JOHN RAWLS A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE (LIBERALISMO SOCIAL)
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- Eduarda Cármen Mangueira Soares
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1 JOHN RAWLS A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE (LIBERALISMO SOCIAL) (Usados excertos de: Filosofia 10º Ano, Luís Rodrigues, Plátano Editora, 2009 e John Rawls, Uma Teoria da Justiça, Ed. Presença, Lisboa, 1993) 1. John Rawls ( filósofo norte americano) publicou em 1971 a sua principal obra («Uma Teoria da Justiça»). Esta obra deu origem a um grande número de comentários sob a forma de artigos, livros e colóquios. A que se deve a sua importância? Ao facto de Rawls tentar conciliar dos conceitos para muitos dificilmente compatíveis ou mesmo totalmente incompatíveis: a liberdade individual e a igualdade. 2. Como deve organizar-se uma sociedade para que o seu funcionamento seja justo, isto é, para que os mais desfavorecidos não sejam sacrificados em nome do igualitarismo? Para Rawls trata-se de encontrar um meio-termo entre o liberalismo irrestrito (fraca intervenção do Estado na livre concorrência entre os indivíduos) e o socialismo autoritário (controlo praticamente total da vida económica por parte do Estado). 3. A conceção de justiça de Rawls revela uma nítida influência das teorias contratualistas do séc. XVIII. Como concebe Rawls o contrato social? Como um pacto cujo objetivo é estabelecer uma sociedade essencialmente justa e livre. O contrato social é um pacto originário (posição original) entre indivíduos iguais e livres que escolhem instituições e normas que promovam a liberdade e a igualdade entre todos. 4. Mas como escolher princípios de justiça que promovam a igualdade entre todos se, dada a condição socioeconómica, cada um de nós tende a escolher princípios em função da sua situação pessoal (dos seus interesses)? 5. Para melhor descrever o contrato social originário, Rawls fala de posição original. A posição original é uma situação imaginária (hipotética e provisória) de total imparcialidade em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios de
2 justiça. Para que tal imparcialidade se verifique essas pessoas devem estar cobertas por um Véu de ignorância. 6. Imagine que está num grupo de pessoas prestes a criar de raiz uma nova sociedade e um novo governo. Essas pessoas têm uma tarefa muito importante que é a de decidir como construir uma sociedade justa. Estão numa condição muito especial, a bem dizer extraordinária: estão cobertas por um véu de ignorância quanto à sua condição na futura sociedade. Assim sendo, não sabe se vai ser homem ou mulher, rico ou pobre, doente ou saudável, idoso ou jovem, pouco ou muito dotado em termos inteletuais, não sabe a que grupo étnico vai pertencer, nem se vai ser católico, protestante, ortodoxo, muçulmano, judeu ou ateu. Em termos gerais não sabe se vai estar no topo, no meio ou no fundo da escala social. Pensa que dada essa condição deve escolher um governo e uma sociedade justa para todos. «( ) Vou escolher um tipo de sociedade que discrimine os ateus? Não, porque posso vir a ser ateu. Quero uma sociedade e um governo indiferentes às necessidades dos mais carenciados, que não intervenha para atenuar a desigualdade económica? Não, porque não sei se não virei a estar nessa situação. Quero uma sociedade em que haja discriminação racial no acesso às posições e lugares economicamente mais favoráveis? Não, porque não sei a que grupo racial irei pertencer. A prudência aconselha-me mesmo a que me prepare para o pior. Assim, vou escolher um tipo de sociedade em que, se me encontrar numa situação desfavorável, me seja garantido um nível de vida minimamente digno. Nestas condições seria tolice minha pensar que os outros irão aceitar que a futura sociedade se reja por princípios que, beneficiando-me, os prejudicarão. Nem posso aceitar princípios que beneficiem os outros em detrimento dos meus interesses. O mais provável é que todos aprovem uma igual distribuição dos recursos sociais. Mas e se, como é muito provável dadas as diferenças entre os seres humanos, houver desigualdade económica? Admitirei essa desigualdade se ela também for de alguma forma vantajosa para mim. Nem todos vamos ter o mesmo nível de vida, mas não aprovarei
3 princípios que permitam que os outros colham benefícios e eu unicamente prejuízos. E se nem todos vamos ser iguais, pelo menos que haja igualdade de oportunidades. Não quero uma sociedade que unicamente respeite os meus direitos políticos, que me permita votar e expressar as minhas ideias, quero também uma sociedade que respeite os direitos das pessoas a bens materiais e a serviços sociais». (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, Ed. Presença, Lisboa, 1993). OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA EQUITATIVA Uma sociedade justa deve então cumprir as seguintes condições: 1. Assegurar a cada membro o maior conjunto possível de liberdades básicas (direito de voto, de ocupar um posto público, de reunião, de expressão, de propriedade pessoal, etc.) compatíveis com uma liberdade igual para todos. É o princípio de igual liberdade. 2. As posições sociais mais vantajosas (salários mais elevados, por exemplo) devem estar ao alcance de todos com base na igualdade de oportunidades. É o princípio da igualdade de oportunidades. 3. As desigualdades socioeconómicas (de estatuto social, de rendimentos e de riqueza) são admissíveis se funcionarem a favor de todos, sobretudo dos mais desfavorecidos. É o chamado princípio da diferença, (considerado a maior contribuição de Rawls para o pensamento político e igualmente a sua tese mais controversa). a) Quanto ao primeiro princípio (princípio de igual liberdade), há um alargado consenso. Repare-se que não se exige simplesmente igual liberdade política e cívica, mas também o máximo de liberdade individual que não interfira com as liberdades de todos. Este princípio tem precedência sobre todos os outros, isto é, a liberdade não pode ser sacrificada em nome do bem-estar da maioria ou em nome da felicidade geral. No entanto, esta prioridade só é plausível se todos tiverem atingido um nível de vida acima do limiar da pobreza. Também viola esse princípio ter de abdicar de uma determinada crença religiosa e aderir a outra para ter acesso a certos cargos públicos relevantes, como
4 foi, por exemplo, o caso, ao longo da história, de muitos judeus que quiseram ser juízes ou advogados. b) O princípio da igualdade de oportunidades significa que cada um deve ter as mesmas oportunidades de acesso às várias funções e posições sociais. De que igualdade se trata? De uma igualdade semelhante à que acontece nas corridas de atletismo. Numa corrida de 400 metros planos as posições de saída dos atletas são diferentes. Esta medida tem como objetivo compensar as desigualdades geradas pela forma da pista, tornando possível a igualdade de condições de saída. Imaginemos a seleção para postos de trabalho numa empresa. É justo que as posições mais vantajosas e os restantes lugares sejam dados aos mais qualificados. Contudo, a igualdade de oportunidades é mais do que isso. Exige que todos os concorrentes aos lugares tenham tido a possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em qualquer outra instituição. c) O princípio da diferença corresponde ao modo como Ralws entende a equidade. A EQUIDADE equivale a uma distribuição desigual dos bens básicos que deve favorecer quem se encontra em pior situação por razões económicas, físicas ou intelectuais. Por outras palavras, justifica-se que algumas pessoas ganhem acima da média desde que essa desigualdade beneficie os membros menos favorecidos da sociedade. d) Como se justifica moralmente a desigualdade económica? Rawls apresenta duas razões interligadas. A desigualdade justifica-se: a) se beneficiar todos os membros da sociedade, em especial os menos favorecidos. b) se for uma condição necessária e suficiente para incentivar uma maior produtividade. e) Um certo grau de desigualdade em que uns possam ganhar mais do que outros torna as pessoas mais produtivas e, aumentando o tamanho do bolo, cada qual pode receber uma fatia maior do que em situação de fraca ou menor produtividade. Se a desigualdade existente for maior do que o necessário para aumentar a produtividade então ela é injusta, moralmente inaceitável.
5 f) Ralws quer dizer que, até certo ponto, a desigualdade económica é um incentivo que aumenta a produtividade global da sociedade. Assim, há mais recursos e bens que podem (e devem) ser canalizados para beneficiar os que estão em situação menos vantajosa. Os impostos são uma destas formas de assistência contínua aos que estão em piores condições. (Este princípio tem em conta que numa sociedade de total igualdade a produtividade poderia ser tão baixa que todas as pessoas, inclusive os mais desfavorecidos, seriam prejudicados). g) O propósito do princípio da diferença é o de regular e corrigir as desigualdades. Assim, os mais afortunados têm o direito de satisfazer os seus interesses e ambições desde que o exercício das suas capacidades também traga vantagens aos que não foram favorecidos pelos acasos naturais (doença incapacitante, etc.) e sociais (ter nascido numa classe social desfavorecida, etc.). h) Ralws defende a liberdade individual quer no plano político quer no plano económico, mas procura corrigir uma distribuição demasiado desigual da riqueza e dos benefícios sociais. Por isso mesmo, a sua teoria recebe o nome de liberalismo social. Uma acentuada desigualdade económica - uma distribuição muito desequilibrada dos bens sociais - põe em causa a igualdade de oportunidades e, assim sendo diminui significativamente as liberdades dos mais desfavorecidos. A QUESTÃO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL E/OU OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA «( ) Parto do princípio de que a sociedade em questão é quase justa; isto implica que ela possui uma forma de governo democrático, embora possam apesar disso existir injustiças sérias. Parto do pressuposto de que em tal sociedade os princípios da justiça são no essencial publicamente reconhecidos como constituindo os termos fundamentais para uma cooperação entre sujeitos livres e iguais. Deste modo, ao recorrer à desobediência civil, deseja-se apelar ao sentido de justiça da maioria e advertir de forma pública que, a nossa opinião sincera e ponderada, as condições para uma cooperação
6 livre estão a ser violadas. Apelamos aos outros que reconsiderem, que se coloquem na nossa posição e que reconheçam que não podem esperar indefinidamente o nosso consentimento quanto às condições que nos impõem. Ora, o impacto deste apelo depende da conceção democrática da sociedade como sistema de cooperação entre pessoas iguais. Se encararmos a sociedade de outra forma, este tipo de protesto pode ser deslocado. Por exemplo, se a lei básica for vista como refletindo a ordem natural e se o governo governar por direito divino enquanto representante escolhido por Deus, os súbditos terão apenas o direito de súplica. Podem apresentar o seu caso mas, se a decisão lhes for desfavorável, não podem desobedecer. Fazê-lo seria uma revolta contra a mais alta autoridade moral legítima (e não apenas jurídica). Isto não significa que o soberano não possa errar, mas apenas que não cabe aos seus súbditos corrigir tal erro. Mas, uma vez interpretada a sociedade como uma forma de cooperação entre iguais (Democracia), aqueles que são vítimas de uma injustiça séria não são obrigados à submissão. Na verdade, a desobediência civil (e também a objeção de consciência) é um dos mecanismos estabilizadores de um sistema constitucional, embora por definição seja um mecanismo ilegal. Juntamente com as eleições livres e regulares e um poder judicial independente, competente para interpretar a constituição (a qual não tem que ser escrita), a desobediência civil, quando utilizada de forma moderada e ponderada ajuda a manter as instituições justas. Ao resistir à injustiça, dentro dos limites do direito, ela serve para impedir os desvios face às regras da justiça e para os corrigir caso ocorram. O facto de os cidadãos estarem em geral dispostos a recorrer à desobediência civil justificada é um elemento de estabilidade na sociedade bem ordenada ou que seja justa». (John Rawls, Uma Teoria da Justiça, Ed. Presença, Lisboa, 1993) Analise o texto de John Rawls quanto à legitimidade (ou não) da desobediência civil». Justifica.
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