conhecimento anterior do entrevistador ou mediador, ou seja, o lugar de onde ele olha e sua postura durante a coleta de dados também determinam esses dois momentos. O meio de onde partiu o entrevistador, seu conhecimento sobre o sujeito a ser entrevistado, assim como seu conhecimento sobre o objeto de pesquisa determinarão qual o horizonte histórico semântico potencial da interação deste com o entrevistado. Saber os pontos de partida dos envolvidos na situação de coleta de dados pode ajudar a direcionar a busca por informações, facilitando a construção do roteiro da entrevista, auxiliando no posicionamento do mediador ou mesmo construindo o ambiente físico no qual a entrevista se dará. Com esse conjunto de indicações, acreditamos constituir uma base para a preparação de coleta de dados em situações discursivas em que se busque conhecer os sentidos atribuídos pelos sujeitos participantes às suas experiências. Referências BAKHTIN, M. Marxistmo e Filosofia da Linguagem: Problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 3 ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, FREITAS, M. T. D. A. Vygotsky e Bakhtin - Psicologia e Educação: um intertexto. 4 ed. São Paulo: Ática, GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro, VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos procesos psicológicos superiores. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes,
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