A Manutenção do Suporte a Vida em Unidades de Tratamento Intensivo do Sul do Brasil: Os Resultados de um Questionário Ético*
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- Ruy Carvalhal Filipe
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1 A Manutenção do Suporte a Vida em Unidades de Tratamento Intensivo do Sul do Brasil: Os Resultados de um Questionário Ético* Forgoing Life Support in Intensive Care Units of South Brazil: The Results of an Ethical Questionnaire Thiago Lisboa 1, Gilberto Friedman 2 SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: To determine current views of Brazilian intensive care physicians regarding end-life decisions. METHODS: A questionnaire was sent to several intensive care units (ICU) in south Brazil by electronic mail. All answers to the questionnaires were anonymous. RESULTS: Hundred questionnaires were sent and a total of 72 completed questionnaires were analyzed. Seventy nine percent of the respondents were male. All respondents applied DNR orders. Ninety seven percent of the physicians withhold treatment from patients with no hope of a meaningful life, but only 85 percent withdrawal treatment. Seventy six percent of respondents involved staff, patients, and family in end-life decisions. CONCLUSIONS: Limitation of life support is commonly used and ICU physicians accept the evolvement of the patient or family in critical decisions. Key Words: do-not-resuscitate orders; ethics; futile care; withdrawing; withholding; euthanasia. A moderna Medicina Intensiva permite ao médico intensivista ter a habilidade de prolongar o tempo de vida ou de encurtar e até determinar o momento da morte de um paciente gravemente doente. Geralmente, a pressão de familiares ou pessoas próximas torna mais fácil manter artificialmente a vida do que permitir uma morte natural. O conceito tradicional de que uma vida deva ser preservada a qualquer custo é tão enraizado na sociedade e na Medicina, que muitas vezes atrapalha uma decisão sobre o que seria melhor para o paciente. Os médicos intensivistas, talvez mais que quaisquer outros especialistas, devem saber balancear entre a aceitação da morte ou da vida como o fazer melhor para um determinado paciente 1. Da mesma forma, os médicos devem saber conciliar o sentimento ético paternalista tradicional com o desejo do paciente ou dos familiares de recusar tratamento 2. Contudo, os direitos e a autonomia do paciente são cada vez mais relevantes na tomada de decisão médica até mesmo no Brasil. As implicações econômicas e financeiras destes assuntos éticos repercutem sobremaneira na prática diária. O tratamento fútil de um paciente sem qualquer probabilidade de recuperação pode limitar o tratamento de outros pacientes que se beneficiariam muito mais. Estas decisões são cada vez mais freqüentes e usualmente tão complexas que consultores e comitês de ética são chamados para opinar. Mesmo assim, pelo grau de envolvimento heterogêneo entre os membros da equipe e até entre familiares, as decisões sobre a terminalidade são muito controversas. Questões legais ou mesmo o seu desconhecimento pode confundir ainda mais a situação. Recomendações sistematizadas, visões pessoais e opiniões sobre quando sustar ou retirar suporte e sobre quem deve recair esta responsabilidade estão publicadas em diversos artigos Contudo, o conhecimento das implicações legais destas atitudes e da autonomia dos pacientes é muito heterogêneo entre os profissionais no Brasil, onde existe pouca informação publicada. Aleluia e col. 12 entrevistaram 28 médicos que lidam com pacientes terminais e através de uma avaliação qualitativa observaram que havia grande dificuldade com o morrer e apesar de se apresentarem solidários tendiam a se afastar do paciente terminal. Em outro estudo, Moritz e col. 13, revisando uma coorte histórica de 155 pacientes que morreram na UTI, observaram que o tratamento foi retirado ou suspenso imediatamente antes em 32% dos óbitos 13. Os médicos assistentes entenderam que os esforços eram fúteis em todos estes casos. Em outro estudo, Moritz e col. distribuíram 1000 questionários e observaram que entre os 82 intensivistas respondedores a maioria já havia participado de decisões que envolvessem retirada ou suspensão de tratamento 14. A experiência profissional surgiu como o fator que mais facilitava estas atitudes. Assim, desenvolveu-se um questionário, adaptado de outro aplicado entre médicos europeus, para obter informação sobre a prática atual e visões éticas entre várias UTI do Sul brasileiro como parte de uma futura avaliação nacional. O questionário foi dividido em duas seções, uma sobre a caracterização do profissional e a outra com questões de dilemas 1. Serviço de Medicina Intensiva Hospital de Clínicas de Porto Alegre 2. Departamento de Medicina Interna - FAMED-UFRGS *Este trabalho foi parcialmente apresentado durante o Congresso da Sociedade Européia de Medicina em Cuidados Intensivos, Estocolmo, Suécia, Apresentado em 07 de março de Aceito para publicação em 28 de março de 2005 Endereço para correspondência: Prof. Dr. Gilberto Friedman - Rua Fernandes Vieira 181/ , Porto Alegre, Brasil - gfried@portoweb.com.br Volume 17 - Número 1 - Janeiro/Março
2 éticos enfrentados pelo intensivistas frente as decisões sobre a terminalidade. MÉTODO Um questionário foi enviado para diretores clínicos de UTI universitárias ou centros formadores que compunham a região sul da AMIB (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e 100 questionários foram solicitados em O retorno dos questionários foi responsabilidade dos diretores clínicos das UTI participantes. Os respondedores foram orientados a responder o questionário de forma anônima. A forma do envio das respostas ficou a cargo dos diretores de UTI (correio regular ou eletrônico). Os resultados foram analisados pelo Qui-quadrado, usando o programa SPSS 10.0 (SPSS, Chicago, IL, EUA). Um p < 0,05 foi considerado significativo. RESULTADOS Dos 100 questionários solicitados e distribuídos a médicos dos estados do Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC) e São Paulo (SP), um total de 72 questionários foi respondido (Tabela 1). Nenhuma UTI do Paraná solicitou o envio do questionário. Oitenta e dois porcento das respostas foram do RS, estado de onde se originou o estudo. As características dos respondedores e dos locais de trabalho estão listados na tabela 2. Setenta e nove porcento dos respondedores eram homens e a maioria dos respondedores tinha menos de 40 anos. A maioria dos participantes era de católicos, mas não se considerava religioso. A atuação profissional dos médicos mostrou que 85% praticava Medicina intensiva por pelo menos 25% do tempo e quase a metade tinha 10 anos de prática na especialidade (Tabela 3). Tabela 1 - Número de Questionários Respondidos por Estado. Estado Número de questionários RS 59 (82%) SC 1 (1,4%) SP 12 (16,5%) Total 72 (100%) RS- Rio Grande do Sul; SC- Santa Catarina; SP- São Paulo Tabela 2 Características dos Respondedores, dos Hospitais e das Unidades de Tratamento Intensivo Idade (anos) (62,5%) >40 27 (37,5%) Sexo Masculino 57 (79%) Feminino 15 (21%) Religião Católica 58(80%) Outra 14(20%) Importância da religião Sim 28(39%) Não 44(61%) Tamanho do hospital (leitos) (8%) (54%) >700 27(38%) Tamanho da UTI (leitos) 12 41(57%) >12 31(43%) Proporção de leitos (UTI/Hospital) 4% Tabela 3 Características Profissionais dos Respondedores. Tempo dedicado a Medicina Intensiva (%) < 25 11(15%) (56%) (29%) Intensivista adulto 65(90%) Intensivista pediatra 7(10%) Outro - Experiência em UTI(anos) 5 14 (19%) (35%) >10 33 (46%) Especialidade primária Medicina Interna 43(59%) Cirurgia 4 (6%) Outra 25(35%) Ordem de não-reanimar: na eventualidade de uma parada cardíaca, ordem de não-reanimar (ONR) já foi aplicada por 100% dos respondedores. Setenta e seis por cento dos médicos respondedores discutem ONR com a família dos pacientes. Não houve diferença significativa na discussão da ONR com a família em relação ao sexo, religião, prática acadêmica/privada ou formação dos respondedores. Retirada/Suspensão: a decisão de não adicionar terapêutica já foi tomada pela maioria dos respondedores (97%). A retirada de terapêutica foi um evento menos comum, com 85% dos respondedores admitindo já tê-la praticado. Apenas 7,5% dos respondedores admitiram já ter acelerado o processo de morte em pacientes terminais. Não houve diferença significativa em relação a retirar ou não adicionar terapêutica em relação ao sexo, religião, tipo de prática ou formação dos respondedores. Trinta e nove por cento dos respondedores consideram não adicionar um tratamento o mesmo que retirar este tratamento, enquanto 53% acham não adicionar um tratamento mais aceitável que retirá-lo. Quando diante de um caso considerado como terminal e irreversível, 46% dos respondedores referiu ficar mais embaraçado em retirar do que em não adicionar terapêutica, enquanto 48% referiram não ficar embaraçado com nenhuma das duas práticas. Houve uma tendência a não haver embaraço entre os respondedores com formação em terapia intensiva (RR=0,63, IC 95% 0,39-1,03, p=0,0507) em relação aos respondedores sem formação específica em terapia intensiva. Não houve diferença em relação à religiosidade, sexo ou tipo de prática. A maioria dos entrevistados considerou importante a natureza e o prognóstico da doença e a qualidade de vida sob o ponto de vista do paciente, mas de pouca ou nenhuma importância pela maioria o valor social do paciente, história prévia de doença psiquiátrica, atitude do médico frente ao caso, moral da enfermagem e uma análise custo-benefício financeiro (Tabela 4). Tomada de decisão: a maioria dos intensivistas entrevistados (75%) acredita que a tomada de decisões deve ser feita baseada em uma combinação que inclui paciente/família/médico assistente/equipe de terapia intensiva. Quatorze por cento referiram ser o médico assistente o único responsável pelas decisões do caso, e apenas 6% consideraram o paciente como o único responsável pela tomada de decisões. Nenhum dos consultados citou o Comitê de Ética da Instituição como foro 16 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
3 Tabela 4 Importância Atribuída a Informações na Tomada de Decisão de não Adicionar/Retirar Terapia Pouca ou Nenhuma Importância Moderada Importância Muita Importância Natureza de doença crônica 5(7%) 26(36%) 41(57%) Chance sobrevida a internação 13(19%) 16(22%) 42(58%) Qualidade de vida vista pelo paciente 3(4%) 16(22%) 52(73%) Qualidade de vida vista pelo médico 9(13%) 38(53%) 24(33%) Doença aguda provavelmente irreversível Pressão do paciente ou médico assistente Sua atitude em relação ao caso História prévia de doença psiquiátrica Evoluindo mal na atual hospitalização Paciente alerta Admissões hospitalares prévias Valor social do paciente Idade do paciente Impacto econômico/social na família Moral da enfermagem Análise custo-benefício financeiro Custo para a sociedade adequado para tomada de decisões. Não houve diferença em relação à formação em terapia intensiva, sexo, religiosidade, prática acadêmica ou privada na definição do responsável pela tomada de decisões neste contexto. Exemplo: paciente com 50 anos, do sexo masculino, portador de DPOC e retenção de CO 2 por dois anos e crescentes admissões por insuficiência respiratória, necessitando nas últimas duas de intubação traqueal e ventilação mecânica por várias semanas. O paciente apresenta-se com pneumonia e teve uma parada cardíaca. Após uma semana o paciente permaneceu em coma profundo e respirando espontaneamente. Um mês depois, ele permaneceu em estado vegetativo. As respostas foram particularmente influenciadas quando a família expressou o desejo de não limitar esforços terapêuticos (Tabela 5) quando comparadas às respostas dadas quando a família solicitasse a limitação da terapêutica ou quando a família não estivesse presente. DISCUSSÃO Este estudo foi baseado em outro publicado em 1999, que descreveu as diferentes atitudes em assuntos éticos entre médicos de diferentes países europeus 10. Esse estudo utilizou um questionário semelhante para um estudo piloto com o objetivo de descrever atitudes éticas sobre limitação terapêutica entre médicos intensivistas brasileiros. Todos os questionários eram anônimos e, portanto, os resultados deveriam ser um reflexo acurado das atitudes. O questionário não só perguntava sobre a prática atual do médico, mas também sobre a opinião sobre o que deveria ser feito para explorar diferenças nas crenças e atitudes individuais. A ética é conceito subjetivo e assim escapa de uma definição precisa. Entretanto, pode-se dizer que, em geral, a ética é um sistema de princípios morais direcionando a conduta e, particularmente, se refere a escolhas morais que um indivíduo faz quando interage com outros. O intensivista é, freqüentemente, defrontado com dilemas éticos nos quais uma decisão precisa ser tomada entre duas opções ostensivamente negativas, a decisão em continuar o suporte a vida e manter uma vida de qualidade pobre ou retirar terapia com a inevitável morte resultante do paciente. Inúmeros fatores podem influenciar a decisão moral final, incluindo a idade, experiência, treinamento, desejo familiar, percepção da qualidade de vida e os desejos do paciente 15,16. O conceito de santificação da vida é firmemente embebido na sociedade e tópicos sobre Condutas Tabela 5 Decisão de não Adicionar ou Retirar Suporte em Exemplo Clínico de acordo com a Vontade da Família Sem família Família insiste para que tudo seja feito Família insiste para que você deixe o paciente morrer agora Não iniciar fluidos por via venosa 34 (48%) 13 (18%) 34 (48%) <0,05 Não iniciar nutrição 25 (35%) 13 (18%) 32 (45%) <0,05 Não iniciar vasopressor 57 (80%) 26 (36%) 60 (84%) <0,05 Não conectar ventilador 41 (58%) 22 (31%) 46 (65%) <0,05 Não reanimar 64 (90%) 47 (66%) 65 (91%) <0,05 Retirar fluidos por via venosa 24 (33%) 7 (10%) 26 (36%) <0,05 Retirar nutrição 14 (19%) 6 (8%) 21 (29%) <0,05 Retirar vasopressor 42 (59%) 15 (21%) 47 (66%) <0,05 Retirar suporte ventilatório 21 (29%) 9 (12%) 26 (36%) <0,05 Dar morfina para conforto 61 (85%) 54 (76%) 63 (88%) <0,05 Push 150 mg morfina 1 (1%) 1 (1%) 2 (3%) 0,86 p Volume 17 - Número 1 - Janeiro/Março
4 decisões de fim-de-vida são muito controversos. O poder do médico como o primeiro a decidir é cada vez mais questionado enquanto o direito individual em escolher a continuação ou limitação do sustento à vida é promovido. Contudo, é extremamente comum que, no cenário da UTI, os pacientes não possam expressar suas preferências e desejos e a família, o corpo médico ou outra pessoa próxima precisem agir em nome do paciente 3,8, O custo de um departamento de Medicina intensiva que utiliza 5% a 10% dos leitos pode atingir até 35% do orçamento hospitalar. Além disso, a falta de leitos de UTI é comum. Portanto, é importante racionalizar os serviços de cuidado intensivo 20. Neste contexto, as decisões, sobre a manutenção da vida, devem ainda ser mais discutidas. Tentativas em definir o que seria um paciente fútil ou o ponto em que um cuidado torna-se fútil têm sido feitas 21,22. Em última instância, a prioridade a admissão deve correlacionar com a probabilidade que o cuidado de UTI beneficiará o paciente mais que o não-cuidado 23. Um dos problemas em definir futilidade é a falta de um meio objetivo de avaliar desfechos, pois nenhum dos escores disponíveis aborda a qualidade de vida ou morbidade. Os sistemas de escore podem eventualmente ajudar quando o paciente já está internado na UTI. Mesmo assim, os escores são limitados para decisões sobre a limitação do suporte a vida na maior parte dos casos 20. Assim, tanto a decisão em admitir quanto em limitar o suporte é freqüentemente baseada em um conjunto de informações parcialmente objetivas e até completamente subjetivas. As informações consideradas mais importantes foram, principalmente, fatores relacionados ao prognóstico do paciente, como natureza da doença crônica e probabilidade de sobrevida ao internar. Contudo, uma evolução desfavorável durante a internação foi considerada de importância intermediária. A resposta a esta última pergunta, talvez reflita a dificuldade que os médicos têm em aceitar a falha dos tratamentos instituídos no ambiente de UTI. A visão de qualidade de vida pelo paciente foi considerada mais importante do que sob a ótica do médico. Esta atitude parece crescente entre os intensivistas que também mostraram uma preocupação majoritária com a autonomia e o respeito aos valores do paciente. Neste contexto, o custo não foi considerado importante e a melhor interpretação pode ser que o caro seria gastar com um paciente que não sobrevive. Apesar de o questionário não ter perguntado sobre se a falta de leitos de UTI como uma causa limitante de internações de pacientes criticamente enfermos, sabe-se que este problema é muito significativo na maioria dos hospitais brasileiros. A maioria dos médicos deste estudo trabalha em hospitais com até 5% de leitos hospitalares disponíveis em UTI. Esta proporção por si só é pequena para a maioria dos hospitais, mas é ainda mais insuficiente quando se verifica que quase a totalidade dos médicos deste estudo trabalha em hospitais de referência, terciários e com ensino. A aplicação da ONR varia muito entre os médicos. A maioria dos médicos aplica ONR oralmente ou em planilhas de passagem de plantão. Seria interessante especular o porque que os médicos não ordenam ONR no prontuário. Os médicos estão cada vez mais influenciados pelo litígio potencial e, provavelmente, o medo de ações legais deve influenciar a decisão em evitar a ONR escrita e até em reanimar, apesar 18 de ser uma ONR expressa de outra forma 1. Os médicos discutem ONR com os familiares, mas raramente com o paciente. É claro que esta discussão com o paciente criticamente enfermo está muitas vezes inviabilizada pela sua condição ou inconsciência. ONR é muitas vezes obtida ou mesmo decidida tardiamente ao longo da hospitalização na UTI, já quando o paciente está incompetente e os familiares estão sob o estresse de impedir a morte 24,25. O estudo SUPPORT (Study to Understand Prognoses and Preferences for Outcomes and Risks of Treatment) mostra que 46% das ONR foram escritas dois dias antes da morte e a duração mediana da hospitalização antes da ONR variou de 22 a 73 dias nos diferentes hospitais participantes 24. Ainda que difícil, tentativas de discutir estes assuntos com os pacientes e a família na admissão ou durante o início da hospitalização facilita as decisões de fim-de-vida quando o momento chegar. Neste questionário, 100% dos médicos utilizam ONR, 76% das ONR são discutidas com os familiares/paciente. O uso de ONR geralmente precede as decisões de não acrescentar ou retirar tratamento 1,5. As decisões de não acrescentar ou retirar tratamento são questões abertas ao debate ético e a discussão é muito complicada por problemas de definição e terminologia 2. Apesar de, em geral, se aceitar que não há diferença legal ou moral entre os dois princípios 26,27, uma diferença é percebida na prática, pois poucos médicos retiram tratamentos em comparação aos que limitam tratamentos 10,16,25. Vários estudos mostram que os pacientes morrem mais rápido após a retirada e isto deve explicar a diferença na percepção dos médicos 1,25. As respostas ao questionário refletem o comportamento verificado nestes estudos, pois a maioria entende que não adicionar um tratamento é mais aceitável que retirá-lo. As decisões de cuidado terminal são feitas apenas pela equipe médica em 18% e o paciente/família é envolvido em 82% restantes, sendo que destes uma combinação paciente/ família/equipe foi apontado como autoridade na tomada de decisão em 75% das respostas. A morte ainda é considerada um tabu pela sociedade e é muito mais fácil discutir este assunto com colegas que com a família ou o paciente. Os resultados do nosso estudo não refletem esta realidade, uma vez que a maioria dos intensivistas entende que uma combinação paciente/família/equipe seria o mais adequado na tomada das decisões. Em nosso meio, a autonomia dos pacientes ainda não é considerada um direito fundamental e mesmo desejos claramente expressos pelos pacientes e familiares não são amplamente aceitos pela comunidade médica. A consulta ética poderia ser um novo elemento a ser incorporado na prática de decisões difíceis. Entretanto, nenhum dos médicos achou que o Comitê de Ética poderia ser o fórum final das decisões. O ensino e o debate ético deste tema deveria ser implementado desde a escola de Medicina e, pelo menos, durante o treinamento do especialista que enfrentará com freqüência cenários que envolvam a terminalidade e esta é uma avaliação feita por profissionais médicos 12. O esclarecimento e o debate podem mudar a atitude dos profissionais mesmo em curto prazo tal é a escassez de formação e informação nestes assuntos. Moritz e col. entrevistaram 77 profissionais de Medicina e enfermagem de UTI que manifestaram sua angústia e a necessidade de debate 28. Um questionário, ba- RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
5 seado em cinco casos clínicos reais, foi pré-aplicado, e estes foram posteriormente discutidos. As decisões de suspender ou recusar tratamento foram mais bem aceitas após a discussão e o esclarecimento quando o questionário foi pósaplicado. Este estudo apresenta algumas limitações. O questionário foi aplicado apenas a médicos e não foi possível descrever práticas ou atitudes de outros profissionais de UTI. As respostas foram restritas a poucas UTI com características de ensino. Infelizmente, nenhuma UTI do Paraná solicitou o envio do questionário. O número de respondedores percentualmente foi excelente, mas o tamanho da amostra não permitiu descrições mais detalhadas das influências individuais sobre as respostas ou tendências regionais em um país de dimensões continentais como o Brasil. Como exemplo, 80% dos respondedores eram católicos ou eram homens, impedindo estabelecer qualquer padrão das atitudes em relação a outros grupos religiosos ou entre sexos. Além disso, por vezes, a própria forma que a questão é abordada induz a uma determinada resposta. Mais importante ainda que o tamanho da amostra, sempre que um questionário é aplicado, ainda que anônimo, é a confirmação da veracidade destas respostas quando comparadas às atitudes observadas no cenário da UTI. Ainda que com limitações óbvias, a informação obtida neste questionário permite afirmar que a limitação do suporte a vida é comumente praticada. Os médicos enfrentam dilemas éticos constantemente, mas o treinamento em como manusear decisões complexas é pequeno e não é oferecido nas escolas de Medicina ou mesmo fora. Outros artigos como este podem encorajar a discussão destes temas. As entidades médicas de ensino ou profissionais necessitam estabelecer recomendações para ajudar o processo de decisão ético. Um questionário ético com abrangência nacional faz-se ser necessário. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Determinar visões atuais dos médicos intensivistas em relação a decisões de fimde-vida. MÉTODO: Um questionário foi enviado a diversas unidades de tratamento intensivo (UTI) por correio eletrônico. Todas as respostas aos questionários foram anônimas. RESULTADOS: Cem questionários foram solicitados e um total de 72 questionários completos foi analisado. Setenta e nove por cento dos que responderam eram homens. Cem per cento dos que responderam aplicaram ordens de Não Reanimar. Noventa e sete per cento dos médicos não acrescentam tratamento quando não existe esperança de uma vida com significado, mas apenas 85% retiram tratamento. Setenta e seis por cento dos que responderam envolveram equipe de saúde, pacientes e familiares nas decisões sobre de fim-da-vida. CONCLUSÕES: A limitação do suporte a vida é usada com freqüência e os médicos intensivistas parecem aceitar bem que decisões importantes envolvam o paciente ou a família. Unitermos: cuidado fútil; ética; eutanásia; limitar; ordem de não reanimar, retirar Anexo: QUESTIONÁRIO: ÉTICA EM UTI Por favor responda as questões abaixo: A. 1. Em que estado o Sr(a) trabalha: 1. AC c 2. AP c 3. AM c 4. CE c 5. DF c 6. ES c 7. GO c 8. MA c 9. MG c 10. MS c 11. MT c 12. PA c 13. PB c 14. PE c 15. PI c 16. PR c 17.RJ c 18.RN c 19. RO c 20. RR c 21. RS c 22. SC c 23. SE c 24. TO c 2. O Sr(a) é: 1. Médico c 2. Enfermeiro c 3. Fisioterapeuta c 4. Outro: B. Para Médicos: 3. Estado em que terminou a faculdade: 1. AC c 2. AP c 3. AM c 4. CE c 5. DF c 6. ES c 7. GO c 8. MA c 9. MG c 10. MS c 11. MT c 12. PA c 13. PB c 14. PE c 15. PI c 16. PR c 17.RJ c 18.RN c 19. RO c 20. RR c 21. RS c 22. SC c 23. SE c 24. TO c 4. Onde realizou a especialização: 1. AC c 2. AP c 3. AM c 4. CE c 5. DF c 6. ES c 7. GO c 8. MA c 9. MG c 10. MS c 11. MT c 12. PA c 13. PB c 14. PE c 15. PI c 16. PR c 17.RJ c 18.RN c 19. RO c 20. RR c 21. RS c 22. SC c 23. SE c 24. TO c 5. Especialidade: 1. Anestesiologia c 2. Medicina Interna c 3. Cirurgia c 4. Pediatria c 5. Outra: C. Para Todos: 6. Treinamento de Pós-Graduação em Medicina Intensiva: 7. Há quantos anos trabalha em terapia intensiva: c c c c 5. >21 c Volume 17 - Número 1 - Janeiro/Março
6 8. Porcentagem do tempo dedicado à terapia intensiva: 1. 0% c % c % c % c % c 9. Sua prática é: 1. Acadêmica c 2. Privada c 3. Outra: 10. Número de leitos no hospital em que o Sr(a) trabalha: 1. <250 c c c 4. >700 c 11. Número de leitos na UTI em que o Sr(a) trabalha: 1. <6 c c c c 5. >18 c 12. Tipo de UTI: 1. Geral c 2. Cirúrgica c 3. Clínica c 4. Pediátrica c 5.Outra 13. O sr(a) é responsável por decisões de não adicionar terapias ( withholding ) e retirar terapia ( withdrawing ) nos pacientes da sua UTI: 1. Sim c 22. Não c 14. Sua idade: 1. <25 c c c c c 6. >60 c 15. Sexo: 1. Masculino c 2. Feminino c 16. Religião: 1. Católica c 2. Protestante c 3. Muçulmana c 4. Judaica c 5.Outra: 17. O Sr(a) se considera religioso: II - Questões Gerais Definições: Não Adicionar Terapia (Withholding): é a decisão de não se iniciar ou ampliar uma intervenção de suporte à vida. Isto inclui qualquer paciente que não seja submetido a RCP e/ou a decisão de não se iniciar droga vasopressora se o paciente desenvolver choque ou não se aumentar a dose de vasopressor se o paciente já o estiver recebendo. Retirada de Terapia (Withdrawing): é a decisão de se suspender ativamente alguma intervenção de suporte a vida já presente. Isto inclui a suspensão da ventilação mecânica, drogas vasopressoras, suplemento de oxigênio ou qualquer tratamento ou procedimento enquanto esteja sendo realizado. Manobras de desmame por razões clínicas e fisiológicas não são consideradas retirada de terapia (withdrawing). Aceleração ativa do processo de morte: uma circunstância na qual alguém realiza um ato com a intenção de, especificamente, acelerar o processo de morte. Estão excluídas as ações de não adicionar terapia e retirada de terapia. Exemplos incluem dose excessiva intencional de narcóticos, anestésicos ou cloreto de potássio. 18. Qual dos seguintes melhor descreve seu ponto de vista em relação ao dever do médico intensivista para com o seu paciente quando este estiver impossibilitado de tomar decisões? 1. Preservar a vida sempre, a qualquer custo. 2. Preservar a vida primeiramente, mas avaliar a qualidade de vida. 3. Assegurar a qualidade de vida em primeiro lugar, mas avaliar preservação da vida 4. Sempre assegurar qualidade de vida 5. Outra: As questões a seguir referem-se ao seguinte enunciado: Que importância o Sr(a) atribui a cada uma das informações seguintes quando da tomada de decisão de não adicionar terapia (withholding) ou retirar terapia (withdrawing) em um paciente: 1. Pouca ou nenhuma importância 2. Moderada importância 3. Muita importância 19. Natureza de doença crônica: 20. Paciente provavelmente não sobreviva a internação: 21. Qualidade de vida vista pelo paciente: 22. Qualidade de vida vista pelo médico: 23. Doença aguda do paciente provavelmente não é reversível: 24. Pressão do paciente ou médico: 25. Sua atitude: 26. História prévia de doença psiquiátrica: 27. Paciente está evoluindo mal na atual hospitalização 28. Paciente alerta: 29. Admissões hospitalares prévias: 30. Valor social do paciente: 31. Idade do paciente: 20 RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
7 32. Impacto econômico e social na família: 33. Moral da enfermagem: 34. Análise custo-benefício financeiro: 35. Custo para a sociedade: 36. Quem tem autoridade final para decidir sobre não adicionar terapia ( withholding ) e retirada de terapia (withdrawing) em seu paciente na UTI? 1. Paciente c 2. Família c 3. Médico Assistente c 4. Intensivista c 5.Religioso c 6. Administração do Hospital c 7. Justiça c 8.Comitê de Ética c 9. Combinação dos supracitados c 10. Outro: 37. Qual das seguintes frases melhor descreve sua opinião: 1. Não adicionar um tratamento é o mesmo que retirar este tratamento 2. Não adicionar um tratamento é mais aceitável que retirar este tratamento. 3. Retirar um tratamento é mais aceitável que não adicionar este tratamento. 4. Outro: 38. Qual das seguintes frases melhor descreve sua opinião: 1. Aceleração do processo de morte é o mesmo que a terapia de suporte a vida. 2. Aceleração do processo de morte é mais aceitável que retirada de terapia de suporte a vida. 3. Retirada de terapia de suporte a vida é mais aceitável que Aceleração do processo de morte 4. Outro: 39. Quando frente a um paciente considerado terminal e irreversível: 1. Eu fico igualmente embaraçado em relação a não adicionar terapia e retirada de terapia 2. Eu fico mais embaraçado em não adicionar terapia do que em retirada de terapia 3. Eu fico mais embaraçado em retirar terapia do que em adicionar terapia 4. Eu não fico embaraçado com nenhum dos dois tipos de tratamento 40. Quando frente a um paciente considerado terminal e irreversível: 1. Eu fico igualmente embaraçado em relação a acelerar o processo de morte e retirada de terapia. 2. Eu fico mais embaraçado com aceleração o processo de morte do que com retirada de terapia 3. Eu fico mais embaraçado com retirada de terapia do que com aceleração do processo de morte 4. Eu não fico embaraçado com nenhum dos dois tipos de tratamento 41. Eu já deixei de adicionar terapia em meus pacientes: 42. Eu já retirei terapia de meus pacientes: 43. Eu já pratiquei Aceleração ativa do processo de morte em meus pacientes: 44. Eu utilizo ordens de não reanimação em minha UTI? 45. Se ordens de não reanimação são usadas, elas são discutidas com o paciente ou a família? As questões a seguir referem-se ao seguinte caso clínico: Um paciente de 50 anos, masculino, portador de DPOC com hipoxemia e retenção de CO2 por dois anos e crescentes admissões por insuficiência respiratória, necessitando nas últimas duas de intubação e ventilação mecânica por várias semanas. O paciente apresenta-se com pneumonia e teve uma parada cardíaca logo após a admissão. Após uma semana o paciente permanece não respondendo a estímulos e respirando espontaneamente. Um mês depois, ele permanece comatoso, em estado vegetativo. Assumindo que os medicamentos abaixo devem se iniciados ou retirados, o que o sr(a) faria? ( Coloque 1 para SIM e 2 para NÃO): Sem família Família insiste para que tudo seja feito Família insiste para que você deixe o paciente morrer agora Não iniciar fluidos Não iniciar nutrição Não iniciar vasopressores Não reconectar ao ventilador Não reanimar se o paciente sofrer uma PCR Retirar fluidos por via venosa Retirar nutrição Retirar vasopressores Retirar suporte ventilatório Parar RCR se iniciada Dar 1-2mg de sulfato de morfina para conforto do paciente/família Dar 150 mg, por via venosa, de sulfato de morfina para encerrar a vida do paciente. Volume 17 - Número 1 - Janeiro/Março
8 REFERÊNCIAS 01. Koch KA, Rodeffer HD, Wears RL - Changing patterns of terminal care management in an intensive care unit. Crit Care Med, 1994;22: Sprung CL, Eidelman LA - Worldwide similarities and differences in the foregoing of life-sustaining treatments. Intensive Care Med, 1996;22: Withholding and withdrawing life-sustaining therapy. This Official Statement of the American Thoracic Society was adopted by the ATS Board of Directors, March Am Rev Respir Dis 1991;144: Meisel A - Legal myths about terminating life support. Arch Intern Med, 1991;151: Faber-Langendoen K, Bartels DM - Process of forgoing life-sustaining treatment in a university hospital: an empirical study. Crit Care Med, 1992;20: Snyder JW, Swartz MS - Deciding to terminate treatment: a practical guide for physicians. J Crit Care, 1993;8: Schneiderman LJ, Spragg RG - Ethical decisions in discontinuing mechanical ventilation. N Engl J Med, 1988;318: Meisel A, Grenvik A, Pinkus RL et al - Hospital guidelines for deciding about life-sustaining treatment: dealing with health limbo. Crit Care Med, 1986;14: Ruark JE, Raffin TA - Initiating and withdrawing life support. Principles and practice in adult medicine. N Engl J Med, 1988;318: Vincent JL - Forgoing life support in western European intensive care units: the results of an ethical questionnaire. Crit Care Med, 1999;27: Ethical and moral guidelines for the initiation, continuation, and withdrawal of intensive care. American College of Chest Physicians/ Society of Critical Care Medicine Consensus Panel. Chest, 1990;97: Aleluia LM, Peixinho AL - O médico diante da morte: Aspectos da relação médico-paciente terminal. Rev Bras Terap Intens, 2002;14: Moritz RD, Pamplona F - Avaliação da recusa ou suspensão de tratamentos considerados fúteis ou inúteis em UTI. Rev Bras Terap Intens, 2003;15: Moritz RD, Dantas A, Matos JD et al - O comportamento do médico intensivista brasileiro diante da decisão de recusar ou suspender um tratamento. Rev Bras Terap Intens, 2001;13: Cook DJ, Guyatt GH, Jaeschke R et al - Determinants in Canadian health care workers of the decision to withdraw life support from the critically ill. Canadian Critical Care Trials Group. JAMA 1995;273: Attitudes of critical care medicine professionals concerning forgoing life-sustaining treatments. The Society of Critical Care Medicine Ethics Committee. Crit Care Med, 1992;20: Smedira NG, Evans BH, Grais LS et al - Withholding and withdrawal of life support from the critically ill. N Engl J Med, 1990;322: Turner JS, Michell WL, Morgan CJ et al Limitation of life support: frequency and practice in a London and a Cape Town intensive care unit. Intensive Care Med, 1996;22: Prendergast TJ, Luce JM - Increasing incidence of withholding and withdrawal of life support from the critically ill. Am J Respir Crit Care Med, 1997;155: Osborne M, Patterson J - Ethical allocation of ICU resources: a view from the USA. Intensive Care Med, 1996;22: Halevy A, Neal RC, Brody BA - The low frequency of futility in an adult intensive care unit setting. Arch Intern Med, 1996;156: Schneiderman LJ, Jecker NS, Jonsen AR - Medical futility: its meaning and ethical implications. Ann Intern Med, 1990;112: Consensus statement on the triage of critically ill patients. Society of Critical Care Medicine Ethics Committee. JAMA, 1994;271: A controlled trial to improve care for seriously ill hospitalized patients. The study to understand prognoses and preferences for outcomes and risks of treatments (SUPPORT). The SUPPORT Principal Investigators. JAMA, 1995;274: Sprung CL, Eidelman LA, Pizov R et al - Influence of alterations in foregoing life-sustaining treatment practices on a clinical sepsis trial. The HA-1A Sepsis Study Group. Crit Care Med, 1997;25: Luce JM, Raffin TA - Withholding and withdrawal of life support from critically ill patients. Chest, 1988;94: Fairman RP - Withdrawing life-sustaining treatment. Lessons from Nancy Cruzan. Arch Intern Med, 1992;152: Moritz RD, Nassar M - A atitude dos profissionais de saúde diante da morte. Rev Bras Terap Intens, 2004;16: RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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