ACÓRDÃO PRIMEIRA TURMA CÍVEL JOSÉ DE AQUINO PERPÉTUO

Transcrição

1 Órgão: Primeira Turma Cível Classe: APC Apelação Cível N.º processo: Apelante: Liberty Paulista Seguros S/A Apelado: José Augusto Cavalcante Martins Relator Des.: JOSÉ DE AQUINO PERPÉTUO Revisor Des.: HERMENEGILDO GONÇALVES EMENTA PROCESSO CIVIL INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS SEGURO QUEBRA DE PERFIL VEÍCULO CONDUZIDO POR TERCEIRO FILHO DO SEGURADO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1) É ônus da seguradora, no ato da contratação, fazer o levantamento de todos os dados que julgar necessários para a realização do seguro, não havendo que se falar em omissão de dados referentes ao perfil do segurado após a ocorrência de sinistro em que esteja envolvido terceiro (filho do segurado) como condutor do veículo. 2) Tendo o consumidor que alugar outro veículo para sua locomoção e dos seus familiares em razão de desídia da seguradora no pagamento da indenização previamente contratada, deve a sociedade empresária arcar com os ônus daí decorrentes, inclusive com a reparação pecuniária do valor desembolsado pelo segurado. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores da PRIMEIRA TURMA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOSÉ DE AQUINO PERPÉTUO - Relator, HERMENEGILDO GONÇALVES - Revisor e NÍVIO GONÇALVES - Vogal, sob a presidência do Desembargador NÍVIO GONÇALVES, em NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília-DF, 15 de agosto de Desembargador NÍVIO GONÇALVES Presidente Desembargador JOSÉ DE AQUINO PERPÉTUO Relator

2 RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta por Liberty Paulista Seguros S/A em face da sentença de fls. 88/95, que julgou parcialmente procedentes os pedidos do autor, José Augusto Cavalcante Martins, condenando a ré, ora apelante, a indenizar o demandante, na quantia de R$ ,00 (doze mil e trezentos e cinqüenta e quatro reais). Ademais, condenou a ré a pagar a importância referente à locação de veículo, estimada em R$ 58,00 (cinqüenta e oito reais) diários, contados do aviso do sinistro, até a quitação do valor retrocitado. Quanto aos danos morais, julgou-os improcedentes. Custas e honorários advocatícios a serem suportados pela suplicada. Em síntese, alega a apelante que, em havendo inexatidão nas informações prestadas pelo segurado, quando da contratação do seguro, a seguradora fica isenta do cumprimento de sua parte, qual seja, o pagamento da indenização (fls. 106). Diz, ainda, que o valor da indenização deve ser fixado pelo preço médio do mercado, consoante o contrato (fls. 107). Assevera que o valor fixado a título de indenização do autor por este ter alugado veículo para locomoção de sua esposa também não se justifica, considerando que o veículo segurado era utilizado por seu filho (Matheus), não sua esposa (fls. 107). Por derradeiro, alega que houve sucumbência recíproca, uma vez que o pedido de indenização por danos morais foi julgado improcedente (fls. 108). Contra-razões de fls. 113/125. É o relatório. VOTOS O Senhor Desembargador JOSÉ DE AQUINO PERPÉTUO - Relator de admissibilidade. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos

3 Não havendo questões preliminares, passo ao exame do mérito. Prima facie, cabe considerar que não há recurso do consumidor quanto aos eventuais danos morais que alega ter suportado, razão pela qual limito-me a apreciar o apelo da Seguradora. Os autos noticiam que o veículo segurado, conduzido pelo filho do apelado, envolveu-se em acidente, tendo-se a apelante recusado a pagar a indenização correspondente, porquanto houve omissão do apelado no que se refere ao fato de seu filho, Mateus Marques Rodrigues, ser o motorista principal do automóvel, declarado no perfil como usuário pelo período de 02 (duas) vezes por semana (fls. 04, 14 e 19). A prova produzida nos autos milita em favor do recorrido. Veja-se que os documentos de fls. 19, 38/39, colacionados pela própria suplicada/apelante, dizem que o veículo era conduzido por três pessoas: o autor, apelado, sua esposa e seu filho, inclusive tal informação foi utilizada para o cálculo do prêmio, como confessa a seguradora. A alegação de que o filho do recorrido conduzia o veículo todos os dias da semana em nada acrescenta para o deslinde da controvérsia. Ora, se o filho do segurado, apelado, podia conduzir o veículo, ainda que por duas vezes na semana, como quer a seguradora isentar-se do pagamento da indenização? Lembre-se que o seguro se faz para o bem, não para a pessoa. Ademais, a mera declaração da empresa/recorrente de que o consumidor/apelado faltou com a verdade não tem o condão de sustentar a alegação de que não deve pagar a indenização devida. No caso dos autos, verifica-se que o apelado é titular do contrato de seguro (fls. 10/11) e que o veículo sinistrado eventualmente é conduzido por pessoa diversa do segurado (fls. 11). Ademais, a própria seguradora estava ciente de tal fato, consoante se afere do contrato firmado entre as partes. Ora, o perfil do segurado/apelado foi investigado pela seguradora/apelante, até o limite em que esta se deu por

4 satisfeita. No mais, a empresa seguradora tem meios suficientes para levantar todos os dados referentes a seus clientes, antes de firmar o contrato. Desse modo, não há comprovação inequívoca de que o segurado/apelado contratou com a apelante e omitiu/falseou informação, garantindo-se ao consumidor a cobertura do sinistro. Assim, deverá a empresa cumprir a obrigação imposta pela sentença monocrática. No que se refere à indignação da apelante quanto ao fato de ter sido condenada a indenizar o autor na importância de R$ 58,00 (cinqüenta e oito) reais diários, contados do aviso do sinistro, referente à locação de veículo similar, sem razão a recorrente. Ora, se o autor, apelado, precisou dispor de outro veículo para garantir a locomoção dos moradores de sua residência, que, inclusive também estavam relacionados como condutores do veículo segurado, não vejo como negar o pleito formulado pelo consumidor, recorrido. Lembre-se, novamente, que o automóvel é que foi segurado, não havendo qualquer importância no fato de ser utilizado eventualmente pela esposa do consumidor, apelado. Quanto aos honorários advocatícios, com razão a seguradora. No que respeita às perdas e danos (danos materiais), o juiz entendeu pela procedência do pedido. No que se refere aos danos morais, estes foram julgados improcedentes. Assim, deve ser decotada a sentença neste aspecto, devendo cada parte arcar com os honorários de seus respectivos patronos, sendo as custas pro rata. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença atacada. É como voto. O Senhor Desembargador HERMENEGILDO GONÇALVES - Revisor Conheço do recurso, presentes os pressupostos que autorizam a sua admissibilidade. Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta de sentença (fls.88/95) prolatada pelo douto Juiz de Direito da 5ª Vara Cível

5 de Brasília/DF que, nos autos de ação de indenização, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a ré ao pagamento de R$ ,00 (doze mil e trezentos e cinqüenta e quatro reais), atualizado pelo INPC e acrescida de juros moratórios, a partir de 30 (trinta) dias contados do aviso do sinistro, bem como ao ressarcimento da importância condizente à locação de veículo similar, estimada em R$ 58,00 (cinqüenta e oito reais) diários, contados da mesma data, até a quitação do valor retrocitado, também atualizada e acrescida do mesmo encargo moratório. Rejeitou, outrossim, o pedido referente ao suposto dano moral, conforme a fundamentação retro. Impôs, ainda, ao autor a obrigação de restituir o salvado à requerida, antes de iniciada eventual execução. Condenou, por fim, a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes em 10% sobre o valor do débito atualizado. Compulsando-se os autos, verifica-se que a Seguradora ré se negou a dar a cobertura do sinistro sob o argumento de que não eram verdadeiras as declarações prestadas pelo segurado quanto a quem era o principal condutor do veículo objeto da lide. Apela a Empresa recorrida, aduzindo, em síntese, que uma vez que houve inexatidão nas informações prestadas pelo segurado quando da contratação do seguro, a seguradora fica isenta do cumprimento do pagamento da indenização. Nesse aspecto, refere-se a recorrente ao fato de o autor haver declarado, quando da contratação do seguro, que sua esposa era a principal condutora, enquanto seus filhos poderiam dirigir o veículo dois dias da semana. Segundo afirma a apelante, teria ocorrido a quebra do perfil estabelecido pois, conforme a sindicância por ela encomendada, apurou-se que, antes do acidente, o filho do segurado conduzia o veículo diariamente. Nesse particular, e como bem asseverado pelo douto Julgador monocrático, observe-se que a sindicância foi realizada por preposto da ré apelante e sem obediência ao contraditório.

6 Além disso, esclareça-se que o empregado responsável pela referida sindicância induziu a erro às pessoas por ele ouvidas por fazê-las acreditar que, somente o reconhecimento de que o filho do segurado dirigia o carro todos os dias da semana, daria ensejo ao pagamento da indenização. Confira-se o entendimento desta Egrégia Corte de Justiça sobre a questão, in verbis: É ÔNUS DA SEGURADORA, NO ATO DA CONTRATAÇÃO, FAZER O LEVANTAMENTO DE TODOS OS DADOS QUE JULGAR NECESSÁRIOS PARA A REALIZAÇÃO DO SEGURO, NÃO HAVENDO QUE SE FALAR EM OMISSÃO DE DADOS REFERENTES AO PERFIL DO SEGURADO APÓS A OCORRÊNCIA DE SINISTRO EM QUE ESTEJA ENVOLVIDO TERCEIRO (FILHO DO SEGURADO) COMO CONDUTOR DO VEÍCULO. (APC /03, Relator Desembargador Aquino Perpétuo, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF). Ademais, a meu aviso, o perfil do contratante, em hipóteses como a presente, está diretamente relacionado ao valor do prêmio, contudo, não pode constituir causa justificadora da negativa de cobertura pela seguradora. É que compete àquelas empresas investigar as informações que recebem antes de celebrar o contrato de seguro. Portanto, in casu, se confia nas informações recebidas e celebra o respectivo contrato sem pesquisar os dados colhidos, recebendo o prêmio, não pode, ocorrendo o sinistro, invocar a quebra de perfil para se exonerar da obrigação do pagamento da indenização. Vale ressaltar que a presente relação jurídica é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo que o ônus de provar suas alegações é da empresa seguradora, que, no caso, não logrou produzir prova suficiente a elidir o seu dever indenizatório. Destarte, na hipótese em comento, competia à Seguradora demonstrar que o filho do segurado era o principal condutor do veículo, bem assim ser essa condição capaz de modificar o valor do prêmio.

7 Assim, nesse ponto, não merece prosperar a irresignação da apelante. Alega, igualmente, a recorrente que o valor da indenização deve ser fixado pelo preço médio de mercado, conforme o contrato entabulado entre as partes. Nesse particular, conforme já tive a oportunidade de me posicionar sobre o tema, a indenização é devida pelo valor médio de mercado do veículo e não pelo montante constante da apólice. Vale lembrar que o caso em exame é regido pelo Código Civil de 1916, que assim dispõe em seu art. 1462, in verbis: Quando ao objeto do contrato se der valor determinado, e o seguro se fizer por esse valor, ficará o segurador obrigado, no caso de perda total, a pagar pelo valor ajustado a importância da indenização, sem perder por isso o direito, que lhe asseguram os arts e A presente hipótese trata de perda total, devendo ser considerado o valor constante na apólice para fins de indenização e não o valor médio de mercado do veículo, como quer a apelante. Esta é a regra preconizada no artigo acima referido. Esclareça-se, ainda, que as exceções previstas nos artigos 1438 e 1439 não se aplicam ao presente caso. Vale lembrar que a jurisprudência consolidada no âmbito deste tribunal e da 4ª Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a indenização a ser paga pela seguradora deve tomar como base a quantia corrigida ajustada na apólice (art do CC), sobre a qual é cobrado o prêmio, no caso de perda total do veículo, verbis: SEGURO DE AUTOMÓVEL. ACIDENTE. PERDA TOTAL DO BEM. INDENIZAÇÃO. VALOR AJUSTADO NA APÓLICE E NÃO NO VALOR MÉDIO DE MERCADO DO VEÍCULO SEGURADO. RECIBO DE QUITAÇÃO PLENA FIRMADO PELO SEGURADO NÃO EXCLUI O SEU DIREITO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DE LEVAR AO CONHECIMENTO DO JUDICIÁRIO QUALQUER LESÃO DE DIREITO.

8 SÃO NULAS AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE OFENDEM O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. É entendimento pacífico da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios que, "tratando-se de perda total do veículo, a indenização a ser paga pela seguradora deve tomar como base a quantia ajustada na apólice (art do Código Civil), sobre a qual é cobrado o prêmio, independentemente da existência de cláusula prevendo o pagamento da reparação pelo valor médio de mercado do automóvel, salvo se a seguradora, antes do evento danoso, tiver postulado a redução de que trata o art do Código Civil. 2(...) 3. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impliquem renúncia ou disposição de direitos, ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade, ou restrinjam direitos ou obrigações fundamentais à natureza do contrato, de modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual, nos termos do artigo 51, incisos I e IV, e 1º, inciso I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (lei nº 8.078, de ). também são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que subtraiam ao consumidor, nos contratos de seguro, o recebimento de valor inferior ao contratado na apólice, de acordo com a Portaria nº 03, de 19 de março de 1999, expedida pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Decisão: Conhecer o recurso. Dar provimento. Unânime. (número do acórdão: número do processo: ACJ órgão do processo: Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF - espécie do processo: APELAÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL - Relator do processo: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - data de julgamento: 19/10/ data de publicação: 01/12/ página de publicação: 51 - Unidade da Federação: DF.). Pelas razões até aqui expostas, resta prejudicada a alegação da recorrente no sentido de que o valor fixado a título de indenização ao autor pelo aluguel de veículo para locomoção de sua esposa não se justifica, considerando que o automóvel segurado era utilizado pelo filho do casal e não por sua companheira. Portanto, igualmente nesse ponto, sem razão a apelante.

9 Afirma, por fim, que houve sucumbência recíproca, uma vez que o pedido de indenização por danos morais foi julgado improcedente. In casu, não há que se falar em sucumbência recíproca, uma vez que o autor/apelado decaiu de parte mínima do pedido. Esclareça-se que de seus pleitos iniciais, o ora recorrido não foi atendido tão-somente naquele referente à indenização de danos morais. Ademais, como é sabido, em se tratando de sentença condenatória, o valor dos honorários advocatícios deve ser estabelecido nos moldes do disposto no 3º do art. 20 do CPC, ou seja, o montante deve ser arbitrado entre 10 e 20% do valor da condenação. E, nesse ponto, o douto Julgador monocrático, com acerto, fixou os honorários no mínimo legal, pertinente na presente hipótese. Diante do exposto, conheço e nego provimento ao recurso, para manter íntegra a r.sentença hostilizada. É como voto. O Senhor Desembargador NÍVIO GONÇALVES Presidente e Vogal Com o Relator. DECISÃO NEGOU-SE PROVIMENTO. UNÂNIME.