Sujeito e ideologia para Pêcheux e para Bakhtin: bordando fronteiras. Mikhail Bakhtin e Michel Pêcheux: breves considerações
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- Mafalda Castilho Garrido
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1 SujeitoeideologiaparaPêcheuxeparaBakhtin: bordandofronteiras FrancisLampoglia 1 ValdemirMiotello 2 LucíliaMariaSousaRomão 3 MikhailBakhtineMichelPêcheux:brevesconsiderações Este trabalho estuda as noções de ideologia e sujeito pelas perspectivasbakhtinianadosestudosdalinguagemepechetianada Análise do Discurso, observando as semelhanças e diferenças das conceituaçõesteóricassoboolhardessesdoispensadores.também refletiremossobreasignificaçãodosentidoparaaconcepçãodesses dois teóricos do discurso. Para tanto, iniciaremos nosso trabalho fazendo uma breve discussão sobre os dois teóricos em questão. Veremoscomoseconfigurouatrajetóriadeseusestudos,observando qual o contexto sóciohistórico que permeou suas reflexões. Em seguida, estudaremos as convergências e divergências sobre a ideologia, sujeito e produção de sentido entre os dois autores e encerraremosnossotrabalho,semapretensãodeesgotálo,comas consideraçõesfinais. Mikhail Bakhtin teve formação em estudos literários, atuando comoprofessor(emborasemvínculosinstitucionais)atéserpresoem 1929.Suasidéiasfilosóficas,dentreelasacríticaàrelaçãomecanicista entreinfraesuperestruturademarx,configuraramnumaafrontaao 1MestrandaemCiência,TecnologiaeSociedadepelaUniversidadeFederaldeSão Carlos(UFSCar).BolsistaCAPES. 2Prof Dr docursodeletrasedoprogramadepósgraduaçãoemciência,tecnologia esociedadepelauniversidadedesãocarlos(ufscar). 3ProfªDrªdoCursodeGraduaçãodeCiênciasdaInformaçãoedaDocumentaçãoedo ProgramadePósGraduaçãoemPsicologiadaFaculdadedeFilosofia,Ciênciase LetrasdeRibeirãoPretodaUniversidadedeSãoPaulo(FFCLRP/USP).Professora colaboradora do Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade FederaldeSãoCarlos(UFSCar).CNPQ. 77
2 regimestalinistadaépoca.foiexiladonocazaquistão,conseguindo umempregopermanentesomenteapósasegundaguerramundial, tornandoseprofessordoinstituopedagógicodesaransk(mordóvia), vindoaseaposentarem1969.bakhtineumgrupodeintelectuaisde diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais, dentreelesvalentinn.voloshinovepaveln.medvedev,sereuniam regularmentedurante10anos(de1919a1929)compondooquehoje conhecemos por Círculo de Bakhtin, lembrando que, na época, o grupo não utilizava esse nome (FARACO, 2006). Voloshinov foi professor,formadoemestudoslingüísticosem1927,desenvolvendo estudospósgraduadosnamesmaárea.medvedeveraformadoem direito,foieducadoregestornaáreadacultura.atuouemjornalismo culturalenoensinodeliteraturanoinstitutopedagógicoherzen,em Leningrado.Devidoàaproximaçãodeidéiasentre,principalmente, essestrêsautoresrussos Bakhtin,VoloshinoveMedvedev surgiua polêmica da autoria de alguns textos, especialmente de três: Freudismo, Marxismo e filosofia da linguagem e O método formalnosestudosliterários,sendoosdoisprimeirosassinadospor VoloshinoveoúltimoporMedvedev.Aceleumasurgiuapartirde 1970, em que o lingüista Viatcheslav V. Ivanov afirmou ser de Bakhtin,enãodeVoloshinovouMedvedev,oslivrosemquestão 4. EmboraasobrasdoCírculodeBakhtintenhamenfrentadoalguns problemasdeinício taiscomoaconfusãoemtornodaautoria,a publicação sem ordem cronológica, manuscritos inacabados e algumastraduçõesfeitassemodevidocuidado,elasencontraram terrenofértilemváriospaísesdomundo.observadosdepertotais obras, é possível perceber a existência de dois grandes projetos intelectuais.umadapartedebakhtin,quepareceteraintençãode desenvolver uma prima philosophia, com vistas à crítica do teoreticismo.nesteprojeto,percebeseaaproximaçãodebakhtincom a filosofia neokantiana, em especial no que concerne à questão axiológica,valorativa.entretanto,nãosepoderotularbakhtincomo umfilósofoneokantiano,jáqueeleadotaumaposturacríticaem 4 Para efeito desse trabalho, adotaremos como referência Bakhtin/Voloshinov ao tratarmosdolivromarxismoefilosofiadalinguagem. 78
3 relação à esses últimos, avançando em respostas originais aos problemassurgidosapartirdessafilosofianeokantiana(faraco, 2006). Outro grande projeto intelectual do Círculo aparece visivelmente nos textos assinados por Voloshinov e Medvedev, projeto esse voltado à construção de uma teoria marxista da denominadacriaçãoideológica,istoé, daproduçãoedosprodutos do espírito humano;ouparausarumtermomaiscorrentenum vocabulário marxista, uma teoria das manifestações da superestrutura (FARACO,op.cit.,p.18). No mesmo ano em que Bakhtin aposentase, Michel Pêcheux, juntamentecomjeandubois,fundaateoriadaanálisedodiscurso (AD)dematrizfrancesaem1969,épocaemqueaFrançaviviaa efervescência de idéias liberais e a força do movimento feminista começavaadespontarnaeuropa.nesseperíodo,aguerrafriaentre EstadosUnidoseUniãoSoviéticaestavaemvogaenoBrasilvigorava osanosdechumbo,comaditaduramilitar.foiinseridonesseclima liberaldafrança emcontraposiçãoaoclimatensoquepercorriao mundo quenasceuateoriadaad.essateoriafundousesobre pilaresconceituaisdetrêscampos,quaissejam,dalingüística(comos postuladosdeferdinanddesaussure),domarxismo(estudosdekarl Marx), e a Psicanálise (com os estudos de Sigmund Freud), promovendodeslocamentoseelaboraçõesinteressantesdasnoçõesde língua,ideologiaeinconsciente.esseúltimocampofoiumainovação na área dos estudos do discurso, já que até então não se havia aplicadooestudodoinconscientenaabordagemdiscursiva. AADcaminha,portanto,noentremeiodessastrêsáreasdosaber. Com isso, recupera postulados de diferentes autores, como Louis Althusser, Jaqueline Authier Revuz, Michel Foucault, Mikhail Bakhtin,entreoutros,quecontribuíramparaaconstruçãodessateoria discursiva.nobrasil,aadfoitrazidapororlandiemfinaisdosanos de1970einíciodosanos1980,épocaemqueaferocidadedaditadura militarentravaemdeclínioequeascoresdacensuracomeçavamaser enfraquecerdiantedalutadosmovimentossociais.orlandi(1996, 1997)foiresponsávelpelatraduçãodasobrasdePêcheuxedeuinício aosestudosdessateoriaemterrasbrasileiras,alémdedesenvolver alguns conceitos de modo muito original, tais como, a tipologia 79
4 discursiva(autoritário,polêmicoelúdico)eanoçãodeformasdo silêncio(silênciofundadoresilênciolocal). AADpodeserdivididaemtrêsfases,cujasmudançasPêcheux denominoudeconversãofilosóficadoolhar.aprimeirafase,conhecida tambémcomoad1,foielaboradaem1969comolançamentodolivro AnáliseAutomáticadoDiscurso,deMichelPêcheux,emqueesse estudoseaproximadacorrenteestruturalista,propondoalgoritmos para uma análise automática do discurso inspirada no método de Harris (Discourse Analysis, 1952) e teorizando, assim, sobre uma máquinaestruturaldiscursivaautomática;essafaseconcebeosujeito assujeitado porumaúnicaideologia(lima,2008).nasegundafase (AD2), iniciada em 1975 com o lançamento do livro Semântica e discurso depêcheux,aadcomeçaareveraforçadoestruturalismo, aprimorandoeinserindonovosconceitosaessateoriadiscursiva,como anoçãodeformaçãodiscursivaheterogênea,aproximandosecomisso demichelfoucault.tambémrecuperaasnoçõesdeinterdicursividade epolifoniapostuladospormikhailbakhtin.pararosado(2004),aad2 representouumperíododeamadurecimento,nãometodológico,mas teórico, para a terceira fase, período no qual a teoria do discurso assumiuasuaformaatual:discursocomooencontrodaestruturaedo acontecimento (ROSADO, 2004, p. 5). Já na terceira fase (AD3), e estágioatualdaad,foiintroduzidaumainovaçãometodológicaeo tratamentodosujeitofoiaperfeiçoado.noquetangeaométodo,atéa segundafasefuncionavaametodologiadeharris,quenaterceirafase, cedeulugaraoschamadosgestosdeleitura.noqueserefereaosujeito, asuadispersãoeerrânciaestãopostasnasdiferentesposiçõesqueo sujeitopodeocuparnaformaçãodiscursiva,deslocandoseemfunção dasrelaçõesquesustentamaestruturaeoacontecimento(pêcheux, 1997).Concebendoodiscursocomodispersãodesentidos,ojogode (não)dizeréentendidonacarnedalínguaeéembasadopeloencontro entreamemória(interdiscurso)easuaatualidade,ouseja,entrea estrutura(língua)eoacontecimento(onovo,aruptura,oequívoco). Diantedabreveexplanaçãosobreatrajetóriadessesdoisgrandes teóricosdodiscurso,temosasbasesnecessáriasparadiscutirmosos conceitosdeideologiaesujeitotrabalhadosporeles,estudoessequese daráemseguida. 80
5 OolhardeBakhtinePêcheuxsobreosujeitoeaideologia Os conceitos de sujeito e ideologia embasam os estudos do discurso. São noções fundamentais na compreensão dos sentidos do/no discurso. Bakhtin e Pêcheux, dois teóricos que estudam o funcionamentodiscursivo,utilizamtaistermosparadesenvolverem suasteoriassobreodiscurso,porém,comconceituaçõesdiferentes,o quemarcaqueossentidosnãosãoimanentesàspalavras. Ossentidos,tantoparaPêcheuxquantoparaBakhtin,nãosão colados às palavras, mas dependentes do contexto sóciohistórico. ParaBakhtin,ossentidossãoconstruídosnarelaçãocomooutro,na interaçãoentrefalanteeouvinte,poiso (...)sentido(nocontexto inacabado) não é tranquilo nem cômodo (nele não se pode ficar tranquilonemmorrer).ouseja,osentidonãoseencontrafixoe estático,prontoeacabado.eleéumamassaamorfaquevaitomando forma,vaiseconstituindonainteração,narelaçãoentreoeueo outro. Por isso, o sentido não é acabado, fechado, podendo ser empregadoemqualquerocasião,masémoldadopelocontextoepela relação,nãosendodadoapriori,masconstruídonomomentopresente da enunciação. Por isso, o autor (op.cit., p. 399) reflete que é impossíveldissolverosentidoemconceitos,ouseja,capturaro sentidoeclassificálo,dicionarizálo. Bakhtinaindarefutaaidéiadecomunicaçãodeapenasumavia dedireção,ouseja,queacomunicaçãoseconcretizanoprocessode transmissão de informação baseado num emissor que passa uma mensagem para um receptor através de um código lingüístico. Bakhtinacreditaquenãohá emissores e receptores,massimem falantes e ouvintes,poiseleapostanainteração,narelaçãodeum sujeitoquefalacomoutrosujeitoqueouveerespondeaoprimeiro atravésdesuacompreensãoativa.paraele, oouvinte,aopercebere compreenderosignificado(lingüístico)dodiscurso,imediatamente assumeemrelaçãoaeleumaposturaativaderesposta (BAKHTIN, ,p.257apudMACHADO,2005,p.156). 5 BAKHTIN, Mikhail. Estética de La creación verbal. Ciudad del México, Siglo Veintiuno,
6 ParaPêcheux,ossentidossãoderivadosdaposiçãodiscursiva queosujeitoocupa,ouseja,acadamovimentodeinscriçãoemum lugarsóciohistoricamentedefinido,umdizer.mariani(1998,p.67) refletequenadaéneutro nemtransparenteemtermosdaprática discursiva: os sentidos se produzem em formações discursivas, são regulados por rituais sóciohistóricos, são mobilizados interdiscursivamenteenquantoexterioridadequeafetaconstitutivamente o sujeito.. Seguindo nessa linha, Pêcheux concebe o sujeito como portador de uma posição discursiva, um sujeito que constrói seu discurso conforme a formação discursiva da/na qual faz parte. Pêcheuxtambémrefletequeessesujeitoéassujeitadopelaideologia, ouseja,écapturadoideologicamenteeafetadopeloinconsciente,de talmodoquenãoseconseguesepararinconscienteeideologia,dado que ambos estão atrelados no dizer do sujeito. Nas palavras de Haroche(2000,p.178), (...) o assujeitamento, ligado à ambigüidade do termo sujeito (este com efeito significavatantolivre,responsável,quantopassivoesubmisso),exprimebemesta ficção deliberdadeedevontadedosujeito:oindivíduoédeterminado,mas, paraagir,eledeveterailusãodeserlivremesmoquandosesubmete. Para a linha pechetiana, indivíduo e sujeito são termos com significaçõesdistintas.oindivíduoéoconcebidocomoobiológico,o empírico, o quantificável, derivado da concepção cartesiana que divide corpo e espírito e supostamente lógico, ele é considerado separadamentedasociedade.jáosujeito concepçãoabsorvidapor Pêcheuxéoatingidopeloinconscienteepelaideologia,afetadopela exterioridadeeaquelequeocupaumaposiçãodiscursiva.posição discursiva(ouposiçãosujeito)podeserentendidacomotudooque carregaumaformaçãodiscursivadoqueéserprofessor,pai,padre, entreoutros.éapartirdeseuposicionamento,filiadoaumaformação discursiva,queosujeitoemanaseudizer.éaposiçãoqueosujeito ocupa que confere uma aura de autoridade ao seu discurso. Um mesmoposicionamentopodeserocupadopordiferentesindivíduos, masummesmoindivíduonãoesgotaaposiçãosujeito,ouseja,nãose apropriadeapenasumaposição.diferentesindivíduospodemocupar a posição sujeito professor, por exemplo, mas nenhum indivíduo 82
7 poderáesgotaroposicionamentoprofessorotempotodo,poishaverá ummomentoqueeleteráqueassumiroutrasposições,comoode motorista,depai,deconsumidor,defilho,etc. Ao dizer, o sujeito assume uma posição e dela enuncia, interpeladopelaideologia.dessaforma,capturadoporestaúltima,o sujeitoimaginaseorigemdoquedizequesuaspalavrassópodem serditasdedeterminadaformaenãodeoutra,configurandonoque Pêcheuxconceituadeesquecimentosnúmeros1e2respectivamente. Oesquecimentodenúmero1,tambémconhecidocomoesquecimento ideológico,refereseàilusãodequeosujeitotemdeseronascedouro do dizer, de que os sentidos brotam dele. Pêcheux (1997, p. 173) discuteanoçãodoesquecimentodenúmero1àmedidaemquediz queo sujeitofalantenãopode,pordefinição,seencontrarnoexterior daformaçãodiscursivaqueodomina.jáoesquecimentodenúmero 2remeteàilusãodequeodizerdosujeitosópodeserditodeapenas umaforma,esquecendosequeexistemoutraspossibilidadesdedizer um mesmo fato ou acontecimento. Pêcheux assim define o esquecimentodenúmero2, (...)concordamosemchamaresquecimentonº2ao esquecimento peloqualtodo sujeitofalante seleciona nointeriordaformaçãodiscursivaqueodomina,istoé, nosistemadeenunciados,formaseseqüênciasquenelaseencontramemrelação de paráfrase um enunciado, forma ou seqüência, e não um outro, que, no entanto,estánocampodaquiloquepoderiareformulálonaformaçãodiscursiva considerada.(pêcheux,op.cit.,p.173). JáparaBakhtin,osujeitoéumpontodevista,dentreoutros. Recebeinfluênciasdaideologiaedocontextosóciohistórico,mastais fatoresnãoodeterminam,jáqueosujeitoéresponsávelporseusatos, pelo seu dizer. Sobral (2005, p.24) diz que o Círculo de Bakhtin destacaosujeitonãocomofantochedasrelaçõessociais,mascomo umagente,umorganizadordediscursos,responsávelporseusatose responsivoaooutro.emboraalinhadepêcheuxpudesseintervir nessaconcepçãobakhtiniana,afirmandoqueosujeitonãoéosenhor desuaspalavrasequetalacepçãoéumailusão,alinhadebakhtin chama o sujeito para assumir a responsabilidade de seus dizeres, afirmandoqueacusaraexterioridadedeseusatoséfugirdesuas 83
8 responsabilidades.apesardosfatoressócioeconômicosehistóricos apontaremparaosujeitoumdeterminadopontodevista,umadada condutaeumcertodizer,existenosujeitoseupoderdeescolhapor umaououtraposiçãofrenteaosacontecimentoseaoseudizer. Osujeito,paraateoriabakhtiniana,seconstituinasuarelação com o outro, socialmente, na interação verbalizada, num jogo de construçãoentreo(s)meu(s)interlocutor(es)eoenunciador.sobral (2005,p.22)afirmaqueosujeito sendoumeuparasi,condiçãode formação da identidade subjetiva, é também um eu paraooutro, condição de inserção dessa identidade no plano relacional responsável/responsivo,quelhedásentido.comisso,nãosepode falar emacabamento dosujeito, porque osujeitoestásempreem construçãonainteraçãocomooutro.oautorcontinua,dizendoque sómetornoeuentreoutroseus.masosujeito,aindaquesedefinaa partirdooutro,aomesmotempoodefine,éo outro dooutro:eiso não acabamento constitutivo do ser, tão rico de ressonâncias filosóficas, discursivas e outras (SOBRAL, op. cit., p. 22); dessa maneira,osujeito,entãoéconstruídodeforaparadentro,ouseja,do exterior(ooutro)paraointerior(eu). Aideologiaéoutraquestãopostaemdebateentreosdoisautores. ParaPêcheux,aideologiaéanaturalizaçãodossentidos,ouseja,éo efeito que transmite a ilusão de transparência, de obviedade dos sentidos.esteautorrecuperaospressupostosdelouisalthusser(1985) sobre a ideologia, discutindo a existência e o papel dos aparelhos repressores e ideológicos do estado. Para Althusser, os aparelhos repressivos do estado constituídos pela polícia, forças armadas, governo, enfim, a força repressora tem a função de preservar e resguardaraideologiadominante,combatendoaquemseoporaela.já osaparelhosideológicos formadospelafamília,igreja,escola,entre outrasinstituiçõessociais seencarregamdereproduziraideologia dominanteatravésdaspráticassociais.oatoderoubar,porexemplo, constitui uma afronta à ideologia dominante, já que fere a lei concernenteaodireitodepropriedade;comisso,orouboépassívelde repreensãopelosaparelhosrepressoresdoestado(polícia).masnãoé somenteperanteapolíciaqueroubaréumatonegativo,paraafamília, igreja(s)eescola,entreoutrasinstituiçõessociais,apráticadorouboé 84
9 rechaçada.roubar,apropriarsedobemalheioéimoral,écontraos costumes sociais. Com isso, enquanto os aparelhos ideológicos (ALTHUSSER, 1985) contribuem para cristalizar na memória os sentidos,garantindoareproduçãodasideologiasedaspráticassociais, os aparelhos repressivos se mantêm alertas para que, se houver qualquerdesvioemdireçãoopostaàideologiadominante,taldesvio sejarepreendidoecorrigido,pararetornaràsubmissãodaoficialou dominante.comisso,éaideologiaquecapturaoindivíduoemsujeito elhepassaailusãode colamento entreossentidoseaspalavras. Também ela é a responsável por passar ao indivíduo a certeza e evidênciadequesomenteexisteumaformadeseudizer,fazendocom queosujeitoesqueçadequefamíliasparafrásticasestãodadasaolongo de seu dizer, o que poderia fazer falar o diferente. Para a linha pechetiana,nãoéosujeitoquepossuia/umaideologia,maséesta últimaquecapturaosujeito.orlandi(2005,p.43)entendeque (...)ossentidossempresãodeterminadosideologicamente.nãohásentidoquenão oseja.tudoquedizemostem,pois,umtraçoideológicoemrelaçãoaoutrostraços ideológicos.eistonãoestánasessênciasdaspalavrasmasnadiscursividade,isto é,namaneiracomo,nodiscurso,aideologiaproduzseusefeitos,materializando senele.oestudododiscursoexplicitaamaneiracomoalinguagemeideologiase articulam,seafetamemsuarelaçãorecíproca. Já para Bakhtin, a noção de ideologia diverge da concepção pechetiana.bakhtinconcebeaideologianarelaçãoentreaideologia oficialeadocotidiano,recuperandoaestruturaideológicapostulada porkarlmarx(1974,1982, ).Marxentendeaestruturasocial formadapordoisníveis,sendoumadenominadadeinfraestruturaea outracomoasuperestrutura.ainfraestruturaéformadapelabase econômica, incluindo aqui as relações de produção e as forças produtivas.jáasuperestruturaéconstituídapordoisníveis,ojurídico 6MARX,K.Manuscritoseconômicosefilosóficoseoutrostextosescolhidos.1974.SãoPaulo,Abril S.A.CulturaleIndustrial.MARX,K.Paraacríticadaeconomiapolítica:salário,preçoelucro orendimentoesuasfontes,aeconomiavulgar.1982.sãopaulo,abrils.aculturale Industrial.MARX,K.Ocapital:críticadaeconomiapolítica.1983.SãoPaulo,DIFEL,v.1,v. 2,v.3.ApudSOUZA,E.M.;GARCIA,A.UmdiálogoentreFoucaulteoMarxismo: caminhosedescaminhos.revistaaulas,n.3,dez.2006,mar
10 (formadopelodireitoepeloestado)eoideológico(formadopor diferentes ideologias religiosas, morais, políticas, etc.) (SOUZA; GARCIA,2006). Marxconcebearelaçãoentreinfraestruturaesuperestruturade formadireta,mecânica,entendendoquequalquermudançaemuma, acarretanamodificaçãoimediatadaoutra.bakhtinresgataoconceito marxista de ideologia, contudo, discorda desse relacionamento mecanicistaentreasduasestruturas: Sempre que se coloca a questão de saber como a infraestrutura determina a ideologia, encontramos a seguinte resposta que, embora justa, mostrase por demaisgenéricaeporissoambígua: acausalidade.sefornecessário entenderporcausalidadeamecanicista,comotemsidoentendidaatéhoje pelacorrentepositivistadaescolanaturalista,entãoumatalrespostaserevela radicalmentementirosaecontraditóriacomosprópriosfundamentosdo materialismodialético(bakhtin,2006,p.39) Bakhtinentendequeessarelaçãoentreinfraesuperestrutura concretizase na linguagem, dizendo que o problema da relação recíproca entre a infraestrutura e as superestruturas (...), pode justamenteseresclarecido,emlargaescala,peloestudodomaterial verbal (BAKHTIN, 2006, p. 40); assim, o autor postula que a psicologiadocorposocial,oumelhor,queoelodeligaçãoentrea estruturasóciopolíticaeaideologia nosentidoestritodotermo, realizase, materializase, sob a forma de interação verbal (BAKHTIN,op.cit.,p.4041).Ouseja,énapalavraqueaideologiase concretiza,dadoasua ubiqüidadesocial (BAKHTIN,op.cit.,p.40), vistoqueapalavrapenetraemtodasasrelaçõesentreindivíduos, desde uma conversa informal num bar até numa palestra formal, científica,apalavraestápresente.comisso,elaconstituioindicador maissensíveldetransformaçõessociais, mesmodaquelasqueapenas despontam,queaindanãotomaramforma,queaindanãoabriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados (BAKHTIN,op.cit.,p.40).Qualquermudançaqueocorrenomeio socialtemseureflexonela.tambémdiscutequeénodiaadia,na psicologia do corpo social que nasce a ideologia, e que esta vai 86
11 tomandoformaeconsistênciaàmedidaqueasidéiasevoluemese consolidam,construindoassimaideologiaoficial. Apsicologiadocorposocialéjustamenteomeioambienteinicialdosatosdefala detodaespécie,eénesteelementoqueseachamsubmersastodasasformase aspectosdacriaçãoideológicaininterrupta:asconversasdecorredor,astrocas deopiniãonoteatroe,noconcerto,nasdiferentesreuniõessociais,astrocas puramentefortuitas,omododereaçãoverbalfaceàsrealidadesdavidae aosacontecimentosdodiaadia,odiscursointerioreaconsciênciaautoreferente, a regulamentação social, etc. A psicologia do corpo social se manifesta essencialmentenosmaisdiversosaspectosda enunciação sobaformade diferentesmodosdediscurso,sejamelesinterioresouexteriores.estecamponão foiobjetodenenhumestudoatéhoje.todasestasmanifestaçõesverbaisestão,por certo,ligadasaosdemaistiposdemanifestaçãoedeinteraçãodenatureza semiótica, à mímica, à linguagem gestual, aos gestos condicionados, etc. (BAKHTIN,op.cit.,p.41). Elediscutequeessapsicologiasocialnãoseencontranointerior, na alma dos indivíduos na situação comunicacional, mas no exterior,noato,nogesto,napalavra.complementaquenada (...)há neladeinexprimível,deinteriorizado,tudoestánasuperfície,tudo está na troca, tudo está no material, principalmente no material verbal (BAKHTIN,op.cit,p.41).Éimportantecolocaraquiqueessa relação não é estática, ou seja, há uma constante renovação no relacionamentoentreaoficialeadocotidianoeatrocaentreelas. Bakhtin(op.cit.,p.41)dizqueéno (...)seiodestapsicologiado corpo social materializada na palavra acumulamse mudanças e deslocamentosquaseimperceptíveisque,maistarde,encontramsua expressão nas produções ideológicas acabadas. A ideologia do cotidianopodetantocorroborarquantorechaçaraoficial,podendo, assim, transformála ou seguila; qualquer alteração entre as duas refletiránumamudançadeconcepçãoeformatodeumaououtra. Consideraçõesfinais Aopercorrerestetrabalho,observamosatrajetóriadessesdois teóricoseodesenvolvimentodesuasteoriasqueencontraramecono Brasilenomundo.PercebeseainfluênciadeBakhtinnosestudosda Análise do Discurso de Pêcheux, vindo a contribuir para o 87
12 desenvolvimentodeseusestudos.aaproximaçãoentrepêcheuxe Bakhtin,dadaapartirdasegundafasedaAD,revelaumaposição teóricaquelevaemcontaosujeitoemsuapluralidade,nãopresoe submetidoáapenasumcontextosóciohistóricoideológicoespecífico. AsdiferençasentrePêcheuxeBakhtinnoqueconcerneaosconceitos desujeitoeideologiasedevem,sobretudo,àrelativaaproximaçãoda AD com o estruturalismo, já que Bakhtin não concorda com o pensamento estruturalista. Contudo, na medida em que a AD se afastadaconcepçãoestruturalista,começamosaperceberpontosde intersecçãoentreessesdoisautores.comisso,percebemoscomoos estudosdiscursivossãoheterogêneosecomoodiálogoentreosdois autoresproduzemumolhardiferenciadoeextremamentericoparaos estudoslingüísticos. Referências ALTHUSSER,L.AparelhosideológicosdoEstado:notasobreosaparelhosideológicosde Estado(AIE).RiodeJaneiro:Graal,1985. BAKHTIN,Mikhail.Estéticadacriaçãoverbal.SãoPaulo:MartinsFontes,2003. BAKHTIN,Mikhail.Marxismoefilosofiadalinguagem.12.ed.SãoPaulo:HUCITEC,2006. FARACO, Carlos Alberto.Linguagemediálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin.Curitibo:Criar,2006. HAROCHE,Claudine.Fazerdizer,quererdizer.SãoPaulo:HUCITEC,1992.Coleção: Linguagemecultura,2000. LIMA,MariaConceiçãoAlvesde.Wikidiscurso aquestãodasubjetivaçãodiscursiva tradicionalversusacoletivizaçãododiscursonaweb.disponívelem: uems.br/na/discursividade/arquivos/edicao01/mariaconceicao.pdf. Acesso em: 16 de jun MACHADO,Irene.Gênerosdiscursivos.In:BRAIT,Beth(Org.).Bakhtin:conceitos chave.sãopaulo:contexto,2005.p MARIANI,Bethânia.OPCBeaimprensa:oscomunistasnoimagináriodosjornais( ).RiodeJaneiro:Revan,1998. ORLANDI,EniP.Análisedediscurso:princípioseprocedimentos.Campinas:Pontes,
13 ORLANDI, E. P.Alinguagemeseufuncionamento: as formas do discurso. 4ª. ed. Campinas:Pontes,1996b. ORLANDI,E.P.Asformasdosilêncio:nomovimentodossentidos.4.ed.Campinas,SP: EditoradaUNICAMP,1997. PÊCHEUX,Michel.Semânticaediscurso:umacríticaàafirmaçãodoóbvio.3ªed EditoradaUnicamp. ROSADO,LuisFelipe.Umapropostadeinterfaceentredoisdomíniosdaanálisede discurso:alinhafrancesaeasuarelaçãocomateoriacríticadodiscurso.disponível em: jun SOBRAL,Adail.Ato/atividadeeevento.In:BRAIT,Beth(Org.).Bakhtin:conceitos chave.sãopaulo:contexto,2005.p SOUZA,E.M.;GARCIA,A.UmdiálogoentreFoucaulteoMarxismo:caminhose descaminhos.revistaaulas,n.3,dez.2006,mar
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