Kosi omi, kosi orixá. Sem água, sem orixá.

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MODELAGEM EM CIÊNCIAS DA TERRA E DO AMBIENTE-PPGM CLÁUDIA OLIVEIRA DOS SANTOS Kosi omi, kosi orixá. Sem água, sem orixá. Modelagem etnoecológica sobre uso da água no Ilê Axé Iyá Nassô Oká / Terreiro da Casa Branca, em Salvador-Bahia FEIRA DE SANTANA - BAHIA 2009

2 CLÁUDIA OLIVEIRA DOS SANTOS Kosi omi, kosi orixá. Sem água, sem orixá. Modelagem etnoecológica sobre uso da água no Ilê Axé Iyá Nassô Oká / Terreiro da Casa Branca, em Salvador-Bahia Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Modelagem em Ciência da Terra e do Meio Ambiente da Universidade Estadual de Feira de Santana. Orientador: Profº Dr. FÁBIO PEDRO SOUZA DE FERREIRA BANDEIRA FEIRA DE SANTANA - BAHIA 2009

3 Ficha catalográfica - Biblioteca Julieta Carteado da Universidade Estadual de Feira de Santana. Santos, Cláudia Oliveira dos. Kosi omi, kosi orixá. Sem água, sem orixá: Modelagem etnoecológica sobre uso da água no Ilê Axé Iyá Nassô Oká/Terreiro da Casa Branca, em Salvador-Bahia./Cláudia Oliveira dos Santos Feira de Santana, x, fls + anexo = Dissertação (Mestrado): DEXA/UEFS Orient.: Bandeira, Fábio Pedro Souza de Ferreira 1. Água 2. Candomblé 3. Etnoecologia I. Título

4 CLÁUDIA OLIVEIRA DOS SANTOS Kosi omi, kosi orixá. Sem água, sem orixá Modelagem etnoecológica sobre uso da água no Ilê Axé Iyá Nassô Oká / Terreiro da Casa Branca, em Salvador-Bahia Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Modelagem em Ciência da Terra e do Meio Ambiente da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 29 de Outubro de 2009 BANCA EXAMINADORA Profº Drº Fábio Pedro Souza de Ferreira Bandeira Universidade Estadual de Feira de Santana/ UEFS Profº Drº Carlos César Uchôa de Lima Universidade Estadual de Feira de Santana / UEFS Profº. Drº Antônio Almerico Biondi Lima Universidade Estadual de Feira de Santana / UEFS

5 Ao meu irmão Clebson (Keu) minha mais profunda saudade, saudade sem fim... Sempre foi um cara do bem, entusiasta, determinado, sonhador, um guerreiro, apaixonado pela vida. Dedico a ele esta vitória.

6 AGRADECIMENTOS Esta é uma parte difícil, onde posso cometer o erro de esquecer alguém. Vejo a trajetória trilhada e queria saber o nome de cada um que cruzou meu caminho, dos motoristas de ônibus que me conduziram tantas vezes nessas idas e vindas de Salvador até Feira de Santana até o pessoal da cantina que muitas vezes me serviu um lanche na hora da fome. Bem, mas vamos lá. Quero agradecer primeiramente a Deus, que aprendi a também chamar de Olodumaré. Obrigada meu Deus por cada instante, pelas inspirações, pelas pessoas que encontrei nessa caminhada, por cada dorzinha de cabeça, obrigada por esta realização! Agradeço às instituições. Obrigada à Universidade Estadual de Feira de Santana, na pessoa da professora Majorie Nolasco coordenadora da PPGM, por acreditar nessa pesquisa e estimular meu retorno ao mundo acadêmico. Agradeço à professora Graça, da Biblioteca Julieta Carteado, pela grande generosidade em nos ajudar na revisão das referências desta dissertação. Obrigada ao Instituto de Gestão das Águas e Clima, na pessoa do gestor público e também professor, Julio Cesar de Sá da Rocha, pelo investimento feito nas pessoas, mediante parceria com a universidade visando qualificar os seus quadros para melhor servir à sociedade. Obrigada a Conder por ceder as fotos que nos ajudaram a retratar um pouco como era a área do entorno do Terreiro da Casa Branca. Muito obrigada aos professores da PPGM da UEFS com os quais cursei disciplinas e que de uma forma ou de outra me ajudaram no amadurecimento da pesquisa. Obrigada aos meninos da PPGM, Tiago e Juciane, pelo apoio e disponibilidade em nos ajudar sempre. Obrigada aos meus companheiros (as) de curso e em especial às meninas: Viviane, Patrícia, Fátima, Oriana. Obrigada mais que especial a Érika e família (Nilson, Geovana e Guilherme) que tantas vezes nos abrigaram em sua casa com tanto carinho. Obrigada a Andréa Freitas pela ajuda na ilustração sobre ciclo hidrológico, a Ana Chérie e Béatrice pela contribuição na tradução do resumo, a Camilo pela ajuda no tratamento de imagens antigas do entorno do terreiro. Obrigada imensamente aos professores Almerico Biondi Lima e José Geraldo Marques que cumpriram um papel fundamental nessa construção, atuando, considero, como coorientadores na pesquisa. Emprestaram-me livros, instruíram-me, me abraçaram, me acolheram. Obrigada ao professor Uchôa pelo incentivo, sempre. Muito obrigada ao meu pró Fábio Bandeira. Mais que um orientador, tornou-se um grande amigo. Afinal, foram tantos os aconselhamentos, foram tantas as palavras amigas e consoladoras diante de minhas angústias. Muitíssimo obrigada ao povo da Casa Branca, com quem aprendi um pouco, dentro das minhas limitações, sobre Candomblé e aprendi muito sobre fé, solidariedade, respeito aos preceitos da religião, à ancestralidade e aos orixás. Obrigada a todos que me ajudaram nesses dois anos de pesquisas nos concedendo entrevistas, permitindo nosso ingresso na comunidade. Quero fazer um agradecimento especial à Ekedy Sinha, uma pessoa adorável. Uma sábia que tem paciência de explicar, paciência para orientar sobre o Candomblé e está sempre com os braços abertos para abrigar em seu colo todos aqueles que dela se aproximam buscando uma palavra de carinho, um pouco de paz. Não à toa é chamada por muitos como Mãe Sinha. Obrigada a Arielson da Conceição, Ogan Léo, presidente da Associação São

7 Jorge do Engenho Velho, árduo defensor do Candomblé e guardião da Casa Branca, pela acolhida. Obrigada aos meus amigos Tati, Glad, Pati, Teotônio e Henrique que sempre estão do meu lado. Quero agradecer à minha família, minha razão de ser. Obrigada à minha avó Maria. Mulher guerreira, 89 anos de idade. Não teve a chance de estudar, não aprendeu a identificar no papel as palavras, mas com seus exemplos tem sido a grande professora na escola da minha vida, nos repassados valores como: ética, dignidade, respeito ao próximo, solidariedade, generosidade, humildade e tantos outros. Obrigada a minha mãe, dona Terezinha, minha linda, minha inspiração para vencer e saber que esse vencer é simplesmente ser feliz. Obrigada a meu pai, seu Bartolomeu, homem com princípios sólidos, ético, honrado, trabalhador. Obrigada aos meus irmãos Carlton, Maria Aparecida, Clebson (in memorian) e Evellyn por serem como são, junto comigo, uma corrente inseparável. Obrigada também aos meus cunhados Roberto, Luciana e Sheilinha e aos meus sobrinhos: Andressa, Bruna, Beatriz, Breno e Clarissa pelas alegrias que me dão. Ao meu amor Valderi mais que obrigada. Chegar até aqui é ter ainda mais a certeza de que fui abençoada por Deus ao conhecê-lo. Chegar até aqui é saber que amor se consolida com gestos de solidariedade, de cuidado, de delicadeza, quando se anda de mãos dadas, em reciprocidade, sobretudo, nos momentos mais difíceis. Chegar até aqui é saber que posso ir para onde quiser desde que você esteja sempre ao meu lado, amor.

8 RESUMO Esta pesquisa se baseia na análise da relação entre tradições religiosas (ritos e mitos) da Comunidade de Terreiro Ilê Axé Iya Nassô Oká/Casa Branca, em Salvador, considerado o mais antigo do país, e a proteção dos recursos hídricos, com uma abordagem etnoecológica, mediante pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, abordando a temática com poucos estudos e sem registro no Terreiro em foco. Foram utilizadas técnicas etnográficas, como entrevistas semiestruturadas com 15 religiosos do Terreiro e observação participante do ciclo religioso da Casa Branca, no período de junho a dezembro de A pesquisa revelou, portanto, como os saberes que são transmitidos de uma geração a outra, a partir de mitos e ritos estão relacionados à sustentabilidade da água, elemento sagrado para o povo de santo, e por serem considerados modelos de representação da realidade, como contribuem para que iniciadas e iniciados tenham uma relação diferenciada com os recursos hídricos ao ponto de protegê-los e conservá-los dentro e fora do terreiro. Palavras-chave: Água, Candomblé, sustentabilidade hídrica.

9 ABSTRACT This research is based on the analysis of the relationship between religious traditions (rituals and myths) in the Community of Terreiro Ilê Axé Iya Nassô Oká / Casa Branca in Salvador, Brazil, considered as the oldest in the country, and their protection of water resources, within an ethno-ecologic approach, by the means of qualitative research of the case study type, addressing the issue with little study and no record in the referred Terreiro. Ethnographic techniques, such as semi structured interviews with 15 religious of the Terreiro and participative observation of the religious cycle at Casa Branca from June to December The research revealed, thus, how the knowledge which is transmitted from one generation to another through myths and rituals is related to the sustainability of water, sacred element for the people of the saint, since they are considered as models of representation of reality, how they contribute to the initiates having a differentiated relationship with the water resources so much that they keep them and protect them inside and outside of the Terreiro. Key words: water, Candomblé, sustainability of water

10 LISTA DE FIGURAS E QUADRO Figura 1 - Gráfico sobre a distribuição da água existente no planeta...31 Figura 2 - Esquema sobre previsão do que deverá acontecer no mundo devido às mudanças climáticas segundo do IPCC...33 Figura 3 - Esquema sobre causas e consequências da escassez hídrica...34 Figura 4 - Esquema sobre situação da água no Brasil e distribuição para os diversos usos...38 Figura 5 - Mapa da divisão hidrográfica da Bahia em 26 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas...40 Figura 6 - Mapa sobre potencial de terras para irrigação na Bahia (PERH, 2000)...41 Figura 7 - Mapa sobre a qualidade da água dos rios na Bacia Hidrográfica do Recôncavo Norte e Inhambupe...43 Figura 8 - Mapa sobre balanço hídrico na Bahia. Nas áreas em vermelho, regiões com saldo de balanço hídrico menor que 0,0 m³/s...43 Figura 9 - Fundamentos, objetivos e diretrizes da Lei das Águas...51 Figura 10 - Esquema com os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos...52 Figura 11 - Esquema com a composição do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos...54 Figura 12 - Fotos dos Encontros pelas Águas e 57 Figura 13 - Esquema sobre o significado da água na visão do povo de santo...78 Figura 14 - Esquema sobre os orixás das águas...81 Figura 15 - Fotos aéreas do Barracão (A), de árvores sagradas e que revelam a expansão urbana no entorno do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho...86 e 87 Figura 16 - Fotos do telhado do barracão, da casa da família da palha e o assentamento de Oxossi ladeados por construções de casas...87 e 88 Figura 17 - Foto do assentamento de Exu dentro do barracão do Terreiro da Casa Branca...88 Figura 18 - Foto do altar que fica dentro do barracão...89 Figura 19 - Foto da porta de acesso ao corredor do barracão onde fica, por exemplo, o quarto de Oxalá...89

11 Figura 20 - Fotos da cadeira da yalorixá e da porta do quarto de Xangô e das yabás...90 Figura 21 - Foto do barracão com destaque para a imagem que simboliza Logunedé e os atabaques...90 Figura 22 - Imagem da planta do Barracão e fotos da coroa de Xangô e de uma tela com figura de Xangô (D)...91 e 92 Figura 23 - Placa na entrada do Terreiro da Casa Branca que mostra o tombamento do espaço como Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil...95 Figura 24 Organograma sobre a composição do sistema hierárquico do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho...96 Figura 25 - Imagem aérea da parte da frente do Terreiro onde está o Rio Lucaia e foto do l local datada de Figura 26 - Fotos aéreas do Terreiro da Casa Branca de 1976, 1980, 1989, 1992 e Mostram a expansão urbana no entorno da Casa Branca e como as construções vão substituindo a vegetação...99 e 100 Figura 27 - Fotos da frente do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho. As duas mostram como o rio Lucaia foi transformado em esgoto Figura 28 - Fotos da fonte de Oxum do Barco (A e B), da Fonte de Oxum (C e D), (E) da fonte de Oxumaré e (F) da Fonte de Oxum, Nanã e Iemanjá, no Espaço Vovó Conceição e 105 Figura 29 - Modelo com a sequência de obrigações com uso da água nos rituais do Ilê Iyá Axé Nassô Oká Figura 30 - Modelo que mostra a relação dos orixás com a água doce na visão de iniciados e iniciadas do Terreiro da Casa Branca Figura 31 - Modelo que indica a relação dos orixás com a natureza e qual a relação das divindades com a água conforme entendimento de iniciados do Ilê Axé Iyá Nassô Oká Figura 32 - Modelo que indica o papel do orixá Oxumaré no movimento das águas Figura 33 - Modelo do ciclo hidrológico conforme Hidrologia Figura 34 - Modelo que mostra como os orixás são visto nos elementos da natureza segundo entendimento de autoridade religiosa da Casa Branca Figura 35 - Foto da representação de Indancô Figura 36 - Foto do Barco de Oxum da Casa Branca Figura 37 - Foto da fonte ornamental de Oxum...123

12 Figura 38 - Fotos da casa de Oxum e das quartinhas com água sagrada Figura 39 - Escadarias que dão acesso à entrada principal do barracão Figura 40 - Fotos do machado de duas lâminas de Xangô, do arco e flecha de Oxossi e do assentamento de Exu Figura 41 - Fotos do assentamento de Xangô Airá e da fonte de Oxumaré Figura 42 - Fotos dos alguidás com acassá que são distribuídas em alguns lugares do Terreiro para agradar os orixás e 128 Figura 43 - Fotos dos assentamentos de Ossain e Irôco e 129 Figura 44 Fotos dos assentamento de Ogun e das yás Figura 45 - Fotos da casa da família da palha e assentamento de Exu com quartinhas com água sagrada Figura 46 - Fotos dos assentamento de Oxossi e Ibualama, com quartinhas e purrões onde são preparados os banhos de folha Figura 47 - Água no assentamento de Exu dentro do barracão Figura 48 - Modelo sobre a distribuição da água sagrada no espaço geográfico do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho Figura 49 - Fotos da porta dos fundos do barracão, assentamento da ancestralidade estrutura de madeira onde é feita a casa para a saída de Oxalá Figura 50 - Modelo que retrata a circulação da água na cerimônia de Águas de Oxalá e sua transformação do estado sagrado para divino Figura 51 - Fotos da retirada da água da Fonte de Oxum para análise bacteriológica Quadro 01 - Resultados da análise da qualidade da água da Fonte de Oxum, conforme análise da Embasa...150

13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO PROBLEMATIZAÇÃO E METODOLOGIA AS DESCOBERTAS DO SAGRADO O PERCURSO METODOLÓGICO OS SUJEITOS DA PESQUISA PANORAMA DA ESCASSEZ HÍDRICA A ÁGUA NO MUNDO ABUNDÂNCIA E ESCASSEZ HÍDRICA: BRASIL DAS CONTRADIÇÕES BAHIA: POTENCIALIDADES E VULNERABILIDADES HÍDRICAS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS: UM OLHAR PARA A SUSTENTABILIDADE A POLÍTICA DAS ÁGUAS A LEI DAS ÁGUAS E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DOS USOS COMUNIDADES TRADICIONAIS: A CARTA PELAS ÁGUAS COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS CANDOMBLÉ: UMA BREVE INTRODUÇÃO CANDOMBLÉ: HERANÇA ÉTNICA E RELIGIOSA MITOS E RITOS: MODELOS DE REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE DIVINDADES E NATUREZA ORIXÁS DAS ÁGUAS RESULTADOS E DISCUSSÕES. O TERREIRO DA CASA BRANCA O LUGAR DA PESQUISA A CASA BRANCA E A RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE, O ANTIGO

14 RIO: SIGNIFICADO E TRANSFORMAÇÕES AO LONGO DO TEMPO USO MÁGICO RELIGIOSO DA ÁGUA NA CASA BRANCA ÁGUA: A DIMENSÃO DO SAGRADO NA CASA BRANCA ÁGUA NO ESPAÇO SAGRADO ÁGUA NOS MITOS E RITOS DA CASA BRANCA RITUAL DE ÁGUAS DE OXALÁ: ÁGUA SAGRADA E DIVINIZADA FESTA PÚBLICA: REVERÊNCIA COLETIVA A OXALÁ AS FESTAS DE OXUM A POLUIÇÃO DA FONTE E A LIMITAÇÃO RITUAL A CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO...174

15 15 INTRODUÇÃO A crise da água de distribuição, conhecimento, acesso, recursos - é pauta cada vez mais frequente na agenda mundial e apontada como um problema que já afeta as atuais e compromete as futuras gerações e todas as formas de vida no planeta. Valorizada e respeitada em todas as religiões e culturas, a água também se tornou símbolo de equidade social na medida em que a crise da água de distribuição, conhecimento, acesso, recursos veio à baila (SELBORNE, 2002). Necessária em todos os aspectos da vida, a água está vinculada e imbricada ao processo de desenvolvimento global, seja como insumo fundamental para produção nas diversas indústrias ou pela produção agrícola, por sua influência sobre a saúde (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU; WATER FOR PEOPLE, WATER FOR LIFE: EXECUTIVE SUMARY OF THE UN WORLD WATER DEVELOPMENT REPORT - WWAP, 2003), ou ainda, em meio do debate sobre a sustentabilidade do desenvolvimento. Bem finito que corresponde a apenas 3% de toda a água doce existente no planeta é cada vez mais escasso em função de questões como a poluição e merecedor do cuidado por parte de toda a humanidade. No contexto mundial cuja tendência é a de que guerras passem a ser mais freqüentes em função da água, é necessário um olhar sobre esse bem que deve ser de uso comum nos seus mais diferentes aspectos. Por isso, o interesse em pesquisar a relação do povo de santo com a água, por meio do Ilê Axé Iyá Nassô Oká também conhecido como Terreiro da Casa Branca, em Salvador. Dessa relação surge a questão: As tradições religiosas, os ritos e mitos, contribuem para que as pessoas tenham uma postura diferenciada no trato com a água cotidianamente dentro e fora do Terreiro? Antes de adentrar no foco da pesquisa, de procurar respostas para questionamentos como estes, no entanto, é apresentado, no segundo capítulo, o percurso metodológico, como foi o contato com a religião de matriz africana, os métodos utilizados na pesquisa, o perfil das pessoas entrevistadas. Em seguida, no terceiro capítulo, faz-se uma abordagem quanto ao panorama da água no mundo. Uma pesquisa foi realizada sobre a disponibilidade de água no planeta, buscando na literatura, países onde as populações sofrem com a falta de água, onde há conflitos por causa dela. Este capítulo apresenta, minimamente, um diagnóstico sobre a escassez hídrica que está associada seja a questões de ordem climática, de má distribuição, de

16 16 uso excessivo dos recursos hídricos para atividades das mais diversas, como indústria e agricultura, ou está relacionada ainda à poluição. Esta contextualização incitou ir além com o levantamento de dados sobre a situação da escassez hídrica no Brasil, país com a maior disponibilidade hídrica do mundo - entre 12 e 16% das reservas hídricas do planeta -, e onde milhares de pessoas enfrentam esse problema. (REBOUÇAS, 2004, p.145). Foi necessário compreender um pouco dessa realidade neste país para entender porque com tanta abundância de água, há escassez. Foram levantados dados sobre disponibilidade hídrica na região do Semi-Árido Brasileiro que agrega os estados nordestinos e parte de Minas Gerais e onde vivem cerca de 34 milhões de pessoas. Uma região que tem 24% da população urbana do país (IBGE, 2000) e é a mais afetada pela escassez dos recursos hídricos. Da mesma forma, foi feito uma pequena pesquisa para mostrar, minimamente, qual a situação dos recursos hídricos na Bahia maior estado do Nordeste, apresentando dados sobre as potencialidades e vulnerabilidades hídricas e a escassez hídrica no estado decorrente de fatores como a poluição das águas superficiais e subterrâneas. Importante também, nesse cenário, foi apresentar iniciativas adotadas em nível global, como tratados e convenções, retratando alguns aspectos de como está ocorrendo essa mobilização planetária, nacional e em níveis locais numa tentativa de assegurar águas em quantidade e qualidade para as atuais e futuras gerações. Reporta-se, nessa perspectiva, à Conferência de Estocolmo em 1972, à Eco 92 e às Agendas 21. Para contribuir com o maior entendimento quanto aos instrumentos de controle do uso das águas no Brasil e na Bahia, destacou-se no quarto capítulo, a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Como um dos fundamentos desta Política é a gestão participativa das águas, foi feita uma abordagem, ainda neste capítulo, sobre formas de inclusão de povos e comunidades tradicionais na Gestão dos Recursos Hídricos da Bahia, com foco na elaboração da Carta pelas Águas. Este documento foi produzido durante os chamados Encontros pelas Águas 2007 que reuniram comunidades de terreiro, pescadores e marisqueiras, povos indígenas, povos do campo, quilombolas e os segmentos criança, juventude e mulheres, que juntos, abordaram seus modos de se relacionar com a água e propuseram diretrizes para as políticas públicas das águas ao governo do Estado da Bahia em uma ação fomentada pelo próprio Estado, por meio do seu órgão gestor de recursos hídricos. No quinto capítulo, buscou-se compreender mais sobre o Candomblé, as diferentes nações, minimamente retratar essa herança étnico-religiosa, sua resistência ao longo dos

17 17 séculos. Fez-se necessário, portanto, buscar bases conceituais sobre essa religião de matriz africana, sobre suas características mais marcantes e como os ritos e mitos, modelos de representação da realidade, ajudam a manter as tradições e são fundamentais para que elas sejam passadas de geração em geração. Obviamente, nesse âmbito, pesquisou-se sobre as divindades cultuadas no Candomblé e, sobretudo, a relação destes com a natureza focando os orixás das águas, do ponto de vista do Candomblé de Tradição Ketu. A posteriori, no sexto capítulo, começam a ser apresentados resultados efetivos da pesquisa, mais notadamente sobre o Terreiro da Casa Branca, a caracterização da área, as origens do Terreiro, como foi instalado onde está até hoje às margens do Rio Lucaia, no bairro do Rio Vermelho. Recorreu-se à literatura existente sobre a Casa Branca e a iniciados do Terreiro para verificar a relação desta comunidade com a natureza, com a água e particularmente com o rio que margeia o Terreiro, para tentar descrever o seu significado para as práticas rituais do ilê axé e as transformações que este manancial passou ao longo do tempo. Outra abordagem repercute como a poluição do rio contribuiu para a mudança de comportamento no uso das águas superficiais do ponto de vista doméstico e nas práticas rituais do povo de santo do Terreiro. Em seguida, no sétimo capítulo, são destacadas situações de como se dá o uso mágico religioso da água na Casa Branca, a água na dimensão do sagrado para iniciados, como a água está distribuída no espaço sagrado. O oitavo capítulo revela como a água está presente nos mitos e em ritos da Casa Branca, a exemplo do ritual de Águas de Oxalá e nas festas de Oxum e de Oxum do Barco. Modelos são elaborados neste e em outros capítulos para auxiliar na compreensão do uso da água do ponto de vista do sagrado, como está presente nos rituais, como a água delimita simbolicamente a presença dos orixás nos assentamentos, como estabelece o vínculo entre as divindades e como os orixás são vinculados também a outros elementos da natureza. Ainda no oitavo capítulo, mais resultados da pesquisa: a influência do Candomblé no uso da água por parte dos iniciados dentro e fora do Terreiro, como iniciados se relacionam com a água no cotidiano, quais suas atitudes no uso doméstico, fora do Candomblé. Para responder a outras perguntas norteadoras da pesquisa, o estudo mostra dados sobre a poluição da fonte sagrada e as implicações disso nos rituais. Deve-se salientar, que embora seja foco de várias pesquisas no campo antropológico, sociológico e outros, o Candomblé é uma fonte rica para o desenvolvimento de pesquisas ambientais na atual conjuntura, quando a humanidade é alertada sobre a necessidade de redimensionar suas atitudes com relação a água. Muitos são os estudos sobre o Candomblé,

18 18 mas há poucas pesquisas focando o tema água nessa perspectiva etnoecológica, ou seja, considerando a relação de iniciados com a água a partir de suas crenças, saberes, valores e sentimentos. A maneira como tratar a natureza e especialmente a água é um norteador para a manutenção das tradições das diferentes nações do Candomblé, seja Angola, Congo, Jeje, Nagô, Keto e ou Ijexá. Quando os africanos aportaram nos portos brasileiros para serem negociados como mercadorias, trouxeram consigo todo o fervor da suas religiosidades, crenças e fé; trouxeram seus deuses, os orixás dos bosques, dos rios e do céu africano (BASTIDE, 1958). E a partir do modo que cada um tinha de reverenciar o sagrado, se consolidou no Brasil o Candomblé, para uns, o local onde são realizadas as festas (CARNEIRO, 1948), para outros um ambiente que tornou-se, ao longo dos séculos, um espaço de resistência para a luta seja contra a opressão e preconceitos (SILVEIRA, 2006), seja pela afirmação de direitos ou simplesmente pela preservação de tradições pautadas no culto à ancestralidade. Essas tradições são passadas de geração em geração entre pais, mães, filhos e filhas de santo, ekedes, ogans, ebomis e outros, em uma dimensão solidificada pela troca de experiência, pela vivência e respeito ao sagrado, aos orixás, no caso da nação ketu, objeto deste estudo. Sodré (2002) afirma que a herança cultural repassada faz da tradição um pressuposto da consciência do grupo e a fonte de obrigações originárias, que se reveste historicamente de formas semelhantes a regras de solidariedade". No relacionamento do povo de santo com a natureza há implicações profundas, pois os orixás são a representação da terra, do ar, do fogo e tudo o que há no universo, do arco-íris (Oxumaré) às plantas (Ossain). Mais do que isso: Pelo simbolismo do Candomblé, os filhos (as) de santo têm vínculos de obediência com os orixás. Às divindades estão atreladas as condutas éticas e morais dos indivíduos. Uma vez nas comunidades, os iniciados assimilam princípios que delimitam a maneira com que as pessoas se relacionam com as águas. Estão na visão do Candomblé coisas que se aprendem na mitologia e as práticas ritualísticas reafirmam. Portanto, ao serem intimamente subordinados aos preceitos e orientações dos seus orixás, os indivíduos moldam suas condutas no que diz respeito à totalidade da vida. São os orixás que permeiam os valores éticos, morais e, sobretudo, espirituais de cada um. Assim, um filho de Oxum, por exemplo, pode assimilar a partir do perfil do próprio orixá percepções e valores diferenciados quanto à água. O mesmo pode acontecer com os filhos de Oxalá e assim por diante.

19 19 No Candomblé de origem keto, que cultua os orixás, quatro divindades, especialmente, são relacionadas diretamente às águas: Oxum, senhora das águas doces, Iemanjá, deusa das Águas Salgadas, Nanã, considerada a grande mãe, avó e senhora dos manguezais, dos lamaçais e das áreas úmidas. Além dessas, Oxalá é outra divindade da águas celestes, é considerado pai da criação, pai de todos os orixás. Para esses orixás são direcionados pedidos, agradecimentos, louvores, numa sublimação, crença e respeito às forças que as águas impõem e contêm. E em função desta relação ancestral, em função dos ritos e mitos, das tradições passadas de geração em geração, por serem os orixás representação da natureza, há um trato diferenciado de iniciados do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho com a água? É o que esta pesquisa pretende esclarecer, dando uma contribuição para que se conheça mais a religião de matriz africana, suas tradições e, sobretudo, contribua para atitudes sustentáveis no uso da água que sirvam de referência para dentro e para fora da comunidade em estudo.

20 20 2 PROBLEMATIZAÇÃO E METODOLOGIA Sendo a água um recurso natural escasso, faz-se necessário buscar alternativas de enfrentamento ao problema e que visem o uso racional de modo a assegurá-lo em quantidade e qualidade para as atuais e futuras gerações. Sabe-se que a água é elemento dotado de simbolismos para povos e comunidades tradicionais 1. E enquanto elemento sagrado para o povo de santo, a água doce norteia a vida religiosa nas comunidades de terreiro. Nas nações de tradição ketu é usada em todas as práticas rituais e é a própria representação de Oxum, a divindade da fertilidade que domina e reina sobre as águas doces. Mas, por ser elemento sagrado há um comportamento diferenciado do povo de santo no trato cotidiano com a água? A pergunta serviu de base para a realização desta pesquisa. E depois desta, muitas outras surgiram como uma necessidade de verificar como se dá no contexto do Candomblé, a relação com a água. Esta relação baseada em tradições religiosas (mitos e ritos) influencia no comportamento de iniciados com o uso da água? A dimensão do sagrado contribui para que iniciados tenham uma atitude sustentável no modo de lidar com a água dentro e fora do Terreiro? Neste contexto, um desafio posto era verificar como, de fato, é essa relação do povo de santo com a água e quais as implicações disso na sustentabilidade hídrica. Deste modo, o objetivo desta pesquisa mostrava-se bem claro: analisar o papel das tradições religiosas (ritos e mitos) relacionadas à água doce na proteção e conservação dos recursos hídricos no Terreiro Ilê Axé Iya Nassô Oká/ Casa Branca. Para tanto, era preciso identificar e descrever tradições religiosas (ritos e mitos) com uso da água doce neste Terreiro; analisar o papel dos rituais e mitos envolvendo a água doce e formas de transmissão do conhecimento na Casa Branca; analisar a receptividade dessas práticas tradicionais junto a iniciados e de que maneira essas práticas são incorporadas no modo de lidar com os recursos hídricos no cotidiano e analisar o estado de conservação da água da fonte do Terreiro e as implicações nas práticas rituais. E qual a metodologia deveria ser aplicada para alcançar esses objetivos? A princípio, a metodologia para o desenvolvimento de uma pesquisa como esta foi antes de qualquer coisa, 1 Para Diegues (2007, p.1) a água é um dos elementos centrais para a reprodução material e simbólica dos povos indígenas e comunidades tradicionais, um elemento presente em mitos de criação das próprias sociedades.

21 21 um desafio de vida. Percorrer esse caminho metodológico não foi tarefa das mais fáceis, sobretudo, em função da conexão necessária entre as áreas das mais distintas, ciências exatas, humanas, sociais, ambientais, para uma pessoa com a minha formação profissional e acadêmica, sempre voltada à área de comunicação. Outro desafio foi ter de mergulhar em um universo completamente novo e desconhecido para mim: o Candomblé com toda a sua riqueza e profundidade. A maior dificuldade, talvez, nessa trajetória metodológica, tenha sido a de estudar a relação entre o uso sagrado da água e a proteção dos recursos hídricos em uma comunidade de terreiro; temática pouco estudada mesmo sendo o Candomblé um espaço que, historicamente, vem atraindo a atenção e sido objeto de estudos principalmente antropológicos, sociológicos e etnológicos, incluído a sacralidade da água, mas não nesta perspectiva etnoecológica. Um procedimento analítico, de fragmentação do todo, com vistas a uma explicação parcial de um fenômeno, não parecia tão simples diante da complexidade do tema, diante de tantas particularidades. Afinal, nem tudo poderia ser acessado e visto por mim, a exemplo do uso da água na maioria das práticas rituais, restritas a iniciados. E como perceber, compreender a dimensão religiosa do uso da água nesse contexto? Como dimensionar essa relação religiosa com a água e a influência no comportamento cotidiano das pessoas, considerando os valores coletivos e individuais, a fé, as vivências e os sentimentos, como explicita Marques (1999, p. 136). Para mim, o nosso trabalho enquanto o de etnoecólogos não é somente o da prospecção do conhecimento, posto que ele deve lidar, também, com a prospecção dos sentimentos e com a prospecção dos comportamentos que intermediam as relações entre os seres humanos e os demais componentes do ecossistema no qual eles estão incluídos ou dos ecossistemas dos quais eles dependem. Como mergulhar nesse universo de saberes tradicionais e responder a questionamentos como esses em tão curto espaço de tempo nos dois anos que um curso de mestrado permite? Como entender a dinâmica dessa relação onde os orixás, o mundo invisível orienta as práticas em um terreiro e as condutas dos iniciados? Como conduzir esse processo em um percurso metodológico atrelado a regras do segredo, pois no Candomblé nem tudo pode ser visto e nem tudo que é visto pode ser falado? Ainda hoje, nos Candomblés do Brasil, procura-se ensinar que a experiência é a chave do conhecimento, que tudo se aprende fazendo, vendo, participando. Cada coisa no seu devido tempo. Assim, o conhecimento do

22 22 velho é o conhecimento legítimo, ao qual se chega ao longo de toda uma vida (PRANDI, 2005 p. 44). A partir desse pressuposto, relato alguns dos nossos passos, experiência, que nos conduziram ao despertar para a relação do povo de santo com a água, as implicações disso nas questões ambientais, o amadurecimento para o tema e as abordagens metodológicas possíveis. Questões que alicerçaram a pesquisa qualitativa e que nos inspirou à delimitação do tema, a construção e estruturação da pesquisa, a definição da base conceitual, como por exemplo a descoberta da religião e aproximação da comunidade. O interesse em fazer um mestrado na área ambiental surgiu a partir da nossa relação de trabalho na assessoria de comunicação do órgão gestor das águas na Bahia, o Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ), antiga Superintendência de Recursos Hídricos. Cada vez mais, diante de cenários de escassez hídrica e conflitos de uso, era provocada por mim mesma para desenvolver uma pesquisa que contribuísse a um despertar quanto à necessidade de proteção dos corpos d água. De tudo que pensei, não imaginava o foco alcançado, até que me envolvi na coordenação de Comunicação dos Encontros pelas Águas 2007, uma série de reuniões temáticas com povos e comunidades tradicionais da Bahia e outros segmentos para a elaboração de diretrizes às políticas de recursos hídricos na Bahia. A primeira reunião temática foi denominada de Encontros das Comunidades de Terreiros pelas Águas que reuniu diferentes nações em Salvador. Apesar de saber a importância da água para diferentes religiões e culturas e do sentido de purificação e sacralidade, nunca tinha visto uma reverência às águas como a que foi feita por diferentes nações no Encontro das Comunidades de Terreiro daquele ano, o que nos conduziu a uma reflexão quanto à dimensão diferenciada que o povo de santo demonstrava ter quanto à água. Naquele espaço de diálogo, a visão da água transcendia a noção de bem econômico, ou bem de uso comum a todos, como geralmente ocorre em discussões acadêmicas ou mesmo de cunho político ou doméstico. A água, era tratada na dimensão do divino, era saudada como divindades, por exemplo, ora como Oxum (água doce) hora como Iemanjá (água salgada). A água recebia ali uma valoração simbólica. O que para muitos poderia ser considerado apenas como um líquido indispensável para a manutenção da vida no planeta, percebia que entre o povo de santo reunido era classificado como algo transcendente. O encontro serviu para nos instruir, minimamente, quanto à

23 23 premissa de que a água é elemento sagrado para o Candomblé; o que nos provocou profundas reflexões e encantamento. A partir de então, inquietações foram surgindo, a principal delas motivou a elaboração desta pesquisa: será que em função dessa reverência que o povo de santo tem com a água, existe uma relação diferenciada no uso da água no cotidiano, de tal modo que assuma uma postura de proteção e conservação das águas? O primeiro passo nessa jornada desafiadora foi me dirigir a um Terreiro. Segui, então, em direção à Casa Branca apontada por muitos estudiosos do Candomblé como a mãe de todos os ilês do Brasil, a mais antiga do país. É um Terreiro que tem filhos e filhas espalhados pelo mundo afora e é respeitado nacional e internacionalmente, inclusive, pelo esforço de manter a cultura e identidade dos antepassados mediante o culto aos orixás. Além disso, a Casa Branca foi um dos Terreiros envolvidos na organização dos Encontros pelas Águas. Na Casa Branca fui recebida com carinho para uma reunião. Apresentei minhas inquietações, ansiedade e desejo de trabalhar o tema na comunidade. A primeira coisa que nos foi alertada era a de que poderia encontrar dificuldades. Chamaram minha atenção quanto às limitações impostas pelo fato de não ser iniciada e que mesmo se fosse, não teria como registrar tudo que visse no ilê axé, principalmente, os rituais. Aqui nem tudo que é visto pode ser falado. As coisas do Candomblé a gente aprende vendo e ouvindo. Para conhecer, escute mais do que fale, alertou uma ekede nos dando as boas-vindas para o trabalho de pesquisa. Se você chegou até aqui foi porque Oxalá permitiu, seja bem-vinda, acrescentou. Comecei então, a estudar sobre Candomblé para desenvolver o projeto de pesquisa. Havia possibilidades de inscrever o projeto em várias linhas de pesquisa como antropologia e sociologia, mas um convênio entre a Universidade Popular das Águas (Unihidro) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), responsável pelo mestrado em Modelagem das Ciências da Terra e do Ambiente, surgiu como uma grande oportunidade para abordar o tema de maneira transversal e interdisciplinar. Então, ao nos inscrever no processo seletivo, o projeto foi submetido à banca de seleção do Mestrado em Modelagem das Ciências da Terra e do Ambiente, como um dos requisitos para a nossa aprovação no processo seletivo. 2.1 AS DESCOBERTAS DO SAGRADO

24 24 A partir de então um longo caminho tem sido percorrido em busca do conhecimento sobre essa religião que está diretamente ligada às origens do povo brasileiro. Ao mesmo tempo em que freqüentava as aulas para a obtenção dos créditos e trabalhava dois turnos, geralmente mais de oito horas por dia, passei aos poucos a freqüentar o Candomblé, sobretudo, as festas públicas dedicadas aos orixás. Consequentemente, o percurso metodológico era mais e mais refinado. Uma pesquisa qualitativa era evidente, pois como afirmam Marshall e Rossman (1989: 46), a pesquisa qualitativa tem uma superioridade metodológica em situações como: Quando a pesquisa não pode ser realizada de modo experimental, por razões práticas ou éticas e quando a pesquisa tem por objetivo aprofundar processos complexos, como é o caso da relação sagrada com a água e as implicações no uso cotidiano. Desta forma, buscamos respaldo na pesquisa descritiva e exploratória, considerando que a primeira suscita precisão nos detalhes e a segunda, também proporciona que se estabeleça um vínculo com os entrevistados de maneira ao aprofundamento quanto às suas percepções sobre dados fenômenos. Uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória possibilita familiarizar-se com as pessoas e suas preocupações. Ela também pode servir pra determinar os impasses e bloqueios, capazes de entravar um projeto de pesquisa em grande escala. Uma pesquisa descritiva colocará a questão dos mecanismos e dos atores (o como e o o quê dos fenômenos); por meio da precisão dos detalhes, ela fornecerá informações contextualizadas que poderão servir de base para pesquisas explicativas mais desenvolvidas. Entretanto, ela é, a maior parte do tempo, completa em si mesma, e não tem obrigatoriamente necessidade de ser continuada por outros pesquisadores, por meio de outras técnicas (DESLAURIERS et al., 2008, p. 130). Na busca do como o povo da Casa Branca se relaciona com a água e porque essa relação passa pelo sagrado passei mais e mais a freqüentar o Candomblé. Pouco a pouco fui entendendo que era com música, dança, comida, muita alegria e fé que se reverenciavam as divindades. Percebi, que naquela ambiente de tantos segredos e condutas, a yalorixá é a grande líder espiritual, a quem todos deveriam pedir à benção. Aprendi que abençoar uns aos outros era uma prática que denotava respeito e os laços de irmandade entre os membros da comunidade. Compreendi que os Orixás ocupavam espaços distintos no terreno, que cada um tinha seu assentamento representado por casa, por árvores, por objetos. Fui percebendo que os orixás estavam diretamente ligados à natureza e que a água era algo fundamental, imprescindível para a existência do Candomblé. Tanto que era comum ouvir: Com a água limpamos todos os males, com a água curamos todas as doenças.

25 25 Por todos os lados, as quartinhas demonstram que ali havia segredos, mensagens que nos desafiavam conhecer e entender essa relação entre uso ritual e uso cotidiano. Um mundo novo se descortinava para mim e na metodologia, tanto a observação direta quanto a observação participante eram cada vez mais evidentes e necessárias. Uma das primeiras experiências vivenciadas na Casa Branca foi a participação no ritual de Águas de Oxalá. A Casa Branca estava tomada de gente. Muitos filhos do ilê axé que moram fora em outros estados ou países estavam lá. As casas de pessoas que moram na comunidade hospedavam os que vieram de longe. Todos estavam de branco e pareciam em estado de concentração. O silêncio predominava e durante toda a noite em que se reverenciou Oxalá, pouco se falava. E como não podia usar lápis, papel, máquina fotográfica ou qualquer outra forma de registro, ficava atenta a tudo que ocorria e tudo era uma provocação. Como se manter eqüidistante, com um olhar de pesquisadora, sem se arrepiar diante da beleza do Alá estendido pelo barracão na saída de Oxalá do seu quarto? Durante toda a noite e a madrugada, havia um ordenamento que mostrava a unidade e profundo envolvimento das pessoas no ritual. Não era preciso dizer o que cada um deveria fazer. A maneira como carregar a água para Oxalá subindo e descendo os degraus que ligam a fonte de Oxum a casa onde estava Oxalá, exigia um esforço muito grande, principalmente dos mais idosos. Além do mais, era preciso evitar que a água fosse derramada das quartinhas. Percebi que a água era muito valiosa para aquelas pessoas. Restava entender o grau dessa valoração e se a sacralidade interferia no comportamento e trato cotidiano destas com a água, como afinal se dava essa relação ambiental a partir da dimensão do sagrado. 2.2 O PERCURSO METODOLÓGICO No caminho metodológico que ia sendo construído, surgiu a necessidade de submeter o projeto de pesquisa à apreciação e aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Feira de Santana. Era preciso mais esse respaldo acadêmico para um projeto dessa envergadura. O projeto foi aprovado e o caminho metodológico começava a ser mais definido. Um enfoque metodológico convencional, baseado na ciência ortodoxa não parecia mesmo o mais apropriado. O manejo da água em um Candomblé de Terreiro e sua repercussão na vida doméstica das pessoas, considerando as implicações disso para a proteção e o uso sustentável das águas, não eram derivados de um conhecimento baseado

26 26 exclusivamente em fatos objetivos, verificáveis e aferidos universalmente 2. Porém, havia ai outro desafio, como atesta Bandeira (1999, p. 128): A eficiência desse conhecimento é local, prática e de caráter adaptativo embora ela, às vezes, possa mesmo modificar e gerar novas hipóteses sobre os fenômenos e processos naturais portanto, pode mudar de acordo com as mudanças e condições do entorno cultural e ambiental (ou seja, não é estático). Além disso, esses conhecimentos, práticas e crenças são o que permite a produção e reprodução dessas culturas e dessas sociedades através do tempo. Entender como se dá essa relação entre comunidade tradicional e o meio ambiente em que vive, exigiu a busca pelo enfoque etnoecológico, por ser epistemologicamente um campo de estudo interdisciplinar que busca entender as diferentes culturas e sociedades através do tempo e sua inter-relação com a natureza, usando como ferramentas teórico-metodológicas, distintos campos científicos como a antropologia, geografia, sociologia e ecologia (BANDEIRA, 1999, p. 119). O antropólogo estruturalista francês Lévi-Strauss (1989) em O Pensamento Selvagem rompeu com correntes teóricas da antropologia baseada no evolucionismo social de Tylor e Spencer, que consideravam as sociedades não-ocidentais como primitivas, sem capacidade de organização social e política. Ele faz uma análise do que classifica como ciência do concreto, um novo modo de perceber o universo dos povos indígenas, inclusive do Brasil, onde estudo vários grupos do Xingu. Apesar de o autor apresentar as mesmas bases epistemológicas da ciência moderna, baseada em métodos de observação, essa leitura contribuiu para reforçar o entendimento de que não é possível estudar os mitos, os sistemas de crenças e a cosmovisão do Candomblé a partir de epistemologias ocidentais. Era preciso compreender melhor a etnoecologia, buscar bases de sustentação para essa área que vem respaldando academicamente estudos que buscam entender e apreender conhecimentos e saberes de civilizações historicamente consideradas marginais e que são direcionados, sobretudo a povos indígenas. Buscamos assim, referências em Toledo para quem a etnoecologia não é uma disciplina (1997), mas uma abordagem teórico-metodológica para o estudo da relação sociedade-natureza: A etnoecologia é o estudo dos conhecimentos, estratégias, atitudes e ferramentas que permitem as culturas rurais produzir e reproduzir as 2 Ver Bandeira e El-Hani (1998)

27 27 condições materiais de sua existência social através de um manejo apropriado dos recursos naturais (TOLEDO, 1987, apud BANDEIRA, 1999, p. 117). Estudar a água numa comunidade de terreiro exigia a compreensão da etnoecologia conforme define Nazarea (1999): Como uma forma de ver as relações entre os seres humanos e o mundo natural [...] uma poderosa perspectiva da qual se pode compreender o reconhecimento e o manejo dos recursos: os esquemas, scripts e planos de ação que orientam os povos no mundo e determinam a produtividade, equidade e sustentabilidade de suas práticas. Nazarea pontua que a etnoecologia oferece uma estrutura útil para analisar problemas relacionados com o manejo ambiental, sustentabilidade da agricultura, conservação da biodiversidade e direitos de propriedade intelectual, bem como promove uma compreensão básica do homem no ambiente. Podia-se, então, chegar a delimitações mais precisas sobre o problema 3 desta pesquisa, para entender melhor como se dá essa relação entre a comunidade de terreiro, considerando a diversidade social e cultural, os sistemas de crença, os ritos e mitos e o uso da água do ponto de vista sagrado e doméstico. O conhecimento tradicional da Comunidade de Terreiro em estudo nos conduziria a explicações/interpretações sobre o fenômeno observável, ou seja, o uso da água a partir de regras de condutas pautadas no culto e crença aos orixás. O conhecimento tradicional integra os sistemas de crenças religiosas e morais com o manejo (GADGIL et al., 1993). Isso me fez refletir sobre a necessidade da aplicação de métodos mais recentes, como as observações direta e participante. Metodologicamente, a observação direta era necessária porque a pesquisa exigia-nos um contato maior com a comunidade, conhecer suas práticas, rotinas, de maneira que pudesse observar e fazer os registros livre dos fenômenos observados em campo. Mas observar apenas, sem estar presente em alguns rituais talvez não nos conduzisse a outras respostas que precisávamos. Portanto, havia a necessidade da observação participante. Através desse método, o pesquisador pode obter informações sobre o cotidiano da comunidade, pode se envolver totalmente, permitindo a análise de dentro da realidade observada, facultando perceber a maneira como um elemento da cultura, lastreado no senso comum, no coletivamente aceito e 3 Chevrier ( 1993, p. 50) afirma que um problema de pesquisa se concebe como uma separação consciente, que se quer superar, entre o que nós sabemos, julgamos insatisfatório, e o que nós desejamos saber, julgando desejável.

28 28 legitimado, desenvolve o conhecimento, neste caso a respeito das águas no seu meio (ALBUQUERQUE et al., 2004, p ). Como a pesquisa tomou como referência os mitos e ritos como modelos de representação da realidade, a observação participante ocorreu durante a realização do rito de Águas de Oxalá e das festas de Oxum do Barco e de Oxum ; festas onde mais significativamente o uso da água é explicitado. Participamos também de outras festas públicas como Festa de Oxossi e Obaluaiê. Seguindo o caminho metodológico traçado, começamos a partir do envolvimento com a comunidade e participações em festas rituais, fazer anotações no diário de campo eletrônico. Não era permitido uso de lápis ou papel para quaisquer anotações no Terreiro, nem o registro fotográfico no local no momento das festas e rituais. Por isso, após participar de qualquer atividade no terreiro, me debruçava no computador para descrever o que ficara registrado na minha memória recente. As anotações eram separadas por data, cronologicamente. De tudo que via e ouvia, sentia que era impossível compreender a relação do povo de santo da Casa Branca com a água apenas por meio da observação seja direta ou participante, em função de várias razões já citadas como o desconhecimento dos rituais e proibição de presenciar muitos deles por não ser iniciada. Além disso, não poderia entrar na casa das pessoas e ficar o tempo todo observando e aferindo como elas usam a água em seus domicílios. Na coleta de dados, foram necessárias ainda, entrevistas semi-estruturadas, através das quais formulamos algumas perguntas sobre o tema que serviram como norteadoras das entrevistas, mas que possibilitavam outras perguntas a partir dos elementos que surgiam ao longo das entrevistas. Este é um dos procedimentos muito usados para a coleta de dados em pesquisas etnobotânicas e que se adequam perfeitamente à temática estudada, pois as perguntas são parcialmente formuladas pelo pesquisador antes de ir ao campo, apresentando grande flexibilidade, pois permite aprofundar elementos que podem ir surgindo durante a entrevista (ALBUQUERQUE et al., 2004, p.41). As entrevistas foram feitas em locais e horários marcados de acordo com a conveniência dos entrevistados em momentos sem a presença de terceiros. Apenas duas delas foram feitas fora do Terreiro, mas também em função das necessidades dos entrevistados. Utilizando a metodologia de bola de neve um entrevistado indicou o outro e assim sucessivamente. Essa metodologia é usada para a seleção intencional de informantes, que são também considerados especialistas locais (ALBUQUERQUE et al., 2004, p.26-27). No caso das comunidades de terreiro, buscou-se, a princípio, lideranças religiosas com muitos

29 29 anos de iniciação, vivência e conhecimento sobre o Candomblé e que gozam de grande respeito e reconhecimento na comunidade. A perspectiva inicial era a de que 30 pessoas participassem das entrevistas, mas a partir da técnica qualitativa baseada no consenso dos informantes, o número de 15 entrevistados foi considerado satisfatório na medida em que passou a ocorrer a repetição das respostas. Sem sombra de dúvida, essas técnicas estão assentadas na idéia de que cultura é conhecimento compartilhado. Esta idéia foi desenvolvida como teoria do consenso cultural por antropólogos cognitivos na década de 80. A teoria do consenso cultural assume que: a) existe uma resposta culturalmente correta para uma dada questão; b) cada informante responde independentemente de outro informante; c) a probabilidade que um informante responderá corretamente uma questão em um domínio de conhecimento reflete a competência do informante do domínio (REYES- GARCIA et al., 2004, apud ALBUQUERQUE et al., 2004, p.23) Consequetemente, o estudo de caso foi o meio apropriado e eficaz para a realização desta pesquisa. Por meio do estudo de caso, segundo Yin (1994) é possível compreender e explicar dinâmicas estabelecidas em atividades da vida real, cuja complexidade não pode ser abordada por designs do tipo experimental. O estudo de caso, ainda segundo o autor, permite descrever e compreender o contexto da vida real no qual ocorreu, ou ocorre, uma dada intervenção. E ainda, possibilita avaliar e compreender uma determinada intervenção num dado contexto real, explorando as situações em que os seus resultados não são suficientemente claros, mas são específicos. 2.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA Para este trabalho, foram entrevistadas 15 pessoas: quatro ekedes, cinco ogans, uma ebomi, duas iaôs, uma abiã, um babalorixá e uma yamorô. O babalorixá, a yamorô e uma das ekedes entrevistados foram de outros terreiros, mas têm ligação com a Casa Branca porque são filhos e ou filhas de iniciados da Casa Branca. Dos entrevistados, quatro são pessoas com mais de 50 anos de iniciação, uma tem mais de 40 anos de iniciada, uma tem 34 anos de iniciada, outra 30 anos, outra 29 anos. Três pessoas têm entre sete e 21 anos de iniciação, a outra com sete anos de iniciação e duas menos de dois anos. Apenas uma das entrevistadas

30 30 não é iniciada, mas tem cinco anos de freqüência na Casa Branca. Destes, todos têm um orixá que possui ligação com a água, principalmente Oxalá e Oxum. A maioria, como percebe-se nos números, tem cargos e status religioso no Terreiro. Optou-se por este critério por serem pessoas com grande vivência e sabedoria tanto no que se refere à religião quanto às práticas rituais da Casa Branca, podendo assim conferir maior respaldo para a pesquisa. Antes de toda entrevista, os entrevistados leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido tomando conhecimento sobre o assunto e autorizando a participação na pesquisa. Metodologicamente, o próximo passo foi adentrar ainda mais no foco de estudo e especificar as relações existentes com o uso da água na Casa Branca, para posterior sistematização e análise dos fenômenos. Para tanto, buscou-se sempre respaldo de lideranças da comunidade para que pudessem permitir e validar nossas visitas à comunidade, nossos contatos com as pessoas, a participação em rituais públicos e mesmo no ritual de Águas de Oxalá, restrito a iniciados e poucos convidados geralmente adeptos de outras nações ou simpatizantes da religião. Uma das pessoas com grande respeito na comunidade e com mais de 50 anos de iniciação foi nosso ponto focal, o entrevistado principal ou entrevistado chave que colaborou mais efetivamente com a pesquisa, contribuindo para dirimir dúvidas sobre rituais da Casa Branca e quanto à modelagem desenvolvida a partir das percepções dos entrevistados. Foi uma necessidade para entender o sistema de crenças, aquele conhecimento passado dos mais velhos para os mais novos.

31 31 3 PANORAMA DA ESCASSEZ HÍDRICA 3.1 A ÁGUA NO MUNDO A água regula os ciclos biogeoquímicos. É imprescindível para os organismos vivos, o equilíbrio na terra, a sustentação, manutenção e interligação dos ecossistemas. Princípio elementar da vida e de toda a biodiversidade; constitui 75% do corpo humano. Academicamente ou instintivamente, todos sabem da interdependência da vida com relação a água seja para saciar-se ou para os diversos usos, domésticos, industriais, para a agricultura; que garanta a produção de alimentos, a vida nos rios, a perpetuação das espécies. De toda água existente no planeta, 97% estão nos oceanos. Apenas 3% da água disponível no globo é doce, isto é, tem baixa concentração de sais e, portanto, é apropriada para tornar-se potável, com sabor, odor e especificidades químicas, físicas e biológicas próprias para ser ingerida. Do total de água doce existente no planeta, 2,4% estão nas regiões polares ou geleiras; 0,5% estão nos aqüíferos (águas subterrâneas) e somente 0,1% refere-se às águas superficiais encontradas na atmosfera, rios e lagos (HAMBLIN, 1992 p. 570). Veja no gráfico da Figura 1: Figura 1 - Este gráfico mostra a distribuição da água existente no planeta. Em vermelho o volume referte às águas superficiais e vapor d água atmosférico. Elaborado por SANTOS, C.O (2008)

32 32 A água se renova no globo terrestre a partir do ciclo hidrológico 4. Estima-se que a terra possui 1,4 bilhão de km³ de água nos estados sólido e líquido (VILLIERS, 2002, p.54). Mas, no contexto de mudanças climáticas, de aceleração do aquecimento global, mais do que estatísticas hidrogeológicas, esses números sobre a disponibilidade de água no planeta devem ser levados em conta. Pesquisas feitas por mais de 2 mil cientistas que compõem o Painel Intergovernamental Sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado à Organização das Nações Unidas 5 e divulgadas em fevereiro de 2007 revelam que todos os ecossistemas estão sofrendo alterações em virtude das mudanças climáticas provocadas pela aceleração do aquecimento global. O aquecimento global é um fenômeno decorrente do efeito estufa que vem sendo acentuado pelo aumento do volume de gás carbono (CO2) lançado na atmosfera principalmente devido à queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e carvão mineral. De acordo com o IPCC, por ano são emitidas 8,8 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a 32,3 bilhões de toneladas de CO2 e mais 7,2 bilhões de toneladas referentes à queima de combustíveis fósseis. Cerca de 60% desse total é absorvido pelos oceanos e pela biosfera e o restante fica na atmosfera por um tempo em média de 150 anos (Angelo, 2008, p.30). Para o IPCC, da revolução industrial, final do século XVIII, até o ano de 2005, a concentração de CO2 no ar aumentou 99 partes por milhão (PPM), passando de 280 ppm para 379 ppm. O que mais alarma a comunidade científica é que nos últimos 650 mil anos, o CO2 jamais tinha superado as 300 ppm na atmosfera. Se a emissão de CO2 continuar aumentando na mesma proporção em relação à era pré-industrial, chegando entre 500 e 550 ppm no ar, a temperatura da terra deverá ficar até 4ºC mais alta até o ano de 2100 (Angelo, 2008, p.20-59). Veja as previsões quanto às consequências das mudanças climáticas no futuro segundo o IPCC, na Figura 2: 4 Rutkowski conceitua ciclo hidrológico como fenômeno basicamente caracterizado pela evaporação, transpiração e precipitação que promove a partir disso, a reposição da água nos rios, lago, aqüíferos e mares (1999). Considera-se que o ciclo hidrológico só é possível devido a distância entre a terra e o sol, o que faz com que a água seja encontrada nos estados sólido, líquido e gasoso. 5 Ver mais em: O Aquecimento Global, de Cláudio Angelo, 2008, Publifolha, da série Folha Explica.

33 33 Figura 2 - Este esquema mostra a previsão do que deverá acontecer no mundo devido às mudanças climáticas segundo o IPCC. Elaborado por SANTOS, C.O (2008) A conseqüência disso são alterações climáticas como secas e furacões intensos, ocorrência de chuvas ácidas, aumento da temperatura, secas mais intensas e prolongadas, enchentes, derretimento das calotas polares e outros impactos que podem provocar instabilidade nos ciclos biogeoquímicos, causar a extinção de espécies 6, reduzir os índices de chuva e contribuir para aumentar também a escassez de água no planeta. Vários países africanos dependem da agricultura irrigada pelas chuvas, que poderá sofrer perdas de 50% já em 2020, segundo o IPCC. Em 2020, de 75 milhões a 250 milhões de africanos estarão expostos a uma escassez de água aumentada devido à mudança climática (ANGELO, 2008, p. 77). No cenário apresentado, estima-se, por exemplo, que a água dos rios alimentados pelo degelo do Himalaia, que beneficiam 40% da população mundial, não existam mais até 2050, pois já estão recuando rapidamente devido às mudanças climáticas. A situação deverá levar ao colapso a agricultura na Índia e China. A escassez da água nos dois países mais populosos do mundo pode também provocar uma crise planetária sem precedentes na disputa por alimentos (ANGELO, 2008, p. 76). Nos locais mais longínquos ou até nos grandes centros urbanos, a falta de acesso a esse bem natural e, em uma escala mais dramática, a escassez 7 da água é um problema que já conduz a uma crise global, ao ponto de a Organização das Nações Unidas instituir a década da água, de 2005 e Até 2015, os 191 Estados que elencaram os objetivos para o 6 Relatório do IPCC, 2007, indica que de 20 a 30% das espécies do planeta correrão o risco de extinção se a temperatura da terra ultrapassar os 1,5% Angelo, 208, p Embora possa estar sendo acentuada em conseqüências das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global (IPCC), a escassez hídrica não é um problema atual. Civilizações antigas como Egito e China, a Índia e a Mesopotâmia, chamadas de civilizações hidráulicas, experimentaram ascensão e declínio devido ao uso abusivo da água (DREW, 1986, p. 206).

34 34 desenvolvimento do milênio, devem reduzir em 50% o número de pessoas que não têm acesso à água no planeta 8. A escassez, ressalta-se, é provocada em parte pelas condições de clima adversas, principalmente, nas regiões áridas, semi-áridas e sub-úmida seca, parte pela poluição dos mananciais ou pela má distribuição dos recursos hídricos. A problemática sobre a disponibilidade de água doce está refletida na realidade atual. Calcula-se que 1,4 bilhão de pessoas, o que equivale a 25% da população existente, ainda não têm acesso regular ao abastecimento. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) cada ser humano precisa de 20 a 50 litros de água diariamente para os diversos usos, beber, cozinhar, tomar banho, lavar roupas e utensílios. Das 14 nações do Oriente Médio, nove vivem situações de escassez. Países como Kuwait, Emirados Árabes, Ilha Bahamas e Faixa de Gaza estão na lista dos que têm um elevado índice de escassez hídrica. A disponibilidade de água por pessoa nesses países varia de 10 a 66 litros por ano (ÁGUA, 2006, p. 17). Observe na Figura 3, as principais causas e consequências decorrentes da escassez hídrica segundo o IPCC. Poluição 1,4 bilhões sem acesso à água potável no mundo Na China 60 milhões são atingidos Exploração excessiva Distribuição desigual Escassez Hídrica 300 países tem águas fronteiriças Mudanças climáticas Atinge 14 das 9 nações do Oriente Médio Na África 12 países vivem sob tensão Figura 3 - Causas e consequências da escassez hídrica. Esquema elaborado por SANTOS, C.O (2008) O cenário é ainda mais crítico em países como Jordânia, Israel, Gaza, Chipre, Malta e Península Arábica, onde todas as reservas de água doces superficiais e subterrâneas foram esgotadas. As previsões são a de que até 2012, o Marrocos, Argélia, Tunísia e Egito estejam 8 Década da água. Disponível em: < Acesso em: 03 dez

35 35 na mesma situação. As águas do lago Chade que já foi apontado como uma das nascentes do Rio Nilo, decrescem 100 metros por ano (VILLIERS, 2002, p ). Na África, 12 países, entre os quais, Quênia, Ruanda, Burundi e Malaui, totalizando mais de 250 milhões de habitantes, vivam sob tensão no suprimento de água. As previsões são as de que até 2025, esses quatro países enfrentem uma crise extrema no suprimento da água e que até 2025 passe para 1 bilhão o número de pessoas atingidas pelo problema (SELBORNE, 2002, p. 46). Na Namíbia, a situação já é caótica. O país é o mais árido do extremo sul da África, um dos mais secos do mundo, não tem rios perenes e os que existem ficam secos na maior parte do ano. Cerca de 80% da água da chuva registrada em Namíbia evapora e apenas 1% realimenta os aqüíferos. A escassez hídrica é uma ameaça para a permanência da população no local e de quase todo o continente africano, exceto as bacias do Congo, Níger e Zambezi. Em 1980 uma seca atingiu a maior parte da África, chegando a causar a morte de milhões de pessoas (VILLIERS, 2002, p ). Conflitos e guerras têm sido travados em função da escassez por toda parte. Na China, país mais populoso do mundo, a escassez de água já atinge 60 milhões de pessoas, principalmente os habitantes das áreas mais secas das planícies do norte. Falta água em 400 das 668 cidades da região e conflitos no campo têm sido recorrentes (BURKE, 2003, p. 90 A). Outro agravante: Na China, 80% dos 50 mil quilômetros dos principais rios não têm mais peixes devido à poluição (VILLIERS, 2002, p ). Conflitos entre países fronteiriços também têm sido desencadeados. Em mais de 300 países as águas superficiais são originárias de outras fronteiras. É o caso da Síria e Turquia. A seca e a exploração das águas subterrâneas fizeram com que Rio Khabour, principal afluente do Rio Eufrates na Síria, secasse por mais de cinco anos e como o aquífero do Eufrates fica no país vizinho, Turquia, a questão é um divisor político entre as duas nações (BOUGUERRA, 2004, p. 93). Os rios Tigre e Eufrates também são assuntos de segurança nacional na Síria, Turquia e Israel. E as águas do Ganges são objeto de cobiça e disputa entre a Índia e Bangladesh e motivam prática de guerrilha entre os militantes de Tâmil Nadu e Karnataka. (VILLIERS, 2002, p ) Cerca de 98% das águas do Turcomenistão são originárias de outros países; assim como 97% das águas do Egito; 95% da Hungria; 95% da Mauritânia e 89% da Holanda. Os países a jusante, geralmente, sofrem as conseqüências de problemas como a redução do fluxo fluvial, o assoreamento normalmente ocasionado pela construção de represas, o uso da água para irrigação, a poluição causada pela indústria ou uso de agrotóxico na agricultura e até

36 36 mesmo à salinização dos rios, entre outros. São medidas adotadas pelos países e que geram conflitos pelo uso da água junto aos países à montante (SELBORNE, 2002, p ). As águas do Rio Colorado, no México, são tão exploradas pelos norte-americanos que ameaçam o abastecimento para milhares de pessoas na península mexicana de Baja Califórnia. Em 2001, o Ministério das Relações Exteriores do México elaborou um protesto contra o projeto norte-americano de exploração da Bacia do Colorado. No México, a contaminação dos recursos hídricos pelas usinas estrangeiras, tem feito com que as mães substituam a água por refrigerantes para os seus bebês. Acredita-se, que a guerra do Irã- Iraque, em 1980, teve como uma das motivações o controle do delta mesopotâmico de Chattel-Arab (BOUGUERRA, 2004, p. 94). Até mesmo internamente nos Estados Unidos há conflitos por causa do uso da água. O norte tem resistência em desviar água da Califórnia, do Oregon e Washington, para o sul. A poluição industrial e o lançamento de esgotos sem tratamento comprometem mananciais como os lagos Michigan, Huron, Erie, Ontario, o sul da baía da Geórgia, a baía de São Francisco e Los Angeles, o rio Hudson, em Nova York. (VILLIERS, 2002, p ). Percebe-se, desta forma, que a escassez hídrica está associada a fatores climáticos e outros como exploração excessiva dos recursos hídricos, da distribuição desigual deles e ainda à poluição dos mananciais. Em 1997, a Population Action International afirmou que 436 milhões de pessoas no mundo já viviam em estado crítico de falta de água. Segundo as Nações Unidas, um em cada cinco países está vulnerável a sofrer com a falta de água dentro de 25 anos (VILLIERS, 2002, p ). 3.2 ABUNDÂNCIA E ESCASSEZ: O BRASIL DAS CONTRADIÇÕES Mesmo no Brasil, que possui a maior disponibilidade hídrica do mundo - entre 12 e 16% das reservas hídricas do planeta -, milhares de pessoas enfrentam a escassez hídrica e convivem com a desigual distribuição de água. O país tem uma taxa de 35 mil m³/ano por habitante, 9 o maior rio do planeta, o Amazonas com mais de 6 mil km de extensão. 9 Rebouças ( 2004, p.145) cita levantamento das Nações Unidas nos seus países membros que aponta o volume de 2000 m³/hab/ano como o suficiente para o gozo da qualidade de vida moderna e desenvolvimento sustentável.

37 37 Dentre os aqüíferos existentes no território nacional, o Guarani se destaca por ser o maior das Américas e um dos maiores do mundo. Dos 1,2 milhões de km², distribuídos entre o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, 71% ou o equivalente a 840 mil km² do aqüífero estão distribuídos entre os estados brasileiros de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul (ÁGUA, 2006, p 23). Apesar de tanta riqueza de águas superficiais e subterrâneas, o Brasil tem um histórico de escassez desde os tempos do império. A criação da floresta da Tijuca e da Floresta das Paineiras, em 1861, foi uma medida tomada por D. Pedro II para proteger e aumentar o volume dos mananciais que abasteciam a capital do Império. Esta foi uma reação à degradação dos mananciais devido à excessiva exploração dos corpos d água; fato que levou a capital do Império a enfrentar uma escassez de água (CENTRO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, 1966; DEAN, 1996). Em pleno Século XXI, com a expansão urbana, o crescimento desordenado das cidades, o aumento da população, a acelerada demanda e uso intensivo e exaustivo dos recursos hídricos, sobretudo, pelas atividades econômicas, o cenário de escassez está posto e de forma alarmante. E é assim, mesmo nesse Brasil de águas em abundância; país que tem uma área de ,5 km 2, segundo o IBGE (2000) e que registra chuvas regulares entre e mm/ano em mais de 90% do seu território (REBOUÇAS, 2004, p. 39). Essas são evidências de que o panorama de escassez da água no Brasil, assim como em várias partes do mundo, está associado a questões como irregularidade no abastecimento da água, crescimento urbano e das populações e também à falta de qualidade da água. Mesmo na região com maior riqueza de biodiversidade do mundo, o Norte brasileiro, onde está a maior bacia hidrográfica do mundo, a Amazônica, 30% da população não têm acesso à água potável. No Sudeste, a escassez de água para consumo humano pode atingir mais de 40 milhões de pessoas em uma década, principalmente nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, regiões onde rios como o São Francisco nas cidades de Itaúna, Betim e Extrema estão poluídos por resíduos industriais e domésticos. 10 Em todo o país, os corpos d água estão cada vez mais poluídos. 11 De toda a água existente no país, 70% é destinado ao agronegócio, 20% para a indústria e 10% para consumo 10 Fonte: Fórum Social Mundial. Disponível em: < Acesso em: 3 jan O Estado real das águas e da biodiversidade no Brasil 2004/2008, editado pela Defensoria da Água, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, como resultado da campanha da fraternidade intitulada Água, fonte da vida. O relatório envolveu 10 mil paróquias em todas as regiões do país e apresenta o registro de notificações de conflitos pelo uso da água no território nacional. 11 Rutkowski (1992 p. 1) em estudo sobre bacia ambiental, afirma que a falta de água potável e o sobrar de esgotos fazem parte do cotidiano das regiões urbanizadas no país ao longo dos séculos.

38 38 humano, geração de energia, pesca e turismo. E são os maiores consumidores os maiores poluidores dos recursos hídricos. As causas são diversas. Estão mais relacionadas aos lixos tóxicos, destinação ilegal de resíduos industriais e de indústrias de fundição, contaminação por derivados de petróleo, destinação de resíduos de indústrias de alimentos, contaminação por atividades siderúrgicas e petroquímicas, despejos de esgotos urbanos e rurais e a existência de lixões em mais de municípios. Menos de 3% dos lixões enquadram-se na categoria aterros controlados. Há registros de áreas contaminadas com mais de 5 milhões de pessoas afetadas... O agravante está na falta de controle ambiental quanto à geração, tratamento e destinação final de resíduos gerados no processo produtivo, normalmente acumulados nas margens de cursos de água (O ESTADO REAL..., 2004/2008) Segundo o Estado Real das Águas no Brasil 2004/2008, 70% das águas superficiais do Brasil são impróprias para o consumo humano e a previsão é a de que até 2012, 90% das águas superficiais do país estarão impróprias para o contato humano. Levantamento da própria organização afirma que de 1994 a 2004, a contaminação dos mananciais brasileiros, incluindo, rios, lagos, lagoas e oceanos, cresceu 500%. Observe na Figura 4, um panorama sobre os recursos hídricos no Brasil. Figura 4 - Esquema apresenta a situação da água no Brasil e distribuição para os diversos usos, conforme o Estado Real das Águas no Brasil 2004/2008. Elaborado por SANTOS, C.O (2008) Além desse contexto de má distribuição dos recursos hídricos e, principalmente, da poluição que compromete os mananciais e aumenta os riscos de escassez hídrica no Brasil, outro cenário é que em todo o país há muitos ecossistemas em situação de estresse hídrico, ou seja, praticamente mortos porque os recursos naturais estão sendo saturados a partir, sobretudo, do uso excessivo para abastecimento e irrigação. A bacia do Rio Piracicaba é um

39 39 desses casos. Parte das suas nascentes foi revertida para o abastecimento de água potável para São Paulo e Região Metropolitana. Na bacia, a extração é muito maior do que a capacidade de reposição (RUTKOWSKI, 1999, p. 20). A região do Semiárido brasileiro que agrega os Estados Nordestinos e parte de Minas Gerais e onde vivem cerca de 34 milhões de pessoas, 24% da população urbana do país (IBGE, 2000), é a mais afetada pela escassez dos recursos hídricos. Tem índices pluviométricos abaixo dos 900 mm/ano e outras características geoclimáticas desfavoráveis. Registra altas temperaturas, baixas amplitudes térmicas e elevadas taxas de evapotranspiração que, geralmente, superam os totais pluviométricos irregulares, conduzindo a taxas negativas no balanço hídrico da região. Trata-se, portanto, de uma área vulnerável, em que a sazonalidade inter-anual das chuvas pode acarretar condições extremas, caracterizando períodos críticos de seca (ATLAS NORDESTE, 2006, p. 24). A incidência de secas periódicas torna a região ainda mais vulnerável à escassez e consequentemente aos conflitos em torno do uso da água. Esse quadro de seca no semi-árido nordestino foi registrado pela primeira vez na "História da Companhia de Jesus no Brasil", quando o padre Serafim Leite, em 1559, citou a seca na Bahia. Outro jesuíta, Fernão Cardim em 1587, também fez registros da seca na Bahia e em Pernambuco. As secas de 1915, 1919, 1930/32 e 1958 também tiveram registros como as maiores do século XX. Para esses eventos extremos, foram organizadas 500 mil frentes de serviço. Entre 1979 e 1983, o Centro Aeroespacial de Campinas (SP) previu a seca e chegou a fazer uma levantamento na época que incluía 3,1 milhões de pessoas nas frentes de trabalho (PLANO NACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA, 2006) 12. Acredita-se que as condições de sustentabilidade hídrica da região do Semi-Árido Nordestino sejam agravadas por vários fatores, entre eles, as mudanças climáticas, que deverão contribuir com o aumento significativo da temperatura e com a diminuição de precipitações e da umidade do solo. Também devem sofrer conseqüências devido a intervenções humanas no ambiente (REBOUÇAS et al., 1999, p. 522). De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, até o final do Século XXI, as temperaturas podem aumentar de 2ºC a 5ºC no semi-árido, a evaporação aumentará e a disponibilidade hídrica será reduzida; a diminuição das chuvas diminuirá a vazão dos rios e limitará a diluição dos esgotos comprometendo a geração de energia (GREENPEACE, 2006, p. 53). 12 Programa Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). Disponível em: < Acesso em: 13 dez

40 40 Na atualidade, domicílios no Nordeste já não dispõem de água de boa qualidade. Homens, mulheres e crianças costumam percorrer 3 km por dia, em média, em direção aos açudes ou outros tipos de mananciais para encontrar água para consumo humano e dessedentação animal (PAN Brasil, 2006). 3.3 BAHIA: POTENCIALIDADES E VULNERABILIDADES HÍDRICAS Maior estado do Nordeste, a Bahia tem grande potencial hídrico. Dividido em 26 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas, como apresenta o mapa da Figura 5, o Estado é cortado por centenas de rios, entre os maiores estão o Paraguaçu, Real, Itapicuru, Contas, Pardo, Jequitinhonha e São Francisco, esses dois últimos de domínio Federal (PLANO PLURIANUAL, , p.445). Figura 5 - Mapa da divisão hidrográfica da Bahia em 26 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas. BAHIA. Instituto de Gestão das Águas e Clima. Tilha das Águas. Salvador: INGÁ (2009) Só de aquíferos, a Bahia tem km². Os maiores são o Urucuia, com km², o Aqüífero de Irecê, com km² e o Aqüífero Tucano e Recôncavo, com km² (PLANO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2000)

41 41 A riqueza hídrica do Estado não o torna imune à questão da escassez. A Bahia está vulnerável e sofre com o problema assim como a maior parte dos estados nordestinos e as causas da escassez são várias. A escassez hídrica está ligada, por exemplo, ao acesso. Na Bahia, a falta de abastecimento atinge 24,9% da população 13 e está relacionada à má distribuição: 60% da água na Bahia é utilizada na irrigação (ATLAS NORDESTE, 2006, p. 35). A maior parte do território baiano tem baixo, restrito ou médio potencial de terras para irrigação. Mas só na região Oeste do Estado, caracterizada como uma região onde predominam os níveis médio, baixo e restrito potencial de irrigação, aproximadamente 12 bilhões de metros cúbicos de água são utilizados diariamente para esse fim no agronegócio, sobretudo, cultivo da soja. Nesta região, predomina o modelo de irrigação por pivô central, onde é verificado o volume de 40% de desperdício da água utilizada; a distribuição e uso da água para o agronegócio provocam disputa e conflitos pelo uso da água naquela área 14. Figura 6 - Mapa sobre potencial de terras para irrigação na Bahia (PERH, 2000) Um dos fatores que agravam o quadro de escassez hídrica na Bahia é a poluição tanto das águas superficiais quanto subterrâneas e que tem como principais fontes de contaminação os esgotos domésticos, industriais, efluentes agro-industriais, salinização, mineração e agrotóxico (ATLAS NORDESTE, 2006, p. 49). Outros fatores contribuem para a poluição das águas superficiais e subterrâneas, como a agricultura de sequeiro pelo uso de insumos 13 Informações do Plano Plurianual , do governo do Estado da Bahia 14 Conflitos de uso da água na Bahia. Disponível em: < Acessso em: 03 de agosto

42 42 químicos como fertilizantes, corretivos e agrotóxicos. De acordo com o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado da Bahia 15, os 417 municípios baianos apresentam algum risco potencial de poluição hídrica por agricultura de sequeiro, sendo que em 6% do total, ou seja, 27 municípios há alto risco potencial de poluição, isso equivale a 10% do território estadual. Os riscos de contaminação dos recursos hídricos na Bahia são maiores quando referem-se à irrigação que só na região do São Francisco, onde estão os pólos de Barreiras e Juazeiro, representa 65% da área irrigável do Estado. O Pano Estadual de Recursos Hídricos (2002) indica que há médio risco potencial de contaminação das águas superficiais e subterrâneas em 80 municípios baianos, 21% do total, e existe alto risco potencial em 94 municípios, ou 23% do total. A irrigação na agricultura modifica a composição físico-química das águas superficiais e dos aqüíferos devido ao uso intensivo de corretivos, fertilizantes, agrotóxicos, mecanização agrícola e uso contínuo do solo. Outro fator determinante para a poluição das águas é que os perímetros irrigados geralmente estão muito próximos aos mananciais que os abastecem e se tornam receptores dos efluentes que resultam da atividade. Os esgotos são outra potencial fonte de contaminação dos corpos d água na Bahia. O Programa Monitora que faz o monitoramento 16 da qualidade das águas dos maiores rios da Bahia apontou na primeira campanha, de dezembro de 2007 a março de 2008, que há problemas de poluição por esgoto doméstico até mesmo nas bacias hidrográficas que apresentaram a qualidade da água em boas ou ótimas condições. Foram avaliados aspectos físicos (temperatura, turbidez e sólidos totais), químicos (OD, ph, DBO, N total e P total) e biológicos da água (Coliformes Termotolerantes) de acordo com o Índice de Qualidade da Água (IQA), com a água coletada em 208 pontos amostrais. 17 As alterações mais significativas na qualidade da água estão relacionadas às áreas mais populosas e com concentração de atividades econômicas. Os rios com menores vazões têm sua qualidade afetada em proporções maiores que os de grandes vazões, devido á baixa capacidade de depuração. A Região de Planejamento e Gestão das Águas da Bacia do Recôncavo Norte e Inhambupe, onde estão localizadas cidades como Salvador, Camaçari, Conceição do Jacuípe, foi aquela em que os rios apresentaram os piores índices de qualidade da água. Os rios mais comprometidos nessa região, segundo o programa Monitora, que tiveram a qualidade entre regular, ruim e péssima de acordo com os parâmetros do IQA, 15 Plano Estadual de Recursos Hídricos, 2002 p O Monitora é um programa executado pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ) e vai avaliar até 2010 de forma contínua e sistemática a qualidade das águas superficiais e subterrâneas do Estado, com recursos de aproximadamente 7 milhões de reais. 17 Monitora. Disponível em < Acesso em: 05 dez

43 43 foram, conforme aponta Figura 7, o Bandeira, Petecaba, Jacarecanga, Piaçabeira, Muriqueira, Ipitanga, Cabuçu, Joanes. Figura 7 - Mapa mostra a qualidade da água dos rios na Bacia Hidrográfica do Recôncavo Norte e Inhambupe, segundo Programa Monitora. Estado com quatro ecossistemas naturais: Cerrado, Semi-Árido, Serras e Chapadas e Mata Atlântica (PERH 2000), a Bahia tem várias regiões com baixa potencialidade hídrica, ou seja, inferior a 2 L/s/km², fator que também agrava o cenário de escassez. Estudo realizado pelo Atlas Nordeste (2006 p.39), sobre alternativas de oferta de água para as sedes municipais da Região Nordeste do Brasil e do Norte de Minas Gerais, apontou na Bahia as áreas da Bacia do rio Verde Grande e quase todas as bacias hidrográficas do centro, norte e leste do Estado como áreas com baixa potencialidade hídrica, como ressaltado no mapa, Figura 8, com o saldo do balanço hídrico. Toda área em vermelho no mapa mostra as regiões com saldo de balanço hídrico menor que 0,0 m³/s. Figura 8 - Mapa sobre balanço hídrico na Bahia. Nas áreas em vermelho, regiões com saldo de balanço hídrico menor que 0,0 m³/s. (PERH, 2000)

44 44 A área mais vulnerável do Estado é o Semi-Árido, que abrange, segundo o IBGE, 391,6 km² dos 564,7 mil km² de todo a Bahia. O Semi-Árido representa 69,3% do território, onde vivem 48,4% da população do Estado, ou seja, habitantes distribuídos em 266 municípios (PPA p. 445). Enfatiza-se que o Semi-Árido é característico nos vales dos Rios São Francisco, Vaza-Barris, Itapicuru, Paraguaçu e Contas, apresenta temperaturas elevadas, com médias mínimass superiores aos 25ºC e déficit hídricos, com precipitações inferiores a 800 mm anuais. 3.4 TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS: UM OLHAR PARA A SUSTENTABILIDADE O cenário de escassez hídrica seja a nível mundial, nacional ou local, tem contribuído para uma mobilização de organismos em escala global. Uma das grandes discussões em torno do tema e que é considerada vital, é a sustentabilidade 18. O grande desafio é assegurar água em qualidade e quantidade para os diversos usos às atuais gerações e às que virão. O mundo está sendo obrigado a encarar os problemas em torno dos recursos hídricos por uma questão, sobretudo, de sobrevivência 19. Essa atenção com a proteção e conservação dos recursos naturais e em especial com a água doce, é, no entanto, um movimento recente, cerca de 30 anos, e surgiu da necessidade de frenar os graves impactos que o desenvolvimento, desde a revolução industrial, vem provocado nos diversos ecossistemas. Discutir a problemática ambiental tem sido imperativo na agenda política dos governos, comunidade científica, movimentando recursos sejam eles financeiros, técnicos, científicos ou administrativos, pela compreensão de que urge uma reação por parte de todos para reduzir os impactos provocados pela degradação ambiental (MACHADO et al., 2004). 18 O conceito é definido pela união Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) e pelo World Wildlife Fund (WWF) como uma característica de um processo ou estado que pode manter-se indefinidamente. Leonardo Boff, no documentário Ética & Ecologia: Desafios do Século XXI (2008), diz que sustentabilidade é o dever de usar os recursos de tal maneira que eles satisfaçam as necessidades das gerações atuais sem danificar o capital natural às gerações futuras. Afirma que essas gerações têm direito de herdar uma vida saudável. Acrescenta que a sustentabilidade é a garantia do bem-estar que cada um pode dar aos cidadãos. 19 Lovelock, em A vingança de Gaia (2006, p 145) afirma que de várias maneiras, estamos em guerra involuntária contra Gaia (nome que ele atribui a terra), e para sobreviver com nossa civilização intacta precisamos urgentemente selar uma paz justa com Gaia enquanto somos fortes o bastante para negociar, e não uma ralé derrotada e debilitada em vias de extinção

45 45 Desde o início dos anos 70 que, por meio de congressos, convenções, tratados, entre outros instrumentos, autoridades e ambientalistas veem discutido, especialmente, o problema da escassez hídrica; debatem a necessidade da adoção de medidas urgentes para coibir a degradação ambiental, propõem diretrizes, assumem compromissos com o objetivo de levar à redução dos danos causados pelo desenvolvimento desordenado. Para citar alguns destes acontecimentos, em 1972, o meio ambiente entrou na pauta internacional quando realizada, em Estolcomo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. Na Declaração do Meio Ambiente Humano 20 resultante do evento, o artigo I classifica que O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente e que os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. Um conceito de sustentabilidade começou a ser então esboçado. Um dos princípios da declaração é que O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Outro princípio mostra a preocupação com elementos da natureza, incluindo a água. Proclama que os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento. No artigo IV, a Declaração destaca que os problemas ambientais são cada vez maiores e que repercutem internacionalmente independentemente se acontecem apenas em escala regional e que, consequentemente, requerem a colaboração mútua entre as nações. A Conferência conclama para que os diferentes governos e povos se unam para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade. Um ano antes, em Founex, os organizadores da conferência levavam à baila a discussão sobre a dependência entre desenvolvimento e meio ambiente. Na Conferência, prevaleceu o entendimento de que o crescimento econômico nos países em desenvolvimento 20 Declaração do Meio Ambiente Humano. Disponível em: < ano_ 1972.pdf>. Acesso em: 11 dez

46 46 era necessário, mas que esse desenvolvimento deveria ser socialmente receptivo e introduzido por meios favoráveis ao meio ambiente, ao invés de favorecer a incorporação predatória do capital da natureza ao PIB (SACHS, 2002, p. 48). Em 1987, o documento Estratégia Mundial para a Conservação da Natureza produzido conjuntamente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) e o World Wildlife Fund (WWF) apresentou o conceito de sustentabilidade como uma característica de um processo ou estado que pode manter-se indefinidamente. Relatório elaborado pela Comissão Brundtland (NOSSO FUTURO COMUM, 1991) propõe o conceito de desenvolvimento sustentável que passa a ser aceito mundial, inclusive, para balizar políticas ambientais e desenvolvimentistas (DIAS, 2007, p ). Para a Comissão Brundtland, desenvolvimento sustentável é: Um processo de transformação no qual a exploração dos recursos naturais, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas (COMISSÃO BRUNDTLAND, 1991, p.49, apud DIAS, 2007, p.31) A concepção de desenvolvimento sustentável vem provocando polêmica desde que foi instituída, pois há várias definições para a terminologia (BARONI, 1992, p ). Mas é a partir desse parâmetro que discussões têm-se intensificado para que sejam encontradas formas, alternativas de usufruto dos recursos naturais conciliando o desenvolvimento e a sustentabilidade, ou seja, a proteção dos recursos naturais de modo a resguardá-los também para uso das futuras gerações. Dias (2007, p. 33) avalia que a evolução de um desenvolvimento predatório para um desenvolvimento sustentável, que mantenha o equilíbrio com a natureza, implica na mudança de postura da humanidade na sua relação com o meio ambiente: Envolve um manejo racional dos recursos naturais e também modificar a organização produtiva e social que produz e reproduz a desigualdade e a pobreza, assim como as práticas produtivas predatórias e a criação de novas relações sociais, cujo eixo já não será a ânsia de lucro, mas o bem-estar da humanidade. E foi com o objetivo de auxiliar os países em desenvolvimento a alcançar o desenvolvimento sustentável, contribuindo com a redução das emissões de CO2, que entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, o Protocolo de Kyoto. A meta é a de que os países em

47 47 desenvolvimento reduzam para 5,2%, em média, as emissões de CO2 entre os anos de 2008 e Para tanto, foram criados o Comércio de Emissões e proposta a Implementação Conjunta e Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (GREENPEACE, 2006, p.53). Entre outras convenções sobre meio ambiente, a Conferência Internacional de Água e Desenvolvimento Sustentável, em 1992, em Dubin, na Irlanda deu enfoque todo especial aos sérios riscos e ameaças que a escassez e o mau uso da água doce significam para a proteção do ambiente e ao mesmo tempo como comprometem o desenvolvimento sustentável 21. Foi declarado na conferência, que a escassez e o mau uso da água são uma ameaça generalizada à saúde humana (por ser a água vetor de doenças hídricas), ao bem-estar, à segurança alimentar e ao desenvolvimento dos ecossistemas. Da mesma forma, considerou que esses problemas podem e devem ser revertidos a partir da utilização de formas mais eficazes dos recursos da água doce e do solo e do gerenciamento dos recursos hídricos. 22 A Organização das Nações Unidas (ONU) redigiu em 1992 um documento denominado Declaração Universal dos Direitos da Água que faz, entre outras coisas, apelo para o uso racional da água no planeta. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia. A declaração também enfatiza que o equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. No Brasil, em 1992, a cidade do Rio de Janeiro, sediou o maior e mais importante evento de meio ambiente do país até os tempos atuais. E foi um marco na história do Brasil e dos 179 chefes de Estado e de Governo que participaram e assinaram a Agenda Global da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Essa agenda reúne as recomendações de substituir padrões de desenvolvimento em prática no mundo, de modo que os recursos naturais sejam usados sem que isso signifique o seu esgotamento (AGENDA 21, 1997). A partir da Agenda Global, os países participantes assumiram publicamente o compromisso de desenvolver suas próprias agendas, elencando prioridades, englobando da sociedade ao governo, na perspectiva de promover parcerias e implementar políticas públicas 21 Em Estocolmo 1972, esse conceito foi formulado a partir da necessidade de conciliar o crescimento econômico com a proteção dos recursos naturais, de forma a garantir seus usos para as atuais e futuras gerações. Ler Caminhos para o desenvolvimento sustentável (SACHS, 2002). 22 Conferência Internacional de Água e Desenvolvimento Sustentável: Disponível em: < Acesso em: 15 de dez

48 48 internas eficazes de controle dos processos predatórios de desenvolvimento. A essência da Agenda Global foi a de que cada nação encontrasse o equilíbrio entre crescimento econômico, equidade social e preservação ambiental. 23 Para tanto, cinco documentos foram elaborados: a declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Declaração de princípios para a gestão sustentável das florestas; o Convênio sobre a Diversidade Biológica; o Convênio sobre Mudanças Climáticas e o Programa das Nações Unidas para o século XXI também denominada de Agenda 21 que aponta os desafios e estabelece diretrizes para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável econômico, social e ambiental (DIAS, 2007, p.33). Para a execução dessas metas, no Brasil, em 1997, foi criada por Decreto presidencial, a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, construída a partir de seis eixos temáticos: agricultura sustentável, cidades sustentáveis, infra-estrutura e integração regional, gestão dos recursos naturais, redução das desigualdades sociais e ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 colocou a sociedade como protagonista desse processo ao ser construída com a participação social (AGENDA 21, 1997). A própria Agenda 21 explicita que o acesso à água é um direito humano fundamental e que toda pessoa deve dispor de água potável em quantidade suficiente, custo acessível e boa qualidade física, química e biológica, para os usos pessoais e domésticos. Enfatiza ainda que ao desenvolvermos e utilizarmos os recursos aquíferos é preciso dar prioridade à satisfação das necessidades básicas e à salvaguarda dos ecossistemas. Cinco anos depois da ECO 92, em Nova York, foi realizada a Rio + 5, quando durante sessões extraordinárias da Assembléia Geral da ONU, foi feito um balanço para saber o nível de execução dos compromissos assumidos pelos chefes de Estado reunidos no Rio de Janeiro. Em torno do debate sobre desenvolvimento sustentável, novos acordos foram firmados e resultaram em um documento com 58 páginas que, entre outras coisas, estabelece a adoção de medidas jurídicas para a redução da emissão de gases do efeito estufa, a adoção de modalidades sustentáveis de produção, distribuição e utilização de energia e o esforço concentrado na erradicação da pobreza como requisito prévio do desenvolvimento sustentável. O mesmo encontro foi repedido em 2002, em Johannesburgo, África do Sul, e ficou conhecido como Rio + 10, onde a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável reafirmou os compromissos assumidos na Eco 92 (DIAS, 2007, p ). 23 Utilizam-se aqui informações da parte introdutória da Agenda 21 Brasileira Ações Prioritárias, elaborada pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional, 1997.

49 49 Em 2005, foi lançado em Nova York, o relatório da Força-tarefa Saúde, dignidade e desenvolvimento: o que é preciso. Este plano está inserido no plano de ação global de combate à pobreza, doenças e a degradação ambiental nos países em desenvolvimento e também tem a finalidade de contribuir para que os Objetivos do Milênio da ONU sejam alcançados. A força-tarefa faz uma série de recomendações para o enfrentamento da crise de água, que envolve desde investimentos em saneamento básico o empoderamento de autoridades locais e de comunidades para a eficiente gestão dos recursos hídricos Objetivos do Milênio. Disponível em: < Acesso em: 06 de jan.2009.

50 50 4 A POLÍTICA DAS ÁGUAS 4.1 A LEI DAS ÁGUAS E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DOS USOS Os tratados, protocolos e convenções têm sido relevantes instrumentos na tentativa de proteção dos recursos naturais, incluindo a água. As legislações de vários países também têm avançado e apontado a necessidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com ênfase, inclusive, na proteção e uso racional das águas. Os governos nacionais, por sua vez, são cada vez mais pressionados por diversos atores ambientalmente ativos tanto no plano interno como no externo, e respondem com ações administrativas e jurídicas no âmbito nacional, e iniciativas bilaterais ou multilaterais no plano internacional, incrementando sua participação na agenda diversificada, criada para debate dos múltiplos problemas relacionados com o meio ambiente natural (DIAS, 2007, p. 104). A legislação brasileira com foco no meio ambiente mais antiga é o Código Florestal, datado de 1934; mesmo ano em que foi publicado o Código das Águas. Em 1938 foi editado o Código da Pesca e em 1941, o Código de Minas. Mas longe de representarem uma preocupação com a proteção e conservação ambiental, essas legislações tinham como elemento norteador, o incentivo ao desenvolvimento econômico e a normatização da exploração dos recursos naturais (MACHADO et al., 2004, p. 6). Em 1981, a Lei nº 6.938, de 31 de agosto, inaugura a Política Nacional de Meio Ambiente de forma mais abrangente. No artigo 3º, inciso I, considera o meio ambiente como toda a biodiversidade existente. E no artigo 2º, inciso I, classifica o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo (MACHADO, 2004, p. 11). Mas, foi em 1988 que a legislação brasileira deu um salto decisivo para a concepção de que o meio ambiente é um direito de todos e que precisa ser resguardado por qualquer cidadão no presente e para o futuro. Trata-se da Constituição Federal de 1988, que no artigo 225 estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Na

51 51 mesma Constituição, no art. 5º, LXXIII reza que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. No artigo 21, inciso XIX, a constituição é clara no que diz respeito à salvaguardar as águas superficiais e subterrâneas do país: compete à União instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito do uso. O grande avanço no Brasil para resguardar os recursos hídricos, porém, visando a sustentabilidade hídrica se consolida com a edição e publicação da Lei nº 9.433/97, também chamada de Lei das Águas. Esta Lei estabelece a Política e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. É um marco, pois impõe uma concepção inovadora quanto ao manejo dos recursos hídricos, principalmente, no que se refere ao tratamento hora dispensado pelo poder público (MACHADO et al., 2004 p. 4). Veja na Figura 9, os fundamentos da política, os objetivos da Lei das Águas e as diretrizes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Figura 9 - Fundamentos, objetivos e diretrizes da Lei das Águas. (ÁGUA, 2006, p. 29). Esquema elaborado por SANTOS, C.O (2008)

52 52 Nesse sentido, destaca-se um dos fundamentos da Lei 9.433/97 que classifica a água como um bem de domínio público. Nesse quesito, a lei é clara quanto à prerrogativa de que a água é de todos e deve ser repartida para atender os interesses da coletividade (MACHADO et al., 2004, p. 4). Outros fundamentos da Lei dizem que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; que o uso prioritário dos recursos hídricos deve ser para consumo humano e dessedentação animal em caso de escassez. Destaca que a gestão deve ser voltada ao uso múltiplo das águas; que a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional e atuação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos e a gestão dos recursos hídricos tem de ser descentralizada contando com a participação do poder público, usuários e das comunidades. A política emprega de forma sistemática o conceito de sustentabilidade, pois tem como objetivos garantir a disponibilidade de água para as atuais e futuras gerações, em quantidade e qualidade para os múltiplos usos; o uso racional e integrado visando o desenvolvimento sustentável e à prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural (cheias e secas) ou consequentes do inadequado uso das águas superficiais e subterrâneas (ÁGUA, 2006, p. 31). Segundo a Lei das Águas, a gestão dos recursos hídricos deve ter como diretriz a associação de fatores como a qualidade e quantidade, a adequação às diferenças físicas, bióticas, demográficas, econômicas, culturais e sociais de acordo com as especificidades de cada região do país e a gestão integrada de recursos hídricos e meio ambiente com a gestão dos sistemas estuarinos e costeiros e de uso do solo. Observe na Figura 10, os instrumentos de controle de uso da água conforme Política Nacional de Recursos Hídricos. Figura 10 - Esquema com os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos. (ÁGUA, 2006, p. 31). Esquema elaborado por SANTOS, C.O (2008)

53 53 Como complemento, a Lei das Águas estabelece instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos também com o viés de sustentabilidade, ou seja, que contribuam para proteger as águas e resguardá-la para as futuras gerações. O primeiro deles são os Planos de Recursos Hídricos. Os planos são aplicados nas esferas Federal e Estadual e por bacia hidrográfica, envolvendo estratégias e diretrizes para a conservação, recuperação e uso dos recursos hídricos. O enquadramento dos corpos d água é outro instrumento da política que visa classificar os usos da água através do qual são estabelecidos critérios e metas de qualidade da água a serem conquistados para garantir usos futuros das águas nos corpos d água, como por exemplo, o lançamento de efluentes. Alguns dos objetivos do enquadramento é o combate à poluição hídrica e a adoção de medidas preventivas (ÁGUA, 2006, p. 31). Essa é uma questão determinante da política quando se leva em consideração que a qualidade da água está cada vez mais comprometida devido ao lançamento de resíduos industriais, domésticos e outras fontes de contaminação. Villiers (2002) atesta que quanto maior o desenvolvimento, proporcionalmente cresce a quantidade de contaminação da água com poluentes a exemplo do petróleo e metais tóxicos. Outro instrumento da política que colabora na perspectiva da proteção e preservação dos recursos hídricos para as atuais e futuras gerações é a outorga, direito do uso. Trata-se da autorização concedida pelos órgãos de recursos hídricos estaduais para os rios de domínio estadual e pela Agência Nacional das Águas para os rios federais, a partir de critérios determinados visando o controle do uso das águas superficiais e subterrâneas. A cobrança é outro instrumento da política, de caráter inibidor, que tem a pretensão de educar à medida que força o usuário a pagar pela água que consome e conseqüentemente estimula o uso racional. É um mecanismo considerado estratégico para uma conscientização dos usuários quanto aos riscos de indisponibilidade da água no Brasil e no mundo e, portanto, necessário para conduzir à racionalização (VIEGAS, 2005, p. 55). O quinto instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos é o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos que agrega informações sobre os recursos hídricos e a gestão das águas. Para que a Política Nacional de Recursos Hídricos seja consolidada, no entanto, além dos fundamentos e instrumentos, a própria Lei das Águas cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos que é composto pelos seguintes organismos: Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Conselho de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal, Comitês de Bacia Hidrográfica, órgãos públicos federais, estaduais e do distrito federal de gerenciamento de recursos hídricos, a Secretaria de Recursos Hídricos

54 54 (SRH), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas (ANA), Agências de Águas ou de Bacia, conforme demonstra Figura 11. Cada organismo desses tem uma função definida. Agência de Águas ou Bacias Conselho Estadual de Recursos Hídricos Conselho de Recursos Hídricos Estaduais e do DF Agência Nacional de Águas Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Comitês de Bacias Hidrográficas Instrumentos Secretaria de Recursos Hídricos Figura 11- Esquema com a composição do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. (ÁGUA, 2006, p. 32). Elaborado por SANTOS, C.O (2008) Dentre as atribuições do CNRH, enquanto organismo colegiado, consultivo, normativo e deliberativo, está a de articular o planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais e estaduais e dos setores usuários. Formado por representantes dos usuários da água, governo e sociedade civil, é de competência também do CNRH estabelecer critérios para a outorga e traçar diretrizes complementares para a Política Nacional de Recursos Hídricos. Os conselhos estaduais seguem as mesmas atribuições e competências do CNRH, mas com o foco na gestão estadual de recursos hídricos (ÁGUA, 2006, p. 32). Conhecidos como parlamento das águas, os Comitês de Bacia são também organismos colegiados, consultivos e deliberativos apontados como a base do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos que abrangem rios estaduais e federais e por isso têm essas duas classificações a depender da delimitação geográfica do manancial. O comitê de bacia hidrográfica agrega representantes das diferentes esferas de governo, entidades civis de meio ambiente, da sociedade civil e usuários da água. Têm como competência, dentre outras coisas, mediar conflitos pelo uso da água na bacia, aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia. Os comitês de bacia são

55 55 alguns dos componentes do Sistema Nacional de Recursos Hídricos que têm como objetivo cumprir um dos fundamentos da Lei nº 9.433/97 quanto à gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos. Eles garantem a participação social na gestão. O artigo 38 da Lei das Águas, nº 9.433/97 estabelece que competem aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação, promover o debate referentes as águas superficiais e subterrâneas e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos e aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia. No âmbito da Lei das Águas, os comitês de bacia podem ser reconhecidos como instrumento de consolidação da democracia; pois envolvem os diversos atores com interesses distintos na Bacia Hidrográfica, inclusive, povos e comunidades tradicionais 25 representados por meio de associações, sindicatos, cooperativas, pastorais e outras pessoas jurídicas. À medida que há um processo de escuta, diálogo e de decisão na gestão das águas, os comitês se configuram como um dos determinantes para o exercício da cidadania ambiental no poder público (MACHADO et al., p. 33). 4.2 COMUNIDADES TRADICIONAIS: A CARTA PELAS ÁGUAS COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS A gestão das águas nos estados é orientada pela Política Nacional de Recursos Hídricos, onde os fundamentos, os instrumentos de controle de uso são igualmente aplicados. Assim como ocorre em nível federal, a gestão estadual também deve ser descentralizada e participativa envolvendo os diversos atores interessados no uso da água através dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos (Conerh) e dos Comitês de Bacia (BRASIL, 1997). Quase do tamanho da França, o Estado da Bahia tem ,669 km 2, 26 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas (RPGAs), milhares de rios, mais de 65 Bacias Hidrográficas, 417 municípios, cerca de 14 milhões de habitantes (IBGE, 2007) 26. No Estado, 25 De acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável para Povos e Comunidades Tradicionais (2007), Povos e Comunidades Tradicionais são Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. 26 População na Bahia. Disponível em: < Acesso em: 13 de junho de 2008

56 56 experiências têm sido desenvolvidas para ampliar a participação social na gestão dos recursos hídricos em atendimento, inclusive, à orientação das Políticas Nacional e Estadual. Em 2007 foi publicado edital fomentando a criação de mais quatro comitês de Bacia no Estado: os Comitês das Bacias Hidrográficas do Rio Grande, do Rio de Contas, do Entorno do Lago de Sobradinho e do Rio Corrente. Iniciativas veem sendo adotadas também no sentido de fomentar o envolvimento dos povos e comunidades tradicionais na gestão dos recursos hídricos na Bahia. O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Conerh) elegeu, pela primeira vez, em 2007, representantes de povos quilombolas, de fundo de pasto e de povos indígenas para fazerem parte do conselho. Outra iniciativa que se destaca nesse sentido, foi a série denominada de Encontros pelas Águas. Realizados de agosto a dezembro de 2007, em diferentes Bacias Hidrográficas baianas, os encontros reuniram comunidades de terreiro, na cidade de Salvador; povos indígenas, em Euclides da Cunha; povos do campo, em Juazeiro; quilombolas, no município de Santa Maria da Vitória; pescadores e marisqueiras, em Canavieiras e os segmentos: empresários, em Salvador; juventude, em Ilhéus; mulheres, no município de Mucugê e as crianças, em Irecê, como mostra Figura 12. A B C D

57 57 E F Figura 12: Fotos dos Encontros com Comunidade de Terreiro (A), Povos Indígenas (B), Povos do Campo (C), Marisqueiras e Pescadores (D), Quilombolas (E) e Mulheres (F) Entre as mais de mil pessoas que participaram da série de encontros, também estavam servidores e colaboradores do órgão gestor de recursos hídricos na Bahia, representantes de poderes públicos municipais, de organizações não governamentais, sociedade civil e de movimentos sociais. Os encontros foram espaços para que as comunidades e povos tradicionais reafirmassem a vontade e necessidade de permanecer nos lugares onde moraram e historicamente habitaram seus antepassados, buscando condições de viver com dignidade e em harmonia com a natureza. Os encontros foram considerados ainda, oportunidades de reafirmação da cultura e identidade dos povos e comunidades tradicionais da Bahia (OLIVEIRA DOS SANTOS; SCALCO, 2008). Pautados a partir de quatro eixos temáticos: Nós e a Água ; A água no lugar onde vivemos ; Nós e a gestão das águas e Nossos sonhos pelas Águas, os Encontros pelas Águas foram reuniões temáticas, de sensibilização para a proteção, conservação e usos sustentável da água, que objetivaram ouvir as pessoas que dependem mais diretamente dos recursos naturais, suas demandas e construir coletivamente a Carta pelas Águas. Cada segmento elaborou sua carta pelas águas. As cartas foram reunidas em um documento também denominado de Cartas pelas Águas que foi entregue ao governador do Estado durante a Conferência Estadual de Meio Ambiente, em março de 2008, em Salvador. As Cartas pelas Águas contêm as demandas dos povos e comunidades tradicionais e demais segmentos quanto às políticas públicas das águas na Bahia. As Cartas pelas Águas expressam os desejos das comunidades e povos tradicionais e demais segmentos envolvidos quanto às políticas públicas das águas; suas percepções 27 quanto ao ambiente em que vivem, a maneira como compreendem essa realidade e quais 27 Entende-se aqui percepção como sensação; uma atividade que envolve organismo e ambiente e que sofre influência dos órgãos de sentido (HOEFFEL; FADINI, 2007).

58 58 mudanças que querem ver implementadas para que se alcance o ideal de viver em um meio ambiente saudável com o adequado usufruto dos recursos naturais. As Cartas pelas Águas foram escritas e formatadas por representantes das comunidades tradicionais e demais segmentos envolvidos que compõem o Conselho de Acompanhamento e Aplicabilidade da Carta pelas Águas, ou Conselho das Águas. Esse conselho foi instituído por portaria do Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ) como medida que visa garantir que os pleitos elencados pelos povos e comunidades tradicionais sejam encaminhados e implementados na política de recursos hídricos da Bahia. As discussões ambientais traduzidas na Carta pelas Águas refletem os interesses dos grupos sociais e étnicos envolvidos, as visões de mundo e paradigmas diferenciados, assim como conflitos entre valores, atitudes, percepções, conceitos e estratégias sociais (TUAN, 1980; MACHADO, 1996). Por outro lado, esses espaços criados, permitem conhecer as experiências de modo coletivo, estabelecendo o diálogo de saberes ambientais 28 entre os diversos atores envolvidos: sociedade civil, organizações não governamentais, universidades, gestores públicos, povos e comunidades tradicionais. Desta forma, o desafio da gestão participativa e da política pública é auxiliar na busca de soluções para os problemas apontados por grupos que embora vivam dramas ambientais muito parecidos, têm percepções e modos de lidar com a natureza diferenciados a partir dos contextos sociais, econômicas e culturais aos quais estão inseridos. Sobre a questão, Woodgate; Redclift (1998, p. 157), consideram que: Os sistemas ecológicos e sociais dentro dos quais os seres humanos estão inseridos são compreendidos de formas distintas por diferentes indivíduos e instituições (homens, mulheres, agências governamentais, diferentes setores produtivos, etc). Os espaços sociais ou mundos vivenciais criados ou experienciados por cada um destes diferentes atores sociais são caracterizados por uma série de relações sociais materiais e simbólicas específicas, que definem suas estruturas e podem ser reconhecidos dentro de limites espaciais e temporais delimitados. Quando atores de diferentes espaços sociais interagem, o significado e o valor destes elementos e atividades, sejam sociais ou naturais, precisam ser negociados de forma que uma compreensão compartilhada de determinado cenário possa ser alcançada. Esta situação envolve processos de reformulação do conhecimento e transformação e assim a construção e reconstrução social de espaços sócio-ambientais. 28 Para Leff (1999), o saber ambiental se configura com o estabelecimento de processos políticos, culturais e sociais para transformar as relações sociedade-natureza.

59 59 As Cartas pelas Águas foram publicadas e se tornaram um instrumento de cobrança devido ao compromisso assumido pelo Estado quanto à proteção e conservação das águas na Bahia perante não só os povos e comunidades tradicionais envolvidos nos Encontros Pelas Águas como também diante de toda a sociedade. Foi um passo considerado estratégico para conhecer a realidade e desencadear políticas públicas igualmente estratégicas de inclusão social dos grupos étnicos na gestão dos recursos hídricos e ações efetivas que resultem na proteção das águas 29. A compreensão das diferentes percepções e representações sociais do ambiente deve ser a base na busca de soluções para os problemas ambientais (HOEFFEL et al., 2007, p. 259). A Carta dos Povos de Campo reúne pensamentos e aspirações de comunidades tradicionais de cidades como Juazeiro, Cansanção, Campo Formoso, Morro do Chapéu, Ourolândia, Campo Formoso, Euclides da Cunha, Queimadas, Morpará. No documento, está explícita a preocupação com as agressões às águas como consequências de ações antrópicas como o desmatamento, lixos, construções de barragens, despejo de efluentes, agrotóxicos, fertilizantes, destruição de nascentes, doenças de veiculação hídrica. Evidencia-se a apreensão com as implicações sociais e econômicas que a poluição das águas ocasiona no meio rural, como o êxodo dos povos do campo para as cidades. A partir da lida com a natureza, o povo do campo deixa uma mensagem de interesse na efetiva participação na gestão das águas: Sonhamos que as pessoas lutem em conjunto para melhorar a vida da comunidade e não prevaleça só a busca individual. Afinal, sozinhos não somos nada. Aprender o significado de compartilhar, garantindo a participação das pessoas na gestão dos Comitês de Bacias, executando projetos que visem a atender às necessidades das comunidades. Na Carta pelas Águas, os povos do campo propõem investimentos sustentáveis voltados para a elaboração de projetos de educação ambiental; criação e implementação de comitês de bacia em todas as bacias hidrográficas da Bahia; campanhas de recuperação de mata ciliar; coleta de embalagens de produtos químicos e de descartes industrializados; sugerem que seja dada prioridade a ações de revitalização do Rio São Francisco e propõem que sejam exigidos royalties para destinação à gestão ambiental. 29 Ver mais: Água, comunidades tradicionais e gestão participativa: A Cartas pelas Águas e as diretrizes para as políticas públicas dos recursos hídricos na Bahia, de Oliveira dos Santos, no VII Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia.

60 60 A maneira como os povos e comunidades tradicionais se expressam pode ser considerada como avaliações ambientais, conceito aplicado por Redclift (1995). Segundo o autor, avaliações ambientais são orientadas por compromissos sociais e servem para que sejam atingidas metas sociais específicas. Sendo assim, ao serem abordados os usos de certos recursos naturais, leva-se em consideração a sua dimensão no meio social diverso, que pode ser influenciado por questões econômicas, políticas, sócio-cultural ou ambiental dominante (HOEFFEL; FADINI, 2007). Partindo desse pressuposto, é possível verificar na Carta das Águas dos pescadores e marisqueiras a concepção da água como um bem econômico e social porque essas comunidades dependem da água para o sustento de suas famílias. A água é avaliada com um bem de uso comum, que deve ser preservado coletivamente. Na carta, eles destacam a interdependência que têm com os vários ecossistemas aquáticos seja do ponto de vista econômico, social ou cultural e de como as diversas formas de vida e a cultura da pesca tradicional estão sendo ameaçadas, inclusive, por muitos não terem o título de posse das terras onde vivem e viveram seus antepassados. Denunciam, por exemplo, como os grandes empreendimentos, sobretudo a carcinicultura, estão se apropriando de áreas historicamente ocupadas por comunidades tradicionais e como a atuação empresarial representa um risco para o meio ambiente, tornando-os vítimas de racismo ambiental 30. os empreendimentos imobiliários, industriais e agroindustriais não fazem tratamento adequado dos esgotos (chorume), ocasionando a poluição dos rios por metais pesados, como chumbo e resíduos de fábricas de papéis, ocasionando doenças nas pessoas e animais. Denunciam ainda problemas que comprometem a água dos rios tais como: poluição por esgotamento sanitário e por agrotóxicos; ausência de coleta de lixo com destinação dos resíduos para os corpos d água; pesca com bomba; desmatamento de mata ciliar; contaminação de rios por óleo diesel e celulose; barragens e hidrelétricas causando desaparecimento de espécies e insegurança alimentar e social das famílias e desmatamento de manguezais. 30 Pacheco (2008) afirma que racismo ambiental são as injustiças sociais e ambientais que recaem de maneira implacável sobre etnias e populações mais vulneráveis, se configurando através de ações com intenção racista e por meio de ações que tenham impacto racial, independente da intenção que lhes originaram.

61 61 O futuro da água, aquele que sonhamos, começa com a conscientização do homem, despoluindo a mente para proteger o meio ambiente (Carta dos Pescadores e Marisqueiras, 2008) Na Carta pelas Águas, os pescadores e marisqueiras mostram-se conscientes da necessidade de usufruir da natureza sem degradar; querem ter acesso aos manguezais e outros espaços públicos que estão sendo cercados por fazendeiros, para que seja garantido o pleno exercício da profissão. Reivindicam que sejam intensificadas a fiscalização e monitoramento das águas, para que sejam coibidas práticas que degradam o meio ambiente. A participação e a consciência política são demonstradas mediante propostas como a implementação de novos comitês de bacia, a realização de diagnóstico sobre impactos causados pelas barragens, proibição de novos empreendimentos impactantes para o Cerrado e a implantação de sistemas de captação de água de chuva. Sugerem projetos de educação ambiental que colaborem na resolução de conflitos e dos problemas ambientais que vivenciam por uma vida sustentável. São sugestões e diretrizes que podem ser incorporadas nas políticas públicas de educação ambiental do Estado. Educação ambiental que se processa quando há o entendimento da concepção de meio ambiente: Por intermédio das interações intersubjetivas e comunicativas entre as pessoas com diferentes concepções de mundo e relações com o meio natural construído; características de vida social e afetiva; acesso a diferentes produtos culturais; formas de manifestar as suas idéias, conhecimento e cultura; dimensões de tempo e expectativas de vida; níveis de consumo e de participação política que poderemos estabelecer diretrizes mínimas para a solução dos problemas ambientais que preocupam a todos (REIGOTA, p. 28). Nós não temos água. Bebemos de cisternas e poço. Tinha água no rio, há 10 ou 15 anos atrás, inclusive existiam peixes como traíras e iuiu. Agora não está havendo mais enxurradas e enchentes. Nem os peixes (Carta dos Quilombolas, 2008) O trecho acima é uma das frases que revelam como ações antrópicas no meio ambiente ao logo do tempo têm interferido no modo de vida de povos e comunidades tradicionais e faz parte da Carta pelas Águas escritas pelos Povos Quilombolas. Os depoimentos refletem a reafirmação da identidade e cultura de um povo socialmente e historicamente vulnerável à

62 62 negação de direitos fundamentais da pessoa humana como o acesso a água em quantidade e qualidade. Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde a desigualdade, a ganância e o poder estão prevalecendo. Enquanto uma parte tem água em abundância, os demais nem mesmo têm para beber. No documento, os quilombolas apresentam como ameaças ambientais e para os povos dos quilombos, questões que vão desde a poluição de mananciais, desmatamento e queimadas e falta de acesso à água, a problemas como o funcionamento de carvoarias em áreas de Caatinga e Cerrado, envenenamento de mananciais e o enfraquecimento das associações enquanto entidades representativas, denunciando casos explícitos de racismo ambiental. Sugerem diretrizes para as políticas das águas no Estado que passam pela criação de novos Comitês de Bacia Hidrográfica para a garantia de participação popular; fomento à educação ambiental; revitalização de rios; realização de convênios entre poder público e movimentos sociais para a proteção das águas; implementação de fiscalização para evitar queimadas e uso de agrotóxicos e incentivos à agricultura orgânica. Onde não há água, passarinho não canta (Carta dos Povos Indígenas, 2008) Assim como os quilombolas, os povos indígenas vêm sofrendo historicamente situações de exclusão e racismo ambiental. Embora as políticas públicas tenham evoluído no sentido de resguardar os direitos dos povos e comunidades tradicionais, inclusive, com a instituição da Política Nacional para Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os primeiros habitantes do Brasil, vítimas de toda ordem de massacre como aponta a história do país, ainda nos dias atuais lutam para permanecer em seus territórios e em condições de harmonia com a natureza. Na Carta pelas Águas dos Povos Indígenas, há um forte apelo pela proteção dos recursos naturais, principalmente das nascentes, matas ciliares e rios, isso, em função, sobretudo, da relação cotidiana que boa parte deles tem com a água, seja, por exemplo, para uso na agricultura de subsistência ou cultivo de plantas medicinais: Nós, índios sabemos que a água é muito importante para nós, para melhorarmos nossas medicinas e o nosso plantio. Queremos água para nossas lagoas e barragens, para criatório de peixes, para a nossa alimentação... Antigamente bebíamos água de poços de lama, águas barrentas e não nos prejudicavam. Hoje, com tantos remédios, vários índios adoecem.

63 63 Todo o conteúdo da Carta dos Povos Indígenas enfatiza os laços culturais e aponta para a compreensão de que proteger as águas e a natureza é também proteger, preservar e contribuir para fortalecer as tradições indígenas, ou seja, a transmissão do conjunto de saberes de geração a geração (SODRÉ, 2002, p.103). E vai além, cobra políticas públicas e investimentos em ações como recuperação de matas ciliares, uso adequado e acesso a água, educação ambiental, a garantia da participação e decisão dos povos indígenas nas deliberações sobre possíveis construções de barragens que afetem diretamente os seus territórios e a garantia de acento de povos indígenas nos comitês de bacia hidrográfica. Representantes de etnias como Kaimbé, Kiriri, Pataxó, Pankarú, Tuxá, mostram que há água em abundância em algumas aldeias e em escassez em outras. Revelam especial preocupação com lagoas e poços que secaram ou com rios que sofrem com a contaminação por lixo e agrotóxicos. Descrevem o desejo de contribuir com a sustentabilidade do planeta. A natureza pede socorro, os humanos também pedem socorro. Então não vamos deixar morrer... A água é importante, principalmente no que diz respeito à preservação, porque ela controla o nosso ecossistema. Se não preservarmos as nascentes e as pessoas não contribuírem, não haverá água para gerações futuras. Todos nós devemos economizar a água e saber usá-la. A Água é elemento sagrado. Nascemos dela e só vivemos com sua presença. Ela é o sangue cristalino que circula a terra, em nossos corpos e de todos os seres vivos. Tudo está interligado através da água em nosso planeta... (Carta das Comunidades de Terreiros, 2008) A Carta pelas Águas das Comunidades de Terreiro mostra a visão diferenciada que o povo de santo tem com as águas superficiais e subterrâneas. Os representantes das várias nações que construíram coletivamente o documento revelam que o sentido da água para o Candomblé vai além do material, da necessidade da sobrevivência humana, da proteção ambiental. A água tem valoração espiritual e enquanto elemento sagrado está presente em todos os ritos de matriz afro-brasileira. Conforme descrito na Carta, a água serve de escudo contra o mal e representa limpeza, pureza, transparência, a força encontrada nas quedas e correntezas. Isso significa que a proteção das águas é imprescindível para a vida espiritual, pois também nesse patamar representa limpeza, pureza. A água que existe em nós está em sintonia com a água do

64 64 planeta. As águas vibram em uníssono. Só há vida onde há vibração da água e isso, por si só, já é motivo para considerá-la sagrada. A compreensão é a de que a conservação ambiental, a proteção das águas, é mais que uma necessidade para as comunidades de terreiro; é uma filosofia para a manutenção das tradições da religião de matriz africana e uma coisa está diretamente imbricada na outra. A sobrevivência dos terreiros está ameaçada, pois a água é um elemento que integra a flora, a fauna e todos elementos de vida. Por isso, a Carta pelas Águas destaca princípios do Candomblé como, por exemplo, a de que não se faz nada sem água no Candomblé, de que a água é fonte de energia para os Orixás. Os adeptos da religião de matriz africana denunciam como o processo de desenvolvimento das sociedades, a exemplo da expansão urbana, a ocupação desordenada, o aterramento das nascentes, riachos e rios provocaram o desequilíbrio entre homem e natureza. Há na Carta, o reconhecimento de que é preciso uma organização social das comunidades de Terreiro para promover a mobilização em defesa das águas, algo que, segundo pontuam os relatores, passa pela educação e sensibilização das comunidades. Ao mesmo tempo em que assume a responsabilidade pela conservação da água dentre do Candomblé, o povo de santo deixa o registro na Carta pelas Águas de que é vital compartilhar essa responsabilidade com o Estado, ressaltando que também cabe ao poder público estabelecer um diálogo com a sociedade, para firmar um pacto de gestão das águas. Essa parceria, ou cooperação mútua entre Estado e sociedade civil é imperiosa para que setores mais amplos acessem direitos mínimos envolvidos no conceito de cidadania e, por extensão, de democracia (MACHADO et al., 2004, p. 27). Várias são as contribuições elencadas pelas comunidades de Terreiro pela proteção das águas, todas contemplando a água como bem sagrado. Entre as sugestões encaminhadas na Carta pelas Águas estão: Resgate histórico-cultural-religioso, reconhecendo-se as fontes sagradas como patrimônio; revitalização das fontes, despoluindo minadouros, replantando as folhas sagradas no entorno e repondo as plantas aquáticas; Preservar a fauna e a flora no entorno e nas nascentes, assim como no Parque São Bartolomeu, Dique do Tororó 31 e outros; Elaborar projetos de preservação e conservação da água; Implantar projetos de monitoramento e fiscalização das águas das fontes públicas e de Terreiros; proporcionar mais segurança às 31 O Parque São Bartolomeu e o Dique do Tororó são espaços considerados sagrados pelas comunidades de terreiro onde elas costumam realizar oferendas e outros rituais, como é o caso da entrega de presentes a Oxum, no Dique do Tororó.

65 65 áreas ambientais que historicamente são usadas pelo culto afro e desenvolver projetos de captação e utilização das águas da chuva para uso doméstico. Entre as sugestões para as diretrizes das políticas públicas na Bahia apontadas na Carta pelas Águas das Comunidades de Terreiro, estão a promoção de programas de conscientização e educação ambiental nos Terreiros e escolas aplicados às práticas rituais; garantir a representatividade das religiões de matriz africana nas estruturas de gestão de políticas públicas e estabelecer diálogo entre o Estado e o segmentos empresarial, para o uso racional do patrimônio natural, exercendo o Estado seu papel de agente fiscalizador.

66 66 5 CANDOMBLÉ: UMA BREVE INTRODUÇÃO 5.1 CANDOMBLÉ: HERANÇA ÉTNICO-RELIGIOSA Religião de matriz africana, herança dos negros de diferentes etnias trazidos ao Brasil pelos colonizadores, o Candomblé é a reafirmação da fé de um povo. Fé passada de geração em geração por quem foi escravizado, mas resistiu a toda e qualquer tentativa de aniquilação da sua crença, da sua forma de reverenciar o sagrado. Silveira (2006, p. 146) explica que a política social colonialista disseminada no Brasil pela Igreja seguia os mesmos moldes da evangelização européia dos pagãos. Objetivava, sobretudo, desestruturar as sociedades nativas, pois perseguia os rituais, estigmatizando-os de coisas diabólicas, ao mesmo tempo em que tentava persuadir os nativos fazendo com que assimilassem novos valores e padrões sociais, incluindo, uma nova concepção de culto e fé. No processo de colonização, a sociedade brasileira foi sendo modelada de modo a reproduzir padrões culturais e civilizatório europeus, uma maneira de tentar neutralizar a presença marcante do negro e suas raízes culturais e religiosas, mais notadamente o Candomblé. A tentativa era erguer uma civilização sem a interferência e com total esquecimento de outras civilizações, como a Africana (BRAGA, 2000, p ). Apesar da influência de outras culturas e religiões, o Candomblé, que é definido por Carneiro (1948, p. 1) como lugar em que os negros da Bahia realizam as suas festas religiosas, ainda preserva características de séculos atrás quando no Brasil a religiosidade africana aportou através do canto às divindades que ecoava dos porões nos navios negreiros. [...] Nos flancos sonoros dos navios negreiros vieram não só os filhos da Noite mas também os seus deuses, os orixás dos bosques, dos rios e do céu africano[...] (BASTIDE, 1958, p. 327). O Candomblé se espalhou pelo Brasil de Norte a Sul, de tal forma que por todos os cantos do país é possível encontrar traços e evidências de como essa religião de matriz africada sobrevive. A Bahia, por onde a colonização foi deflagrada no país, porta de entrada

67 67 para os africanos 32 usurpados de suas terras e transformados em mercadorias, é apontada como o Estado onde mais há ramificações do Candomblé (BASTIDE, 1958, p.29). Para Verger (1957, p.20) Candomblé é a representação das tradições dos antepassados enquanto cerimônia africana. Afirma que essas tradições foram passadas de geração em geração apesar do preconceito, mesmo sendo desprezadas pelos senhores que obrigavam os escravos a participar de sua religião e salienta que foram essas tradições que fortaleceram os africanos para conservá-las. Do ponto de vista da literatura etnográfica, o Candomblé pode ser definido como grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindade e associados aos fenômenos de possessão ou transe místico (LIMA, 2003, p. 17). Lima acrescenta que o termo Candomblé pode designar desde o Corpus ideológico do grupo, seus mitos, cosmogonias, rituais e ética ao próprio local onde as cerimônias religiosas desses grupos são praticadas, quando, então, Candomblé é sinônimo de terreiro, de casa de santo, de roça. Para o autor, a palavra Candomblé também comporta a conotação de sistema ideológico. Serra e outros (2000, p. 11) atestam que o Candomblé é um culto entusiástico em que, através do transe e da possessão, certos iniciados encarnam os espíritos evocados e constitui uma variedade de ritos (re) criados no Brasil por africanos e seus descendentes, no contexto de amplos contactos interétnicos, mas com forte ponderação de elementos dos Kultbildern de povos da costa ocidental africana, falantes de iorubá e de línguas fon. Para estes autores, um princípio básico do Candomblé é a obtenção e manutenção da saúde física e espiritual. 33 Convictos de suas crenças, os africanos aportavam aos milhares nos portos da Bahia vindo de várias partes, seja de Portugal, como parte dos bens dos colonizadores, ou trazidos diretamente do continente Africano. Eles vieram de regiões como Dahomey, Nigéria e Sudão, do Congo, Angola, Moçambique e Quelimane. Pesquisadores afirmam que a maioria sudanesa ficou na Bahia e os demais foram distribuídos nos portos de São Luiz do Maranhão, 32 Renato da Silveira, O Candomblé da Barroquinha (p. 336), descreve que até o ano de 1850, 2 milhões de escravos saíram da região da Costa da Mina, sendo que destes, quase 500 mil foram trazidos para a Bahia. Eram trazidos por ano, nessa época, 8 mil escravos, isso sem citar os que eram transportados de Angola e do Congo. 33 Em Águas do Rei (1995, p. 205), Serra afirma que a estrutura mística dos cultos afro-brasileiros foi construída ao longo da história no que ele chama de diálogo criativo existente entre negros de diferentes origens e seus descendentes. Para o autor, as trocas culturais, as múltiplas origens e a condição de escravo imposta pela classe dominante serviram para a construção de solidariedades entre os negros, transcendente às suas divisões étnicas possibilitando, consequentemente, a construção positiva de uma identidade negra. Para o autor, o Candomblé também é um resultado disso, um projeto que veio a corroborar para (re) definição, transformação ou revalidação de identidades de modo a permitir, inclusive, uma variada exploração política do novo meio.

68 68 Recife e Rio de Janeiro, sendo depois espalhados para o litoral do Pará, interior alagoano, mineiro e paulista (CARNEIRO, 1948, p. 39). A história revela que esses africanos foram capturados, cerceados da sua liberdade e negociados entre colonizadores europeus 34. Pesquisas realizadas pelo Gabinete de Estudos Religiosos e de Geomorfologia da Universidade Federal da Bahia na década de sessenta, estimaram que cerca de 90 milhões de brasileiros ou 35% da população têm origem africana 35. No Novo Mundo, homens negros de várias origens étnicas, aloglotas, provindos de regiões, sociedades e culturas diferentes, foram reduzidos a membros de uma classe explorada, ao status de escravos, pelos colonizadores brancos, para quem eles vinham a ser, em princípio, apenas força de trabalho sujeita, coisificada pela sua condição jurídica de propriedade (SERRA, 1995, p. 204). Os negros e seus descendentes imprimiram no Brasil profundas marcas ao longo dos séculos; marcas essas que são presentes até hoje seja na culinária, na música, na dança, nas artes, na cultura de um modo geral. Independentemente da região geográfica de onde vinham, os africanos traziam consigo também outro traço forte enraizado no ser: a religiosidade. Este é um princípio que respalda e faz compreender a origem das variadas formas de culto dentro do Candomblé no Brasil, as chamadas tradições Angola, Congo, Jeje, Keto e Ijexá. Essas nações têm suas particularidades. São caracterizados por diferenças culturais, étnicas, 36 religiosas, podendo ser reconhecidas pelo toque dos tambores, pela roupa, pelas músicas, pela dança, pela forma de cultuar as divindades (BASTIDE, 2001, p. 29). As divindades recebem denominações distintas em cada nação. São orixás para o Candomblé Ketu e Ijexá de origem Nagô; inquices para as nações Angola e Congo, e vôdúns para o Candomblé jeje (CARNEIRO, 1948, p ). E isso está relacionado às origens étnicas dos escravizados. Na medida em que eles foram criando sistema de interrelacionamento, trocando experiências culturais e religiosas, acabaram por formar no Brasil, o culto às divindades no formato entendido como Candomblé. Desses grupos, os nagôs são considerados como os que instituíram de forma mais incisiva sua cultura e suas tradições religiosas na Bahia. Eles foram trazidos para o Brasil 34 Conveniente lembrar que mesmo na África havia escravos em decorrência de conflitos entre tribos rivais. Os traficantes aproveitavam esses conflitos para comercializá-los para o Brasil. Para mais informações, ler José Beniste, em Águas de Oxalá (2002, pg 20). 35 Informações extraídas do livro Os Nàgô e a Morte, de Juana Elbein dos Santos (2002, pg 27). 36 Serra (1995 p.104), ao fazer uma abordagem do livro Etnicidade: Ser negro em Salvador, de Jefferson Bacelar, afirma que a composição dos Candomblés na Bahia tem por base a etnia, mas não apenas. Segundo o autor, a etnicidade encontra bases em suportes ideológicos e religiosos. Lembra que um membro de uma nação mesmo que tenha pele branca, pode estar ligado a ela pelo axé, pela ancestralidade; mesmo não tendo ligação étnica diretamente.

69 69 entre o final do século XVIII e início do século XIX depois que grupos Egba, Egbado e Sábé, particularmente dos nagôs, do Sul, Norte e do Leste do reino do país Yorùba foram capturados pelos Daomeanos de Abomey. O mesmo aconteceu com grupos de Òyó, capital do reino Yorùbá e os grupos Ijesa e Ijebu. Esses grupos da região conhecida como Yorubaland, Sul e Centro do Daomé e do Sudoeste da Nigéria, são reconhecidos no Brasil como Nagô (ELBEIN DOS SANTOS, 2002, p ). Como lembra Juana Elbein, todo povo yorubá, sejam os Ketu, Sabe, Òyó, Ègbá, Ègbado, Ijesa, Ijebu são identificados como nagôs e se consideram descendentes do progenitor mitológico Odùduwà e originários do mítico lugar Ilê Ifè. As semelhanças da língua, cultura, origem mítica possibilitaram que os Nagôs transportassem para o Brasil um complexo sistema de adoração dos orixás e seus ancestrais, mantendo suas práticas religiosas através dos Candomblés que também são conhecidos, como citado anteriormente, roça ou Terreiro, um espaço sagrado para a tradição religiosa africana (ELBEIN DOS SANTOS, 1986, p. 32). Serra (1995, p. 38) acredita que os primeiros cultos religiosos afro-brasileiros instalados no Brasil foram de matriz banto. Para o autor, a mais antiga forma de culto de Candomblé foi uma criação de congos e angolas. Ele ressalta, no entanto, que o chamado Candomblé Angola surgiu no século XIX como reação e assimilação do culto religioso jêjenagô, um revivalismo banto, um retorno místico a uma tradição angola/congo reinventada (SERRA, 1995, p. 32). O culto do Candomblé como é conhecido hoje é uma formação de diferentes grupos étnicos, sobretudo aos jejes e aos nagôs, escravos sudaneses, os seja, dos nagôs, jejes, hauçás e tapas, entre outros, que formavam a composição étnica da população escrava no século XIX. Essa inter-relação e a troca de conhecimentos, experiências e o diálogo religioso inter-étnico são apontados como as bases para que fosse reconstituído no Brasil o que Serra chama de microcosmo simbólico que comporta elementos de formações religiosas de povos banto e de grupos fon e iorubá. Os cultos africanos sofreram transformações, mas ressalta-se que ao longo dos séculos também vêm sendo caracterizados como uma expressão de resistência. Para falar de Candomblé, Silveira (2006, p ) faz um relato histórico sobre o envolvimento dos negros nas chamadas Irmandades de Pretos na Bahia nos séculos XVIII e XIX e como a inserção nessas organizações religiosas contribuiu para que os negros se articulassem entre si e até mesmo com representantes da elite branca para acobertar a fundação de Candomblés.

70 70 O autor explica que a inclusão de negros nas irmandades era um costume em Portugal e que foi incorporado no Brasil. A práxis interessava à elite por várias razões, uma delas era manter o padrão clientelista de conservação do status. Por meio dessas irmandades (SILVEIRA, 2006, p ), a sociedade colonial institucionalizava redes de cumplicidade, se organizava de tal maneira que conseguia estabelecer vínculos pessoais de lealdade entre pessoas de todas as camadas sociais, estabilizando correntes de opinião conservadora. Eram, portanto organismos de dominação, que tentavam limitar a atuação dos negros ao submetê-los a regras de controle comportamental e político. A dinâmica interna do organismo deveria ser regida pelas convenções dominantes, promover estabilidade dos procedimentos, a previsibilidade dos comportamentos, a postura moderada e contida, aplicando sanções regimentais aos revoltosos, da advertência à expulsão, exigindo apenas pontualmente a intervenção fiscalizadora das instâncias superiores (SILVEIRA, 2006, 148). Embora tenham sido decisivas para a manutenção da ordem no Império Colonial, as irmandades possibilitaram prestígio e influência a lideranças negras viabilizando até o surgimento de estruturas paralelas de poder que, inclusive, acobertavam a fundação de Candomblés, a exemplo da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, da Igreja da Barroquinha. O autor acrescenta que as irmandades negras utilizavam uma terminologia familiar, estimulavam sentimentos de fraternidade e deflagraram um processo, por meio do qual, valores étnicos fundiam-se ao Cristianismo. Foi esse nicho que abrigou os fundadores do Candomblé da Barroquinha, que trouxeram uma cultura africana tradicional, fortemente arraigada, a qual foi contudo reprocessada por um movimento de urbanização africano como americano, que iria desorganizar e reestruturar-se na simultânea preservação da tradição e na geração de algo novo (SILVEIRA, 2006, p. 152). Ao logo dos tempos, o Candomblé foi sofrendo retaliações, muitas casas foram perseguidas pela polícia, seus membros foram considerados impuros e não valorizados. A discriminação passava pelo viés ideológico de segmentos da classe dominante para os quais tudo que vinha do negro era negativo. A religião era mais um motivo para considerá-lo diferente, ameaçador. Leis discriminatórias foram escritas para reforçar esse estereótipo. A primeira Constituição Brasileira, de 1824, por exemplo, organizou o Estado em bases étnicopatrimonialistas e escravagistas. Situações como essas contribuíram para que grupos étnicos se organizassem, se unissem politicamente para a manutenção das suas culturas e sobrevivência do Candomblé (SODRÉ, 2002, p ).

71 71 O Candomblé, como mostram vários estudiosos, foi então se consolidando como instância de articulação política e de luta por igualdade de direito, sobretudo de liberdade. Torna-se espaço comunitário, de solidariedade mística, templo que reúne um panteon de divindades, o microcosmo da terra ancestral, a África em miniatura em que os templos se tornaram casinholas entre as moitas, quando as divindades pertencem ao ar livre, ou então cômodos distintos da casa principal, se são divindades adoradas nas cidades (BASTIDE, 2001, p. 76, 78 e 111). Candomblé nesse sentido pode ser compreendido como a representação de como a África é lembrada e sonhada pelos afrodescendentes na Bahia. É um território sagrado com graus de hierarquia bem definidos e onde a mãe-de-santo ou a yalorixá é a autoridade máxima. A ela todos os filhos e filhas de santo devem reverência, obediência. É a yalorixá, a mãe dos orixás, a sacerdotisa suprema do terreiro, quem detém os maiores conhecimentos e experiências ritual e mística, a portadora do máximo do axé 37 do terreiro, ou seja, dos princípios vitais e essenciais de tudo o que existe, de tudo que constitui o àiyê, o mundo e o òrum, o além (ELBEIN DOS SANTOS, 1986, p. 42 e 43) 38. Em muitos terreiros, a autoridade máxima o babalorixá, o pai-de-santo, o sacerdote supremo. O babalorixá ou a ialorixá comandam a confraria porque estão em participação constante e íntima com o mundo divino. Desfrutam or isso de um grau mais elevado de existência como o nome indica. São pai e mãe em santidade (BASTIDE, 2001, p.228) O Candomblé também é um território onde modos de fazer e ser, conhecimentos e tradições são passados de geração em geração entre pais, mães, filhos e filhas de santo, ekedes, ogans e outros, em uma dimensão solidificada pela troca de experiência, pela vivência e respeito à ancestralidade. Segundo Sodré (2002) a herança cultural repassada faz da tradição um pressuposto da consciência do grupo e a fonte de obrigações originárias, que se reveste historicamente de formas semelhantes a regras de solidariedade". Destaca-se que as tradições são passadas de geração em geração, mas são reconstruídas. As gerações reinterpretam, reinventam, ampliam as tradições, introduzindo novos elementos, como disparar foguetes na hora que baixa o santo como acontece na festa de Oxum no Terreiro da Casa Branca. 37 Para Bastide (2002, p.77) não há Candomblé sem axé que ele classifica como a força invisível, a força mágico-sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de todas as coisas. 38 Elbein dos Santos afirma ainda que o axé é uma força que permite serem as coisas, terem elas existência e devir, que tudo que existe para poder realizar-se, deve receber àse. Acrescenta que é a força do àse que permite que o Òrisà seja e se realize (2002, p ).

72 MITOS E RITOS: MODELOS DE REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE O terreiro de Candomblé é também um sistema onde do ponto de vista antropológico, valores culturais e sociais são construídos como forma de representar a realidade. Representações que, segundo Waldman (2006, p. 39) são imprescindíveis para a modelagem do espaço habitado e a ordenação do tempo social, referências estas essenciais para compreendermos diversos desdobramentos da questão ambiental. De maneira sintética, pode-se considerar um ponto de partida nessa direção, o entendimento de que o terreiro de origem ketu é considerado por muitos pesquisadores como um modelo reduzido do espaço original iorubano, onde estão distribuídas as casas para a comunidade e onde moram filhos e filhas de santo, ekedes, babalorixás ou yalorixá, dentre outros iniciados e onde existem também os ilês dos orixás e áreas verdes destinadas ao culto de árvores sagradas e até mesmo de folhas e ervas para emprego em práticas religiosas (RISÉRIO, 2004, p. 394), modelos de vida reproduzidos a partir da necessidade que os religiosos têm de agir. Essa dimensão do conhecimento tradicional possibilita a compreensão do Candomblé também do ponto de vista da etnoecologia. A etnoecologia é caracterizada pelo cruzamento de saberes, sentimentos, por meio da relação e integração do homem com o ambiente no qual está inserido (MARQUES, 2001, p. 49). Isso por tratar-se de um ambiente onde há um sistema de crenças, valores, saberes norteados pelo relacionamento dos homens com os orixás que, por sua vez, são representados pela natureza. Desta forma, saberes e conhecimentos tradicionais em uma comunidade de Terreiro estão relacionados aos ritos e mitos. Nos espaços sagrados dos Terreiros, os ritos e mitos se perpetuam, são passados de geração e geração e ajudam a manter viva a cultura dos antepassados, sobretudo, de culto e respeito aos orixás. Os ritos são modelos de representação da realidade, são a maneira de fazer com que no Candomblé sejam reproduzidas histórias e vivências dos orixás. Há, nesse contexto, a valorização dos elementos da natureza como sendo um conjunto de seres e forças que formam o mundo através dos quais são estabelecidas relações simbólicas entre o domínio das divindades e do humano. Essa associação entre divindades e elementos da natureza para os nagôs tem uma razão de ser. Segundo Prandi (2005, p. 102) o povo africano acreditava que forças sobrenaturais impessoais, espíritos ou entidades estavam presentes ou corporificados em

73 73 elementos da natureza. Eles passaram a oferecer comida em sacrifício para selar essa relação e a submissão do homem frente a fenômenos naturais que ele não podia controlar. Tementes dos perigos da natureza que punham em risco constante a vida humana, perigos que eles não podiam controlar, esses antigos africanos ofereciam sacrifícios para aplacar a fúria dessas forças, doando a própria comida como tributo que selava um pacto de submissão e proteção e que sedimentava as relações de lealdade e filiação entre os homens e os espíritos da natureza. Muitos desses espíritos da natureza passaram a ser cultuados como divindades, mais tarde designados orixás, detentores do poder de governar aspectos do mundo natural, como o trovão, o raio e a fertilidade da terra, enquanto outros foram cultuados como guardiões de montanhas, cursos d água, árvores e florestas (PRANDI, 2005, p. 102) Reproduz-se no terreiro de Candomblé, um modelo de realidade que interfere, que orienta para que os indivíduos possam se guiar, reconhecendo os valores da natureza. É como se cada elemento da natureza tivesse seu estatuto ecológico, estatuto que o homem precise seguir para haver controle, equilíbrio, um equilíbrio que é procurado na sociedade e no meio ambiente. Na visão de Bastide (2001, p ) a organização clânica da sociedade pode ser entendida como o modelo da organização do cosmo. Na pátria de origem, os orixás são deuses de clãs, cada clã se vê ligado não apenas a um ritual apropriado, de que é possuidor com a condição de utilizá-lo em benefício da coletividade maior -, mas também a uma série de cores, de plantas, de animais, a uma direção do espaço, a uma estação do ano... A estrutura social fornece o primeiro modelo para a estrutura do cosmo. No Brasil, os clãs africanos não foram conservados dentro do conjunto escravista porque as pessoas não tinham liberdade para escolher seus casamentos e conservar as regras de parentesco predominante no seu país de origem. Bastide apregoa que os orixás deixam de ser deuses dos clãs e passam a ser deuses dos Candomblés e a personificação das forças da natureza. Para Bastide, são os mitos que explicam a classificação dos orixás, portanto, que narram a história dos orixás, como eles estão ligados às cores, a metais, a animais, a folhas, a fenômenos meteorológicos, a plantas, a espaços geográficos como o mar e as florestas. A partir dos mitos é que são realizados os ritos que são recriados para simbolizar a vida dos orixás (BASTIDE, 2001, p. 221). Para Bastide, o próprio Candomblé como grupo humano é a imagem da sociedade divina. Acrescenta que até mesmo as relações entre os religiosos refletem a relação estabelecida entre os orixás. Uma filha de Xangô poderá ser uma ekede de Iansã, por serem estes orixás marido e mulher. O que não será possível é estabelecer uma relação entre Xangô e

74 74 Ogum para evitar problemas no terreiro. Isso também é refletido nos casamentos. Não é aconselhável que filhos de um orixá realizem matrimônio, pois, acredita-se, que a união estaria fadada ao insucesso porque o homem reedita os mitos, as histórias, as lutas entre os orixás (BASTIDE, 2001, p ) Os ritos são recriados nos terreiros de nação ketu tendo como referência um lugar de origem dos principais fundadores do culto, estando relacionados desta forma à origem étnica, mas também reproduzem modelos litúrgicos como é o caso do modelo de feitura do santo do processo de iniciação, onde pela tradição nagô, são realizados, entre outras coisas, a raspagem da cabeça e o banho de sangue (SERRA, 2005, p. 71 e 78). Mitos sobre Oxalá mostram tratar-se do orixá da criação, do firmamento. Serra (1995, p. 235) relata que os nagôs celebravam em sua terra natal Oxalá como Orixá Criador, filho do Deus Supremo com o status de Pai Soberano em relação às demais divindades. Descreve que um mito nagô mostrando que Oxalá faz emergir a terra do seio das águas primordiais, a partir de uma elevação considerada, por isso mesmo, o umbigo do mundo. Estão na visão de mundo do Candomblé, coisas que se aprendem na mitologia e as práticas ritualísticas reafirmam, reproduzem, põe em movimento. Um mito sobre Oxalá mostra que certo dia ao se deslocar para visitar o reino de Xangô, Oxalá passou por grandes provações. Antes de viajar ele teria pedido auxílio a um babalaô que o aconselhou a desistir da viagem. Oxalá persistiu e ouviu o conselho de que não deveria negar nada para ninguém durante a viagem e que levasse três roupas brancas. No caminho três vezes Oxalá teria sido tentado por Exu. Foi convidado para que ajudasse Exu a levantar barris com azeite, óleo de coco e carvão e nas três vezes teve a roupa suja pelos líquidos e o carvão, quando prontamente Oxalá as substitui pelas roupas que trouxera de reserva. Ao adentrar no reino de Xangô, Oxalá avistou o cavalo de Xangô e ao ser visto com o animal, foi preso pelos súditos de Xangô que não conheciam Oxalá e pensaram que ele teria roubado o animal. Oxalá foi agredido, teve as pernas quebradas e mal conseguia andar. Acabou ficando preso por sete anos, período que o reino de Xangô é abatido por problemas de toda a ordem, como pragas, doença, seca. Foi descoberto quando Xangô resolveu consultar um babalaô que ao jogar o ifá verificou que um homem de roupas brancas estava preso e justificou que o que estava acontecendo era uma revolta natural pela injustiça praticada contra o aprisionado. Ao descobrir Oxalá e como forma de tentar se redimir diante dele, Xangô exigiu que todos do reino carregassem água para lavar Oxalá que foi encontrado com as roupas sujas e muito maltratado. Antes de voltar para casa, Xangô prometeu a Oxalá que as gerações futuras iriam carregar água para lavar os sofrimentos de Oxalá. Na volta para casa, Oxalá passa pelo reino

75 75 de Oxaguian que resolve fazer uma grande festa pelo seu aparecimento, com muita comida branca, inclusive inhame (BENISTE, 2002, p ). Até hoje esse mito é perpetuado e revivido através do ritual Águas de Oxalá em terreiros de origem ketu, quando os iniciados e iniciadas carregam água para banhar Oxalá, um ato, inclusive, que tem o mesmo sentido de purificação e de remissão diante da divindade. As tradições míticas e ritualísticas ocupam uma função na transmissão dos valores e da cultura da ancestralidade. Uma vez nas comunidades, os filhos e filhas de santo assimilam princípios que delimitam a maneira com que as pessoas se relacionam com os elementos na natureza, fogo, terra, ar e águas. Os rituais contribuem para manter também o respeito à hierarquia, proteger e manter a sabedoria, os ensinamentos deixados pelos antepassados. Como certifica Martins (2000) 39, os ritos de ascendência africana, religiosos e seculares ocupam um lugar ímpar como veículo de transmissão de um dos mais relevantes aspectos da visão de mundo africana, a ancestralidade, a força que, conforme Padilha (1995, p. 10) integra todos os níveis de existência na religião de matriz africana e norteia a relação entre vivos e mortos, entre o homem, o natural e o sobrenatural estabelecendo entre esses vários componentes uma mesma e indissolúvel cadeia significativa. 5.3 DIVINDADES E NATUREZA As transformações que os cultos de origem africada passaram ao longo dos tempos não impediram que os religiosos praticantes do Candomblé continuassem, como certifica Lima (2003, p 18), estruturados e resistentes na sua forma de cultuar as divindades. Braga (2000, p. 145) afirma que o Candomblé é dinâmico com valores respaldados pela sociedade que por estar em constante mudança também cobra da instituição religiosa sua atualização, fazendo com que o Candomblé, como afirma o autor: fosse capaz de mudar permanecendo, ou seja, acompanha a evolução social, porém mantendo as estruturas para a organização e hierarquia. O conhecimento e a tradição não são armazenados, congelados nas escritas, mas revividos e realimentados permanentemente. Os arquivos são vivos, são cadeias cujos elos são os indivíduos mais sábios de cada geração. (ELBEIN DOS SANTOS, 1986, p. 51) 39 Fonseca, Maria Nazareth Soares (Org.) Brasil Afro-brasilero (p. 78). Esse processo de intervenção no meio e essa potencialidade de reconfiguração formal e conceitual fazem dos rituais um modo eficaz de transmissão e de reterritorialização de uma complexa pletora de conhecimentos.

76 76 Uma característica forte nessa conjuntura é que as nações reverenciam a natureza, independente dos nomes que são atribuídos às divindades e a forma de culto com as respectivas influências étnicas. No Candomblé, as divindades são vinculadas a terra, ao ar, ao fogo, a água, estão relacionados a poderes como a chuva, o orvalho, a mata, o rio; representam ainda os estados sólido, líquido e gasoso do corpo humano e os reinos animal, vegetal e mineral (BENISTE, 2002, p. 101). Na mitologia do Candomblé, são as divindades as responsáveis pela criação do universo e tudo o que nele há. Elas são a representação da natureza; são a própria natureza. Os orixás nagôs são, em geral, personagens evemerizados, que representam as fôrças elementares da natureza [...] Os deuses representam como ensinou Nina Rodrigues por objetos inanimados, água, pedras, conchas, pedaços de ferro, árvores e frutos (CARNEIRO, 1948, p ). Na África, além de serem considerados antepassados que viveram na terra e depois que morreram foram divinizados, os orixás são forças da natureza, fazem chover, reinam sobre as águas doces, ou representam uma atividade sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia... (BASTIDE, 2001, p. 153). Mãe Olga do Alaketu, no Caderno Oku Abo Espaço Sagrado, afirma: Meu filho, orixá é tudo isso que está ai... É o princípio da vida, está em todas as coisas. Por isso, tome muito cuidado, pois quando você mexe em uma coisa, desequilibra a outra. Considera-se, por exemplo, Èsu (Exú) como o orixá dos caminhos, trilhas e encruzilhadas; Ògún (Ogum), do ferro; Òsóòsi (Oxossi), das florestas; Òsanyìn (Ossain), segredo das folhas; Obalúayé (Obaluaiê/Omolu), terra; Òxùmàrè (Oxumaré), o arco-íris e Sàngó (Xangô), o orixá dos raios, trovões e pedras. A natureza é associada a outras divindades como: Oya (Oiá/Iansã), chuva, tempestade, vento; Òsun (Oxum), a divindade dos rios, cachoeiras; Yemonja (Iemanjá), mares e rios; Obà (Obá), grutas, cavernas e encontro das águas; Yewa (Euá), o Cosmos e a mata virgem; Nàná (Nanã) é a divindade dos pântanos e mangues e Òòsàálà (Oxalá) é considerado a harmonia de natureza (Ibidem). Braga (2000, p. 167) reforça que orixá é a representação de fragmentos da natureza 40, mas mesmo sendo parte cada orixá integra o todo. Entre os elementos da natureza e a associação às divindades, a água tem lugar de destaque no Candomblé, tanto que costuma-se dizer: kosi omi, kosi orixá, ou seja, sem água, sem orixá. Para o Candomblé é a água o elemento essencial para a relação dos humanos com 40 O autor também afirma que orixá pode ser compreendido a partir da mitologia como seres criadores do universo e que já foram humanos.

77 77 as divindades e fundamental para que estas tradições religiosas continuem existindo. 41 Para o povo de santo de um modo geral a água é considerada mais do que fonte essencial e primária da vida humana; é cheia de simbolismo, é fonte de vida para o corpo e para o espírito. Para o Candomblé, a água serve de escudo contra o mal e significa pureza, limpeza espiritual; é cheia de vibrações que impulsionam a vida, estando interligadas a toda biosfera. É, talvez, o elemento da natureza mais forte e com implicações amplamente arraigadas no modo de ser e viver dos religiosos. É elemento sagrado, premissa para qualquer ritual e que sacraliza as oferendas 42. Acontece no entanto às filhas de santo, em visita, sentiram apelo insistente da divindade desabrochar-lhe no íntimo; bebem então grandes copos de água gelada, que têm o poder de impedir que se produza a possessão (BASTIDE, 2001, p. 38). A água tem um significado considerado imprescindível na comunidade de Terreiro, veja na Figura 14. A água é usada em todos os rituais sejam eles com fins litúrgicos (simbólicos) ou com fins de cura. A reverência e o significado da água para o Candomblé são tão fortes que para que um Terreiro seja construído é preciso uma cerimônia onde a yalorixá ou babalorixá deposite no terreno, o que Carneiro (1948 p.24) descreve como água dos axés, o líquido que contém água, um pouco de sangue e ervas dos orixás. Para Sodré (2002 p.102) o axé é a força que circula naquele território e a terra, as plantas, os homens são portadores do axé, são veículos de possibilidades de afetar e ser afetado, diretamente vinculados às práticas rituais 43. Quando o Candomblé situado na Barroquinha se transportou para o Engenho Velho, seus axés foram desenterrados para serem levados para o novo santuário (BASTIDE, 2001, p. 77). 41 Salienta-se que para Sodré (2002, p.103), tradição é entendida como um conjunto de saberes que são transmitidos de uma geração para outra. O esforço, resistência e empenho do povo de santo em manter suas tradições não impediram que elas, até mesmo nos Candomblés mais antigos, sofressem modificações, por vários motivos. Lima (2003, pg. 19) avalia que essas modificações são decorrentes de vários fatores como os de ordem socioeconômica. 42 Ver Oliveira dos Santos e Scalco (INTERCOM, 2008) e a Carta pelas Águas (2008) 43 Sodré afirma ainda que o axé é o elemento mais relevante do patrimônio simbólico mantido e perpetuado nos terreiros brasileiros. O axé é algo que literalmente se planta (graças a suas representações materiais) num lugar, para ser depois acumulado, desenvolvido e transmitido. Existe axé plantado nos assentamentos dos orixás, dos ancestrais e no interior (inu) de cada membro do terreiro (2002, p. 97). Elbein dos Santos (2002, p ), como ressaltado acima, acentua que é a força responsável pela existência de todas as coisas em um terreiro; tudo para existir tem que ter axé para poder realizar-se.

78 78 Figura 13. Esquema sobre o significado da água na visão do povo de santo da Casa Branca. Elaborado por SANTOS, C.O (2008) A água está tão imbricada no cotidiano do povo de santo que não deve faltar água jamais no assento dos orixás. É fundamental que haja água todo o tempo nas quartinhas (ELBEIN DOS SANTOS, 1986, p. 35), utensílio de hidrocerame, indispensável para as práticas religiosas no Terreiro que contém, geralmente, um quarto de litro de água e cuja função simbólica é indicar o assentamento das divindades enquanto espaço sagrado ou ritual no Terreiro, e, sobretudo, guardar líquidos, especialmente a água. A água usada nas quartinhas tem vários fins de purificação, serve para a limpeza individual ou coletiva. No Candomblé ketu é usada no padê de Exu, quando a água da quartinha é colocada em uma árvore no terreiro e oferecida junto com farofa de água, farofade-dendê e acaçá. Como é tradição, costuma-se também haver o despacho de água na porta dos terreiros quando a casa recebe uma visita ilustre (LODY, 2003, p e 204). Este ato serve como uma espécie de passaporte mágico para a entrada no espaço sagrado. A água limpou, purificou e renovou (LODY, 2003, p. 114). Tão imprescindível é a água no Candomblé que além de ser plantada no terreno, é com água que se faz o ritual que marca o primeiro passo para o ingresso de um indivíduo à religião. Trata-se da lavagem das contas que tem a cor do orixá a qual pertence o candidato à iniciação. Na lavagem, as contas são colocadas em uma bacia cheia de água misturada às folhas do respectivo orixá; podem ser azuis se essa divindade for Iemanjá. Depois que as contas estão prontas para serem usadas, a mesma água com as folhas que serviram para lavar o objeto serve para lavar a cabeça e também o corpo inteiro do iniciado indicando a purificação e estabelecendo assim o princípio da sua ligação com o divino. Assim entram em

79 79 contato os membros do trinômio, deus, homem e colar, permitindo a passagem da corrente mística entre o primeiro e o último, por intermédio do segundo (BASTIDE, 2001, p ). Mesmo para que ocorra a possessão é preciso usar água. Ainda durante a iniciação, o iniciado deve coletar água da fonte e banhar-se e dela deve fazer uso durante todo o tempo de reclusão para as obrigações (BRAGA, 2000, p ). A água também é usada para respingar naquele que vai dar possessão e colocada na boca, até mesmo ingerida, por quem está e vai sair do transe (LODY, 2003, p. 114). Muitos são os banhos de folhas para curar mau olhado e outros problemas de ordem física e espiritual. O abô é um destes preparos por meio da maceração de folhas com as mãos, pilão e pedras usadas em rituais secretos e cuja força do sumo das próprias folhas potencializa aquele líquido fazendo com que empreendam maior sacralidade e poder. Nestes casos para o Candomblé, a água tem de ser colhida sempre de um manancial, nunca de uma torneira. Ao integrar-se às águas assim com outros elementos da natureza, a exemplo das folhas, de acordo com a visão mágico-religiosa do Candomblé, o homem busca alcançar a harmonia pessoal, o equilíbrio consigo e com o universo (BRAGA, 2000, p ). O abô é normalmente preparado no peji de Ossain, orixá das folhas, e consumido em diferentes situações dentre e fora do terreiro pelos membros da comunidade, como para rituais de purificação, banho de iniciação e para ser ingerido. O amassi é outra mistura de folhas que serve para banhar os animais antes do sacrifício e ao tempo em que ocorre a maceração das folhas é acrescentada água lustral (LODY, 2003, p. 289). Outra mistura de folhas maceradas recebe o nome de ariaxé e também serve para banhos rituais durante a feitura de santo (CARNEIRO, 1937, p. 113). Muitos são também os chás preparados para livrar o corpo e o espírito das doenças 44. As folhas dos banhos ou chás estão associadas aos orixás. Serra e outros (2002, p. 135) mostram que depois de Ossain que está associado às folhas no Candomblé Ketu, Oxum é o orixá que mais partilha folhas no sistema com outros orixás por ter conhecimentos mágicos e por ser a representante das águas doces. Compartilha folhas com Oxalá e Xangô, os orixás ligados aos domínios superiores e com Oxossi e Ogum, ligados ao domínio terrestre. A água é essencial também para lavar objetos de uso ritual, como os tambores rum, rumpi e lé. Antes destes instrumentos serem utilizados passam por uma cerimônia que envolve desde a matança de um caprino para que seja retirado o couro de forma bastante artesanal até a sacralização do instrumento que, pela música, servirão para evocar os deuses 44 Lody (2003, p. 290) afirma que tão grande é a variedade de ervas usada seja com fim medicinal ou mágicoreligioso quanto as finalidades no estabelecidas no saber tradicional.

80 80 africanos nos rituais e para onde todos os iniciados devem se direcionar e realizar cumprimentos. Durante a preparação, os tambores são deitados em uma esteira e sobre o maior deles, o rum, é depositada uma quartinha com água lustral e após ser também banhado com sangue de galo e a carne é preparada e dividida entre os participantes, considera-se estabelecida a ligação entre os deuses e os homens (LODY, 2003, p. 68). A importância da água para a vida religiosa também pode ser justificada pela aproximação dos terreiros aos mananciais, sejam eles rios, córregos, nascentes e na inexistência destes, sempre cava-se uma fonte para que a água seja usada em rituais sagrados. Acredita-se que a água em estado natural, sem intervenção humana, está e é impregnada de sacralidade, de axé, da força da natureza por serem as águas primordiais, possibilitando a reconciliação do homem com as forças da natureza (BRAGA, 2000, p. 184) A água está associada a todos as práticas rituais em um Candomblé nagô onde a divindade da água geralmente tem uma fonte dedicada a ela e invariavelmente aquela água torna-se sagrada e usada para todos os fins rituais. Nos Candomblés mais tradicionais é com a água da fonte que é feito o ossé, ou seja, da lavagem do assentamento até a comida dos orixás. Acredita-se que aquela água é cheia de energia pura porque brota da terra. 5.4 OS ORIXÁS DAS ÁGUAS Além de estar associada a todas as práticas rituais em um Candomblé, a água está diretamente associada aos orixás. No Candomblé de origem ketu, como é o caso do Terreiro da Casa Branca, quatro divindades especialmente, são relacionadas diretamente às águas: Oxum, Senhora das Águas Doces; Iemanjá, Rainha das Águas Salgadas; Nanã, considerada a grande mãe e avó Senhora dos manguezais e Oxalá, divindade das águas lustrais. Veja figura 15:

81 81 Figura 14 - Esquema sobre os orixás das águas na visão do povo de santo do Terreiro da Casa Branca. Elaborado por SANTOS, C.O (2008) Oxalá teria recebido, de acordo com a mitologia Nagô, do seu pai Olorum (Deus supremo transcendente ao universo) a missão de criar o mundo físico (SERRA et al., 2002, p.12). E no panteon básico dos orixás estão outras divindades além dessas; 17 ao todo. Obaluaiê (omolu), Oxumaré, Xangô, Oiá (Iansan), Obá, Oxossi, Logunedé, Ogun, Euá, Ibeji, Iroko, Ossain e Exu (SERRA et al., 2002, p 17). 45 Para o povo de santo do Terreiro da Casa Branca, na tradição ketu, todos os orixás estão relacionados de alguma forma às águas e para eles são direcionados pedidos, agradecimentos, louvores, numa sublimação, crença e respeito às forças que as águas impõem e contêm. Um dos orixás das águas cultuado no Candomblé é Oxum, nome de um rio (Òsum), muito reverenciada nas nações iorubás. Em torno da divindade das águas doces, há vários mitos que falam da sua majestade, soberania sobre as águas doces, da sua relação com outros orixás. A depender da região, como era adorada por diferentes nações, Oxum recebia nomes distintos, sendo reconhecida também como Oxum Apará, Oxum Abalu, Oxum Ijumu, Oxum Laujimi, Oxum Tomiuá, Oxum Muiuá e Oxum Ipondá. Para os ijexás, Oxum era a divindade 45 Silveira (2006 p ) afirma que os Candomblés da Bahia eram cultos de uma só divindade, mas houve o que ele chama de acumulação de forças místicas e aglomeração de divindades. E um dos fatores que ele aponta foram os grandes movimentos migratórios, além do fato de que as religiões pagãs aceitavam com tranquilidade deuses imigrantes. Bastide (2001, p. 156) explica que uma divindade pode ser chamada por nomes diferentes porque embora as etnias tivessem mantido seus cultos, em cada uma delas existiam seu Oxalá, seu Ogum, sua Oxum.

82 82 mais conhecida sendo reverenciada em várias regiões do país iorubá, incluindo, a costa, Lagos, o extremo Ocidente, em Ketu, tendo como centro litúrgico a região centro-oriental do país iorubá (SILVEIRA, 2006, p. 468). Bastide (2001, p.155), ao referir-se à classificação dos orixás, ressalta que estes são múltiplos e que há dezesseis Oxuns. Fato de fácil compreensão quando lembra-se que os africanos trazidos ao Brasil de diferentes nações, cultuavam seus orixás e estes embora fossem as mesmas divindades, recebiam nomes distintos de um terreiro para outro. O autor ressalta que mesmo assim, ainda há pluralidade de Oxuns dentre de uma mesma etnia e cada uma dessas divindades tem seus mitos especiais e funções distintas. Oxum é assentada no Terreiro Casa Branca como uma das tradições vindas de Ijexá, na região centro-leste do império Iorubá, atual Nigéria e o Benin. Oxum era a divindade mais reverenciada entre os ijexás, embora também fosse cultuada na costa e em Ketu e em províncias ao Sul do Rio Oxum. Oxum era a protetora do Ataojá, o senhor de Oxogbô, cidade do século XVII. O fundador do reino Larô, antepassado de Ataojá, fez um pacto com a divindade e todo rei a partir de então, era consagrado ritualmente no templo de Oxum, tornando-se um iniciado (SILVEIRA 2006, p. 468). Ao ser incorporada ao Candomblé da Bahia, Oxum passou a ser cultuada em vários rituais nas águas doces dos rios e das fontes baianos. É considerada a divindade das fontes, dos lagos, da fertilidade porque é a orixá dos rios que fertilizam o solo. É Oxum que cuida da gestação, do sangue menstrual. É atribuída a ela a função de cuidar das crianças até que comecem a falar. Seus elementos são a água, metal amarelo e o sangue menstrual. É saudada como mãe de bondade: òóré yeye o! (BENISTE, 2002, p ). Oxum é representada pela cor de ouro, pelo metal latão, os animais de oferenda são a cabra e a galinha, a água doce é o elemento da natureza que a ela está representada e do ponto de vista da sociedade e das relações humana é associada ao amor (Bastide, 2002, p.156). Também come bode e chupa cana. É a deusa das fontes e dos regatos, uma deusa menina. Nos Candomblés está assentada perto das fontes (CARNEIRO, 1948, p. 72). Òsun mo pè ó o! Òsun eu lhe chamo! Mo pè o si níní àlàáfià Eu lhe peço felicidade Mo pè o si orò! Eu lhe peço uma vida de riqueza Mo pè o si níní omo Eu lhe peço filhos (BENISTE, 2002 p. 127)

83 83 Iemanjá é outra divindade associada às águas e apesar de ser conhecida pela maioria como a Rainha do mar, originalmente era uma divindade do Rio Ogum, Odò Ògun também chamada de Odò Yemonja, cujo culto foi introduzido no Brasil pelos egbás, vindos do centrosul do país iorubá. Era o orixá oficial da cidade de Abeokutá. Acredita-se que Yemonja tenha passado a ser considerada a Rainha do Mar, segundo a iconografia baiana, por ser filha de Olokun, o oceano. Na própria cidade de Abeokutá ela já era reverenciada como a velha senhora do mar. No entanto, a saudação a ela dirigida até os tempos atuais faz referência a sua origem: odò oya, ou seja: a mãe do rio (SILVEIRA, 2002, p. 475). Ela também é saudada com Odò fé yaba que quer dizer: as águas amam sua rainha (BENISTE, 2002 p.123). Na África existiam outros orixás associadas às águas. Em Oyó eram cultuadas Iyamassê e Ogunté e que na Bahia tornaram-se qualidades de Iemanjá. Outras divindades como Iamanjá Ogunté, Iemanjá Assobá e Iemanjá Assessu são outras qualidades de Iemanjá, denominações que ela recebeu no culto afrobaiano. Um dos terreiros mais conhecidos no Brasil, o do Gantois, tem como nome oficial Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê que significa a casa de Iyamassê, a mãe das águas (SILVEIRA, 2002, p ). As comidas dedicadas a ela são: pato, cabra, conquém, galinha e acaçá (CARNEIRO, 1948, p. 71). Iemanjá é reconhecida como mãe de alguns orixás, entre os quais, Ogun e Xangô. As danças para Iemanjá são marcadas pelo movimento das mãos e ombros e simulam o vai e vem das ondas do mar. Portanto, seu elemento é a água, usa roupas brancas, azuis e verde-claro; usa contas transparentes, brancas, verde e azul-claro. Por ser identificada com diferentes qualidades, Iemanjá pode ter cores e oferendas variadas. No sacrifício usa-se cabra, galinha, carneiro, bode castrado, pata, pombo e galinha-d angola. Recebe oferendas com àkàsà, milho branco, obì, orógbó, peixe, camarão com coco e arroz (BENISTE, 2002, p ). Yemonjá Olókun Senhora do mar Olómú agu ìsi Famosa pelos seios fartos Ìyá mi la kèsán Minha mãe elegante Olówó orí mi Dona da minha cabeça Yemonjá àgbódò dáhun ire Dentro das águas responde com o bem

84 84 Nanã é a divindade mais velha entre os orixás femininos e está representada pelas lama e todos os pântanos e manguezais. Para o Candomblé, é no ventre de Nanã que os homens são gerados porque a ela pertencem as águas primordiais e é para o ventre de Nanã que todos voltam após a morte. Esta associação é justificada porque o ventre deste orixá é compreendido como sendo a própria terra, por isso a ligação com a lama. Além de ser mãe de todos os homens é a mãe das divindades Omolu e Oxumaré. Quando se manifesta em cerimônia ritual, Nanã segura em seus braços como se fosse uma criança o Ìbírí, um feixe produzido com talo de dendezeiro, enfeitado de búzios que tem uma das pontas voltadas para baixo simbolizando a vida que retorna. Seu elemento é a fertilidade, sua cor é o branco embora use contas azuis e vermelhas. Como sacrifício para ela são entregues: cabra, rã, galinha-d angola, pata, coruja e oferendas de pipoca, feijão, arroz, mel, inhame e efó (BENISTE, 2002, p ). Por serem filhos de Nanã, Omolu e Oxumaré podem ser relacionados à água. Omolu que é também é chamado de Obaluaiê é o dono da terra. É entendido como o orixá das doenças transmissíveis e aos filhos desta divindade é atribuído o poder de cura. Tem como elementos a cura, a terra e as doenças. Destaca-se que muitas vezes é através de chás e de banhos de folhas que doenças são tratadas no Candomblé. Oxumaré simboliza o arco-íris que liga o àiyé e o órun (BENISTE, 2002, p. 114). Oxumaré assume também a forma de uma serpente. Seus elementos são água e terra. Para os nagôs, conforme oríkís entoados nos rituais é Oxumaré que faz a chuva cair na terra (BENISTE, 2002, p ). Òsùmàrè O arco-íris Lókèrè Está distante E lòke re Lá no alto Òsùmàrè O arco-íris Ó gbé jí ró Ele se ergue e faz cair Ó gbé jí ró A chuva fertilizante Saudado como E se e bàbá; Epá bàbá, Oxalá tem como título Aláàbáláàse, o escultor perfeito e é considerado o pai dos orixás, corresponde à cabeça do homem, avô de todos os homens. Aparece como Òsàlufón, Òsàguiyán, Odùdúwà, Òrìsá Oko, Òsàfuru, Bàbá Àjàlé e Bàbá Lejúgbé e está diretamente ligado à água, por ser o orixá continuador da obra da

85 85 criação, dever que lhe foi passado por Olodumaré, o Deus supremo (BENISTE, 2002, p ). Para a mitologia nagô, foi através das águas primordiais que Oxalá fez brotar a terra. É, portanto, o orixá criador, o pai da vida (SERRA, 1995, p. 235). Bàbá nlá! Oko Iyemowo Grande pai, marido de Iyemowo Ibi rere l órisá ka lè O lugar feliz onde ele está assentado Òrìsànlá atererekáiye Grande Òrìsà que reina sobre todas as coisas Òrìsà nlá Adìmúlà O grande Òrìsà Salvador Olójú kará bi ajere Ele tem olhos que vêem tudo Èwù rè funfun ni O manto dele é branco Adàgbà jê ìgbín O velho que come caramujo Eni olà etì! Um ser nobre e imutável (BENISTE, 2002 p 139)

86 86 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES. O TERREIRO DA CASA BRANCA 6.1 O LUGAR DA PESQUISA Os portões de ferro esculpidos pelo artista plástico Bel Borba com motivos representativas do Candomblé são uma referência de destaque para a localização do Ilê Axé Iyá Nassô Oká ou simplesmente Casa Branca, em Salvador. Pelo viés convencional, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká tem como endereço, a Avenida Vasco da Gama, número 463, Engenho Velho da Federação. Muitos outros ícones podem ser citados para orientar qualquer um que queria chegar àquele espaço considerado sagrado pelo povo de santo. Um dos mais emblemáticos é o próprio barracão pintado de branco construído no vale em meio a muitas plantas e, inclusive, árvores centenárias, árvores adornadas pelo ojá 46, árvores sagradas, conforme Figura 16, da lateral do barracão e da área verde ao seu entorno. A B 46 Ojá é um tecido branco amarrado nas árvores sagradas sinalizando o assentamento de um orixá.

87 87 C D Figura 15 - Foto lateral do Barracão (A), com escadarias que levam à casa da família da palha. Na outra foto (B) rampa de acesso ao lado direito do barracão e a dependências como a cozinha. Na foto C, o ojá adorna o assentamento de um orixá e na foto D, a vista da área do entorno do Terreiro que mostra a expansão urbana. A área verde é uma das poucas do bairro, cujo entorno do Terreiro é completamente ocupado por casas, edifícios e empreendimentos comerciais. Até mesmo os assentamentos dos orixás, a exemplo da casa de Oxossi, estão imprensados entre construções, como destacam fotos adiante. Uma realidade muito diferente de décadas atrás quando estes assentamentos eram no meio das matas, como aponta Carneiro (1948). Ao fazer a descrição do Terreiro da Casa Branca, o autor mostrou que naquela época, o Oxossi principal estava a alguns metros de distância do barracão, enfurnado no mato circundante. Na Figura 17, imagens do Barracão, da Casa da família da palha, pintada de rosa e a de Oxossi, da cor azul, mostram como o Terreiro da Casa Branca perdeu espaços com a expansão imobiliária. A B

88 88 C D Figura 16 - Na página anterior, as fotos A, do telhado do barracão e (B) da casa da família da palha e as fotos (C) e D do assentamento de Oxossi, mostram a ocupação urbana na área do entorno do Terreiro O barracão é a maior edificação do Candomblé da Casa Branca, mede 11,65 m de comprimento por 10,20 m de largura (CARNEIRO, 1948, p. 33). De frente para a escada que liga à edificação a praça de Oxum, estão a porta de entrada e mais duas janelas. Perto da porta, do lado esquerdo de quem entra, está o assentamento de Exu (Figura 18). Figura 17 - Foto do assentamento de Exu dentro do barracão do Terreiro da Casa Branca Na lateral direita de quem entra, está o local reservado para colocar cadeiras e bancos onde sentam os homens nos dias de festa. Um pouco mais a frente no mesmo sentido lateral direito está a saleta dos ogans e em seguida o altar das imagens de santos católicos, como Jesus Crucificado, São Jorge, Santa Bárbara e São Lázaro, conforme Figura 19.

89 89 Figura 18 - Foto do altar que fica dentro do barracão Depois está a porta do corredor que dá acesso aos assentamentos de Oxalá, do axé, cozinha ritual e quarto da yalorixá e outros moradores da casa, conforme Figura 20. Figura 19 - Porta de acesso ao corredor onde fica, por exemplo, o quarto de Oxalá Logo depois fica a cadeira da yalorixá da casa e depois, a porta do assentamento de Xangô e das yabás. À esquerda deste assentamento, são colocadas cadeiras para autoridades convidadas para as festas públicas e para os ogans da casa, veja nas fotos adiante.

90 90 A B Figura 20. Cadeira da yalorixá (A) e (B) da porta do quarto de Xangô e das yabás Em sentido contrário à porta de entrada, sob uma pilastra está a imagem de um menino simbolizando o assentamento de Logunedé. Ao lado esquerdo da imagem é colocada a cadeira da Iyá kekerê e logo depois próximo à porta dos fundos, de onde se saúda o assentamento de Oxossi, está o pequeno quadrado de cimento onde estão os atabaques que são tocados pela orquestra ritual nos dias de festa e obrigação (Figura 22). A B Figura 21. Foto do barracão. Ao fundo imagem de um menino representando o orixá Logunedé (A) e a foto (B) mostra os atabaques Na outra parede lateral estão mais duas janelas de onde se saúda os assentamentos da ancestralidade e da família da palha (Nanã, Obaluaiê e Oxumaré). É neste local onde estão os

91 91 bancos reservados às mulheres. Elas também sentam em outros bancos dispostos ao lado da casa de Exu. No centro do barracão está a coroa de Xangô, talhada em madeira, sustentada por quatro colunas e um pilar de alvenaria e o estrado onde está assentado o axé da Casa Branca. Fixado no pilar de alvenaria, está um quadro com a figura de Xangô. Adiante (Figura 23), desenho do espaço a partir de Carneiro (1948, p. 34), da coroa de Xangô e da imagem de Xangô. A B C

92 92 D Figura 22 - Imagem da planta do Barracão (A). Coroa de Xangô (B e C) e Xangô (D) O templo religioso foi implantado, onde permanece até hoje, na década de Ele teve origem entre 1804 e 1807 em terreno situado atrás da Igreja da Barroquinha. Foi fundado pela comunidade nagô na Bahia que se organizava desde o final do século XVIII por meio das Irmandades do Senhor Bom Jesus dos Martírios. No ano de 1811 um salão construído na Rua da Barroquinha marcou definitivamente a instalação do Candomblé que por estar situada naquela área da cidade foi denominado de Candomblé da Barroquinha sendo consagrado a Airá Intile (SILVEIRA, 2006, p ). Durante anos, o terreiro funcionou na Barroquinha e foi alvo de invasões e repressão das forças policiais da província. A urbanização da área na Barroquinha, inclusive com a derrubada de árvores sagradas, obrigou a saída definitiva do ilê axé daquele ambiente. O Terreiro teria sido transferido para locais como o Calabar até ficar definitivamente no Engenho Velho da Federação (SILVEIRA, 2006, p ). A escolha do local para a instalação do Terreiro da Casa Branca foi feita pela própria mãe-de-santo Iyá Nassô Oká, que também é saudada entre os iniciados como Iyá Nassô Oió Acalá Magbô Olodumaré. Ela é apontada como uma das responsáveis pela reorganização do Terreiro da Barroquinha e do culto a Xangô segundo os preceitos da casa real de Oyó. O Bamboxê Obitikô, importante liderança religiosa e política da época da comunidade iorubana na Bahia, participou do processo e inclusive ajudou Iyá Nassô Oká na mudança. Ela implantou o axé do Terreiro no Engenho Velho e o Bamboxê Obitikô fez a primeira coroa de Xangô Ogodô que foi fixada nos quatro pilares do atual barracão central do Terreiro; pilares que representam os regentes da casa: Oxossi, Xangô, Oxum e Oxalá (SILVEIRA, 2006, p. 528 e 529). Outras duas mães-de-santo, Iyá Dêtá e Iyá Kalá também são citadas como fundadoras 47 Muitos pesquisadores da história da Casa Branca, como Carneiro (1948, p.48), atribuem a data da fundação do Terreiro da Casa Branca, no Engenho Velho da Federação em 1830.

93 93 do Terreiro no Engenho Velho da Federação que muitos, em função disso, chamam de A casa das três princesas. Por muito tempo estas três mulheres emprestaram grande brilho à casa, não se tendo certeza, entretanto, quanto a se repartiam entre si o poder ou se se sucederam nele. De qualquer maneira, o nome de qualquer das três merece ainda as maiores reverências (CARNEIRO, 1948, p. 48). Dizem os mais velhos que ao ser instalado no Engenho Velho, o antigo Candomblé da Barroquinha, a casa construída para abrigar os pilares de Xangô e assentamentos dos orixás, teria sido toda pintada de branco e a cor ajudava na identificação daquele lugar considerado remoto, distante, isolado do centro da cidade. A cor branca virou então sinônimo de identificação para que o Terreiro fosse facilmente encontrado por aqueles que freqüentavam o ilê axé desde a Barroquinha. Ao ser avistada a Casa Branca, mesmo ao longe, sabia-se que ali era o Ilê Axé de Iyá Nassô Oká ou Candomblé da Barroquinha. Ao longo do tempo, aquele hábito do passado acabou sendo incorporado à definitiva identificação do espaço: O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho ou simplesmente a Casa Branca 48. Era assim e assim ficou. A origem desta Casa está associada ainda à organização de escravos libertos provenientes da Costa da Mina, Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, que funcionava na Barroquinha desde Como destaca Silveira (2006, p. 152), para se consolidar e continuar perpetuando os cultos aos orixás, a irmandade absorvia representações da própria igreja Católica. Era assim quando se dizia que se fazia festa para São Jorge e toda a sociedade baiana participava. Porém, as honrarias da celebração eram para Odé/Oxossi. Sobre a questão, Silveira (2006 p. 356) reforça que o dia de Corpus Christi marca a fundação do respectivo culto no Terreiro da Casa Branca. A associação da data se deve à festa cristã que se fazia em homenagem a São Jorge, mas que na verdade era uma adaptação para esconder o rito africano para saudar Odé, o mais importante orixá dos caçadores na região jeje-nagô e Oxossi outro orixá dos caçadores. Por suas origens iorubanas, as raízes míticas do Terreiro da Casa Branca o ligam as antigas cidades africanas de Oió, atual Nigéria, que é centro do culto a Xangô e de Ketu onde está situada hoje a República do Benin, que é consagrada a Oxossi. Por isso, diz-se que o Terreiro Casa Branca pertence a Oxossi, o onilé, o senhor da terra, e o barracão central a 48 Oliveira, Rafael (2005, p ) lembra que Casa também significa terreiro delimitado por um perímetro onde existem moradores permanentes ligados ao Candomblé ou não, casas para visitantes em época de festa e monumentos sagrados dedicados às divindades.

94 94 Xangô, o onilê, dono da casa. Em reconhecimento das tradições de Ijexá e Efan-Ifé que já tinham sido implantadas na Bahia à época da refundação do Candomblé da Barroquinha, Oxum e Oxalá também foram assentados como regentes do Terreiro da Casa Branca (SILVEIRA, 2006, p. 525). O Terreiro da Casa Branca é considerado a mãe de todas as casas de axé. O Candomblé do Engenho Velho deu, de uma forma ou de outra, nascimento a todos os demais e foi o primeiro a funcionar regularmente na Bahia (CARNEIRO, 1948, p. 48). Com mais de dois séculos de história, situado em uma área de 8.500,38 m², o Terreiro da Casa Branca é considerado um monumento vivo e um precioso legado que se conserva no Brasil da grande civilização iorubana, as origens de cujo florescimento remontam ao século IX (SERRA, 2008). O laudo antropológico do Terreiro elaborado pelo professor doutor Ordep Serra descreve características físicas da Casa Branca, como está representado civilmente por meio da Sociedade São Jorge do Engenho Velho e como aos poucos este espaço foi sendo reconhecido em diferentes instâncias governamentais até ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, como Patrimônio Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico A CASA BRANCA E A RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE, O ANTIGO RIO: SIGNIFICADO E TRANSFORMAÇÕES AO LONGO DO TEMPO A placa fixada no portão da entrada lateral (Figura 24) mostra que o Ilê Axé Iyá Nassô Oka é um Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil. É um marco simbólico por retratar os séculos de história daquele espaço considerado sagrado pelo povo de santo, onde se cultua divindades e a ancestralidade africanas. 49 Veja laudo completo nos anexos

95 95 Figura 23. Placa na entrada do Terreiro da Casa Branca que mostra o tombamento do espaço como Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil. O Terreiro Ilê Iyá Nassô Oká é um espaço que representa muita resistência e luta do povo para não deixar extinguir o elo com a ancestralidade, com as origens africanas, com o passado por meio do qual é possível resgatar muitos aspectos da própria história do Bahia e do Brasil. Trata-se de uma sociedade matriarcal, onde as mulheres sempre tiveram um papel muito importante. Até hoje, a maioria da comunidade é formada por mulheres. Embora os homens também exerçam papel significativo, desde a Barroquinha, a yalorixá é a maior autoridade. Ela foi a escolhida por todos os orixá para ser a líder religiosa da comunidade. Todos os demais iniciados ou não iniciados que têm ligação com o Terreiro estão subordinados a ela, lhe devem respeito e reverência. A pessoa que está mais próxima à yalorixá hierarquicamente na Casa Branca é a Iya kekerê, também conhecida como mãepequena. Considerada uma assessora da yalorixá. A Iya Kekerê faz tudo no Candomblé e para chegar até à yalorixá tem que primeiro se dirigir à ela. No mesmo grau hierárquico da Iya Kekerê estão a Iyalaxé e a Iyaebé; dois cargos que habilitam as duas a serem futuramente uma yalorixá. A yaebé, na Casa Branca, é a mais idosa do terreiro, desfruta de grande prestígio, tanto que nada pode ser feito no axé sem consultá-la. É considerada aquela que ouve e tem paciência para ensinar. A Iyalaxé sabe de todos os segredos do axé, tudo que uma yalorixá precisa saber. Depois, são as Iyadagã e Iyamorô. Na sequência, estão: yaefum, ekede, ogan, Iyabassê, ebomi e por último, na escala hierárquica, estão: iaôs e abiãns, conforme esquema adiante:

96 96 Figura 24 Organograma sobre a composição do sistema hierárquico do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho feito a partir de descrição de autoridade religiosa da Casa. Elaborado por SANTOS, C.O (2009) No vale, está a casa que foi erguida na década de 1850 em meio à Mata Atlântica, cercada de verde por todos os lados, muitas águas subterrâneas e margeada pelo rio denominado de Rio Lucaia, cuja bacia hidrográfica tem cerca de 14 km². Quando foi construído, nos tempos da escravidão, o mato era uma floresta, e o templo bem escondido (CARNEIRO apud LANDES, 1967, p. 48). Também conhecido como o Candomblé do Engenho Velho, o Terreiro da Casa Branca foi fundado próximo a mananciais e onde havia muitas árvores; algo característico dessa religião de matriz africana. Carneiro (1948, p ) descreve que os Candomblés estavam localizados em lugares distantes, de difícil acesso, no meio do mato. A aproximação de rios, lagoas, nascentes, era estratégica para que neles pudessem ser realizados rituais. A água está na fonte mais próxima, talvez em cisternas. As mulheres vão buscá-la em latas de querosene... Esta água enche os porões, talhas e moringas da casa e é distribuída nas festas, em canecos de folha-de-flandres ou de ferro esmaltado, aos assistentes (CARNEIRO, 1948, p )

97 97 O fato de ser um local escondido, de difícil acesso foi, sem dúvida, determinante para a instalação do Ilê Axé Iyá Nassô Oká no Engenho Velho. Assim também o foi a aproximação dos elementos da natureza, como a mata e água, uma vez que os orixás são representações da própria natureza e ali onde havia mato e água em abundância e certo distanciamento dos aglomerados urbanos, era possível realizar os rituais e cultos aos orixás sem muita exposição. Relatos há, no entanto, que mesmo esta tentativa não eximiu o Terreiro da Casa Branca da perseguição e da repressão policiais. Em 31 de maio de 1855 o Jornal da Bahia anunciava a prisão de vários religiosos da Casa, a exemplo de Cristovam Francisco Tavares, Maria Salomé, Joana Francisca, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da Conceição, porque estavam no Sítio do Engenho Velho, em reunião a que denominam de Candomblé (SILVEIRA, 2006, p. 530). Em função das práticas rituais e até mesmo por integrar um rico ecossistema que facilitava a perpetuação das tradições de culto à ancestralidade africana mediante seja do uso das plantas e água ou da representatividade dos orixás por elementos como rochas e ferro, historicamente houve uma relação de conectividade da comunidade do terreiro com a natureza. O ritual de iniciação marca essa interligação homem-divindade-ecossistema. É através desse rito de passagem que o indivíduo é purificado, morre de uma vida profana para renascer para uma vida divina. A iniciação seria o renascer de uma vida em que o indivíduo, para participar de um universo mágico religioso, redefine sua relação com a natureza [...] A natureza é sagrada e o renascer para o Candomblé é o retorno ao sagrado e, por consequência, o retorno à natureza natureza que é símbolo maior dessa noção de sagrado no Candomblé (BRAGA apud PEREIRA DOS SANTOS, 1997). Na cosmogonia nagô, além da lavagem da cabeça com sangue ou com água, a lavagem das contas e a lavagem das pedras dos santos com água macerada de folhas sagradas são maneiras de mostrar essa ligação do homem com as divindades e consequentemente com as forças da natureza. Não pode haver melhor modo de mostrar que a essência do homem não é simples imitação ou repetição da essência dos orixás e sim que ela é uma verdadeira divinização, a inserção do homem no tronco divino (BASTIDE, 2001, p ). As imagens do Google earth e foto aérea (Figura 25), do arquivo da Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia (Conder), datada de 1959, ou seja, mais de 100 anos após a instalação do Terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká no Engenho Velho da Federação, mostram como aquela área da cidade era rodeada de mata e como o riacho ainda tinha mata ciliar. Na ausência de infraestrutura urbana, mais precisamente de água encanada, sas águas

98 98 daquele rio abasteciam as casas da redondeza e o Candomblé seja para uso doméstico ou religioso 50. A B Figura 25 - Imagens aéreas (A) do Google earth da área do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho e foto aérea (B) de A área escura representa a área verde na área do entorno do Terreiro. A seta mostra exatamente onde é instalado o Terreiro. Os mais antigos da Casa Branca contam que ainda se lembram como o rio Lucaia era limpo e como existia muita vida dentre e fora d água. 50 Estudos realizados na Bacia do rio Lucaia mostram que as água subterrâneas são normalmente cloretadas sódicas e, secundariamente, cloretadas calcio-magnesianas, sendo as mais profundas de natureza bicarbonatada sódica. Todas são águas doces com baixo conteúdo salino, apresentando cálcio, sódio, potássio, magnésio, cloreto, sulfato e bicarbonato, dentro dos padrões normais de potabilidade, tomando-se como referência, a portaria 518/2004 do Ministério da Saúde. Ver mais: MORAES, Sérgio Augusto de; BARBOSA, Johildo S.F. Qualidade da água do aquífero freático no alto cristalino de Salvador, Bacia do rio Lucaia, Salvador, Bahia. Revista Brasileira de Geociências, v. 35, n. 4, 2005.

99 99 A gente tá morando num lugar que hoje é cidade, antigamente era roça, por conta disso que o nome é roça. Eu brinquei criança nesse rio ai, tomei banho nesse rio, catei bobó, aqueles peixinho nesse rio ai. Então, a gente entrava no rio sem nenhum problema, bebia água do rio. Todas as pessoas com mais de sessenta anos da roça tomaram banho nesse rio (2008, Ent. 1). A água era considerada tão pura que muitos dos rituais eram feitos dentro do rio a própria representação de Oxum. Então quando as pessoas eram iniciadas tomavam banho nesse rio ai (2008, Ent. 5). Plantas sagradas eram cultivadas no local que aos poucos foi sendo engolido pela expansão urbana. As fotos abaixo (Figura 26), também do arquivo da Conder, de 1976, 1980, 1989, 1992 e 1998, retratam bem esse quadro, a evolução histórica da ocupação ao redor do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho. A

100 100 B C D E Figura 26 - Fotos aéreas do Terreiro da Casa Branca de 1976 (A), 1980 (B), 1989 (C), 1992 (D) e 1998 (E) mostrando a expansão urbana no entorno da Casa Branca e como as construções vão substituindo a vegetação

101 101 A partir da década de 1960, cada vez mais, ruas e avenidas foram sendo abertas, casas foram construídas vale acima e abaixo, árvores consideradas sagradas, centenárias, frondosas, gigantescas que rodeavam o terreiro encravado na encosta, foram cortadas. As margens do rio foram sendo cobertas por asfalto. A roça da Casa Branca, que não se tem ideia da real dimensão geográfica que chegou a ocupar, foi cada vez mais sendo cercada por edificações de todos os tipos, residenciais e comerciais. A frente do terreiro chegou a ser ocupada por um posto de gasolina construído em 1970, o que motivou vários protestos da comunidade em um episódio marcado por mais um processo de luta e resistência. Somente em 1989 que a área foi devolvida para o Terreiro e transformada em Praça de Oxum projetada pelo arquiteto Oscar Niemayer. A praça é hoje espaço de adoração das divindades, inclusive, por meio de festas. O rio passou por intenso processo de degradação, teve a mata ciliar derrubada, partes do rio foram cobertas para que ruas e pontes fossem construídas, como pode-se verificar na Figura 27. A B Figura 27 - Fotos da frente do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho. As duas mostram como as margens do rio Lucaia foram impermeabilizadas pelo asfalto. O manancial acabou sendo destinação para efluentes, sobretudo resultantes do lançamento de esgotos domésticos. O volume de água não é até os dias atuais o suficiente para a diluição dos resíduos e consequentemente, o rio foi transformado em esgoto. Me lembro, quando eu vinha de férias, eu morava no Rio (Rio de Janeiro), vinha de férias a Salvador há 25, 30 anos atrás e nós pescávamos aqui na frente. Era um grupo de crianças aqui na comunidade, um saco cheio de furos, aquela engenharia de pesca rudimentar e nós pescávamos aqui em frente. Nós pescávamos, e assim, havia competição entre as crianças daqui de quem pescava mais peixes. Então todo mundo com saco de supermercado, furava o saco, amarrava, jogava o saco dentro d água e de vez em quando ficava puxando pra ver se tinha peixe dentro. Eu tinha, inclusive, um aquário em casa de peixes que eu pegava aqui... Anteontem andando aqui na frente eu vi o rio sujo, quer dizer, não é mais um rio agora é um esgoto, antes era um rio, agora não é mais rio, é um esgoto e a diferença é exatamente essa antes era um rio, agora um esgoto e isso já diz tudo (2008, Ent. 2).

102 102 O rio era importante para a vida cotidiana das pessoas. A abundância de água subterrânea na região e a ausência de água encanada motivaram a abertura de fontes no Terreiro. Era o seguinte, porque aqui abrigava muita gente porque era poucos locais aqui que tinha determinada fonte limpa, água potável. E aqui no Terreiro da Casa Branca, como até hoje ainda tem uma fonte, tinha a água potável. Defronte tinha outra fonte, mas aquela fonte é como naquela época usava a linguagem, água pra gasto, pra lavar roupa e a água potável, o pessoal daí de cima, do Bogum, do Engenho Velho descia pra pegar essa aqui, aqui da Casa Branca pra levar pra consumo e as outras fontes que tinha aqui que a água não era potável se usava pra gasto, não é? pra lavagem de roupa, pra ferver essa coisa toda, agora e água potável pegava aqui na Casa Branca. E esse brejo ai na frente tinha um bocado de bonina, que é uma flor roxa e corria um córrego que também era uma água limpa, mas não pra consumo, mas existia ai muito peixe, camarão, pitu essas coisas ai na frente no Terreiro da Casa Branca (2009, Ent. 8). Havia uma dependência direta da fonte para as atividades do dia-a-dia dentro e fora do Candomblé, seja para uso doméstico ou religioso. Do ponto de vista do uso doméstico, a água da fonte era utilizada para diversos fins, seja para lavar roupa, tomar banho, beber e também era sacralizada, com significado de purificação espiritual. Antigamente só usava aqui água da fonte. Eu mesmo fui criada com água de fonte, tomava banho de rio, a minha madrinha usava muito carvão de pedra dentro d água, ela dizia que era para despoluir e usava enxofre, sei que a água ficava uma delícia. A gente pegava água na fonte, trazia com a latinha na cabeça, as crianças, os adultos era a lata grande e as crianças a lata pequena, era uma folia na fonte, né? Ai trazia a água, lavava, minha madrinha era bem pobrezinha, trabalhava muito, mas era tudo limpinho, era limpeza. A água mesmo era limpinha, ai lavava os potes, o purrão e ela botava o carvão em pedra, o enxofre que era pra a gente poder beber aquela água. E água era uma delícia melhor do que a água na torneira (2008, Ent. 3). Na década de 40, Carneiro (1948, p ) registrou como as águas do rio e das fontes, também popularmente chamadas de cisternas, eram usadas na Casa Branca. Segundo ele, era comum a lavagem de roupas para ganho na fonte e no rio mais próximo, assim como o banho diário. A água está na fonte mais próxima, talvez em cisternas. As mulheres vão buscá-la em latas de querosene, que trazem equilibradas à cabeça, às vezes, desde mais de duzentos metros de distância, - provável costume bântu. Esta água enche os porrões, talhas e moringas da casa e é distribuída nas festas, em canecos de fôlhas-de-flandres ou de ferro esmaltado, aos assistentes. Na fonte ou no riacho mais próximo, as mulheres lavam roupa de ganho.

103 103 As águas subterrâneas captadas nas fontes eram igualmente utilizadas com a função mágico-religiosa. A água entra, porém, em porcentagem considerável, na vida religiosa: a água de Oxalá cerimônia que inaugura as festas da casa é mesmo uma divinização desse elemento na natureza; a quartinha de barro dos orixás deve ter a água mudada cada dia e as iaôs são obrigadas pela tradição a, durante o noviciado, tomar banho todos os dias na fonte mais próxima, antes da aurora; os ògãs em visita devem, antes de transpor os umbrais da casas, beber um pouco d água e atirá-la, depois, aos lados e à frente da porta. Sabe-se que a cerimônia de Águas de Oxalá não abre o ciclo de festas do Terreiro da Casa Branca. O ciclo de festa é iniciado no mês de junho com a festa de Oxossi, no dia dedicado a Corpus Cristi conforme calendário litúrgico da Igreja Católica. A Oxossi é consagrado o espaço geográfico do terreiro, por isso dize-se que Oxossi é dono do terreno do Terreiro da Casa Branca. A distribuição de água via sistema de abastecimento urbano não mudou a utilidade da fonte do Terreiro da Casa Branca do ponto de vista mágico-religioso, onde os filhos e filhas de santo eram iniciados e continuam sendo. Todo mundo aqui foi iniciado com a água do rio porque a água da fonte é a água do rio. É até hoje. Só não pode ir mais pro rio. Primeiro porque o rio chegou pro meio da pista e a Casa Branca se afastou porque passou uma cerca no meio, né. Antigamente quando tinha o rio, tomava banho no rio, mas antigamente era mato, né, não tinha perigo que tem hoje, hoje faz até medo descer duas, três horas da manhã (2008, Ent. 5). Com a poluição gradativa do Rio Lucaia, aos poucos a comunidade deixou de fazer os rituais no manancial e a fonte foi assumindo um papel ainda mais importante. Deixou de ser usada com fins domésticos como no passado para que fosse protegida e reservada aos fins rituais. Foi cercada para evitar que fosse degradada e isso ocorreu na década de 70 quando foi construído o posto de gasolina próximo dela. A fonte a gente teve que fechar pras pessoas não usarem, não usarem de forma inadequada, né. A fonte era da comunidade, não era só da Casa Branca. As pessoas não tinham água e vinham buscar também na fonte, entendeu? Não era uma fonte só nossa, como até hoje se têm necessidade, às vezes os vizinhos têm necessidade, a fonte está ai pra isso. Mas não assim pras pessoas chegarem e usarem do jeito que querem, tomar banho, porque ai não pode mais fazer isso, então por conta disso foi fechado. Mas se alguém precisar de vir buscar a água, com certeza não tem problema. Oxum tá ai (2008, Ent. 5).

104 O USO MÁGICO RELIGIOSO DA ÁGUA NA CASA BRANCA Jô me pá, Tetê omi, ô ô Jô Jô me pá, Tetê Ogum, Jô Jô omi pá No Terreiro da Casa Branca existem cinco fontes, quatro são consagradas a Oxum. Uma delas, além de ser consagrada a Oxum, também é consagrada a Nanã e Iemanjá e fica no espaço Vovó Conceição. A outra está instalada no centro do Barco de Oxum e a outra é fonte onde está assentada Oxum na praça que leva o nome dela. Existe a fonte que é o assentamento de Oxumaré que não tem minadouro. Há outra fonte na praça onde também está assentada Oxum. É uma fonte ornamental, que tem uma imagem de sereia e que também não tem minadouro e nem água armazenada como é o caso da Fonte de Oxumaré. Todas estas fontes são sagradas (Figura 28), mas o uso da água para o ritual se concentra na fonte de Oxum. A água existente nas demais fontes também pode ser utilizada para fins religiosos. A B

105 105 D C E F Figura 28 - Fotos (A e B), da fonte de Oxum do Barco, fotos (C) e (D) da fonte de Oxum, foto (E) da fonte de Oxumaré e foto (F) da fonte de Oxum, Nanã e Iemanjá, dentro do Espaço Vovó Conceição. A tradição religiosa faz com que até os dias atuais, repita-se o hábito dos antepassados no Terreiro da Casa Branca. Em dias de obrigação, acorda-se bem cedo, nos primeiros raios do sol para carregar água com a lata na cabeça. A gente tem que acordar muito cedo pra pegar essa água em quantidade em certas vasilhas chamada quartinha e guardar pra descansar e logo em seguida tudo pra orixá é usado com essa água da fonte, da cisterna, entendeu? (2008, Ent. 2). A manhã daqueles que se envolvem no conjunto do trabalho festivo começa com o nascer do sol. Desde esse momento, diferentes mobilizações

106 106 se processam, envolvendo os membros da comunidade. Mulheres mais velhas. E alguns dos homens se destacam do conjunto maior, como protagonistas de rituais internos que não podem ter a participação de todos, em ambientes sagrados a que não se franqueia o acesso a qualquer um (OLIVEIRA, 2005, p. 20) E são várias as obrigações que devem ser feitas com a água da fonte, como ossé. Ossé é o ato de lavar o assentamento dos orixás, lavar as louças, o elemento da natureza através do qual o santo está representado, como rochas e ferro. É que tem uma coisa, hoje em dia nós temos aqui, numa linguagem bem popular, a água encanada e naquela época não tinha, então toda água que se usava era da fonte daí da nascente e até hoje quando a gente faz o ossé que vem cuidar dos orixás, limpar o quarto dos orixás, botar água nova pros orixás não é da torneira é lá da nascente. Se desce as escadarias e pega água lá embaixo e traz para os orixás (2009, Ent. 8). O ossé precede todas as festas rituais em um ato que, às vezes, reúne várias pessoas da comunidade 51 na mesma obrigação. Normalmente antes de todas as festas, o ossé, a gente fala ossé, ossé é lavar todas as louças dos orixás, é deixar tudo limpinho, ele arrumadinho, bonitinho pra festa. Então, antes de acontecer qualquer festa, a gente faz ossé. O ossé vem carregar água na fonte, todo mundo desce com sua lata ou seu balde, vem carrega a água e volta para o axé. Lá em cima lava as coisas, enche todas as quartinhas que é pra na hora da obrigação a gente usar a água daquelas quartinhas. Por isso é importante a água estar sempre limpinha porque a gente precisa usar aquela água (2008, Ent. 5). A água da fonte é aquela que brota da terra, é cheia de energia pura, é o próprio orixá para iniciados entrevistados do Terreiro da Casa Branca. A água da fonte é uma água de orixá, uma água que vem da terra, que vem do chão, então por conta disso é a água da fonte de Oxum. Então tudo pra orixá tem que ser com água da fonte por que a gente tá lidando de um orixá para outro orixá (2009, Ent. 14). A água da fonte é livre de processo químico, por isso, para o povo de santo, ela é vigorosa, tem força, é portadora do axé. A água da fonte é pura, sem processo químico nenhum. Essa água vem da terra, vem da natureza, brota da natureza, então não tem processo químico 51 Segundo Oliveira (2005, p. 22) comunidade é o termo para designar todas as pessoas que são adeptas da religião e participantes dos rituais, como as pessoas vinculadas às atividades cúlticas oriundas de outros estados ou países.

107 107 nenhum e é a pureza, então tem que ser lá de baixo da nascente. Porque é o seguinte: A água vem do Orum, do céu, cai e essa é uma coisa sagrada porque desde quando ela vem de lá descendo, se acumulou na terra, né, então ela torna voltar com toda a energia para os orixás é uma questão de fortificar o axé (2009, Ent. 8). Em todo o processo ritual, desde o início, a água é usada meticulosamente. Só pessoas autorizadas pela yalorixá da casa podem entrar no assentamento onde está a fonte. Aliás, tudo que se faz no terreiro precisa do consentimento da yalorixá. Não se tira uma folha aqui sem que yalorixá permita (2008, Ent. 5). Após autorização da yalorixá, usam-se baldes para pegar a água da fonte, carrega-se na cabeça os baldes até o local onde será usada. Se for para banho, faz-se o preparo com as folhas sagradas em uma bacia. Geralmente a gente lava as folhas na bacia, dependendo de que folha seja, porque se for lavar uma alface é na torneira, se for lavar uma couve é na torneira, agora se for lavar pra o axé é na bacia, a obrigação, o uso sagrado é na bacia (2009, Ent. 7). As folhas variam de acordo com o orixá e a necessidade de cada pessoa. As ervas são maceradas na água que foi coletada na fonte bem cedo, ainda com o sol frio. Com o preparo pronto, o omioró (banho de folha) é jogado no corpo ao tempo em que o religioso, em estado de oração, deve evocar a divindade direcionando-lhe pedidos e agradecimentos. Banho de folha não se toma com chuveiro. Quando é um banho sagrado, um banho pá purificação tem que ser na canequinha mesmo, no balde. Porque cada canequinha daquela que a gente joga é um desejo, é um pedido. Não se joga água assim aleatoriamente, não se toma um banho xuuuuuu, entendeu? Cada caneco de água que a gente toma, cada gole de água que a gente bebe a gente faz um pedido (2008, Ent. 5). O banho com água da fonte deve preceder a qualquer ritual no Terreiro da Casa Branca, deve ser tomado antes, inclusive, do ossé, pois significa pureza, limpeza, uma espécie de licença para que o indivíduo possa se dirigir ao orixá e cultuá-lo. É o rito que permite que o religioso entre em sintonia com os orixás e a partir de então seja contemplado no atendimento aos seus pedidos. Veja o modelo (Figura 29) que retrata a sequência do uso da água nos rituais segundo descrito por entrevistados do Ilê Axé Iyá Nassô Oká. A gente, pra cultuar orixá, a gente tem que lavar, limpar, tem que tá tudo limpinho, a gente precisa dessa água pra beber, a gente precisa da água pra tomar banho de folha. Então, a água é muito importante pra gente e a gente não costuma desperdiçar água pelo valor religioso que ela tem. A gente usa a água da fonte e acho que é por isso as pessoas falam que a gente usa

108 108 pouca água e gosta de tomar banho de canequinha porque acho que com a canequinha a gente economiza mais a água, né? (2008, Ent. 5). Saudação aos orixás Banho de Folha Despacho da Porta Ossé Saudação à iyalorixá e aos mais velhos Água da Fonte Matança Beber para dar possessão e sair do transe Padê de Exu Preparo de comidas dos orixás Outros usos, como a distribuição na festa de Oxalá Figura 29 - Modelo com a sequência de obrigações com uso da água nos rituais do Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Elaborado por SANTOS, C.O (2009) A fonte é sagrada para os filhos e filhas da Casa Branca. Mais do que conter energia e axé, nesta água para eles está um encantado, o orixá Oxum. Todos os rituais de orixá só usa água da fonte sim. Tem que ser da fonte porque a gente tem ela disponível e como a gente tem ela disponível e é uma água que brota do chão, não é uma água encanada, a gente não compra, não paga pela água, é uma água que é um presente que a gente tem, então, como é um presente é um sinal de que tem orixá ali, Oxum, claro (2009, Ent. 10). A fonte de água doce é desta maneira uma representação de Oxum e consequentemente permite que a comunidade, que o indivíduo esteja mais próximo à divindade por meio deste elemento que também é uma ligação que conduz ao Deus Supremo, Olorun. A gente pega água da fonte, vai na fonte porque está mais próxima à natureza e pra gente, a nossa religião é natureza, é tanto que barracão não tem andar, é tanto que ilê orixá não tem andar, é telha, é a cobertura de telha, então o que a gente precisa é estar bem mais próximo à natureza para ver se as energias nos conduzem a Olorum como elemento criador. A água é elemento de ligação do ser humano com os orixás. Enfim, é o elemento que

109 109 equilibra e que permite o homem e o meio ambiente estar em plena harmonia com a criação que é Olorun, (2009, Ent. 9). E essa ligação se dá de várias formas como explica este entrevistado. Veja bem. Tem várias situações. A situação principal é ingerir. O ato de iniciação não é só tirar, raspar a cabeça, ou então abrir curas como dizem algumas nações, mas é a água o veículo de união entre o homem e o meio ambiente, o homem e orixá e consequentemente Olorun, porque é o elemento de ligação. É ela que conduz todos os outros elementos para a gente ter um assento junto a Olorun. Nós usamos ela não só pra beber, mas também para aplacar, para é, chamar, para permitir que o orixá esteja cada vez mais presente nos rituais de oferecimentos a eles e a gente encerra, vamos dizer, um ritual de chamamento, um ebó ao orixá espargindo água porque ai é a água que cela, que coroa, que inclui a ligação entre homem e orixá e consequemente Olorun (2009, Ent. 9). Como elo entre o indivíduo e o divino, a água da fonte é merecedora de reverência da comunidade, é sagrada. E para que seja usada, é preciso seguir normas, procedimentos, ter o preparo espiritual que se alcança a partir da vivência no Candomblé. Nem todo mundo pode entrar no poço pra pegar, entendeu, porque é um lugar sagrado. Pra você abrir um poço você tem que estar com pessoas iniciadas e depois que abre você faz certos processos, entendeu, como limpezas, é, você coloca ervas também, essas coisas todas, por isso que é lugar sagrado e só é usada por orixá. A água é pura, natural e o que é natural é sagrado pra gente. Quando a gente pega a água da fonte, sempre a gente pede permissão. Sempre a gente fala pra Oxum, reza pra Oxum, pede permissão pra Oxum, pede licença pra Oxum e às vezes pega um balde, coloca na rua também, saudando os deuses da rua também, entendeu, pedindo licença (2008, Ent. 2). Essa água cheia de axé também é usada na matança (ritual de sacrifício de animais para oferenda aos orixás e que é compartilhada com o público que participa das festas públicas) e para fazer as comidas dos orixás, a exemplo de acassá, com milho branco. Em dias de festa tem sempre um adijá com acassá no último degrau da escada de frente para a porta do barracão e dentro do salão de festa ao lado de um dos assentamentos de Exu no Terreiro. Aquela água com milho branco diluído simboliza um agrado pro orixá. O acassá é a comida de Oxalá, mas todo orixá come milho branco por conta de Oxalá. A gente faz em dia de festa pra dar tranquilidade, pra dar paz. Sempre uma vasilha com acassá na porta é pra dar paz, tranquilidade (2008, Ent. 5). A água da torneira é usada para lavar os animais antes do sacrifício, para lavar a comida, mas o cozimento é feito com a água da fonte. A água da fonte também é ingerida antes, durante e depois do ritual em dados momentos. É a chamada água do orixá, do peji do

110 110 orixá, a água dos pés do orixá, que, dentre outras finalidades, também tem o poder de restabelecer o equilíbrio para pessoas que possam estar com algum tipo de transtorno. Às vezes as pessoas estão com algum problema e bebe água antes do ritual ou durante o ritual, que não seja até problema de orixá, né. De repente a pessoa tá com algum problema assim que passa mal de alguma forma, a gente vai no pé do orixá pega uma quartinha e dá pra pessoa beber. Todo mundo que participa do axé, durante a festa, né, usa, normalmente, água do axé, a água que está no orixá e iaô principalmente (2008, Ent. 5). Pela tradição, no quarto das iaôs deve haver uma quartinha com água para que possam beber, inclusive, para sair da possessão. No quarto das iaôs tem já uma jarra, uma moringa, cada um tem a sua e quando quer beber vai lá, pega seu canequinho, bota a água da moringa e bebe. E no final do ritual, bebe pra voltar do transe (2008, Ent. 5). Todos os dias, a água é usada com sentido de pureza, limpeza no Terreiro da Casa Branca e para pedir proteção. Todo dia é preciso despachar a porta. Uma pessoa, a yaloxá, é encarregada de jogar na porta do barracão algumas gotas de água da quartinha. Todo ritual que você vai fazer no Candomblé, você primeiro tem que jogar água no chão, pedir licença a terra e esfriar a terra: Omitutu, omitutu, omitutu, água fresca pá acalmar. Todo ritual, qualquer coisa, você não abre um obi sem molhar e às vezes ainda salpica assim nas pessoas também. Toda obrigação que se faz tem uma cantiga e depois molha todo mundo pá acalmar as energias. A cantiga é assim: Jô me pá, Tetê omi, ô ô Jô Jô me pá, Tetê Ogum, Jô Jô omi pá, que quer dizer: é pra acalmar, é pra acalmar. Despachar a porta é abrir os caminhos, entendeu? Omitutu, a gente fala, omitutu, omitutu, omitututu, água fresca, que a água acalma o caminho, onantutu, onantutu, caminho fresco, caminho de felicidade; onairê, a gente tem que dizer essas palavras pra ter caminho de felicidade, caminho de paz, que a terra fique fresca, fique calma. A gente joga água na terra para acalmar a terra. A terra é a nossa grande mãe. Então ela tem que estar sempre fresca, úmida (2008, Ent. 5). Costuma-se despachar a porta com água igualmente mediante chegada de uma visita e/ou autoridade no terreiro. Tem sempre quartinha de água perto da porta, pra quando chega uma autoridade a gente botar aqueles três pinguinhos de água na porta, desejando boas-vindas, que ele seja bem-vindo e que nada de ruim quando ele entre, aconteça, que nada de ruim entre junto com ele de negativo. Por isso, quando chega uma autoridade a gente vai na porta e entrega uma quartinha de água pá pessoa botar os três pinginhos na porta. E quando a pessoa sai, também. Às vezes nem tanto no dia de festa, mas normalmente quando vem uma pessoa em outros dias aqui, quando a pessoa sai, novamente joga os três pinguinhos de água na porta pra pedir caminho de paz e felicidade (2008, Ent. 5).

111 111 A água é imprescindível em rituais como axexê (cerimônia fúnebre) e o icomojadê (batizado). O axexê é o rito de passagem do religioso do àiyé para o òrun, por meio do qual são cortados todos os vínculos do iniciado com a vida na terra 52 e estabelecidos outros com o òrun. Sem Àsèsè, não há começo, não há existência. O Àsèsè é a origem e, ao mesmo tempo, o morto, a passagem da existência individual do àiyé à existência genérica do òrun. Não há nenhuma confusão entre a realidade do àiyé o morto e seu símbolo ou seu doble no òrun o Egún. Há um consenso social, uma aceitação coletiva que permite transferir, representar e materializar num sistema simbólico complexo a realidade cultural Nagô da existência simultânea do àiyé e do òrun, da vida e da morte. O asè integrado pelos três princípios-símbolos e veiculado pelo princípio de vida individual manterá em atividade a engrenagem complexa do sistema e, através da ação ritual, propulsionará as transformações sucessivas e o eterno renascimento (ELBEIN DOS SANTOS, 1986, p. 235). No ritual do axexê o uso da água é igualmente necessário e imprescindível em todas as práticas rituais realizadas no Terreiro da Casa Branca. O mesmo acontece no momento do icomonjadê. Quando uma criança nasce e a família é da religião, é costume que avós joguem búzios, o jogo do ifá, para saber qual o odum (destino) da pessoa, ver qual o orixá que está regendo a cabeça dele e quais as pessoas que devem batizar. Nos icomojadês a criança, que não nasceu na África, recebe o nome em iorubá para marcar sua ligação com a ancestralidade. Folhas do orixá da criança são embebidas em uma bacia de água onde também são colocados objetos como búzios que significa dinheiro, moedas, flores e essa água é usada para dar banho na criança. Durante o ritual do icomojadê, o obi é jogado para consultar o orixá se está tudo sendo realizado de acordo com o gosto da divindade. Como a criança não pode comer o obi, o mais velho que tiver direcionado o ritual mastiga o obi e depois põe nos lugarezinhos da criança, assim como põe o olho na igreja católica aquele óleo que eles passam, a gente coloca o obi em todos aqueles lugares que o padre faz, cruza a criança todinha, passa na nuca, no coração, à direita e à esquerda e depois põe a água nos mesmos lugares também pá purificar, né. Tudo tem água (2008, Ent. 5). 52 Para saber mais sobre axexê e respectivas implicações da morte de um iniciado na vida cotidiana de um Terreiro de Candomblé Nagô, como o processo sucessório, ler Elbein dos Santos (1986, p )

112 ÁGUA: A DIMENSÃO DO SAGRADO NA CASA BRANCA Kosi Omi, Kosi Orixá A água é imprescindível para a existência de um Terreiro e está imbricada na vida religiosa individual e coletiva. Muitos trabalhos etnográficos mostram a importância da natureza através da relação dos orixás com as plantas (SERRA et al., 2000, 2002). Tanto que dizem kosi ewê, kosi Orixá, sem folha não há orixá. Mas também não há Candomblé sem água e isso é evidente no Candomblé da Casa Branca segundo os entrevistados: kosi omi, kosi orixá. No Candomblé não se faz nada sem água e sem a folha. Uma coisa complementa a outra, porque a gente não pode fazer nada sem folha e também não pode fazer nada sem água, nada, absolutamente nada. Sem a água não se faz nada, né. Como é que toma um banho? Como é que lava uma folha, porque nós não usamos folha sem lavar, temos que lavar as folhas e ai tem que usar a água. A água doce pra nós é tudo, tudo, tudo, nós não fazemos nada sem que tenha a água, nem que seja uma gota de água pá botar no chão tem que ter a água (2009, Ent. 7). A água está no mesmo nível de importância das folhas para o Candomblé. Um elemento sagrado completa o outro. A água é muito importante o tempo todo; é importante como as folhas. A água e as folhas elas se entrelaçam porque ela é muito importante. Assim como a religião vive da natureza como a gente fala, a natureza como meio ambiente de folhas, a água tem a mesma importância para o Candomblé e pra mim também (2008, Ent. 4). A água pra minha religião é como ter um ditado iorubá que diz kosi ewê, kosi orixá, é como kosi omi, kosi orixá, porque sem água não pode haver orixá, não pode haver os preceitos. A água é tudo no Candomblé porque é por intermédio da água que a gente prepara os nossos omiorós que é pra lavar os santos. Por intermédio da água que tem uma das obrigações mais finas aqui do Candomblé que vem ser Água de Oxalá. Então enfim, água é vida, é a sobrevivência. Então no Candomblé não se faz nada sem omi. Primeiro quando você vai oferecer até alguma coisa a um orixá por intermédio do obi que vem ser a noz de cola, primeiro você joga um pouco de água no chão para salvar a terra e depois você molha o obi na água para depois oferecer ao orixá ou a cabeça, seja lá a obrigação que você for fazer, não existe Candomblé sem água. Sem água não existe orixá é a mesma coisa da folha, sem folha você não pode cultuar orixá e sem água você também não pode cultuar orixá (2009, Ent. 8).

113 113 Há iniciados do Terreiro da Casa Branca que consideram a água enquanto princípio da existência humana, o elemento da natureza de maior relevância para a vida religiosa, através do qual inicia-se todo tipo de obrigação, de vínculo com a ancestralidade, de culto aos orixás, de purificação. A água é o elemento principal para as nossas obrigações que nós não fazemos nada sem água. A água serve pra fazer ossés, ossés é lavar os santos, pra tomar banho de folha, machucar as folhas pra tomar o banho. A água serve pra botar nas quartinhas, a água serve para beber e para as obrigações quando nós estamos recolhidos, toma banho com essa água (2008, Ent. 3). A água é sobrevivência, a água dentro da nossa religião e na nossa vida é o elemento mais precioso que a gente tem. A água é sobrevivência porque sem água não há vida, sem água não se faz nada na nossa religião, um banho, uma comida, uma lavagem, então sem água não tem como existir a religião do Candomblé (2009, Ent. 14). Nesse lidar com a água dentro do Candomblé da Casa Branca, a água é assimilada como algo divino e descrita pelos religiosos sempre na dimensão sagrada, algo do qual não se pode prescindir. Todos os entrevistados consideram a água elemento imprescindível para o Candomblé, elemento sagrado que norteiam as prática rituais, a existência da religião. Não se vive sem água, né? A água é a riqueza, a água é soberana, cristalina é a água que cura, é a água que mata a nossa sede, não é isso? A água é sublime, nós não podemos viver sem a água, não tem condição. A água esfria, a água acalenta, um pingo de água é um remédio, a água é a salvação, entendeu? Vindo do Candomblé nós não vivemos também sem a água porque você sabe as folhas, como se diz não se vive sem as folhas, mas também não se vive sem a água. A água pra mim é o todo, é o ar que eu respiro, é o que eu como e é o que eu bebo (2009, Ent. 12). Para os entrevistados, água doce é o elemento através do qual se processa a conversão entre o que é profano em sagrado, sem o qual não se pode haver Candomblé, haver orixá. Água é vida, é princípio e é o elemento primordial que rege o mundo, um dos elementos, é o líquido, é vamos dizer, o veículo que conduz determinadas, eu não digo coisas, mas substâncias, energias. Na religião existem três elementos que tornam o que era profano em sagrado e a água está inclusa. A água, a erva e o igé, o igé é o sangue. Esses elementos que têm como primordial a água é fundamental na religião afro (2009, Ent. 9).

114 114 A água assume assim característica de transcendente para o povo de santo do Terreiro da Casa Branca. Minha filha a água é tudo, é o sagrado, é o poder, é a força, é a limpeza. A água é a purificação, é por isso que eu sempre digo, água fria, correntia, que corre de noite que corre de dia, porque a água não pára, ela não pára, ela é um movimento é uma onda sempre batendo, até também a água do mar ela vai e volta, bate e leva, então essa água é poderosa, água da cachoeira, água do mar, água do rio, olha quantas águas nós temos, as águas doces, as águas salgadas, as águas salobras, as águas paradas, tudo isso é água. Água é orixá, o elemento água, ternura, doçura, calma, poder, limpeza, refrescante, é água que lhe purifica para lhe lavar. Com água a gente lava, a gente enxágua corpo e mente, purifica o interior (2009, Ent. 12). Tudo no Candomblé é ligado a oferenda aos orixás e antes de oferecer qualquer coisa, a primeira homenagem que a gente faz é a limpeza. Então, aquilo que é chamado de ossé, limpar o símbolo dos orixás é feito com água. As comidas que são feitas para os orixás nos dias das festas deles precisam de água pra ser cozida. Toda a indumentária, a casa tem que ser limpa, porque a limpeza tá ligada também à espiritualidade. Você não recebe seu orixá, você não presta homenagem ao seu orixá se você tiver sujo. A limpeza física também está ligada a água. Todos esses vários aspectos de limpar a casa, de você mesmo estar limpo, o lado simbólico de tá purificado, a purificação vem também da água (2008, Ent. 1). A água doce é orixá. É a representação de Oxum para 100% dos entrevistados. Oxum é a própria água, na nossa religião Oxum é a água. Iemanjá tá ligada a água salgada e ai tem outros orixás como Obá, Nanã (2009, Ent. 14). A água também é orixá porque as águas dos rios são de Oxum, as águas do rio são Oxum (2008, Ent. 3). Para os entrevistados, todos os orixás têm ligação com a água, precisam da água. Essa relação também é ressaltada pelo fato de todos os orixás serem filhos de Oxalá, pai da criação, e Iemanjá ser a dona de todas as cabeças. Todos os orixás dependem da água, né. De Exu a Oxalá, todos dependem da água doce. Porque não se faz nada sem água pra nenhum orixá. A gente faz ossé em todos os orixás, todos a gente bota água pra eles beber. Porque o ossé é pra isso, é pá lavar, pá limpar. É como você toma um banho, você se arruma, você se purifica.você tem que manter a água. É porque eles comem, eles bebem, todos precisam da água doce. Ossain é o dono das matas, das folhas, Oxossi também, da floresta, precisam de água né; sem água as plantas não crescem, não é isso? É, Euá, Obá, todas as mulheres são vaidosos, gostam de tomar banho, se arrumar, se enfeitar, precisa de água. Oiá precisa de água, apesar de ela ser a dona do fogo, mas precisa de água pra viver (2008 Ent. 5).

115 115 Veja no modelo (Figura 30) como os orixás estão relacionados à água segundo os entrevistados do Terreiro da Casa Branca: Oxum Logunedé Oxumaré Obá Oxossi Ossain Obaluaiê Nanã Oxalá Oiá Euá Exu Xangô Iemanjá Ogun Figura 30 - Este modelo mostra qual a relação dos orixás com a água doce na visão de iniciados e iniciadas do Terreiro da Casa Branca: 1) Todos têm ligação com água porque são filhos de Oxalá, o criador que tem como elemento a água. 2) Oxum é a divindade das águas doces. Oxossi tem ligação com a água porque além de ser representado pela mata, pela mitologia teve um relacionamento com Oxum do qual nasceu Logunedé que ora vive no mato, ora vive na água e que foi criado por Oiá na beira do rio. Ossain e Euá têm relação com a água e com Oxossi porque Ossain representa os vegetais, as plantas e Euá a mata virgem. Exu e Ogun têm ligação com a água doce porque são filhos de Iemanjá que também está nas águas doces e paradas. Exu, além disso, é o grande comunicador é quem leva as mensagens do aiê para o orun. Xangô além de ser filho de Oxalá também representa chuva, o trovão, foi casado com Oiá que também é representada pelas tempestades e raios. Nanã é a divindade dos lamaçais, dos manguesais, mãe de Obaluaiê que é a divindade da cura e sem água não há cura e de Oxumaré, representado pelo arco-íris que é responsável pelo movimento das águas do aiê para o Orun e vice-versa. E Obá é a divindade que representa o encontro das águas. Elaborado por SANTOS, C.O (2009) Iemanjá é da água salgada, Oxum dos rios e Nanã é da lama, mas é água também. Todos, todos têm ligação com a água porque sem água e folha o orixá não vive, tem que ter água, tem que ter folha (2008, Ent. 3).

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