D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A

Transcrição

1 DIREITOS INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. DECISÃO PROFERIDA PELO JUÍZO ESTADUAL ANULADA. As questões envolvendo direitos de indígenas são de competência da Justiça Federal. Competência declinada para o TRF4 nos termos do art. 108, II, da CF-88. Determinação de devolução do recurso para anulação da decisão agravada. Anulação da decisão proferida por juízo incompetente. Regra disposta no art. 113, 2º, do CPC. Perda do objeto recursal. Recurso prejudicado. Competência da Justiça Federal definida para julgamento do feito originário que envolve direito de indígenas. DECISÃO AGRAVADA ANULADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PREJUDICADO PELA PERDA DO OBJETO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO ORIGINÁRIO RECONHECIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº (N CNJ: ) MUNICÍPIO DE GRAMADO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TERCEIRA CÂMARA CÍVEL GRAMADO AGRAVANTE AGRAVADO D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Vistos. Trata-se de agravo de instrumento manejado pelo MUNICÍPIO DE GRAMADO nos autos da ação de nunciação de obra nova, com pedido liminar, cumulada com demolitória e reintegração de posse que move contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e OUTROS RÉUS INOMINADOS, uma vez que está inconformado com a decisão que está na fl. 50 do traslado, vazada nos seguintes termos: Vistos. 1

2 Diante do Ofício n 087/Cmt-13, do Comando Regional da Brigada Militar deste Município, considerando que a presente demanda além de envolver direitos indígenas exige a intervenção do Ministério Público Federal, bem como da Polícia Federal, se for o caso, consoante ao disposto no art.109, XI, CF, declino da competência, devendo os autos serem remetidos para a Justiça Federal. Intime-se. Remetam-se. Cumpra-se. Nas razões, sustentou, em síntese, que a demanda envolve direito público, patrimonial, meio ambiente, econômico e urbanístico. Disse que não se discute direito indígena na espécie. Teceu considerações acerca do texto constitucional e pugnou pelo provimento do agravo de instrumento para manter a competência da Justiça Estadual. É o breve relatório. Primeiramente, tenho que a matéria envolvida no presente recurso e no processo originário é de competência da Justiça Federal nos termos do art. 109, XI, da CF-88, que diz: Art Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) XI - a disputa sobre direitos indígenas. (grifei) Com efeito, trata-se, em suma, de ação de reintegração de posse de área pública invadida por indígenas e não se insere dentre as competências da Justiça Estadual. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. FUNAI. RESPONSABILIDADE POR ATOS PRATICADOS PELOS ÍNDIOS. POSSIBILIDADE. 2

3 1. Em sendo ilícita a conduta dos indígenas cabe a FUNAI o ressarcimento dos prejuízos experimentados pelos silvícolas 2. Em situações de risco a FUNAI tem o dever de redobrar as cautelas para evitar danos, não só ao patrimônio público, mas também aos particulares. (TRF4, AG , 4ª Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 30OUT13); ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. TERRAS DA UNIÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO POR SILVÍCOLAS. NECESSIDADE DA CONCLUSÃO DOS ESTUDOS E DEMARCAÇÃO DAS TERRAS. MANUTENÇÃO DA "COMUNIDADE KAIGANG" NO LOCAL. 1. O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial, enquanto a ocupação é um título adquirido. A relação do indígena e suas terras não se rege pelas normas do direito civil, porquanto extrapola a órbita puramente privada, porque não é e nunca foi uma simples ocupação da terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. 2. É de suma importância não descuidar os preceitos constitucionais e os tratados internacionais que visam salvaguardar o direito dos povos originários nas terras que tradicionalmente tenham tido acesso para suas atividades de subsistência. Conforme previsão da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. E tomar uma decisão cautelosa diante da existência de fortes indícios de que área contestada seja de fato terra indígena é medida se impõe a fim de preservar os interesses e a própria sobrevivência da população originária do Brasil. 3. O direito a propriedade dos autores, que embora legítimo, do ponto de vista formal, burocrático e legal, é contestado diante do direito legítimo e 3

4 originário à terra dos índios, habitantes originários deste território que muito posteriormente se batizou de Brasil. Entendo que deva prevalecer o interesse coletivo, aqui caracterizado pela permanência dos índios kaingang na área ocupada, em conformidade com o posicionamento do STF e de outras Cortes federais, segundo o qual na contraposição entre os valores envolvidos, como o interesse de grupos indígenas e o patrimônio particular de fazendeiros, deve prevalecer o primeiro, que envolve o coletivo. Não se pode olvidar que o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 5º, caput e inc. III, da CF) devem se sobrepor ao direito de propriedade (art. 5º, inc. XXII, da CF). (TRF/3ªR, 5ª Turma, AI /MS, Rel. Des. André Nabarrete, j , v.m, DJU ) 4. Embora o processo de revisão dos limites da terra indígena de Cacique Doble/RS esteja pendente de finalização, os fortes indícios de que área contestada seja de fato terra indígena, permite que se tome uma posição cautelosa em relação aos índios kaingangs que ocuparam o imóvel, devendo ser revertida a sentença que deferiu o pedido de reintegração de posse, até que se finalizem os estudos de revisão de limite das terras indígenas de Cacique Doble, previstas para conclusão ainda em (TRF4, APELREEX , 3ª Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 10OUT13); REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE TERRAS. REQUISITOS LEGAIS. O interdito de reintegração de posse em sede liminar exige o atendimento dos requisitos previstos no art. 927 do CPC. Não estando a inicial devidamente instruída, conforme obriga o art. 928 do CPC, com a definição quanto à data da invasão, não se pode definir se há ou não possibilidade do deferimento da liminar de reintegração, o que é possível somente se ocorreu o esbulho a menos de ano e dia. (TRF4, AG , 4ª Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, D.E. 1ºAGO12). 4

5 Assim, diante da decisão de fls proferida pelo Juiz Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle, tenho em declarar nula a decisão agravada (fl. 50), pois proferida por juízo incompetente para processar e julgar a matéria a teor do disposto no art. 113, 2º, do CPC c/c o art. 109, XI, da CF-88. Tais as razões pelas quais, declaro nula a decisão agravada, nos termos do art. 113, 2º, do CPC, julgando prejudicado o presente recurso e reconheço a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito originário. Intimem-se. Oficie-se ao juízo da origem para as providências acerca da distribuição do processo originário nº 101/ à Justiça Federal. Porto Alegre, 22 de setembro de