MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E POLIVALÊNCIA: IMPLICADORES NA POLÍTICA DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE PEDAGOGOS?
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- Edison Zagalo Camarinho
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1 MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E POLIVALÊNCIA: IMPLICADORES NA POLÍTICA DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE PEDAGOGOS? Ana Lúcia Ferreira Aoyama Eliane Cleide da Silva Czernisz 1 Marleide Rodrigues da Silva Perrude Este texto é resultado de discussões desenvolvidas no Projeto de Pesquisa em Ensino Novo Currículo do Curso de Pedagogia: Processo de Construção do Trabalho Coletivo que analisa o currículo do Curso de Pedagogia implantado no ano de 2005 na Universidade Estadual de Londrina. Esse projeto vem sendo desenvolvido desde o ano de 2006 por docentes e discentes do Departamento de Educação da UEL a partir de estudos, análise e discussão do currículo, da relação entre as disciplinas na série e entre as séries, das formas de encaminhamento do curso no currículo em questão. A proposta aqui é promover uma reflexão sobre as mudanças do mundo do trabalho e os impactos no trabalho docente. Acreditamos que mudanças na forma de organização e gestão do trabalho incidem no trabalho docente de forma a promover um processo de precarização tendo desdobramentos na subjetividade docente, implicando em realização de atividades variadas, mas desprovidas de significado e sentido. Essa reflexão vem sendo realizada com base em estudos bibliográficos que oportunizam a discussão das formas de organização do trabalho na sociedade contemporânea e as exigências feitas ao trabalhador no que diz respeito ao aumento e complexidade da produção. São realizadas análises de documentos norteadores da formação de pedagogos como as últimas Diretrizes Curriculares aprovadas pelo Ministério da Educação (2006). Utilizamos também para as discussões A Descrição de Atividades do Professor Pedagogo da Rede Estadual Paranaense (2007), como elemento que de forma mais clara explicita o que vem sendo requerido na atuação de pedagogos. Percebemos, com base neste estudo, que as mudanças em curso no mundo do trabalho vêm alterando a rotina, a forma, e o conteúdo do trabalho docente. Exigências de 1 elicleic@sercomtel.com.br
2 produtividade e polivalência em face ao enxugamento de postos de trabalho vão se tornando cada vez mais comuns. Entendemos tratar-se de um processo que se desenvolveu de forma mais perceptível a partir de 1990 onde presenciamos um processo de redefinição política e econômica no cenário mundial. A crise capitalista engendrada a partir de 1970 traz como características um processo de reestruturação das forças produtivas buscando superar a rigidez do modo fordista de produção. De acordo com Harvey (1994, p ) nesse período ocorre: A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais de deflação. Nas discussões de Catani, Oliveira e Dourado (2001, p. 68) são feitas reflexões com o intuito de compreender as mudanças do mundo do trabalho e sua relação com a formação profissional. Características como eficiência, eficácia, competitividade, produtividade, são apresentadas pelos autores como conceitos que traduzem a luta pela sobrevivência no mundo dos negócios, num contexto de mudanças das forças produtivas que pode ser denominada por Harvey (1994, p. 140) como acumulação flexível. Diz o autor: A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de
3 desenvolvimento desigual tanto, tanto entre setores, como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado setor de serviços, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (...). Todas essas mudanças vem implicando num redimensionamento do mercado de trabalho. A formação passou a ser questão de ordem e em face disto passa a haver um questionamento à formas educativas pautadas pela pedagogia taylorista/fordista sendo substituída por uma forma de organização mais complexa e flexível. Alguns pesquisadores têm realizado discussões enfocando as mudanças no mundo do trabalho e a necessidade de repensar a formação e atuação profissional. Como foi explicitado por Kuenzer (1998) é papel do educador fazer a leitura e análise do projeto pedagógico mais amplo que em seu entendimento é gestado a partir das bases materiais de produção. Esse projeto pedagógico pode ser conferido no documento, Educação e Conhecimento: eixo da Transformação produtiva com Eqüidade elaborado pela Cepal e Unesco (1995), explicitando que a educação e o conhecimento são caminhos para objetivar a transformação produtiva. O ponto de partida tomado como referência para promover o desenvolvimento econômico são as tendências hoje marcantes na economia internacional (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 29), nas quais estão incluídas a revolução científica e tecnológica, a globalização progressiva dos mercados, a competitividade, a formação de recursos humanos, a readequação do Estado e as novas formas sob as quais se organizam as empresas. Para tanto, recomenda-se rever os sistemas educacionais, visto que passa-se a objetivar um novo perfil de trabalhador que seja competente e responsável. Solicita-se, então, uma formação centrada nos valores sociais próprios da cidadania moderna, destacados como responsabilidade social, solidariedade, tolerância e participação (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 54). Um outro exemplo é o Relatório Delors (2001), que estabelece que a educação é uma plataforma giratória para a vida toda. A crença é colocada na educação, que se apresenta como objeto de salvação e sobrevivência num futuro incerto, como descrito a seguir:
4 Hoje em dia, grande parte do destino de cada um de nós, quer o queiramos quer não, joga-se num cenário em escala mundial. Imposta pela abertura das fronteiras econômicas e financeiras, impelida por teorias de livre comércio, reforçada pelo desmembramento do bloco soviético, instrumentalizada pelas novas tecnologias de informação a interdependência planetária não cessa de aumentar, no plano econômico, científico, cultural e político. Sentida de maneira confusa por cada indivíduo, tornou-se para os dirigentes uma fonte de dificuldades. A conscientização generalizada desta globalização das relações internacionais constitui, aliás, em si mesma, uma dimensão do fenômeno. E, apesar das promessas que encerra, a emergência deste novo mundo, difícil de decifrar e, ainda mais, de prever, cria um clima de incerteza e, até, de apreensão, que torna ainda mais hesitante a busca de uma solução dos problemas realmente em escala mundial (DELORS, 2001, p. 35). Kuenzer (1998) chama a atenção para a necessidade de pensarmos a formação do educador que atua na escola, mas também em espaços não-formais. Essa defesa é feita em razão de que a sociedade capitalista traz como lógica inerente, processos de exclusão social cujas demandas precisam ser atendidas com o trabalho pedagógico alternativo que não necessariamente reproduza a escola. Este apontamento indica um outro caminho para os cursos de formação de pedagogos, ou seja, considerar as demandas que estão além da escola, e para isso é preciso, ao proceder à reformulação do currículo pensar a partir destas considerações o perfil de profissional que se quer. A especificidade do educador é traduzida pela: a compreensão histórica dos processos pedagógicos e a organização das práticas pedagógicas, para o que usará da economia, sem ser economista, da sociologia sem ser sociólogo, da história sem ser historiador, posto que seu objeto são os processos educativos historicamente determinados pelas
5 dimensões econômicas e sociais que marcam cada época (KUENZER, 1998, p.2 ). Percebemos a partir das idéias de Kuenzer a ampliação das perspectivas de formação e atuação do pedagogo anunciando a intensificação de exigências que correspondem às necessidades do contexto produtivo, para uma perspectiva de formação e atuação mais geral. Tal modelo, em nosso entendimento, encontra correspondência no modo de produção descrito como acumulação flexível, que requer profissionais polivalentes, competitivos, e que busquem constantemente processos de qualificação. Lembramos que em todo esse processo reivindicativo de uma formação que atenda as exigências da produtividade e de flexibilidade há também como lembraram Catani, Oliveira e Dourado (2001, p. 71) a emergência da Teoria do Capital Humano de forma revigorada. Dizem os autores: Na ótica empresarial tem prevalecido o entendimento de que os novos perfis profissionais e os modelos de formação exigidos atualmente pelo paradigma da produção capitalista podem ser expressos, resumidamente, em dois aspectos: polivalência e flexibilidade profissionais. Isto estaria posto, com maior ou menor intensidade, para os trabalhadores de todos os ramos e para todas as instituições educativas e formativas, especialmente as escolas e as universidades. De acordo com os autores as novas reivindicações passam a aparecer também nos currículos da educação básica exemplificados pelos autores com os parâmetros curriculares nacionais, as diretrizes curriculares do ensino médio e a reforma da educação superior. Analisando a discussão dos autores é possível constatar que a flexibilização é um dos elementos norteadores envolvendo os currículos que vislumbram possibilidades de formação mais rápida e diversificada visando atender às necessidades do contexto econômico e competitivo. Deste modo ocorre um problema, pois, se por um lado é coerente que a formação vislumbre necessidades de atendimento do contexto atual por outro lado é questionável
6 que as diretrizes curriculares de forma geral tenham que se submeter à lógica competitiva, flexível que é determinada pelo mundo do trabalho. Não negamos aqui que é preciso a formação de um profissional que saiba lidar com um universo de conhecimento mais amplo e dinâmico, no entanto isso não deve expressar uma sujeição ao mercado, caso contrário estaríamos nos rendendo aos objetivos vislumbrados pela teoria do capital do humano, pela transformação da educação em reduto do mercado. No campo da Pedagogia é possível constatar como tais questões estão influenciando. Os docentes são sutilmente envolvidos em discursos cujos pressupostos os impele ao exercício de tarefas condizentes com as necessidades de qualificação e classificação das instituições a que pertencem, numa seqüência de lógica mercantil. Passa a haver avaliações externas que envolvem alunos e cursos promovendo um ranqueamento das instituições formadoras. Professores e alunos envolvidos na lógica competitiva e meritocrática esforçam-se para corresponder às exigências externas e assim obter reconhecimento do trabalho pedagógico. Deixa de haver nesse processo uma reflexão que esmiúce os pressupostos da classificação de instituições via avaliação externa e do reconhecimento do trabalho referendado pelo ideário meritocrático. Freitas (2002) em análise sobre a formação de professores no Brasil comenta o peso de questões emanadas do mundo do trabalho que vem incidindo na educação. Para a autora: Estamos assim vivenciando, pelas políticas de formação, concepções que, pela desresponsabilização do Estado do financiamento público, pela individualização das responsabilidades sobre os professores, pela centralidade da noção de certificação de competências nos documentos orientadores da formação de professores, revelam um processo de flexibilização do trabalho docente em contraposição à profissionalização do magistério, condição pra uma educação emancipadora das novas gerações (FREITAS, 2002, p. 162). Entendemos que as Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia trazem características de todo esse processo de flexibilização oriundo do mundo do trabalho.
7 Uma análise mais apurada demonstra a amplitude do conceito de docência que não se restringe ao trabalho do pedagogo em sala de aula. Vejamos o texto: As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: 1- Planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da educação; 2- Planejamento execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; 3- Produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares (BRASIL, 2006, p. 2). Tais características podem ser analisadas também nas várias tarefas que o pedagogo deverá, ao final da formação, estar apto a realizar, como destacados nas diretrizes a partir do artigo 5º. Trata-se de mais uma constatação da face versátil e flexível que vem demarcando o perfil de pedagogo a ser formado no contexto em que as forças produtivas se reestruturam cujo aspecto negativo é a impossibilidade da realização da multiplicidade de tarefas designadas à responsabilidade desse profissional. Um outro documento que traz dados dessa reestruturação é a Descrição das Atividades para o Professor Pedagogo feito pela Secretaria Estadual de Educação (2007). Neste documento há o requisito de um pedagogo versátil e flexível trabalhando no espaço escolar, atendendo as necessidades da escola como um todo, fato que combina com a amplitude já destacada pelas Diretrizes Curriculares. Neste documento as atividades envolvem desde a efetivação da proposta pedagógica o que requer entendimento dos fundamentos políticos e pedagógicos até a realização de atividade mais instrumentais que envolvem e são necessárias ao dia a dia da escola. A única observação é que o pedagogo terá que ser polivalente e desenvolver tais ações. Entre as atividades destacamos algumas que demonstram a amplitude da responsabilidade desse profissional:
8 -Coordenar a construção coletiva e a efetivação da Proposta Pedagógica Curricular da Escola, a partir das Políticas Educacionais da SEED/PR e das Diretrizes Curriculares Nacionais e Estaduais; -Coordenar a organização do espaço-tempo escolar a partir do Projeto Político-Pedagógico e da Proposta Pedagógica Curricular da Escola, intervindo na elaboração do calendário letivo, na formação de turmas, na definição e distribuição do horário semanal das aulas e disciplinas, da hora-atividade, no preenchimento do Livro Registro de Classe de acordo com as Instruções Normativas da SEED e em outras atividades que interfiram diretamente na realização do trabalho pedagógico. -Coordenar a elaboração de critérios para aquisição, empréstimo e seleção de materiais, equipamentos e/ou livros de uso didáticopedagógico, a partir da Proposta Pedagógica Curricular e do Projeto Político-Pedagógico da Escola. -Ampliar os espaços de participação, de democratização das relações, de acesso ao saber da comunidade escolar; (SILVA, 2007). Os dados preliminares oriundos deste estudo têm destacado que a realização de tarefas vêm assumindo prioridade em detrimento da reflexão sobre os motivos que envolvem o fazer específico do pedagogo, assim como sobre a necessidade de reflexões mais aprofundadas sobre os rumos que tem seguido a formação. Entendemos que ocorre nesse processo uma forma de adaptação, não só das instituições às novas demandas de produção e produtividade, mas também do pedagogo. Ambos os fatos implicam um processo de redimensionamento da ação pedagógica tanto no âmbito da formação como no das escolas, o que representou em nosso entendimento uma forte reivindicação à polivalência.
9 Referências BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno.Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11. CATANI, Afrânio M. OLIVEIRA, João F. & DOURADO, Luiz F. Política Educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular nos cursos de graduação do Brasil. In: Educação e Sociedade, ano XXII, n. 75, Agosto/2001. CEPAL. UNESCO - Educação e conhecimento: Eixo da transformação produtiva com eqüidade. Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, DELORS, Jacques (Org). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo, Cortez; Brasília, DF:MEC:UNESCO, FREITAS, Helena Costa Lopes de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. In: Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p HARVEY, David. Condição Pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens s no mundo do trabalho: novos desafios para as faculdades de educação. In: Educação e Sociedade, Vol. 19, N. 63, Campinas, agosto de KUENZER, Acácia. A formação dos educadores no contexto de mudanças no mundo do trabalho: novos desafios para as faculdades de educação. In: Educação e Sociedade, V. 19, N. 63, Campinas, SILVA, Maria Ruth Sartori. Transcrição do Edital 10/2007 Seed/Pr que estabelece as Atribuições do Professor Pedagogo. Publicado em 01/10/2007.
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